Language of document : ECLI:EU:C:2011:284

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 5 de Maio de 2011 (1)

Processos apensos C‑244/10 e C‑245/10

Mesopotamia Broadcast A/S METV e Roj TV A/S

contra

República Federal da Alemanha

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Alemanha)]

«Coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva – Faculdade de um Estado‑Membro impedir, no seu território, a actividade de um organismo de radiodifusão televisiva, estabelecido noutro Estado‑Membro, com fundamento em violação do entendimento entre os povos»





1.        Nos presentes processos, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre o âmbito da condição, prevista no artigo 22.°A da Directiva 89/552/CEE, do Conselho (2), segundo a qual as emissões televisivas emitidas a partir de um Estado‑Membro não devem conter qualquer incitamento ao ódio por razões de raça, sexo, religião ou nacionalidade.

2.        O Bundesverwaltungsgericht (Alemanha) pretende saber se esta condição deve ser interpretada no sentido de que inclui a exigência prevista no seu direito interno, segundo a qual uma emissão televisiva não deve infringir o entendimento entre os povos.

3.        O objectivo desta questão prende‑se com a circunstância de, em conformidade com o sistema previsto pela directiva, um Estado‑Membro não poder impor entraves à transmissão de uma emissão televisiva proveniente de outro Estado‑Membro por um motivo abrangido pelos domínios coordenados pela directiva, salvo nas condições excepcionais previstas por esta, depois de ter notificado a Comissão Europeia das medidas que pretende adoptar.

4.        A referida questão tem origem na interdição da difusão na Alemanha de emissões transmitidas por uma cadeia de televisão dinamarquesa, baseada no facto de estas emissões fazerem a apologia do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e, deste modo, violarem o entendimento entre os povos na acepção da lei alemã, enquanto as autoridades dinamarquesas competentes consideraram que as referidas emissões não violavam o disposto no artigo 22.°A da directiva.

5.        Nas presentes conclusões, apresentarei as razões pelas quais a interdição de qualquer incitamento ao ódio por razões de raça e de nacionalidade referida no artigo 22.°A da directiva deve ser compreendida, de um ponto de vista semântico, no sentido de que proíbe igualmente emissões que, ao fazerem a apologia de um grupo qualificado como «terrorista» pela União Europeia, são susceptíveis de gerar reacções de animosidade ou de rejeição entre comunidades de origem étnica ou cultural diferente.

6.        Indicarei igualmente que esta interpretação é a mais conforme com o objectivo da directiva, de assegurar a liberdade de transmissão de emissões televisivas suprimindo os obstáculos resultantes das desigualdades entre as legislações nacionais no domínio da protecção da ordem pública no que respeita às emissões de natureza discriminatória.

I –    Quadro jurídico

A –    Directiva

7.        A directiva parte da constatação de que as disparidades existentes nas legislações dos Estados‑Membros no que respeita ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva são de natureza a entravar a livre circulação de emissões na Comunidade Europeia e que estes entraves devem ser suprimidos, por força do Tratado (3). Visa, assim, a harmonização necessária e suficiente para assegurar esta livre circulação (4).

8.        Além disso, segundo o oitavo considerando da directiva, a livre circulação dos serviços de radiodifusão televisiva constitui uma manifestação específica, no direito comunitário, do n.° 1 do artigo 10.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH») (5).

9.        A directiva assenta no «princípio do Estado‑Membro de origem», que é uma outra manifestação do princípio de reconhecimento mútuo, segundo o qual, nos termos do seu décimo segundo considerando, é necessário e suficiente que todas as emissões respeitem a legislação do Estado‑Membro de onde provêm.

10.      Os décimo quarto e décimo quinto considerandos da directiva especificam:

«Considerando que é necessário, no âmbito do mercado comum, que todas as emissões provenientes da Comunidade e destinadas a ser captadas no seu interior e, nomeadamente, as emissões destinadas a um outro Estado‑Membro respeitem a legislação do Estado‑Membro de origem aplicável às emissões destinadas ao público desse Estado‑Membro, bem como as disposições da presente directiva.

Considerando que a obrigação do Estado‑Membro de origem de se assegurar de que as emissões são conformes com a legislação nacional, tal como coordenada pela presente directiva, é suficiente, no que diz respeito ao direito comunitário, para garantir a livre circulação das emissões, sem que seja necessário um segundo controlo pelos mesmos motivos nos Estados‑Membros receptores; que, no entanto, o Estado‑Membro receptor pode, a título excepcional e em condições específicas, suspender provisoriamente a retransmissão de emissões televisivas».

11.      As intenções do legislador comunitário expressas nestes considerandos são executadas da maneira a seguir expressa nas disposições normativas da directiva.

12.      Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da directiva, cada Estado‑Membro velará por que todas as emissões de radiodifusão televisiva transmitidas por organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição respeitem a legislação aplicável às emissões destinadas ao público nesse Estado‑Membro.

13.      O artigo 1.°, alínea b), da directiva, define um organismo de radiodifusão televisiva como a pessoa singular ou colectiva que assume a responsabilidade editorial pela composição de grelhas de programas de televisão, na acepção da alínea a) desse artigo, e que os transmite ou faz transmitir por terceiros.

14.      Nos termos do artigo 2.°, n.os 2 e 3, da directiva, os organismos de radiodifusão televisiva sob a jurisdição de um Estado‑Membro são os estabelecidos nesse Estado‑Membro, isto é, que têm a sua sede social efectiva nesse Estado‑Membro e cujas decisões editoriais relativas à programação são tomadas nesse Estado‑Membro.

15.      Nos termos do artigo 3.°, n.° 2, da directiva, os Estados‑Membros assegurarão, através dos meios apropriados e no âmbito das respectivas legislações, a efectiva observância das disposições da referida directiva por parte dos organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição.

16.      O artigo 2.°A da directiva dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros assegurarão a liberdade de recepção e não colocarão entraves à retransmissão nos seus territórios de emissões de radiodifusão televisiva provenientes de outros Estados‑Membros por razões que caiam dentro dos domínios coordenados pela presente directiva.

2.      Os Estados‑Membros podem derrogar, provisoriamente, as disposições do n.° 1, caso se encontrem reunidas as seguintes condições:

a)      Uma emissão televisiva proveniente de outro Estado‑Membro infrinja manifesta, séria e gravemente os n.os 1 e 2 do artigo 22.° e/ou o artigo 22.°A;

b)      O organismo de radiodifusão televisiva tenha infringido a(s) disposição(ões) prevista(s) na alínea a), pelo menos duas vezes no decurso dos doze meses precedentes;

c)      O Estado‑Membro em causa tenha notificado por escrito o organismo de radiodifusão televisiva e a Comissão das alegadas violações e das medidas que tenciona tomar no caso de tal violação voltar a verificar‑se;

d)      As consultas entre o Estado‑Membro de transmissão e a Comissão não tenham conduzido a uma resolução amigável, no prazo de quinze dias a contar da notificação prevista na alínea c), persistindo a alegada violação.

A Comissão tomará posição mediante decisão, no prazo de dois meses a contar da notificação das medidas tomadas pelo Estado‑Membro, sobre a sua compatibilidade com o direito comunitário. Em caso de decisão negativa, será solicitado ao Estado‑Membro que ponha urgentemente termo à medida em causa.

3.      O disposto no n.° 2 não prejudica a aplicação de qualquer procedimento, medida ou sanção contra as referidas violações no Estado‑Membro sob cuja jurisdição se encontre o organismo de radiodifusão televisiva em causa».

17.      Os artigos 22.° e 22.°A da directiva fazem parte do seu capítulo V, intitulado «Protecção dos menores e ordem pública». Dispõem:

«Artigo 22.°

1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas apropriadas para assegurar que as emissões televisivas dos organismos de radiodifusão sob a sua jurisdição não incluam quaisquer programas susceptíveis de prejudicar gravemente o desenvolvimento físico, mental ou moral dos menores, nomeadamente programas que incluam cenas de pornografia ou de violência gratuita.

[…]

Artigo 22.°A

Os Estados‑Membros assegurarão que as emissões não contenham qualquer incitamento ao ódio por razões de raça, sexo, religião ou nacionalidade».

B –    Direito nacional

18.      A lei relativa às associações (Gesetz zur Regelung des öffentlichen Vereinsrechts), de 5 de Agosto de 1964 (6), prevê, no § 3.°, que dispõe que uma associação pode ser considerada proibida quando as autoridades competentes determinarem, por despacho, que os seus fins ou actividade são contrários à legislação penal ou infringem a ordem constitucional ou a ideia de entendimento entre os povos.

19.      O § 18.° do Vereinsgesetz, quanto à proibição de associações com a sede no estrangeiro, dispõe:

«As proibições que abrangem associações que têm a sua sede fora do âmbito de aplicação geográfica da presente lei mas nele têm sub‑organizações apenas abrangem as sub‑organizações neste âmbito de aplicação. Caso a associação não disponha de uma organização no âmbito de aplicação geográfica desta lei, a proibição abrange […] a sua actividade neste âmbito de aplicação.

II – Matéria de facto e questões prejudiciais

20.      A Mesopotamia Broadcast A/S METV (a seguir «Mesopotamia Broadcast METV») é uma sociedade anónima holding de direito dinamarquês com sede na Dinamarca. É titular de várias licenças dinamarquesas de radiodifusão televisiva e explora, entre outras, a estação de televisão Roj TV A/S (a seguir «Roj TV»), também constituída sob a forma jurídica de uma sociedade anónima dinamarquesa.

21.      Desde 1 de Março de 2004, a programação da Roj TV, produzida predominantemente em língua curda, é emitida via satélite para toda a Europa, bem como para o Médio Oriente, em especial a Turquia. As emissões da Roj TV são produzidas pela sociedade produtora WIKO, com sede em Wuppertal (Alemanha), bem como em centros de produção próprios, localizados em Denderleeuw (Bélgica).

22.      Em 2006 e 2007, as autoridades turcas apresentaram queixas à comissão dinamarquesa da rádio e da televisão, competente para a aplicação da legislação em vigor nesse país relativa à transposição da directiva, acusando a Roj TV de, através das suas emissões, favorecer os objectivos do PKK, classificado pela União como uma organização terrorista.

23.      Por decisões de 3 de Maio de 2007 e de 23 de Abril de 2008, esta comissão entendeu que a Roj TV não violou as disposições dinamarquesas relativas à transposição dos artigos 22.° e 22.°A da directiva. Em sua opinião, as emissões da Roj TV objecto das queixas não incitam ao ódio por razões de raça, nacionalidade ou religião. Transmitiam informações, notícias e opiniões como parte de programas noticiosos e de debate. As imagens transmitidas sobre episódios violentos reflectiam a violência efectivamente existente na sociedade turca e nos territórios curdos.

24.      Por decisão de 13 de Junho de 2008, o Ministério Federal do Interior alemão proibiu a Mesopotamia Broadcast METV de, no âmbito de aplicação da Vereinsgesetz, actuar por meio da Roj TV. Impôs igualmente uma proibição de actividade à Roj TV.

25.      O Ministério Federal do Interior alemão justificou estas proibições com o facto de, designadamente, as emissões da Roj TV aprovarem o recurso à violência para alcançar os objectivos políticos prosseguidos pelo PKK e nas relações entre os turcos e os curdos, violando assim o entendimento entre os povos na acepção da Vereinsgesetz.

26.      Estas decisões de proibição foram contestadas pela Mesopotamia Broadcast METV e pela Roj TV perante o Bundesverwaltungsgericht.

27.      As recorrentes alegaram que as suas actividades transfronteiriças no domínio da radiodifusão televisiva são abrangidas pela directiva e que, de acordo com esta, só o Reino da Dinamarca, em cujo território estão estabelecidas, pode exercer um controlo sobre as mesmas actividades.

28.      Na sua decisão de reenvio, o Bundesverwaltungsgericht salienta que os programas emitidos pela Mesopotamia Broadcast METV através da Roj TV efectivamente exaltam a luta de guerrilha levada a cabo pelo PKK contra a República da Turquia, caindo assim no âmbito de aplicação da proibição das violações do entendimento entre os povos na acepção da Vereinsgesetz.

29.      Refere que, em razão disso, este fundamento de proibição é aplicável quando um grupo apoia um movimento que afecta a coexistência pacífica entre os povos pelo exercício da violência.

30.      Recorda, no entanto, que, de acordo com a directiva, um Estado‑Membro não tem o direito de proibir a difusão de emissões provenientes de outro Estado‑Membro por um motivo abrangido pelos domínios coordenados por esta.

31.      Por essa razão, o Bundesverwaltungsgericht decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça, nos dois processos, a questão de saber «se e, eventualmente, em que condições, a aplicação de uma norma de direito nacional relativa à proibição de uma associação por violação da ideia de entendimento entre os povos está abrangida pelo domínio coordenado pela [directiva] e se, por conseguinte, está excluída por força do artigo 2.°A da [mesma]».

32.      Os dois processos foram apensos por despacho de 3 de Agosto de 2010.

III – Apreciação

A –    Observações preliminares

33.      Antes de apreciar a questão apresentada, é necessário especificar o seu objectivo.

34.      Tal como resulta da decisão de reenvio e das explicações das partes na audiência, as medidas controvertidas adoptadas pelas autoridades alemãs têm por efeito proibir qualquer actividade da Roj TV na Alemanha, bem como a difusão nesSe território, num contexto público, das emissões televisivas dessa sociedade difundidas a partir da Dinamarca.

35.      A Mesopotamia Broadcast METV, que explora a Roj TV, tem o direito de invocar contra as autoridades alemãs competentes as disposições da directiva destinadas a assegurar a livre circulação das suas emissões de televisão.

36.      Com efeito, esta sociedade dinamarquesa é‑nos descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio como um organismo de radiodifusão televisiva na acepção do artigo 1.°, n.° 1, alínea b), da directiva, que transmite programas televisivos destinados ao público, na acepção do seu artigo 1.°, alínea a), e que é abrangido pela competência do Reino da Dinamarca, nos termos do disposto no artigo 2.°, n.os 2 e 3, da referida directiva, dado que a sua direcção central, na qual são tomadas as decisões relativas à programação, se encontra no território desse Estado‑Membro.

37.      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio especificou que, contrariamente ao que terão considerado as autoridades alemãs, não resulta dos autos que a actividade da referida sociedade se dirigia total ou principalmente para a Alemanha. Referiu que a Roj TV transmitia as suas emissões à totalidade da Europa Ocidental e ao Médio Oriente, e não só aos curdos residentes na Alemanha.

38.      Portanto, as autoridades alemãs competentes não dispunham de elementos suficientes para poderem equiparar a Mesopotamia Broadcast METV a um organismo de radiodifusão nacional, com base na jurisprudência referida no décimo quarto considerando da Directiva 97/36 (7).

39.      Por conseguinte, esta sociedade tem o direito de invocar o artigo 2.°A da directiva, por força do qual um Estado‑Membro, como a República Federal da Alemanha, não pode opor‑se à retransmissão nos seus territórios de emissões de radiodifusão televisiva pela referida sociedade através da Roj TV, por razões relativas aos domínios coordenados pela directiva, isto é, no que respeita aos presentes processos, com o fundamento de que estas emissões contêm incitamentos ao ódio por razões de raça, sexo, religião ou nacionalidade.

40.      Em conformidade com o sistema instaurado pela directiva e como se refere no décimo quinto considerando da mesma, o controlo exercido pelo Estado‑Membro de origem sobre as emissões televisivas dos organismos de radiodifusão abrangidos pela sua competência é considerado suficiente para garantir que as exigências da directiva, como as enunciadas no artigo 22.°A, são respeitadas. Os Estados‑Membros receptores não estão autorizados a exercer um segundo controlo do respeito das mesmas exigências.

41.      Segundo este sistema, se um Estado‑Membro receptor tiver uma apreciação diferente quanto ao cumprimento das referidas exigências, só pode actuar no quadro do procedimento previsto no artigo 2.°A, n.° 2, da directiva, que, designadamente, lhe exige que notifique o organismo de radiodifusão televisiva em causa e a Comissão das medidas que tenciona tomar e que, na ausência de uma resolução amigável, se essas medidas forem adoptadas, prevê que esta instituição possa convidar o referido Estado‑Membro a pôr‑lhes termo.

42.      No entanto, como refere o artigo 2.°A, n.° 1, da directiva, só é inadmissível um segundo controlo pelo Estado‑Membro receptor nos domínios coordenados pela directiva. Noutros termos, a proibição de um segundo controlo pelos Estados‑Membros receptores só é válida quando este controlo devia ser efectuado pelo Estado‑Membro de origem. Como foi diversas vezes recordado na jurisprudência, a directiva não procede a uma harmonização completa das normas relativas aos domínios que abrange (8).

43.      É por essa razão que o órgão jurisdicional de reenvio procura saber se uma proibição como a estabelecida pela Vereingesetz, que permite impedir a difusão de emissões televisivas que violem a ideia de entendimento entre os povos, pode ser considerada já contida na obrigação enunciada no artigo 22.°A da directiva, segundo a qual essas emissões não devem conter qualquer incitamento ao ódio por razões de raça, sexo, religião ou nacionalidade.

44.      O que está em causa na resposta à questão apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio revela‑se assim muito claramente.

45.      Trata‑se de saber se as autoridades alemãs competentes podiam proibir unilateralmente a retransmissão das emissões em causa ou se tinham a obrigação de respeitar as condições previstas no artigo 2.°A, n.° 2, da directiva.

46.      Na primeira hipótese, as medidas adoptadas por essas autoridades contra as emissões da Mesopotamia Broadcast METV eram abrangidas pelo âmbito de aplicação das disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços. Incumbia, pois, ao julgador nacional verificar se as proibições impugnadas nos processos principais eram justificadas por uma razão legítima e se eram proporcionadas face a esse objectivo.

47.      A este respeito, não se pode contestar com seriedade que um Estado‑Membro, em cujo território coabitam importantes comunidades turcas e curdas, podia considerar legitimamente que emissões de televisão que fazem a apologia do PKK, que foi qualificado como «grupo terrorista» pelo Conselho da União Europeia (9), eram susceptíveis de perturbar a ordem pública. Incumbiria ainda ao juiz nacional verificar se as proibições em causa se integravam numa acção coerente e sistemática de protecção da ordem pública e eram proporcionadas.

48.      Na segunda hipótese, a acção unilateral das autoridades alemãs deve ser considerada contrária à directiva. No entanto, esta interpretação do artigo 22.°A da directiva não deve ser entendida no sentido de que emissões que violem a ideia de entendimento entre os povos segundo o direito alemão podem ser difundidas livremente nos Estados‑Membros.

49.      Cumpre especificar que esta interpretação deve ser entendida no sentido de que o Estado‑Membro de origem, que tem o dever de se assegurar de que as emissões dos organismos de radiodifusão sob a sua jurisdição respeitam as exigências do artigo 22.°A da directiva, devia verificar se essas emissões não violam a ideia de entendimento entre os povos.

50.      Recorde‑se que é unicamente porque esse controlo deve ter sido efectuado pelo Estado‑Membro de origem que os Estados‑Membros receptores, que têm uma apreciação divergente quanto ao respeito do disposto neste artigo 22.°A, só podem actuar no quadro do procedimento previsto no artigo 2.°A, n.° 2, da directiva.

51.      O que está em causa nos presentes processos não é, pois, especificar o conteúdo do limite à liberdade de expressão enunciado no artigo 22.°A da directiva. É facto assente que o direito fundamental à liberdade de expressão enunciado no artigo 11.° da Carta constitui o princípio e que os limites a esse princípio, tais como previstos no artigo 22.°A da directiva, devem ser objecto de interpretação estrita.

52.      O que está em causa nos presentes processos consiste em determinar o âmbito da transferência de competência no que respeita à protecção da ordem pública que os Estados‑Membros pretenderam atribuir ao artigo 22.°A da directiva.

53.      É à luz destas considerações que proponho que o Tribunal de Justiça analise a questão apresentada pelo Bundesverwaltungsgericht.

B –    Análise da questão prejudicial

54.      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o âmbito de aplicação do artigo 22.°A da directiva abrange emissões susceptíveis de violar a ideia de entendimento entre as comunidades de origem turca e curda residentes na Alemanha ao fazerem a apologia do PKK.

55.      Pergunta, assim, no essencial, se o artigo 22.°A da directiva, segundo o qual os Estados‑Membros assegurarão que as emissões não contenham qualquer incitamento ao ódio por razões de raça, sexo, religião ou nacionalidade, deve ser interpretado no sentido de que proíbe igualmente as emissões que, ao fazerem a apologia de um grupo qualificado de «terrorista» pela União, são susceptíveis de gerar reacções de animosidade ou de rejeição entre comunidades de origem étnica ou cultural diferente.

56.      O órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas sobre a possibilidade de responder afirmativamente a esta questão pelas razões que se seguem.

57.      Segundo o referido órgão jurisdicional, por um lado, a condição prevista no artigo 22.°A da directiva, diversamente do conceito de violação da ideia de entendimento entre os povos que está associado a um princípio geral de direito objectivo, baseia‑se, no seu enunciado, numa implicação subjectiva, em características individuais conducentes à exclusão.

58.      Por outro lado, entende que o artigo 22.°A da directiva, ao referir‑se a um incitamento ao ódio, tem por objectivo uma mensagem de maior intensidade do que uma mera violação do entendimento entre os povos.

59.      Finalmente, entende que as diferenças entre os nacionais turcos e curdos são sobretudo de natureza étnica e cultural, e não de raça ou nacionalidade.

60.      Não partilho as reservas do órgão jurisdicional de reenvio. Como a Comissão e contrariamente à Mesopotamia Broadcast METV, bem como aos Governos alemão e francês, considero que o fundamento de proibição referido no artigo 22.°A da directiva pode ser aplicável a uma emissão que viola a ideia de entendimento entre os povos, na acepção que este conceito tem no direito alemão.

61.      Baseio a minha análise nas considerações que se seguem.

62.      A título preliminar, impõe‑se observar, antes de mais, que a directiva não contém qualquer definição dos termos referidos no seu artigo 22.°A.

63.      Em seguida, também não encontro qualquer indicação pertinente nos trabalhos preparatórios. Os trabalhos preparatórios da Directiva 89/552, em que a condição enunciada no artigo 22.°A da directiva figurava no artigo 22.° segundo parágrafo, não facultam qualquer elemento relativo ao âmbito desta condição. Quanto aos trabalhos preparatórios da Directiva 97/36, confirmam apenas que o legislador comunitário, no artigo 22.°A da directiva, pretendeu estabelecer um motivo de proibição baseado na ordem pública que seja distinto dos que visam especialmente a protecção de menores (10).

64.      Segundo a jurisprudência, o alcance do artigo 22.°A da directiva deve fazer‑se de acordo com o sentido habitual dos seus termos na linguagem comum, em função do sistema instaurado por esta e dos objectivos por ela prosseguidos (11).

65.      Recorde‑se que o artigo 22.°A da directiva dispõe que as emissões televisivas não devem conter qualquer incitamento ao ódio por razões de raça, sexo, religião ou nacionalidade. A proibição enunciada nesta disposição só é, pois, aplicável a uma emissão televisiva se esta emissão preencher cumulativamente as duas condições seguintes, a saber, em primeiro lugar, que incite ao ódio e, em segundo lugar, que esse ódio se baseie numa das razões referidas.

66.      Antes de mais, quanto às palavras «incitamento» e «ódio», significam, na linguagem comum, a primeira, uma acção destinada a orientar o comportamento e, a segunda, um sentimento violento, que leva a querer mal a alguém e a regozijar‑se com o mal que lhe aconteça (12).

67.      Contrariamente ao órgão jurisdicional de reenvio, não encontro nestas definições razões que permitam considerar que o conceito de incitamento ao ódio tenha um conteúdo sensivelmente diferente do de violação da ideia de entendimento entre os povos. Incitar ao ódio significa efectivamente esforçar‑se por criar um sentimento de animosidade ou de rejeição em relação ao outro devido ao qual o que tem este sentimento deixa de ser capaz de viver em harmonia com esta outra pessoa, logo, de se entender com ela.

68.      Além disso, dar ao conceito de violação da ideia de entendimento entre os povos um conteúdo mais amplo, no sentido de incluir mensagens não susceptíveis de suscitar um sentimento de intolerância, contrariaria o direito fundamental à liberdade de expressão. Noutros termos e tal como resulta do artigo 54.° da Carta, a liberdade de expressão assegurada no seu artigo 11.° deixa de ser aplicável quando a mensagem infringir outros princípios e direitos fundamentais reconhecidos pela referida carta, tais como a protecção da dignidade humana e o princípio da não discriminação.

69.      Em minha opinião, os conceitos de incitamento ao ódio e de violação da ideia de entendimento entre os povos visam um mesmo comportamento.

70.      Depois, no que respeita ao sentido das palavras «raça» e «nacionalidade», referidas no artigo 22.°A da directiva, não creio que possam ser entendidos da maneira restritiva prevista pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual não abrangem diferenças de naturezas étnica ou cultural como as que podem existir entre os curdos e os turcos.

71.      Como a Comissão adequadamente salienta, a palavra «raça», no que respeita aos seres humanos, não tem qualquer conteúdo científico objectivo. Não pode, pois, ser definida. Com efeito, não corresponde a qualquer critério genético, sanguíneo ou outro. Quando muito, na linguagem comum, remete para características visíveis e globais, como a cor da pele, que têm carácter relativo e parcial. O direito da União, tal como expressamente referido no sexto considerando da Directiva 2000/43/CE do Conselho (13), rejeita quaisquer teorias que vão no sentido de determinar a existência de raças humanas distintas.

72.      Quando o legislador comunitário proíbe qualquer incitamento ao ódio por razões associadas à raça, visa, em minha opinião, as formas de discriminação baseadas num critério que, segundo as teorias que condena, permitiam repartir os seres humanos em diferentes categorias e considerar que uma ou várias entre elas são, por natureza, superiores ou inferiores às outras.

73.      Assim, na Directiva 2004/83/CE do Conselho (14), que fixa os critérios comuns aos Estados‑Membros para determinar os apátridas ou os nacionais de países terceiros que necessitem de protecção, o conceito de «raça», nos termos do artigo 10.°, n.° 1, alínea a), «inclui, nomeadamente, considerações associadas à cor, à ascendência ou à pertença a determinado grupo étnico». Na mesma ordem de ideias, o artigo 10.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2004/83, refere que o conceito de nacionalidade não se limita à cidadania ou à sua ausência, mas abrange também, designadamente, a pertença a um grupo determinado pela sua identidade cultural, étnica ou linguística, pelas suas origens geográficas ou políticas comuns ou pela sua relação com a população de outro Estado.

74.      É por essa razão que considero que o facto de, no artigo 22.°A da directiva, o legislador comunitário apenas ter indicado como critério de discriminação a raça e a nacionalidade, quando, em muitos outros textos (15), a origem étnica foi acrescentada expressamente a estes dois critérios, não pode ser interpretado como a vontade de excluir as discriminações em razão da origem étnica dos domínios coordenados pela directiva (16).

75.      Em minha opinião, a inclusão do conceito de origem étnica nos outros textos relativos às discriminações quanto à origem apenas serve para ilustrar e explicitar o conteúdo do conceito de discriminação em razão da raça e não para alargar o seu âmbito de aplicação (17).

76.      Finalmente, não encontro na redacção do artigo 22.°A da directiva qualquer elemento convincente em favor da interpretação considerada pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual este artigo tem apenas por objectivo as discriminações baseadas em critérios subjectivos e não abrange as emissões susceptíveis de violar a segurança pública.

77.      É verdade que é facto assente que o artigo 22.°A da directiva, ao proibir as emissões com conteúdo discriminatório, visa proteger a dignidade humana. No entanto, nenhum elemento do conteúdo do mesmo artigo justifica que se faça uma discriminação entre as emissões discriminatórias em função dos seus efeitos sobre a ordem pública. Pelo contrário, pode deduzir‑se da utilização da expressão «aucune», na versão em língua francesa, que o legislador comunitário pretendeu proibir todas as emissões que contenham um incitamento ao ódio por razões de raça e de nacionalidade, independentemente dos seus possíveis efeitos sobre a ordem pública (18).

78.      A análise semântica do artigo 22.°A da directiva inclina‑se, pois, em minha opinião, em favor da tese defendida pela Comissão. Esta tese é corroborada pelo sistema e objectivos da directiva.

79.      Tal como se viu, a directiva tem por objecto assegurar a livre circulação das emissões televisivas. Esta liberdade de circulação é concretizada na directiva pelas duas acções seguintes: por um lado, a harmonização das condições mínimas necessárias no que respeita ao conteúdo dos programas; por outro, o princípio do reconhecimento por todos os Estados‑Membros do controlo do respeito dessas condições efectuado pelo Estado‑Membro de origem.

80.      A livre circulação das emissões televisivas só pode ser plenamente assegurada se o conteúdo e alcance das condições mínimas impostas pela directiva estiverem claramente determinados. Da clareza destas condições depende a segurança jurídica dos organismos de radiodifusão televisiva, que devem poder conhecer com exactidão os efeitos do controlo efectuado pelas autoridades competentes do Estado‑Membro em que estão estabelecidos face aos poderes reservados dos Estados‑Membros receptores.

81.      Nos artigos 22.° e 22.°A da directiva, o legislador comunitário fixou as regras mínimas necessárias à protecção dos menores e da ordem pública.

82.      É certo que este artigo 22.°A não procede a uma harmonização exaustiva das restrições à livre circulação das emissões televisivas que podem ser justificadas pela ordem pública. Contrariamente, por exemplo, ao artigo 10.°, n.° 2, da CEDH (19), visa apenas as emissões de natureza discriminatória.

83.      É também evidente que o objectivo da directiva e o sistema por ela previsto se opõem a uma repartição do controlo do carácter não discriminatório das emissões de televisão entre o Estado‑Membro de origem e os Estados‑Membros receptores. Esta repartição só seria compatível com o imperativo de segurança jurídica se pudesse ser efectuada com base em critérios precisos e facilmente aplicáveis.

84.      Ora, como se viu, o conceito de raça não existe no direito da União, pelo que seria difícil distinguir claramente os incitamentos ao ódio por razões raciais, referidos no artigo 22.°A da directiva, dos incitamentos ao ódio por razões étnicas, que continuam a ser da competência de cada Estado‑Membro. Seria igualmente muito difícil estabelecer a linha exacta de delimitação entre as emissões discriminatórias que violam apenas a dignidade humana e as que, além disso, são susceptíveis de violar a segurança interna ou externa de um Estado‑Membro.

85.      O objectivo prosseguido pela directiva através da harmonização efectuada no artigo 22.°A da mesma, em minha opinião, leva a que se interprete amplamente o conceito de incitamento ao ódio por razões de raça e de nacionalidade no sentido de abranger igualmente as emissões que podem violar a ideia de entendimento entre comunidades étnicas ou culturais diferentes, como as comunidades curdas e turcas residentes na Alemanha.

86.      Avalio bem a importância da transferência de competência por parte dos Estados‑Membros que essa interpretação leva a efectuar. A apreciação do carácter discriminatório de uma emissão de televisão pode variar legitimamente de um Estado‑Membro para outro. Além disso, no final, é a cada Estado‑Membro que incumbe o ónus e a responsabilidade de assegurar a protecção da ordem pública no seu território. Finalmente, os efeitos para a ordem pública de emissões televisivas que incitam ao ódio entre comunidades étnicas ou culturais diferentes dependem, evidentemente, da presença destas comunidades no território nacional e os Estados‑Membros têm plena justificação para tudo fazerem para que os conflitos existentes em Estados terceiros não sejam importados para o seu território.

87.      No entanto, não creio que estes argumentos justifiquem que se adopte uma interpretação restritiva do artigo 22.°A da directiva, pela duas razões que se seguem.

88.      Em primeiro lugar, o próprio objecto de uma norma harmonizada consiste em esta ser comum a todos os Estados‑Membros e, por conseguinte, em dever ser aplicada por todos eles. Portanto, como referi anteriormente, se o Tribunal de Justiça declarar que o artigo 22.°A da directiva se opõe à difusão de emissões que prejudiquem o entendimento entre os povos, as autoridades competentes do Estado‑Membro de cuja competência depende o organismo de radiodifusão em causa deverão verificar o respeito desta condição, independentemente da presença no território deste Estado das comunidades étnicas ou culturais em questão.

89.      Com efeito, a aplicação da proibição enunciada no artigo 22.°A da directiva não depende dos efeitos potenciais da emissão em causa no Estado‑Membro de origem ou num Estado‑Membro em especial, mas apenas da reunião das duas condições previstas nessa disposição, a saber, o incitamento ao ódio e razões de raça e de nacionalidade.

90.      Em segundo lugar, um Estado‑Membro que considere que emissões transmitidas a partir de outro Estado‑Membro não respeitam as condições enunciadas no artigo 22.°A da directiva não está desprovido de todos os meios de acção. Como se viu, dispõe do procedimento previsto no artigo 2.°A, n.° 2, da directiva, que lhe permite, nas condições enunciadas nesta disposição, adoptar medidas restritivas relativamente a essas emissões.

91.      Esta garantia de que dispõem, deste modo, os Estados‑Membros receptores, que visa conciliar da melhor forma o exercício do direito fundamental à liberdade de expressão com o direito igualmente legítimo dos Estados‑Membros de protegerem a sua ordem pública, em minha opinião, milita igualmente em favor de uma interpretação ampla da transferência de competência prevista no artigo 22.°A da directiva.

92.      Esta garantia aponta tanto mais neste sentido quanto, como a discussão da causa na audiência evidenciou, as medidas que o artigo 22.°A da directiva permite alcançar podem ser mais eficazes do que as adoptadas unilateralmente por um Estado‑Membro receptor. Assim, nos presentes processos, a aplicação do procedimento previsto no artigo 2.°A, n.° 2, da directiva podia permitir, eventualmente, chegar a uma proibição, pelo Reino da Dinamarca, de qualquer transmissão das emissões televisivas da Mesopotamia Broadcast METV que fizessem a apologia do PKK enquanto as medidas alemãs controvertidas têm concretamente por efeito apenas punir criminalmente a sua retransmissão em locais públicos na Alemanha e não a sua recepção, neste território, num âmbito privado.

93.      É, pois, face a estas considerações que proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão apresentada que o artigo 22.°A da directiva, nos termos do qual os Estados‑Membros assegurarão que as emissões não contenham qualquer incitamento ao ódio por razões de raça, sexo, religião ou nacionalidade, deve ser interpretado no sentido de que proíbe igualmente as emissões que, ao fazerem a apologia de um grupo qualificado como «terrorista» pela União Europeia, são susceptíveis de gerar reacções de animosidade ou de rejeição entre comunidades de origem étnica ou cultural diferente.

IV – Conclusão

94.      Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo à questão apresentada pelo Bundesverwaltungsgerich:

«O artigo 22.°A da Directiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de Outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva, na redacção dada pela Directiva 97/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Junho de 1997, nos termos do qual os Estados‑Membros assegurarão que as emissões não contenham qualquer incitamento ao ódio por razões de raça, sexo, religião ou nacionalidade, deve ser interpretado no sentido de que proíbe igualmente as emissões que, ao fazerem a apologia de um grupo qualificado como ‘terrorista’ pela União Europeia, são susceptíveis de gerar reacções de animosidade ou de rejeição entre comunidades de origem étnica ou cultural diferente».


1 – Língua original: francês.


2 – Directiva de 3 de Outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva (JO L 298, p. 23), na redacção dada pela Directiva 97/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 202, p. 60, a seguir «directiva»).


3 – Nono e décimo considerandos da directiva.


4 – Décimo terceiro considerandos da directiva e quadragésimo quarto considerando da Directiva 97/36.


5 – O artigo 10.°, n.° 1, da CEDH dispõe que «[q]ualquer pessoa tem direito a liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideais sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia» A primeira frase deste artigo é idêntica ao artigo 11.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( a seguir «Carta». Este artigo 11.° inclui igualmente um n.° 2, que prevê que são respeitados a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social.


6 – BGBl 1964 I, p. 593, conforme alterada pela Lei de 21 de Dezembro de 2007 (BGBl 1987 I, p. 3198, a seguir «Vereinsgesetz»).


7 – Neste décimo quarto considerando, refere‑se que, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (6), qualquer Estado‑Membro mantém o direito de tomar medidas contra um organismo de radiodifusão televisiva estabelecido noutro Estado‑Membro, mas cuja actividade se destine inteira ou principalmente ao território do primeiro Estado‑Membro, quando essa escolha de estabelecimento tenha tido em vista subtrair o organismo de radiodifusão à observância das normas que lhe seriam aplicáveis se se tivesse estabelecido no território do primeiro Estado‑Membro. Na nota de rodapé, são referidos os acórdãos de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbergen (33/74, Colect. 1974, p. I‑1299), e de 5 de Outubro de 1994, TV 10 (23/93, Colect. 1994, p. I‑4795).


8 – Acórdão de 5 de Março de 2009, UTECA (C‑222/07, Colect., p. I‑1407, n.° 2 e jurisprudência aí referida).


9 – Para dar execução à Resolução 1373(2001) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Conselho adoptou, em 27 de Dezembro de 2001, a Posição Comum 2001/931/PESC, relativa à aplicação de medidas específicas de combate ao terrorismo (JO L 344, p. 93). A Posição Comum 2001/931 inclui um anexo com a lista de «pessoas, grupos ou entidades envolvidos em actos terroristas». O PKK foi acrescentado a essa lista pela Posição Comum 2002/340/PESC do Conselho, de 2 de Maio de 2002 (JO L 116, p. 75). Esta organização foi depois mantida na lista pelas posições comuns subsequentes do Conselho, em último lugar, pela Decisão 2010/386/PESC do Conselho, de 12 de Julho de 2010, que actualiza a lista de pessoas, grupos e entidades a que se aplicam os artigos 2.°, 3.° e 4.° da Posição Comum 2001/931 (JO L 178, p. 28). Do mesmo modo, o PKK foi acrescentado à lista dos grupos terroristas pela Decisão 2002/334/CE do Conselho, de 2 de Maio de 2002, que dá execução ao disposto no n.° 3 do artigo 2.° do Regulamento (CE) n.° 2580/2001 relativo a medidas restritivas específicas de combate ao terrorismo dirigidas contra determinadas pessoas e entidades e que revoga a Decisão 2001/927/CE (JO L 116, p. 33).


10 – No relatório explicativo das modificações efectuadas pela Directiva 97/36, refere‑se que [o] antigo artigo 22° foi cindido em dois para facilitar a compreensão da disposição relativa à ordem pública. Com efeito, esta tem um alcance muito mais geral do que a protecção dos menores e visa igualmente proteger os adultos contra programas que possam atentar contra a sua integridade física, moral ou espiritual». V. Relatório de aplicação da Directiva 89/552/CEE do Conselho e proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 89/552/CEE relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva [COM(95) 86 final], p. 45.


11 – Acórdão de 10 de Março de 2005, easyCar (C‑336/03, Colect., p. I‑1947, n.° 21 e jurisprudência aí referida).


12 – V. Nouveau Petit Robert, Dictionnaire alphabétique et analogique de la langue française. Estas definições correspondem igualmente às versões do artigo 22.°A da directiva nas línguas espanhola («incitacíon al odio»); alemã («zu Haβ aufstacheln»); grega («καμία παρότρυνση σε μίσος»); inglesa («incitement to hatred»); italiana («incitamento all’odio»); neerlandesa («geen enkele aansporing tot haat»), e portuguesa («incitamento ao ódio»).


13 – Directiva de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (JO L 180, p. 22).


14 – Directiva de 29 de Abril de 2004 que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da protecção concedida (JO L 304, p. 12).


15 – V., designadamente, artigo 13.° CE, segundo o qual «o Conselho […] pode tomar as medidas necessárias para combater a discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual. V., igualmente, décimo segundo considerando da Decisão‑quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO L 190, p. 1), segundo o qual a entrega de uma pessoa deve ser recusada «quando existam elementos objectivos que confortem a convicção de que o mandado de detenção europeu é emitido para mover procedimento contra ou punir uma pessoa em virtude do sexo, da sua raça, da sua religião, da sua ascendência étnica, da sua nacionalidade, da sua língua, da sua opinião política ou da sua orientação sexual».


16 – Esta análise é igualmente confirmada na Convenção Europeia sobre a Televisão Transfronteiras, que a Directiva 89/552 refere no quarto considerando, e que, no artigo 7.°, dispõe que os programas não devem incitar ao ódio racial. Nos termos da Recomendação n.° R (97) 20, do Comité dos Ministros aios Estados‑Membros sobre o «discurso de ódio», para o qual remete o relatório explicativo desta convenção, a fim de explicitar o âmbito da condição enunciada no artigo 7.°, a expressão «discurso de ódio» deve ser compreendida como abrangendo todas as formas de expressão que propaguem, incitem, promovam ou justifiquem o ódio racial, a xenofobia, o anti‑semitismo ou outras formas de ódio fundadas na intolerância, incluindo a intolerância que se manifesta sob a forma de nacionalismo agressivo e de etnocentrismo, de discriminação e de hostilidade contra as minorias, os imigrados e a pessoas oriundas da imigração.


17 – Encontram‑se fórmulas mais pormenorizadas, por exemplo, no artigo 21.° da Carta, nos termos do qual «[é] proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual». Esta fórmula é retomada, designadamente, em termos praticamente idênticos, no último considerando da Directiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Directivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77 e – rectificações – JO 2004, L229, p. 35, JO 2005, L 197, p. 34 e JO 2007, L 204, p. 28). No entanto, a formulação mais sóbria do artigo 22.°A da directiva continua a ser utilizada, por exemplo, no artigo 3.°, n.° 4, alínea a), i), primeiro travessão, da Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre o comércio electrónico») (JO L 178, p. 1).


18 – Não pretendo substituir a apreciação do sentido da versão do artigo 22.°A da directiva em língua alemã do órgão jurisdicional de reenvio pela minha. No entanto, a minha apreciação parece‑me poder aplicar‑se nas versões deste artigo nas línguas espanhola («Los Estados miembros velarán por que las emisiones no contengan ninguna incitación al odio por motivos de raza, sexo, religión o nacionalidad»);grega («Άρθρο 22αΤα κράτη μέλη μεριμνούν ώστε οι εκπομπές να μην περιλαμβάνουν καμία παρότρυνση σε μίσος λόγω διαφορών φυλής, φύλου, θρησκείας ή ιθαγένειας»); inglesa («Member States shall ensure that broadcasts do not contain any incitement to hatred on grounds of race, sex, religion or nationality»); italiana («Gli Stati membri fanno sì che le trasmissioni non contengano alcun incitamento all’odio basato su differenze di razza, sesso, religione o nazionalità»); neerlandesa («De lidstaten dragen er zorg voor dat uitzendingen geen enkele aansporing tot haat op grond van ras, geslacht, godsdienst of nationaliteit bevatten»), e portuguesa («Os Estados‑Membros assegurarão que as emissões não contenham qualquer incitamento ao ódio por razões de raça, sexo, religião ou nacionalidade»).


19 – O artigo 10.°, n.° 2, da CEDH dispõe que a liberdade de expressão pode ser objecto das restrições necessárias, numa sociedade democrática, «para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção de honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do Poder Judicial».