Language of document : ECLI:EU:C:2012:595

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 27 de setembro de 2012 (1)

Processos apensos C‑356/11 e C‑357/11

O. (C‑356/11),

S.

contra

Maahanmuuttovirasto

e

Maahanmuuttovirasto (C‑357/11)

contra

L.

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Korkein hallinto‑oikeus (Finlândia)]

«Cidadania da União — Direito ao reagrupamento familiar — Aplicabilidade dos princípios estabelecidos no acórdão Ruiz Zambrano — Reagrupante, progenitor de uma criança cidadã da União, nascida de uma primeira união — Direito de residência do novo cônjuge do reagrupante, nacional de um Estado terceiro — Recusa baseada na inexistência de recursos suficientes — Direito ao respeito da vida familiar — Obrigação de tomar em consideração o interesse do menor»





1.        O direito de residência no território de um Estado‑Membro de um nacional de um Estado terceiro pode decorrer da cidadania da União de uma criança de quem esse nacional não é o progenitor mas sim o padrasto?

2.        Esta é, em suma, a questão que nos coloca o Korkein hallinto‑oikeus (Finlândia), no âmbito de dois pedidos de decisão prejudicial.

3.        Estes pedidos inscrevem‑se no âmbito de litígios que opõem o Maahanmuuttovirasto (autoridade nacional de imigração) a S., nacional ganesa (C‑356/11) e a L., nacional argelina (C‑357/11) (2), que solicitam ambas uma autorização de residência a favor dos respetivos cônjuges, O. e M., nacionais de Estados terceiros (3), ao abrigo do direito ao reagrupamento familiar consagrado na Diretiva 2003/86/CE (4). O Maahanmuuttovirasto indeferiu esses pedidos por considerar que os requerentes não dispunham de meios de subsistência suficientes para efeitos da sua residência no território finlandês.

4.        O órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se quanto à conformidade de tais decisões com os princípios que o Tribunal de Justiça estabeleceu no acórdão Ruiz Zambrano (5) e com a interpretação que o mesmo deu às disposições do Tratado FUE relativas à cidadania da União. Com efeito, S. e L. exercem, cada uma delas, a guarda exclusiva de um filho, cidadão da União, nascido de um primeiro casamento. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, tendo em conta as circunstâncias relacionadas com a situação familiar das pessoas em causa, o Maahanmuuttovirasto não era obrigado a conceder as autorizações de residência aos requerentes, a fim de evitar que os menores, que estão à guarda exclusiva das reagrupantes, sejam obrigados a deixar o território da União Europeia e fiquem assim privados do gozo dos direitos que lhes confere o seu estatuto de cidadão da União.

5.        As questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio convidam, por conseguinte, o Tribunal de Justiça a precisar o alcance e os limites dos princípios fixados no acórdão Ruiz Zambrano, já referido, no contexto especial de uma família recomposta na qual o requerente não exerce qualquer responsabilidade paternal nem financeira relativamente à criança cidadã da União.

I —    Quadro jurídico

A —    Regulamentação da União

1.      Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

6.        Por força do artigo 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (6), todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar.

7.        Por outro lado, nos termos do artigo 24.°, n.° 2, da Carta, todos os atos relativos a crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança. De acordo com o artigo 24.°, n.° 3, da Carta, as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos os progenitores, exceto se isso for contrário aos seus interesses.

2.      Diretiva 2003/86

8.        A Diretiva 2003/86 estabelece as condições em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de Estados terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros. De acordo com o seu segundo considerando, esta diretiva respeita os direitos fundamentais e, em particular, o direito ao respeito pela vida familiar, consagrado no artigo 8.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (7) e na Carta.

9.        O artigo 4.° da referida diretiva define o círculo de pessoas, familiares do requerente do reagrupamento, que podem, nessa qualidade, beneficiar do direito de residência. Entre estas, e em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2003/86, figura o cônjuge do requerente do reagrupamento.

10.      No que diz respeito às regras de análise do pedido de reagrupamento familiar, nos termos do artigo 5.°, n.° 5, dessa diretiva, o legislador da União impõe que os Estados‑Membros assegurem que o interesse superior dos filhos menores seja tido em consideração. Por força do artigo 17.° da referida diretiva, em caso de indeferimento de um pedido, de retirada ou de não renovação de uma autorização de residência, bem como de decisão de afastamento do requerente do reagrupamento ou de familiares seus, os Estados‑Membros devem igualmente ter em conta a natureza e a solidez dos laços familiares da pessoa e o seu tempo de residência no Estado‑Membro, bem como a existência de laços familiares, culturais e sociais com o Estado de origem.

11.      Os Estados‑Membros dispõem, contudo, de uma margem de manobra na aplicação dos requisitos para o exercício do direito ao reagrupamento. Assim, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2003/86, os Estados‑Membros podem exigir ao requerente do reagrupamento que disponha de recursos estáveis, regulares e suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa.

B —    Regulamentação finlandesa

12.      Para efeitos do § 37, n.° 1, da Ulkomaalaislaki (Lei dos estrangeiros), o cônjuge de uma pessoa residente na Finlândia é considerado membro da sua família.

13.      Nos termos do § 39, n.° 1, dessa lei, a concessão de uma autorização de residência está subordinada à condição de o estrangeiro dispor de meios de subsistência suficientes. No entanto, as autoridades competentes podem dispensar esta condição se circunstâncias excecionalmente graves justificarem essa derrogação ou se tal for exigido pelo interesse superior da criança.

14.      Por último, de acordo com o § 66a da referida lei, quando uma autorização de residência é pedida com fundamento na existência de um laço familiar, as autoridades competentes devem, no âmbito da sua análise, ter em conta a natureza e a solidez dos laços familiares do estrangeiro e o seu tempo de residência no Estado‑Membro em causa, bem como a existência de laços familiares, culturais e sociais com o seu Estado de origem.

II — Matéria de facto dos litígios no processo principal

A —    Processo C‑356/11

15.      S. tem nacionalidade ganesa e possui uma autorização de residência permanente na Finlândia. Em 4 de julho de 2001 casou‑se com um nacional finlandês, de quem teve um filho, nascido em 11 de julho de 2003. Este último, dado que tem nacionalidade finlandesa, é um cidadão da União. No entanto, o mesmo nunca fez uso do seu direito de livre circulação. Desde 2 de junho de 2005, a guarda exclusiva desta criança foi confiada a S., que se divorciou em 19 de outubro de 2005. O pai da criança reside na Finlândia. Resulta da decisão de reenvio que, durante a sua permanência nesse país, S. estudou, gozou uma licença de maternidade, seguiu uma formação e exerceu uma atividade profissional.

16.      Em 26 de junho de 2008, S. casou‑se com O., nacional da Costa Marfim. Nessa qualidade, este último apresentou ao Maahanmuuttovirasto um pedido de autorização de residência. Da sua união, nasceu na Finlândia, em 21 de novembro de 2009, uma criança com nacionalidade ganesa e da qual os progenitores têm a guarda comum. O. partilha o domicílio de S. e dos seus dois filhos. Resulta da decisão de reenvio que, em 1 de janeiro de 2010, O. celebrou um contrato de trabalho por um período de um ano, nos termos do qual devia trabalhar oito horas por dia e recebia uma remuneração de 7,50 euros por hora. Contudo, o mesmo não apresentou quaisquer documentos que atestassem que trabalhou, efetivamente, com base nesse contrato.

17.      Por decisão adotada em 21 de janeiro de 2009, o Maahanmuuttovirasto indeferiu, com base no § 39, n.° 1, primeiro parágrafo, da Lei dos estrangeiros, o pedido de autorização de residência apresentado por O., por entender que este não dispunha de meios de subsistência suficientes. Por outro lado, aquele organismo não considerou necessário derrogar essa condição, como a referida lei permite em presença de circunstâncias excecionalmente graves ou quando o interesse superior da criança o exija.

18.      Seguidamente, o Helsingin hallinto‑oikeus (tribunal administrativo de Helsínquia) (Finlândia) negou provimento ao recurso de anulação da referida decisão. O. e S. interpuseram, consequentemente, recurso dessa sentença para o órgão jurisdicional de reenvio.

B —    Processo C‑357/11

19.      O processo C‑357/11 apresenta fortes similitudes com o processo C‑356/11, uma vez que o laço que une a criança cidadã da União e o requerente se inscreve igualmente no âmbito de uma família recomposta. Em contrapartida, os factos do processo principal diferem no que diz respeito, nomeadamente, ao lugar de residência atual do requerente.

20.      Neste processo, L. tem nacionalidade argelina e uma autorização de residência permanente, na sequência da sua união com um nacional finlandês. Dessa união nasceu, em 2004, um filho, de nacionalidade finlandesa, o qual nunca fez uso do seu direito de livre circulação. Na sequência do divórcio proferido em 10 de dezembro de 2004, L. obteve a guarda exclusiva da criança. O pai desta criança reside na Finlândia.

21.      Em 19 de outubro de 2006, L. casou‑se com M., de nacionalidade argelina. No mês de março de 2006, este último viajou legalmente para a Finlândia, onde pediu asilo político e onde, segundo as suas alegações, vivia com L. desde abril de 2006. Em outubro de 2006, o mesmo foi repatriado para o seu Estado de origem. Em 29 de novembro de 2006, L. solicitou ao Maahanmuuttovirasto a concessão de uma autorização de residência a favor de M., com base na sua união e, em 14 de janeiro de 2007, deu à luz um filho de nacionalidade argelina, que está confiado à guarda conjunta do casal. Não se apurou se M. teve contacto com o seu filho.

22.      Resulta da decisão de reenvio que L. nunca exerceu qualquer atividade profissional durante a sua residência na Finlândia, vivendo de um subsídio de subsistência e de outras prestações.

23.      Pelos mesmos fundamentos expostos no âmbito da análise do pedido de autorização de residência de O. no processo C‑356/11, o Maahanmuuttovirasto indeferiu o pedido de autorização de residência de M. Em contrapartida, essa decisão foi anulada pelo Helsingin hallinto‑oikeus, o que levou o Maahanmuuttovirasto a interpor recurso para o órgão jurisdicional de reenvio.

24.      Nos presentes pedidos de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se quanto à aplicabilidade dos princípios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão Ruiz Zambrano, já referido. Com efeito, pergunta se, tendo em conta a recusa do Maahanmuuttovirasto de conceder uma autorização de residência aos requerentes, os seus cônjuges e as crianças confiadas à guarda destas não ficariam, na realidade, obrigados a deixar o território da União para poderem viver juntos.

25.      Foi neste contexto e a fim de dissipar as suas dúvidas que o Korkein hallinto‑oikeus decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, que estão formuladas em termos quase idênticos no que diz respeito à primeira questão.

III — Questões prejudiciais

A —    Processo C‑356/11

«1)      O artigo 20.° TFUE opõe‑se a que uma autorização de residência seja recusada ao nacional de um Estado terceiro por este não [dispor] de meios de subsistência, numa situação familiar em que o seu cônjuge tem a guarda de um menor com a cidadania da União e [esse] nacional de um Estado terceiro não é […] um dos progenitores biológicos desse menor nem o titular do [respetivo] direito de guarda?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, o impacto do artigo 20.° TFUE deve ser apreciado de modo diferente quando o nacional de um Estado terceiro, que não é titular de [uma] autorização de residência, o seu cônjuge e o menor, cuja guarda está confiada a este último e que tem a cidadania da União, vivem em comunhão familiar?»

B —    Processo C‑357/11

«1)      O artigo 20.° TFUE opõe‑se a que uma autorização de residência seja recusada ao nacional de um Estado terceiro por este não [dispor] de meios de subsistência, numa situação familiar em que o seu cônjuge tem [a] guarda de um menor com a cidadania da União e [esse] nacional de um Estado terceiro não é o pai biológico desse menor, não tem o [respetivo] direito de guarda e já não vive com o seu cônjuge ou com esse menor?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, o impacto do artigo 20.° TFUE deve ser apreciado de modo diferente quando o nacional de um Estado terceiro, que não é titular de [uma] autorização de residência e não reside na Finlândia tem, com o seu cônjuge, um filho [com] a cidadania de um Estado terceiro, [que] vive na Finlândia e está confiado à guarda de ambos os progenitores?»

26.      Foram apresentadas observações escritas pelas partes nos litígios no processo principal, pelos Governos dinamarquês, alemão, italiano, neerlandês e polaco, bem como pela Comissão Europeia.

IV — A nossa análise

27.      Com as suas primeiras questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em síntese, se as disposições do Tratado relativas à cidadania da União devem ser interpretadas no sentido de que conferem a um nacional de um Estado terceiro um direito de residência no Estado‑Membro onde residem legalmente o seu cônjuge, também nacional de um Estado terceiro, e o filho deste, cidadão da União nascido de um primeiro casamento, e isto apesar da insuficiência de meios de subsistência do requerente.

28.      Esta questão convida o Tribunal de Justiça a precisar o alcance e os limites dos princípios que estabeleceu no acórdão Ruiz Zambrano, já referido, no contexto particular de uma família recomposta, na qual um dos progenitores exerce um direito de guarda exclusiva relativamente a um filho, cidadão da União, nascido de um primeiro casamento.

29.      A questão é saber se, à luz dessa jurisprudência, o Estado‑Membro é obrigado a emitir uma autorização de residência ao requerente, apesar de este não ser o progenitor da criança cidadã da União e de não exercer qualquer responsabilidade paternal relativamente à mesma, sob pena de obrigar o novo agregado familiar a deixar o território da União e, por conseguinte, segundo a fórmula utilizada pelo Tribunal de Justiça, privar essa criança «do gozo efetivo do essencial dos direitos associados ao estatuto de cidadão da União».

30.      Na hipótese de o Tribunal de Justiça decidir que o Estado‑Membro não é obrigado a conceder tal autorização, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, com as suas segundas questões, se essas disposições do Tratado devem ser interpretadas de modo diferente atendendo às circunstâncias relacionadas com a situação familiar de cada um dos requerentes. No processo C‑356/11, o requerente, o seu cônjuge e o filho deste, cidadão da União, vivem em comunhão familiar na Finlândia. Em contrapartida, no processo C‑357/11, o requerente regressou ao seu Estado de origem, mas tem, com o seu cônjuge, um filho nacional de um Estado terceiro, que reside na Finlândia e se encontra sob a responsabilidade conjunta dos dois progenitores (8).

31.      Examinaremos estas questões à luz não apenas das disposições do Tratado relativas à cidadania da União, em particular do seu artigo 20.°, mas também da Diretiva 2003/86.

32.      Em contrapartida, não as analisaremos do ponto de vista das disposições relativas ao direito de livre circulação e de residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, constantes da Diretiva 2004/38/CE (9), dado que, em nosso entender, esta última não é aplicável.

33.      Resulta de jurisprudência constante que nem todos os nacionais de Estados terceiros retiram da Diretiva 2004/38 direitos de entrada e de residência num Estado‑Membro, mas apenas os que são membros da família, na aceção do artigo 2.°, ponto 2, dessa diretiva, de um cidadão da União que tenha exercido o seu direito de livre circulação ao estabelecer‑se num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional (10). Com efeito, como ainda recentemente o Tribunal de Justiça recordou no acórdão Dereci e o. (11), um cidadão da União que nunca tenha exercido o seu direito de livre circulação e que sempre tenha residido num Estado‑Membro do qual possui a nacionalidade não está abrangido pelo conceito de «titular», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, pelo que esta última não lhe é aplicável. Ora, nessas condições, o membro da sua família também não está abrangido por esse conceito, dado que os direitos conferidos por esta diretiva não são direitos próprios, mas direitos derivados, adquiridos na qualidade de membros da família do titular (12).

34.      No caso em apreço, os cidadãos da União em causa, ou seja os filhos de S. e de L., nunca fizeram uso do seu direito de livre circulação e sempre residiram na Finlândia, Estado‑Membro do qual possuem a nacionalidade. Consideramos, por conseguinte, como aliás a Comissão salienta nas suas observações, que os mesmos não estão abrangidos pelo conceito de «titular», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, pelo que esta última não lhes é aplicável nem aos membros da sua família.

A —    Quanto à aplicabilidade das disposições do Tratado relativas à cidadania da União

35.      Antes de mais, há que observar que, enquanto nacionais de um Estado‑Membro, os filhos de S. e de L. gozam do estatuto de cidadão da União, por força do artigo 20.°, n.° 1, TFUE, e, portanto, podem exercer os direitos relativos a tal estatuto, inclusive em relação ao Estado‑Membro do qual possuem a nacionalidade.

36.      Foi com base nessa disposição que, em substância, o Tribunal de Justiça, no processo que deu origem ao acórdão Ruiz Zambrano, já referido, se opôs a medidas nacionais que tinham por efeito privar os cidadãos do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto de cidadão da União (13).

37.      Nesse processo, o Tribunal de Justiça foi chamado a esclarecer se uma recusa de permanência e de uma autorização de trabalho por um Estado‑Membro a um nacional de um Estado terceiro produzia essa consequência, porque a pessoa em causa tinha a seu cargo os seus filhos de tenra idade, que, enquanto nacionais do referido Estado‑Membro, possuíam a cidadania da União. O Tribunal de Justiça declarou que tal recusa teria a consequência de esses filhos se verem obrigados a deixar o território da União para acompanhar os seus progenitores, o que, por esse motivo, os viria a privar da possibilidade de exercerem o essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto de cidadão da União (14).

38.      Não pensamos que esses princípios possam ser transpostos para situações como as que estão em causa no processo principal.

39.      Com efeito, os processos principais apresentam diferenças substanciais em relação ao processo que deu lugar ao acórdão Ruiz Zambrano, já referido.

40.      Resulta dos autos que os requerentes não são os pais das crianças de tenra idade cidadãos da União. Os requerentes não gozam de qualquer poder paternal em relação a estas crianças e não asseguram a sua subsistência. Com efeito, essas crianças estão sob a responsabilidade exclusiva das mães, que garantem, por conseguinte, sozinhas, a sua subsistência e a sua educação. Assim, a decisão do Maahanmuuttovirasto de indeferimento do pedido de autorização de residência dos requerentes, não priva os cidadãos da União do seu pai nem sequer de meios de subsistência, dado que estes são assegurados pelas respetivas mães, únicas titulares do direito de guarda, que, recordamos, beneficiam de uma autorização de residência permanente na Finlândia.

41.      É certo que não podemos excluir a hipótese de S. e de L. optarem por acompanhar os seus cônjuges para o respetivo Estado de origem, a fim de preservar a unidade da sua vida familiar. O facto de os filhos gozarem da cidadania da União não pode, de resto, traduzir‑se em «fixar‑lhes residência» no espaço da União, embora tenham sido investidas pelas autoridades judiciárias da própria União do pleno poder paternal.

42.      Em todo o caso, se S. e L. decidirem partir — o que nos parece pouco provável, nomeadamente no âmbito do processo C‑357/11, pelas razões que exporemos —, os filhos de tenra idade, cidadãos da União, não teriam, efetivamente, outra opção senão deixar o território da União e, por conseguinte, perderiam o gozo dos direitos que lhes confere o seu estatuto de cidadão da União. Pensamos, por isso, que o abandono do território da União seria livremente decidido pelas mães, por um motivo relacionado com a manutenção da vida familiar, e não seria imposto com fundamento na aplicação da legislação nacional.

43.      Ora, se tomarmos por referência os princípios que o Tribunal de Justiça estabeleceu no acórdão Dereci e o., já referido, não pensamos que um motivo desta natureza possa ser suficiente para constituir uma violação do artigo 20.° TFUE. Com efeito, no processo que deu lugar a esse acórdão, o Tribunal de Justiça adotou uma interpretação particularmente restritiva dos critérios fixados no acórdão Ruiz Zambrano, já referido. No n.° 68 da sua apreciação, o Tribunal de Justiça precisou, em particular, que, tratando‑se de um cidadão da União, o simples facto de lhe poder parecer desejável que um membro da sua família, nacional de um Estado terceiro, obtenha uma autorização de residência, por razões de ordem económica ou por motivos relacionados com a manutenção da unidade familiar, não basta, por si só, para se considerar que o cidadão da União é obrigado a abandonar o território da União caso tal autorização não seja concedida.

44.      Os fundamentos relacionados com a partida do cidadão da União do território desta estão, portanto, especialmente circunscritos na jurisprudência do Tribunal de Justiça. Visam situações nas quais o cidadão da União não tem outras opções senão acompanhar a pessoa a quem o direito de residência foi recusado, porque está a seu cargo, dependendo assim inteiramente dela para assegurar a sua subsistência e prover às suas necessidades.

45.      Estas situações podem dizer respeito a progenitores, nacionais de Estados terceiros, que têm a seu cargo filhos de tenra idade, cidadãos da União, como era o caso no processo que deu lugar ao acórdão Ruiz Zambrano, já referido. Podem igualmente contemplar filhos maiores que têm a seu cargo um progenitor, por doença ou invalidez. Em contrapartida, não abrangem um nacional de um Estado terceiro que não exerce qualquer responsabilidade relativamente ao cidadão da União, seja ela parental ou financeira. Com efeito, se fosse esse o caso, correríamos o risco de instituir um direito de residência dos nacionais de Estados terceiros unicamente com base no artigo 20.° TFUE e fora das disposições de direito derivado expressamente previstas pelo legislador da União nessa matéria, nomeadamente, a Diretiva 2003/86.

46.      Pensamos que não há motivos para alterar esta apreciação com base nas circunstâncias particulares referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio no quadro das suas segundas questões prejudiciais.

47.      No que diz respeito ao processo C‑356/11, a situação familiar do requerente caracteriza‑se pelo facto de o mesmo viver na Finlândia e coabitar com o seu cônjuge e o filho deste último.

48.      Evidentemente, esta circunstância não permite estabelecer um vínculo de filiação entre o requerente e o cidadão da União, e não altera a conclusão segundo a qual, apesar da coabitação do casal, apenas a mãe da criança cidadã da União, na medida em que tem a sua guarda exclusiva e exerce uma atividade por conta de outrem, assegura a sua subsistência. A este respeito, há que recordar que o requerente não logrou demonstrar que exercia, efetivamente, uma atividade profissional.

49.      No que diz respeito ao processo C‑357/11, a situação familiar do requerente caracteriza‑se pelo facto de ter sido repatriado para o seu Estado de origem e ter, com o seu cônjuge, um filho nacional de um Estado terceiro, que reside na Finlândia e se encontra sob a responsabilidade conjunta dos seus dois progenitores.

50.      Em nosso entender, essa circunstância não implica qualquer consequência quanto à interpretação do artigo 20.° TFUE que propomos que seja adotada, na medida em que, no que respeita à existência de um outro filho, nacional de um Estado terceiro, a referida interpretação não está relacionada com o estatuto próprio do filho cidadão da União.

51.      É certo que a existência desse segundo filho é suscetível de determinar que a mãe decida acompanhar o seu cônjuge para o seu Estado de origem, obrigando, por conseguinte, o filho cidadão da União a deixar o território da mesma. Ora, como indicámos, tal consequência decorreria, não de uma obrigação imposta pela aplicação da legislação nacional, mas antes de uma decisão deliberada da mãe.

52.      Os factos do processo C‑357/11 demonstram‑no particularmente bem. Com efeito, resulta dos elementos dos autos que o requerente nunca teve contacto com o seu filho. Por outras palavras, depois do regresso do requerente ao seu Estado de origem, L., mãe da criança cidadã da União, nunca foi à Argélia para se encontrar com o seu cônjuge e lhe apresentar o filho. Da mesma forma, e embora o seu afastamento não pareça estar associado a uma decisão de proibição de entrada no território, o requerente não considerou necessário visitar os membros da sua família que ficaram na Finlândia. Se tivermos em consideração o facto de L. residir legalmente na Finlândia há nove anos, período durante o qual teve um primeiro filho de nacionalidade finlandesa, de ela mesma dispor aí de uma autorização de residência permanente, bem como de rendimentos, e de só ter vivido com o seu companheiro durante um período relativamente breve de sete meses, não é evidente que opte por se juntar ao cônjuge no seu Estado de origem, obrigando assim o filho cidadão da União a deixar o território desta. Por conseguinte, o facto de este último poder ser privado do essencial dos direitos que retira do seu estatuto de cidadão da União depende assim, sobretudo, dos acasos e/ou das vicissitudes da vida conjugal da mãe, e não de uma obrigação imposta pela aplicação da legislação nacional.

53.      Por conseguinte, atendendo a este conjunto de elementos, consideramos que o artigo 20.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro recuse a residência no seu território a um nacional de um Estado terceiro por este não dispor de meios de subsistência suficientes, quando o referido nacional pretenda residir com o seu cônjuge, nacional de um Estado terceiro que permanece legalmente no referido Estado‑Membro, e com a criança cidadã da União nascida de um primeiro casamento do referido cônjuge.

54.      Somos igualmente de opinião de que não há motivos para interpretar essa disposição de modo diferente quando, em circunstâncias como as dos litígios nos processos principais, o nacional do Estado terceiro coabite com o seu cônjuge e o filho deste último no território do Estado‑Membro em causa. Também não há motivos para interpretar o artigo 20.° TFUE de modo diferente quando esse nacional tenha regressado ao seu Estado de origem, mas tenha, com o cônjuge, um filho nacional de um Estado terceiro, o qual reside no Estado‑Membro em causa e se encontra sob a responsabilidade conjunta dos seus dois progenitores.

55.      Em contrapartida, isso não prejudica a questão de saber se não deveria ser concedida uma autorização de residência aos requerentes, por força do direito relativo à proteção da vida familiar, nomeadamente do direito ao reagrupamento familiar consagrado no quadro da Diretiva 2003/86. Com efeito, as autorizações de residência pedidas nos processos principais visam permitir o reagrupamento de nacionais de Estados terceiros com os seus cônjuges, os quais são titulares de um direito de residência permanente no Estado‑Membro, e com o filho comum (15).

B —    Quanto ao direito ao reagrupamento familiar

56.      As condições em que um nacional de um Estado terceiro que reside legalmente no território de um Estado‑Membro pode exercer o seu direito ao reagrupamento familiar estão fixadas na Diretiva 2003/86. Esta diretiva é aplicável quando esse nacional tiver uma autorização de residência por prazo igual ou superior a um ano, quando o mesmo tiver uma perspetiva fundamentada de obter um direito de residência permanente e, por último, quando os membros da sua família forem nacionais de um Estado terceiro.

57.      Todas essas condições estão reunidas no quadro dos processos principais, dado que as reagrupantes, respetivamente de nacionalidade ganesa e argelina, possuem uma autorização de residência permanente na Finlândia e pedem a concessão de uma autorização de residência a favor dos seus cônjuges, nacionais de Estados terceiros, a fim de manter a unidade familiar.

58.      Por conseguinte, a Diretiva 2003/86 é efetivamente aplicável aos interessados.

59.      Segundo o Tribunal de Justiça, a autorização do reagrupamento familiar é a regra geral (16). No entanto, os Estados‑Membros podem sujeitá‑la ao cumprimento de um certo número de requisitos constantes dos artigos 6.° a 8.° dessa diretiva. Em especial, em conformidade com o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da referida diretiva, os Estados‑Membros podem exigir que o reagrupante apresente provas de que dispõe de recursos estáveis e regulares suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa.

60.      Foi com base nessa disposição e, em especial, no § 39, n.° 1, da Lei dos estrangeiros, que o Maahanmuuttovirasto indeferiu os pedidos de S. e de L. destinados ao reconhecimento de um direito ao reagrupamento familiar. Além disso, o mesmo considerou que não havia motivos para derrogar o princípio fixado na referida disposição, por entender que as circunstâncias não eram excecionais e que o interesse superior das crianças não o exigia.

61.      Atendendo aos princípios fixados no quadro da Diretiva 2003/86 e na jurisprudência do Tribunal de Justiça, parece‑nos importante que o órgão jurisdicional de reenvio se assegure de que as decisões do Maahanmuuttovirasto foram realmente adotadas com respeito pela vida familiar de S. e de L. e, em particular, de que foram tomadas tendo em consideração o interesse superior das crianças em causa.

62.      É verdade que o Tribunal de Justiça reconhece que os Estados‑Membros dispõem de uma certa margem de apreciação quando examinam os pedidos de reagrupamento familiar (17), em especial quando aplicam os critérios definidos no quadro da Diretiva 2003/86.

63.      Contudo, no que diz respeito ao critério definido no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), dessa diretiva, o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão Chakroun, já referido, que essa disposição devia ser interpretada de forma restritiva, de modo a não frustrar o objetivo da referida diretiva, que é favorecer o reagrupamento familiar, nem o efeito útil desta (18). Por outro lado, o Tribunal de Justiça considerou que os Estados‑Membros deviam exercer a sua margem de apreciação à luz do direito ao respeito pela vida familiar, que está consagrado no artigo 8.° da CEDH e que é garantido, nos mesmos termos, no artigo 7.° da Carta (19). A este respeito, o Tribunal de Justiça fez referência ao segundo considerando da Diretiva 2003/86, no qual o legislador da União exige que as medidas relativas ao agrupamento familiar sejam adotadas em conformidade com a obrigação de proteção da família e do respeito da vida familiar, tal como consagrada nas referidas disposições.

64.      Que significa isso, na prática, para efeitos do exame efetuado pelo órgão jurisdicional nacional?

65.      Para responder a esta questão, é útil recordar a grelha de análise adotada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, na qual se baseia largamente a nossa jurisprudência.

66.      O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considera que, de um modo geral, o direito ao respeito pela vida familiar não garante o direito de escolher o lugar mais apropriado para desenvolver uma vida familiar (20).

67.      Além disso, o mesmo entende que, visto a CEDH não garantir qualquer direito de um estrangeiro de entrar ou de residir no território de determinado Estado, como tal, os Estados têm o direito de controlar a entrada de estrangeiros no seu território, evidentemente sem prejuízo dos compromissos internacionais que tenham celebrado. Acresce que, em matéria de imigração, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considera que os Estados não estão obrigados a respeitar a escolha de uma residência comum por parte de pessoas estrangeiras casadas nem a permitir o reagrupamento familiar no seu território (21).

68.      No entanto, o mesmo reconhece que uma decisão adotada por um Estado em matéria de imigração e de reagrupamento familiar é suscetível de lesar o direito ao respeito da vida familiar, nomeadamente quando essa decisão conduz ao afastamento de uma pessoa de um Estado onde vivem membros da sua família (22).

69.      Por conseguinte, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem exige que a decisão em causa seja adotada em conformidade com as exigências fixadas no artigo 8.°, n.° 2, da CEDH. Assim, no quadro de uma análise caso a caso, o mesmo aprecia se essa decisão estava efetivamente «prevista na lei», era inspirada por um objetivo legítimo, como a manutenção da ordem pública, e era «necessária numa sociedade democrática», procedendo a um exame da proporcionalidade.

70.      O ponto decisivo da sua análise consiste em saber, em cada caso concreto, se foi garantido um justo equilíbrio entre o interesse geral, os interesses do casal e, se for caso disso, os da criança.

71.      No quadro da sua análise, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem examina numerosos fatores, relacionados com a situação individual e familiar de cada uma das pessoas em causa.

72.      No que diz respeito ao requerente, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem toma em consideração a sua nacionalidade, bem como a natureza dos laços sociais, culturais e familiares que aquele estabeleceu com o Estado de acolhimento e com o Estado de origem. Tem igualmente em conta, se for caso disso, a duração do seu casamento e o nascimento de filhos legítimos, bem como qualquer outro elemento que demonstre o caráter efetivo da vida familiar do casal. No que diz respeito ao cônjuge, tem em atenção a natureza e a gravidade das dificuldades com as quais poderia ser confrontado no Estado de origem do requerente (23).

73.      No seu entender, na ponderação dos diferentes interesses em jogo, o interesse superior da criança constitui a consideração determinante e pode, segundo a sua natureza e a sua gravidade, ter prevalência sobre o dos progenitores (24). O interesse da criança exige que os laços com a sua família sejam mantidos. Por conseguinte, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considera que só circunstâncias excecionais podem, em princípio, conduzir a uma rutura do laço familiar e que deve ser feito tudo para manter as relações pessoais e a unidade familiar ou «reconstituir» a família (25).

74.      A este respeito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem toma em consideração várias circunstâncias individuais relacionadas com a criança, a fim de determinar o seu interesse da melhor forma possível e assegurar o seu bem‑estar. O mesmo tem em conta, nomeadamente, a sua idade e a sua maturidade, bem como o seu grau de dependência em relação aos pais, e toma em consideração, a esse respeito, a presença ou a ausência destes últimos. Interessa‑se igualmente pelo ambiente no qual a criança vive e pela situação no Estado de origem do progenitor em causa, a fim de apreciar as dificuldades com as quais correria o risco de se ver confrontada nesse Estado (26).

75.      É tendo em conta o conjunto desses elementos e ponderando‑os em confronto com o interesse geral do Estado que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aprecia se este alcançou, na sua decisão, um justo equilíbrio e respeitou as prescrições do artigo 8.° da CEDH.

76.      Na aplicação da Diretiva 2003/86, os Estados‑Membros são igualmente obrigados a proceder a uma ponderação dos diferentes interesses em presença, tendo em conta, especialmente, os da criança. O Tribunal de Justiça reconheceu expressamente, no processo que deu lugar ao acórdão Parlamento/Conselho, já citado, referindo‑se, em larga medida, à jurisprudência que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem estabeleceu quanto ao respeito do artigo 8.° da CEDH (27).

77.      Recordamos que o direito ao respeito pela vida privada e familiar está garantido no artigo 7.° da Carta, nos mesmos termos que no artigo 8.°, n.° 1, da CEDH, o que, por força do artigo 52.°, n.° 3, da Carta, significa que o sentido e o âmbito desse direito devem ser determinados tendo em conta a jurisprudência estabelecida nessa matéria pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (28).

78.      Recordamos igualmente que, por força da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o direito ao respeito pela vida privada e familiar, garantido no artigo 7.° da Carta, deve ser interpretado em conjugação com a obrigação de tomar em consideração o interesse superior da criança, consagrada no artigo 24.°, n.° 2, da mesma carta (29). Por outras palavras, e em conformidade com as exigências desta última disposição, os Estados‑Membros devem ter primacialmente em conta o interesse superior da criança quando aplicam, por intermédio de uma autoridade pública ou de uma instituição privada, um ato legislativo relativo às crianças. Esta exigência é recordada expressamente no artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2003/86. Por outro lado, os Estados‑Membros devem assegurar que a criança possa manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com os seus dois progenitores (30).

79.      Em consequência, atendendo a estes elementos, pensamos que competirá ao órgão jurisdicional nacional apreciar se, na aplicação dos critérios definidos pela Diretiva 2003/86 e dentro do limite da margem de apreciação de que o Estado‑Membro dispõe nesta matéria, a autoridade nacional competente efetuou uma apreciação justa e equilibrada dos respetivos interesses de cada um, nomeadamente com a preocupação de respeitar a vida familiar das pessoas em causa e de determinar a melhor solução para a criança. Neste âmbito, o órgão jurisdicional nacional deverá proceder a um exame aprofundado do conjunto da situação familiar e ter em conta as circunstâncias particulares do caso em apreço, quer sejam de ordem factual, afetiva, psicológica ou material.

80.      No entanto, desejamos formular algumas observações relativas à situação das pessoas em causa em cada um dos casos em apreço.

81.      No âmbito do processo C‑356/11, coloca‑se a questão da «continuação» da vida familiar na Finlândia, dado que o requerente coabita com a reagrupante, o seu filho comum e o filho cidadão da União.

82.      Na verdade, o requerente não demonstrou que exercia uma atividade profissional suscetível de lhe fornecer rendimentos suficientes para satisfazer a condição fixada no § 39, n.° 1, da Lei dos estrangeiros. No entanto, questionamo‑nos em que medida o indeferimento do seu pedido e o estabelecimento da família na Costa do Marfim não acarretariam consequências demasiado gravosas para as crianças e a reagrupante.

83.      Em primeiro lugar, é do interesse da criança cidadã da União ter, tanto quanto possível, relações próximas com seu pai, que reside na Finlândia e que eventualmente goza de um direito de visita — salvo, evidentemente, se este último se tiver revelado particularmente indigno (31). A recusa de uma autorização de residência ao requerente e a deslocação da família para a Costa do Marfim acarretaria, de facto, a rutura desses laços, na medida em que seria mais difícil para as pessoas em causa manterem contactos regulares. Além disso, essa criança sempre viveu na Finlândia, no ambiente cultural, social e linguístico desse Estado‑Membro e tem feito aí a sua escolaridade. Por este motivo, existem poucos ou nenhuns laços com a República da Costa do Marfim. Mesmo estando numa idade em que a capacidade de adaptação é ainda grande, pensamos que o órgão jurisdicional nacional deverá ter em conta as dificuldades que a mesma é suscetível de encontrar se for desenraizada do seu meio habitual para viver no Estado de origem do requerente.

84.      Da mesma forma, é evidente que o interesse do filho comum exige, atendendo nomeadamente à sua tenra idade, que cresça no meio familiar e que os laços com o seu pai sejam mantidos.

85.      Em segundo lugar, resulta dos elementos dos autos que a reagrupante estudou, fez uma formação e exerceu uma atividade profissional na Finlândia, pelo que estabeleceu laços, não apenas pessoais e sociais, mas também económicos e profissionais neste Estado‑Membro. Por outro lado, a reagrupante conseguiu obter aí uma autorização de residência permanente. Por conseguinte, a questão é saber se se deve esperar de S. que opte entre, por um lado, abandonar a situação que adquiriu na Finlândia, renunciando assim às relações pessoais e económicas que constituem a sua vida privada e, por outro, renunciar à companhia do seu cônjuge, com o qual coabita e que constitui um elemento fundamental da sua vida familiar. Em qualquer caso, a recusa de autorização de residência ao seu cônjuge implicará numerosas consequências, a saber, em primeiro lugar, sobre as responsabilidades que sobre ela pesam enquanto mãe da criança cidadã da União, na medida em que é manifestamente do interesse desta última permanecer instalada na Finlândia, em segundo lugar, enquanto cônjuge de um nacional da Costa do Marfim e mãe de uma segunda criança com nacionalidade ganesa, na medida em que todos têm interesse em viver juntos, e, em terceiro lugar, sobre a sua situação pessoal e profissional, dado que é seguramente do seu interesse, tendo em conta a situação que adquiriu na Finlândia, continuar a residir neste Estado‑Membro.

86.      Em contrapartida, no âmbito do processo C‑357/11, coloca‑se a questão da «reunificação» da família, dado que o requerente já não coabita com a reagrupante. Este processo deve ser distinguido do primeiro, e isto tendo em conta dois elementos relacionados com a situação material do requerente.

87.      Em primeiro lugar, resulta dos elementos do processo que o requerente só coabitou com a sua companheira durante um período relativamente breve de sete meses, e que nunca teve contacto com o seu filho, atualmente com cinco anos e meio. Na verdade, o requerente foi afastado do território finlandês antes do nascimento desta criança. No entanto, e como já indicámos, não consta dos elementos dos autos que o seu afastamento estivesse associado a uma decisão de proibição de entrada no território finlandês. Por conseguinte, questionamo‑nos em que medida não era possível ao requerente visitar os membros da sua família e encontrar‑se com o seu filho. Da mesma forma, e segundo os referidos elementos, L., que é de nacionalidade argelina e que dispõe não só de uma autorização de residência permanente na Finlândia mas também de recursos financeiros, nunca viajou até ao seu Estado de origem para rever o seu cônjuge e apresentar‑lhe o filho comum. Em nosso entender, estes elementos não demonstram uma vontade real de viver em conjunto e, da parte do pai, um desejo real de ter contacto com o filho e de se ocupar do mesmo.

88.      Em segundo lugar, temos a convicção de que a vida familiar de L. e M. foi estabelecida num momento e se desenvolveu durante um período em que o casal estava informado de que a situação à luz das regras sobre a imigração era tal que a manutenção da vida familiar na Finlândia revestia, à partida, caráter precário (32). Com efeito, o requerente nunca obteve qualquer autorização de residência provisória na Finlândia e não satisfazia as condições fixadas na legislação nacional relativas aos recursos financeiros. Por conseguinte, ambos estavam seguramente em condições de prever, e isto num grau razoável, que existia um risco de afastamento e que a continuidade da vida familiar na Finlândia era frágil.

89.      Dito isto, não dispomos de todos os elementos para proceder a uma justa ponderação de todos os interesses em presença, para a qual é necessário, evidentemente, um contacto direto com as pessoas em causa, de que apenas as autoridades nacionais dispõem.

90.      Em consequência, atendendo a todos estes elementos, competirá ao órgão jurisdicional nacional apreciar se, na aplicação dos critérios definidos na Diretiva 2003/86 e dentro dos limites da margem de apreciação de que o Estado‑Membro dispõe nesta matéria, a autoridade nacional competente procedeu a uma apreciação justa e equilibrada dos interesses concorrentes em jogo, nomeadamente a preocupação de respeitar a vida familiar das pessoas em causa e determinar a melhor solução para a criança. Neste quadro, o mesmo órgão jurisdicional deverá proceder a um exame aprofundado da situação familiar e ter em conta as circunstâncias particulares do caso em apreço, quer sejam de ordem factual, afetiva, psicológica ou material.

V —    Conclusão

91.      À luz das considerações precedentes, propomos que o Tribunal de Justiça responda ao Korkein hallinto‑oikeus do seguinte modo:

1)      O artigo 20.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro recuse a residência no seu território a um nacional de um Estado terceiro por este não dispor de meios de subsistência suficientes, quando o referido nacional pretenda residir com o seu cônjuge, nacional de um Estado terceiro que permanece legalmente no referido Estado‑Membro, e com a criança cidadã da União, nascida de um primeiro casamento do referido cônjuge.

Não há motivos para interpretar essa disposição de modo diferente quando o nacional de um Estado terceiro coabite com o seu cônjuge e o filho deste no território do Estado‑Membro.

Também não há lugar a interpretar a referida disposição de modo diferente quando o nacional de um Estado terceiro tenha regressado ao seu Estado de origem mas tenha, com o seu cônjuge, um filho nacional de um Estado terceiro, o qual reside no Estado‑Membro em causa e se encontra sob a responsabilidade conjunta dos dois progenitores.

2)      Em contrapartida, competirá ao órgão jurisdicional nacional apreciar se, na aplicação dos critérios definidos na Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar, e dentro dos limites da margem de apreciação de que o Estado‑Membro dispõe nesta matéria, a autoridade nacional competente procedeu a uma apreciação justa e equilibrada dos interesses concorrentes em jogo, nomeadamente a preocupação de respeitar a vida familiar das pessoas em causa e determinar a melhor solução para a criança. Neste quadro, o mesmo órgão jurisdicional deverá proceder a um exame aprofundado da situação familiar e ter em conta as circunstâncias particulares do caso em apreço, quer sejam de ordem factual, afetiva, psicológica ou material.


1 —      Língua original: francês.


2 —      A seguir, conjuntamente, «reagrupantes».


3 —      A seguir, conjuntamente, «requerentes».


4 —      Diretiva do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO L 251, p. 12).


5 —      Acórdão de 8 de março de 2011 (C‑34/09, Colet., p. I‑1177).


6 —      A seguir «Carta».


7 —      Convenção assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, a seguir «CEDH».


8 —      Este é igualmente o caso no processo C‑356/11.


9 —      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 38/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77), e retificações (JO 2004, L 229, p. 35, e JO 2005, L 197, p. 34).


10 —      Acórdão de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, Colet., p. I‑6241, n.° 73).


11 —      Acórdão de 15 de novembro de 2011 (C‑256/11, Colet., p. I‑11315).


12 —      N.os 53 a 56 e jurisprudência referida.


13 —      N.° 42.


14 —      N.os 43 e 44.


15 —      Resulta de jurisprudência constante que, com vista a dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional que lhe submeteu uma questão prejudicial, o Tribunal de Justiça pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União às quais o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão (v., a este respeito, acórdão de 19 de abril de 2012, Bonnier Audio AB, C461/10, n.° 47 e jurisprudência referida).


16 —      Acórdão de 4 de março de 2010, Chakroun (C‑578/08, Colet., p. I‑1839, n.° 43).


17 —      Acórdão de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, Colet., p. I‑5769, n.° 59).


18 —      Acórdão Chakroun, já referido, n.° 43.


19 —      Acórdão Parlamento/Conselho, já referido, n.os 52 e segs.


20 —      V. TEDH, acórdão Ahmut c. Países Baixos de 28 de novembro de 1996, Recueil des arrêts et décisions 1996‑VI, p. 2030, § 71.


21 —      V. TEDH, acórdãos Gül c. Suíça de 19 de fevereiro de 1996, Recueil des arrêts et décisions 1996‑I, p. 174, § 38; Ahmut c. Países Baixos, já referido, § 67; e Şen c. Países Baixos de 21 de dezembro de 2001, Recueil des arrêts et décisions 2001‑I, § 36. V., igualmente, para jurisprudência recente, TEDH, acórdão Bajsultanov c. Áustria de 12 de junho de 2012, § 78 e jurisprudência referida.


22 —      V., nomeadamente, TEDH, acórdãos Boultif c. Suíça de 2 de agosto de 2001, § 39 e jurisprudência referida, bem como Bajsultanov c. Áustria, já referido, § 78 e jurisprudência referida.


23 —      V. TEDH, acórdãos Boultif c. Suíça, já referido, § 48, e Nunez c. Noruega de 28 de setembro de 2011, § 70.


24 —      Sobre o interesse superior da criança na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, v., nomeadamente, TEDH, acórdão Neulinger e Shuruk c. Suíça de 6 de julho de 2010, §§ 49 a 64.


25 —      Ibidem, § 136 e jurisprudência referida.


26 —      V. TEDH, acórdãos Şen c. Países Baixos, já referido, § 37, bem como Rodrigues da Silva e Hoogkamer c. Países Baixos, de 31 de janeiro de 2006, Recueil des arrêts et décisions 2006‑I, § 39, e orientações do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), relativas à determinação do interesse superior da criança, documento publicado pelo ACNUR no mês de maio de 2008, disponível no endereço Internet http://www.unhcr.fr/4b17de746.html.


27 —      N.os 62 a 66 e jurisprudência referida.


28 —      Acórdão de 22 de dezembro de 2010, DEB (C‑279/09, Colet., p. I‑13849, n.° 35).


29 —      Acórdão Parlamento/Conselho, já referido, n.° 58.


30 —      Os direitos consagrados na Carta inspiram‑se diretamente nos direitos consagrados no quadro da Convenção sobre os Direitos da Criança, que foi adotada em 20 de novembro de 1989 e entrou em vigor em 2 de setembro de 1990 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1577, p. 3). V., em especial, artigos 3.°, n.° 1, 9.°, n.os 1 e 3, bem como 10.° dessa convenção.


31 —      V. observação geral n.° 17 da Comissão dos Direitos do Homem, relativa ao artigo 24.° do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, que foi adotado em 19 de dezembro de 1966 pela Assembleia Geral das Nações Unidas e entrou em vigor em 23 de março de 1976.


32 —      O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que, quando é esse o caso, só em circunstâncias particularmente excecionais a repatriação do membro da família que não tem nacionalidade do Estado de acolhimento constitui uma violação do artigo 8.° da CEDH (v. TEDH, acórdão Rodrigues da Silva e Hoogkamer c. Países Baixos, já referido, § 39 e jurisprudência referida).