Language of document : ECLI:EU:C:2011:541

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

6 de Setembro de 2011 (*)

«Géneros alimentícios geneticamente modificados – Regulamento (CE) n.° 1829/2003 – Artigos 2.° a 4.° e 12.° – Directiva 2001/18/CE – Artigo 2.° – Directiva 2000/13/CE – Artigo 6.° – Regulamento (CE) n.° 178/2002 – Artigo 2.° – Produtos apícolas – Presença de pólenes de plantas geneticamente modificadas – Consequências – Colocação no mercado – Conceitos de ‘organismo’ e de ‘géneros alimentícios que contenham ingredientes produzidos a partir de organismos geneticamente modificados’»

No processo C‑442/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Bayerischer Verwaltungsgerichtshof (Alemanha), por decisão de 26 de Outubro de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 13 de Novembro de 2009, no processo

Karl Heinz Bablok,

Stefan Egeter,

Josef Stegmeier,

Karlhans Müller,

Barbara Klimesch

contra

Freistaat Bayern,

sendo intervenientes:

Monsanto Technology LLC,

Monsanto Agrar Deutschland GmbH,

Monsanto Europe SA/NV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot e J.‑J. Kasel, presidentes de secção, G. Arestis, A. Borg Barthet, M. Ilešič, J. Malenovský, L. Bay Larsen (relator), C. Toader e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Dezembro de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de K. H. Bablok, S. Egeter, J. Stegmeier, K. Müller e B. Klimesch, por A. Willand e G. Buchholz, Rechtsanwälte,

–        em representação da Monsanto Technology LLC, Monsanto Agrar Deutschland GmbH e Monsanto Europe SA/NV, por M. Kaufmann, J. Dietrich e P. Brodbeck, Rechtsanwälte,

–        em representação do Governo grego, por I. Chalkias e K. Marinou, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Pignataro‑Nolin e B. Schima, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 9 de Fevereiro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 2.°, pontos 5 e 10, do artigo 3.°, n.° 1, do artigo 4.°, n.° 2, e do artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1829/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativo a géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados (JO L 268, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe K. H. Bablok, S. Egeter, J. Stegmeier, K. Müller e B. Klimesch, apicultores, ao Freistaat Bayern, sendo intervenientes a Monsanto Technology LLC, a Monsanto Agrar Deutschland GmbH e a Monsanto Europe SA/NV (a seguir, respectivamente, «Monsanto Technology», «Monsanto Agrar Deutschland» e «Monsanto Europe» ou, em conjunto, «Monsanto»), a respeito da presença de pólenes de milho geneticamente modificado em produtos apícolas.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Directiva 2001/18/CE

3        A Directiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados e que revoga a Directiva 90/220/CEE do Conselho (JO L 106, p. 1), conforme alterada pelo Regulamento n.° 1829/2003 e pelo Regulamento (CE) n.° 1830/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Setembro de 2003 (JO L 268, p. 24, a seguir «Directiva 2001/18»), regula, para além da libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados (a seguir «OGM»), a colocação no mercado de produtos que contenham ou sejam constituídos por OGM, sempre que a utilização pretendida dos produtos acarrete a libertação deliberada de organismos no ambiente.

4        O quarto considerando desta directiva prevê:

«Os organismos vivos, quando libertados no ambiente em grande ou pequena quantidades, para fins experimentais ou sob a forma de produtos comercializados, são susceptíveis de se reproduzir no ambiente e atravessar fronteiras nacionais, afectando deste modo outros Estados‑Membros. Os efeitos dessas libertações no ambiente podem ser irreversíveis.»

5        O quinto considerando da referida directiva prevê que a protecção da saúde humana impõe um exame atento do controlo dos riscos resultantes da libertação deliberada no ambiente de OGM.

6        O oitavo considerando da mesma directiva precisa que foi tomado em conta o princípio da precaução na elaboração da directiva e que o mesmo princípio deverá ser igualmente tomado em conta aquando da sua aplicação.

7        O artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2001/18 enuncia que a libertação deliberada de OGM ou a sua colocação no mercado só são autorizadas nos termos, respectivamente, da parte B ou da parte C desta directiva, isto é, principalmente, após notificação de um pedido nesse sentido, avaliação dos riscos para a saúde humana e o ambiente, e em seguida autorização da autoridade competente.

8        O artigo 4.°, n.° 3, dispõe que a avaliação incide sobre os efeitos adversos potenciais para a saúde humana e o ambiente que possam directa ou indirectamente decorrer da transferência de genes de OGM para outros organismos.

 Regulamento n.° 1829/2003

9        O Regulamento n.° 1829/2003 regula a autorização e supervisão dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais geneticamente modificados e a sua rotulagem.

10      O primeiro considerando deste regulamento prevê que a livre circulação de géneros alimentícios e de alimentos para animais seguros e saudáveis constitui um requisito essencial do mercado interno, contribuindo significativamente para a saúde e o bem‑estar dos cidadãos e para os seus interesses sociais e económicos.

11      O segundo considerando do mesmo regulamento sublinha que deverá ser assegurado um elevado nível de protecção da vida e da saúde humanas na realização das políticas comunitárias.

12      O terceiro considerando prevê, consequentemente, que os géneros alimentícios geneticamente modificados deverão ser submetidos a uma avaliação de segurança através de um procedimento comunitário antes de serem colocados no mercado.

13      O décimo sexto considerando enuncia:

«O regulamento proposto deve abranger [os géneros alimentícios e os alimentos para animais] produzidos ‘a partir de’ um OGM[,] mas não produtos produzidos ‘com’ um OGM. O critério de determinação é a presença ou não de material derivado do material geneticamente modificado original nos géneros alimentícios ou alimentos para animais. Os auxiliares tecnológicos que são apenas utilizados durante o processo de produção dos géneros alimentícios ou dos alimentos para animais não estão abrangidos pela definição de género alimentício ou alimento para animais e, por isso, estão excluídos do âmbito do presente regulamento. Da mesma forma, também não estão abrangidos no âmbito do presente regulamento os géneros alimentícios ou alimentos para animais fabricados com recurso a auxiliares tecnológicos geneticamente modificados. Deste modo, os produtos obtidos a partir de animais alimentados com alimentos geneticamente modificados ou tratados com medicamentos geneticamente modificados não estarão sujeitos aos requisitos da autorização nem de rotulagem estabelecidos no presente regulamento.»

14      O artigo 1.° do Regulamento n.° 1829/2003 enuncia o objectivo de «garantir […] um elevado nível de protecção da vida e da saúde humanas».

15      O artigo 2.° do mesmo regulamento contém uma lista de definições de conceitos pertinentes para efeitos da aplicação do referido regulamento, remetendo, sendo caso disso, para as definições desses conceitos constantes da Directiva 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Março de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios (JO L 109, p. 29), da Directiva 2001/18 ou do Regulamento (CE) n.° 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO L 31, p. 1).

16      Esta lista inclui, nomeadamente, as seguintes definições:

–        «género alimentício»: qualquer substância ou produto, transformado, parcialmente transformado ou não transformado, destinado a ser ingerido pelo ser humano ou com razoáveis probabilidades de o ser (artigo 2.°, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 178/2002);

–        «organismo»: qualquer entidade biológica dotada de capacidade reprodutora ou de transferência de material genético (artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18);

–        «[OGM]»: organismo, com excepção do ser humano, cujo material genético tenha sido modificado de uma forma que não ocorre naturalmente por meio de cruzamentos e/ou de recombinação natural (artigo 2.°, ponto 2, da Directiva 2001/18);

–        «libertação deliberada»: qualquer introdução intencional no ambiente de um OGM ou de uma combinação de OGM sem que se recorra a medidas específicas de confinamento, com o objectivo de limitar o seu contacto com a população em geral e com o ambiente e de proporcionar a ambos um elevado nível de segurança (artigo 2.°, ponto 3, da Directiva 2001/18);

–        «avaliação dos riscos ambientais»: avaliação dos riscos para a saúde humana e o ambiente, directa ou indirectamente, a curto ou a longo prazo, que a libertação deliberada de OGM no ambiente ou a sua colocação no mercado possam representar (artigo 2.°, ponto 8, da Directiva 2001/18);

–        «género alimentício geneticamente modificado»: género alimentício que contenha, seja constituído por, ou seja produzido a partir de OGM (artigo 2.°, ponto 6, do Regulamento n.° 1829/2003);

–        «produzido a partir de OGM»: o que é derivado, no todo ou em parte, de OGM, mas não contém nem é constituído por OGM (artigo 2.°, ponto 10, do Regulamento n.° 1829/2003);

–        «ingrediente[s]»: qualquer substância, incluindo os aditivos, utilizada no fabrico ou preparação de um género alimentício e ainda presente no produto acabado, eventualmente sob forma alterada (artigo 6.°, n.° 4, da Directiva 2000/13).

17      O artigo 3.° do mesmo Regulamento n.° 1829/2003, intitulado «Âmbito de aplicação» e incluído na secção 1, intitulada «Autorização e supervisão», do capítulo II, intitulado «Géneros alimentícios geneticamente modificados», dispõe no seu n.° 1:

«A presente secção abrange:

a)      Os OGM destinados à alimentação humana;

b)      Os géneros alimentícios que contenham ou sejam constituídos por OGM;

c)      Os géneros alimentícios produzidos a partir de ou que contenham ingredientes produzidos a partir de OGM.»

18      O artigo 4.°, n.° 2, do referido regulamento proíbe a colocação no mercado de um OGM destinado à alimentação humana, de um género alimentício que contenha ou seja constituído por OGM, ou que seja produzido a partir de ou que contenha ingredientes produzidos a partir de OGM, excepto se o produto em causa estiver abrangido por uma autorização concedida em conformidade com este regulamento.

19      O artigo 4.°, n.° 3, sujeita a concessão da autorização, em particular, à demonstração de que o OGM ou o género alimentício não tem efeitos nocivos na saúde humana, na saúde animal ou no ambiente.

20      O artigo 13.° estatui as exigências de rotulagem que, em conformidade com o artigo 12.°, n.° 1, se aplicam aos géneros alimentícios que:

–        contenham ou sejam constituídos por OGM;

–        sejam produzidos a partir de ou contenham ingredientes produzidos a partir de OGM.

21      Contudo, por força do artigo 12.°, n.° 2, estas exigências não se aplicam aos géneros alimentícios que contenham material que contenha, seja constituído por ou seja produzido a partir de OGM numa proporção não superior a 0,9% dos ingredientes que os compõem, considerados individualmente, ou do próprio género alimentício, se este consistir num único ingrediente, desde que a presença desse material seja acidental ou tecnicamente inevitável.

22      O artigo 47.° do Regulamento n.° 1829/2003 dispõe, como medida transitória por um período de três anos, que a presença em géneros alimentícios de material que contenha, seja constituído por ou seja produzido a partir de OGM numa proporção não superior a 0,5% não é considerada uma violação do n.° 2 do artigo 4.° desde que, nomeadamente, essa presença seja acidental ou tecnicamente inevitável.

 Directiva 2001/110/CE

23      O artigo 1.° da Directiva 2001/110/CE do Conselho, de 20 de Dezembro de 2001, relativa ao mel (JO 2002, L 10, p. 47), dispõe:

«A presente directiva aplica‑se aos produtos definidos no anexo I. Esses produtos devem obedecer aos critérios descritos no anexo II.»

24      O anexo I, ponto 1, desta directiva contém a seguinte definição:

«Mel é a substância açucarada natural produzida pela abelha Apis mellifera a partir do néctar das flores ou das secreções procedentes de partes vivas de plantas ou de excreções de insectos sugadores de plantas que ficam sobre partes vivas de plantas, que as abelhas recolhem, transformam, combinam com substâncias específicas próprias, depositam, desidratam, armazenam e deixam amadurecer nos favos da colmeia.»

25      O anexo II, primeiro a terceiro parágrafos, da mesma directiva precisa:

«O mel é constituído essencialmente por diversos açúcares, predominando a glucose e a frutose, assim como por outras substâncias tais como ácidos orgânicos, enzimas e partículas sólidas provenientes da sua colheita. […]

Quando comercializado como tal ou quando utilizado em qualquer produto destinado ao consumo humano, não pode ter sido adicionado ao mel nenhum ingrediente alimentar, nem sequer nenhum aditivo alimentar. O mel deve estar isento, na medida do possível, de matérias orgânicas ou inorgânicas estranhas à sua composição. […]

Sem prejuízo do disposto no ponto 2, alínea b), subalínea viii), do anexo I [que define o mel filtrado], não pode ser retirado ao mel nenhum pólen nem nenhum dos seus componentes, excepto quando tal seja inevitável aquando da eliminação de matérias orgânicas ou inorgânicas estranhas à sua composição.»

 Direito nacional

26      O § 36a da Lei relativa à técnica genética (Gentechnikgesetz, a seguir «GenTG»), introduzido pela Lei de 21 de Dezembro de 2004 (BGBl. 2005 I, p. 186), tem a seguinte redacção:

«A transmissão das características de um organismo que resultem de manipulações genéticas ou outras introduções de organismos geneticamente modificados constituem um prejuízo considerável, na acepção do § 906 do Código Civil [Bürgerliches Gezetzbuch, a seguir ‘BGB’], sempre que, contra a intenção do titular do direito à sua utilização e por causa da transmissão ou de outra introdução, determinados produtos:

1.      não puderem ser colocados no mercado, ou

2.      nos termos da presente lei ou de outras disposições, só puderem ser colocados no mercado com indicação da modificação operada através da manipulação genética […]»

27      O § 906, n.° 2, do BGB, na sua versão publicada em 2 de Janeiro de 2002 (BGBl. 2002 I, p. 42), dispõe:

«O mesmo se aplica na medida em que o prejuízo considerável seja causado pela utilização normal, segundo o costume local, do outro prédio, e não possa ser evitado pela adopção das medidas que sejam economicamente exigíveis a utilizadores deste tipo. Ainda que o proprietário deva tolerar determinado grau de influência externa, pode exigir do proprietário do outro prédio uma compensação pecuniária adequada ao caso concreto, sempre que os efeitos produzidos prejudiquem a utilização normal, segundo o costume local, do seu prédio, ou afectem os respectivos rendimentos, para além do que é exigível.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

28      Em 1998, a Monsanto Europe obteve, em execução da Decisão 98/294/CE da Comissão, de 22 de Abril de 1998, relativa à colocação no mercado de milho geneticamente modificado (Zea mays L. da linhagem MON 810), ao abrigo da Directiva 90/220/CEE do Conselho (JO L 131, p. 32), uma autorização de colocação no mercado do milho geneticamente modificado MON 810 (a seguir «milho MON 810»).

29      A cultura do milho MON 810 foi proibida na Alemanha por uma decisão de 17 de Abril de 2009 do Bundesamt für Verbraucherschutz und Lebensmittelsicherheit (Instituto federal para a protecção do consumidor e a segurança alimentar), que ordenou a suspensão provisória da autorização de colocação no mercado.

30      A Monsanto Technology é titular das aceitações das variedades nos termos da legislação sobre sementes. A Monsanto Agrar Deutschland é responsável pela comercialização das sementes obtidas a partir da linhagem de milho MON 810 na Alemanha.

31      O milho MON 810 contém um gene da bactéria terrestre Bacillus turingiensis (Bt) que conduz à formação de toxinas Bt na planta do milho. Estas toxinas permitem lutar contra as lagartas da broca do milho, uma espécie de lepidóptero que ataca o milho e cujas larvas, em caso de infestação, enfraquecem o desenvolvimento da referida planta. As toxinas Bt destroem as células do aparelho digestivo das larvas de insecto e conduzem, consequentemente, à sua morte.

32      O Freistaat Bayern é proprietário de vários terrenos nos quais, nos últimos anos, cultivou milho MON 810 para fins de investigação. O Freistaat Bayern não exclui a hipótese de retomar esta cultura assim que cessar a proibição ordenada para todo o território alemão.

33      K. H. Bablok é um apicultor amador. Produz mel destinado à venda e mel destinado a consumo próprio nas proximidades dos terrenos pertencentes ao Freistaat Bayern. Até 2005, produziu igualmente pólen destinado a ser vendido como género alimentício, sob a forma de suplementos alimentares. Pretende retomar a produção de pólen logo que seja afastado o risco de introdução de pólen geneticamente modificado.

34      S. Egeter, J. Stegmeier, K. Müller e B. Klimesch aderiram ao procedimento nacional durante a fase do recurso. São igualmente apicultores amadores, alguns apenas para consumo próprio. As suas colmeias situam‑se a uma distância compreendida entre 1 km e 3 km dos terrenos pertencentes ao Freistaat Bayern.

35      O pólen, recolhido pelas abelhas e armazenado em certas partes da colmeia para efeitos de alimentação, pode ser incorporado no mel acidentalmente, pelas abelhas durante a sua produção e, tecnicamente, pelo apicultor, quando da centrifugação dos favos no momento da colheita do mel, que conduz à extracção, para além do conteúdo dos alvéolos onde se encontra o mel, do conteúdo dos alvéolos vizinhos destinados à armazenagem de pólen.

36      Em 2005, no pólen de milho recolhido por K. H. Bablok em colmeias situadas a 500 metros de distância dos terrenos do Freistaat Bayern, foi constatada a presença, por um lado, de ADN de milho MON 810, na proporção de 4,1% relativamente ao ADN total do milho, e, por outro, de proteínas transgénicas (toxina Bt).

37      Por outro lado, foi detectada, em algumas amostras de mel de K. H. Bablok, a presença de quantidades muito reduzidas de ADN de milho MON 810, proveniente da introdução de pólen neste milho.

38      À data da decisão de reenvio, não foi detectada a presença de ADN de milho MON 810 nos produtos apícolas de S. Egeter, J. Stegmeier, K. Müller e B. Klimesch.

39      No âmbito do processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio tem de se pronunciar sobre um pedido no sentido de que seja declarado que, devido à presença do pólen de milho MON 810 nos produtos apícolas em causa, estes se tornaram impróprios para a comercialização ou o consumo e que, deste modo, foram objecto de uma «alteração substancial» na acepção do § 36a da GenTG e do § 906, n.° 2, do BGB.

40      Este pedido foi julgado procedente em primeira instância, por decisão de 30 de Maio de 2008 do Bayerisches Verwaltungsgericht Augsburg. Esse órgão jurisdicional considerou que, devido à introdução de pólen de milho MON 810, o mel e os suplementos alimentares à base de pólen passaram a constituir géneros alimentícios sujeitos a autorização, pelo que, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003, estes produtos não podiam ser colocados no mercado sem essa autorização.

41      Segundo o Bayerisches Verwaltungsgericht Augsburg, o mel e os suplementos alimentares à base de pólen produzidos por K. H. Bablok são substancialmente modificados devido à presença de pólen de milho MON 810.

42      Contestando esta análise, a Monsanto Technology, a Monsanto Agrar Deutschland e o Freistaat Bayern interpuseram recurso da decisão no Bayerischer Verwaltungsgerichtshof.

43      Alegam perante este último órgão jurisdicional que o Regulamento n.° 1829/2003 não é aplicável ao pólen da linhagem de milho MON 810 presente no mel ou utilizado como suplemento alimentar. Com efeito, as consequências de uma introdução natural nos géneros alimentícios tinham sido examinadas e, por conseguinte, autorizadas pela Decisão 98/294.

44      Por outro lado, o pólen presente no mel ou utilizado como suplemento alimentar não é um «OGM» na acepção do Regulamento n.° 1829/2003, uma vez que já não dispõe de capacidade de reprodução concreta e individual no momento em que é incorporado no mel ou em que é destinado à alimentação, nomeadamente sob a forma de suplemento alimentar, e que a mera presença de ADN e/ou de proteínas transgénicas não é a este respeito suficiente.

45      Se o Regulamento n.° 1829/2003 fosse aplicável, haveria que fazer uma interpretação restrita das regras de autorização nele previstas. Em caso de introdução acidental de pólen de milho MON 810, licitamente presente no ambiente, só seria necessária autorização de colocação no mercado caso fosse ultrapassado o limiar de 0,9%, à semelhança do que se encontra previsto em matéria de rotulagem no artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003.

46      O Bayerischer Verwaltungsgerichtshof sublinha que a cultura do milho MON 810, que ocorreu no passado e pode ser retomada no futuro, é, sem prejuízo da renovação da autorização de colocação no mercado, juridicamente lícita e, por isso, deve ser tolerada pelos recorrentes nos termos do § 906, n.° 2, do BGB.

47      Tendo em conta esta última disposição, o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof explica que a questão da alteração substancial dos produtos, determinante para a resolução do litígio no processo principal, depende da questão de saber se, em caso de introdução de pólen de milho MON 810, estes produtos deixam de poder, enquanto géneros alimentícios geneticamente modificados, ser colocados no mercado por não disporem de autorização, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003, ou se, em qualquer caso, só podem ser colocados no mercado mediante rotulagem que contenha a indicação da modificação genética, em aplicação do § 36a da GenTG.

48      O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que a presença de pólen de milho MON 810 só terá essas consequências se os produtos apícolas que contiverem esse pólen estiverem abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003.

49      O mesmo órgão jurisdicional observa que esta questão depende, antes de mais, da questão de saber se um pólen de milho como o que está em causa no processo principal é um «organismo», na acepção do artigo 2.°, ponto 4, do Regulamento n.° 1829/2003, e um «OGM», na acepção do ponto 5 do mesmo artigo, uma vez que estas disposições remetem para as definições destes dois conceitos dadas pela Directiva 2001/18.

50      Em seu entender, o pólen de milho é um «organismo», dado que, embora ele próprio não se possa multiplicar, pode, enquanto célula sexual masculina, transferir em condições naturais material genético para as células sexuais femininas.

51      No entanto, o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof observa que o pólen de milho perde muito rapidamente, por secagem, a sua capacidade de fecundação do estigma de milho, de modo que já não constitui um organismo vivo funcional durante todo o período de maturação do mel, a partir do momento em que este, ao qual é incorporado, é armazenado nos favos e tapado. Acrescenta que sucede o mesmo com o pólen contido nos produtos à base de pólen, no momento em que estes são destinados à alimentação, designadamente sob a forma de suplementos alimentares.

52      Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio tem principalmente dúvidas sobre as consequências da perda, por parte do pólen controvertido, da sua capacidade de reprodução.

53      Neste contexto, o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O conceito de [‘OGM’], na acepção do artigo 2.°, ponto 5, do Regulamento [n.° 1829/2003], deve ser interpretado no sentido de que também abrange material de plantas geneticamente modificadas (neste caso, pólen da linhagem de milho geneticamente modificado MON 810), que contém ADN geneticamente modificado e proteínas geneticamente modificadas (neste caso, [toxina Bt]), mas que, no momento em que é adicionado a um género alimentício (neste caso, mel) ou em que é destinado à alimentação humana (suplemento alimentar), (já) não possui uma capacidade de reprodução concreta e individual?

2)      [Em caso de resposta negativa] à primeira questão:

a)      É sempre suficiente, para que esteja em causa um género alimentício ‘produzido a partir de [OGM]’, na acepção do artigo 2.°, ponto 10, do Regulamento [n.° 1829/2003], que o género alimentício contenha material proveniente de plantas geneticamente modificadas que num momento anterior tenha possuído capacidade de reprodução concreta e individual?

b)      [Em caso de resposta afirmativa] a esta questão:

O conceito de ‘produzido a partir de [OGM]’, na acepção do artigo 2.°, ponto 10, e do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento [n.° 1829/2003], deve ser interpretado no sentido de que não exige, em relação aos OGM, um processo produtivo deliberadamente dirigido a esse fim concreto, por abranger também os casos em que um (antigo) OGM é introduzido involuntária e acidentalmente num género alimentício (neste caso, mel ou pólen sob a forma de suplemento alimentar)?

3)      [Em caso de resposta afirmativa] à primeira ou à segunda questão:

O artigo 3.°, n.° 1, e o artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003 devem ser interpretados no sentido de que toda e qualquer introdução em alimentos de origem animal, como, por exemplo, o mel, de material geneticamente modificado licitamente presente no ambiente tem por efeito submeter esses alimentos à obrigação de autorização e de supervisão prevista nestas disposições, ou podem ser aplicados por analogia os limiares previstos para outros casos (por exemplo, no artigo 12.°, n.° 2, do regulamento)?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

54      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o conceito de OGM na acepção do artigo 2.°, ponto 5, do Regulamento n.° 1829/2003 deve ser interpretado no sentido de que uma substância como o pólen proveniente de uma variedade de milho geneticamente modificado, por ter perdido toda a capacidade concreta e individual de reprodução, não está ou deixou de estar incluída neste conceito, embora continue a conter material geneticamente modificado.

55      Resulta da decisão de reenvio que, segundo uma interpretação possível do conceito de OGM, o referido conceito visa apenas uma unidade capaz de funcionar, isto é, uma unidade biologicamente viva. Não basta assim que os pólenes de milho mortos contenham ADN transgénico ou proteínas transgénicas. As definições de organismo e de OGM constantes da Directiva 2001/18 implicam necessariamente que a informação genética incluída possa ser concretamente transferida para um receptor adequado para efeitos de recombinação. O quarto considerando da Directiva 2001/18 corrobora esta análise. Esta última directiva parece, assim, adoptar de forma determinante dois critérios conexos, a saber, o da viabilidade e o da fecundidade, e não o mero transporte de ADN que deixou de poder desempenhar um papel em matéria de reprodução.

56      Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas a respeito do facto de uma interpretação neste sentido poder ser contrária ao objectivo de protecção do Regulamento n.° 1829/2003. Excluir do âmbito de aplicação deste regulamento géneros alimentícios que contenham ADN ou proteínas geneticamente modificadas em quantidades ilimitadas pode revelar‑se incompatível com aquele objectivo. O elemento pertinente para a segurança alimentar não será assim tanto a capacidade de reprodução do OGM, mas a presença de material geneticamente modificado.

57      O artigo 2.°, ponto 5, do Regulamento n.° 1829/2003 define o OGM através da remissão para a definição deste conceito que consta do artigo 2.°, ponto 2, da Directiva 2001/18, ou seja, como sendo «qualquer organismo […] cujo material genético tenha sido modificado de uma forma que não ocorre naturalmente por meio de cruzamentos e/ou de recombinação natural».

58      É pacífico que o material genético do pólen em causa no processo principal foi modificado de acordo com as condições previstas na definição de OGM.

59      Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio só pode adoptar uma qualificação deste pólen como OGM se esta substância ainda for um «organismo» na acepção do artigo 2.°, ponto 4, do Regulamento n.° 1829/2003, que, por remissão para o artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18, define «organismo» como «qualquer entidade biológica dotada de capacidade reprodutora ou de transferência de material genético».

60      Uma vez que a discussão se concentra na segunda parte desta definição, relativa à capacidade reprodutora ou de transferência de material genético, e que é facto assente que o pólen em causa no processo principal perdeu toda a capacidade concreta e individual de reprodução, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se este está dotado, por outro lado, da capacidade de «transferência de material genético», tendo em devida conta os dados científicos disponíveis e tomando em consideração qualquer forma de transferência de material genético cientificamente comprovada.

61      Caso, no termo desta apreciação, o órgão jurisdicional de reenvio constate que o pólen em causa no processo principal não é ou deixou de ser capaz de transferir material genético, de modo que não pode ser considerado um organismo e, por conseguinte, um OGM na acepção do Regulamento n.° 1829/2003, tal não tem necessariamente como consequência que esse pólen não seja abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento. Com efeito, se, nesse caso, o pólen não for abrangido pelo artigo 3.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 1829/2003, pode, no entanto, ser abrangido pelo artigo 3.°, n.° 1, alínea c), deste, possibilidade que o próprio órgão jurisdicional de reenvio equaciona na sua segunda questão prejudicial.

62      Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o conceito de OGM na acepção do artigo 2.°, ponto 5, do Regulamento n.° 1829/2003 deve ser interpretado no sentido de que uma substância como o pólen proveniente de uma variedade de milho geneticamente modificado, que perdeu a sua capacidade de reprodução e que se encontra desprovida de toda a capacidade de transferir o material genético que contém, deixou de ser abrangida por este conceito.

 Quanto à segunda questão

63      Na sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio, que pretende ver precisado o âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003, refere‑se ao artigo 2.°, ponto 10, deste, que define o conceito de «produzido a partir de [OGM]».

64      No que respeita aos géneros alimentícios, o âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003 é delimitado pelo seu artigo 3.°, n.° 1, que visa:

«a)      Os OGM destinados à alimentação humana;

b)      Os géneros alimentícios que contenham ou sejam constituídos por OGM;

c)      Os géneros alimentícios produzidos a partir de ou que contenham ingredientes produzidos a partir de OGM.»

65      O alcance do artigo 3.°, n.° 1, alíneas a) e b), depende essencialmente do conceito de «OGM».

66      Se, no litígio no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio constatar que o pólen em causa não é ou deixou de ser capaz de transferir material genético, pelo que não pode ser considerado um OGM, este litígio só poderá ser abrangido pelo Regulamento n.° 1829/2003 se estiverem preenchidos os requisitos enunciados no artigo 3.°, n.° 1, alínea c), deste regulamento.

67      Em circunstâncias como as do referido litígio, que dizem respeito a produtos «que contenham» o pólen controvertido, o alcance do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1829/2003 depende do conceito de «género alimentício», definido no artigo 2.°, ponto 1, deste através de remissão para o artigo 2.° do Regulamento n.° 178/2002, do conceito de «ingrediente[s]», definido no artigo 2.°, ponto 13, do Regulamento n.° 1829/2003 através de remissão para o artigo 6.°, n.° 4, da Directiva 2000/13, e do de «produzido a partir de [OGM]», definido no artigo 2.°, ponto 10, do Regulamento n.° 1829/2003.

68      Por conseguinte, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se:

–        o artigo 2.°, pontos 1, 10 e 13, bem como o artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1829/2003, o artigo 2.° do Regulamento n.° 178/2002 e o artigo 6.°, n.° 4, alínea a), da Directiva 2000/13, devem ser interpretados no sentido de que, quando uma substância como o pólen que contém ADN e proteínas geneticamente modificados não possa ser considerada um OGM, produtos como o mel e suplementos alimentares que contenham essa substância constituem, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1829/2003, «géneros alimentícios […] que [contêm] ingredientes produzidos a partir de OGM»;

–        semelhante qualificação pode ser adoptada independentemente da questão de saber se a introdução da substância em causa foi intencional ou acidental.

69      Produtos como o mel e os suplementos alimentares à base de pólen, em causa no processo principal, destinam‑se a ser ingeridos pelo ser humano. São assim «géneros alimentícios» na acepção do artigo 2.°, ponto 1, do Regulamento n.° 1829/2003 e do artigo 2.° do Regulamento n.° 178/2002.

70      O pólen controvertido no litígio no processo principal é proveniente do milho MON 810, ou seja, de um OGM.

71      Deve considerar‑se que este pólen é «produzido a partir de OGM» na acepção do artigo 2.°, ponto 10, do Regulamento n.° 1829/2003 quando já não possa ser qualificado de OGM, na medida em que, nesse caso, já não é um OGM e já não contém OGM.

72      Para responder à segunda questão, há, portanto, que verificar principalmente se o referido pólen pode ser qualificado de «ingrediente».

73      Por força do artigo 2.°, ponto 13, do Regulamento n.° 1829/2003 e do artigo 6.°, n.° 4, alínea a), da Directiva 2000/13, um ingrediente é «qualquer substância […] utilizada no fabrico ou preparação de um género alimentício e ainda presente no produto acabado, eventualmente sob forma alterada».

74      Deve adoptar‑se uma qualificação de «ingrediente» relativamente ao pólen contido em suplementos alimentares à base de pólen quando aquele aí seja introduzido no decurso do seu fabrico ou da sua preparação.

75      No que respeita ao pólen contido no mel, importa constatar que, de acordo com o anexo II, primeiro parágrafo, da Directiva 2001/110, o mel é constituído não só por diversos açucares mas igualmente por outras substâncias como, nomeadamente, «partículas sólidas provenientes da [colheita do mel]».

76      Ora, os pólenes são partículas sólidas que provêm efectivamente da recolha do mel, parcialmente devido às abelhas e, principalmente, como consequência da centrifugação levada a cabo pelo apicultor. Além disso, em conformidade com o disposto no terceiro parágrafo do anexo II da Directiva 2001/110, «não pode ser retirado ao mel nenhum pólen […] excepto quando tal seja inevitável aquando da eliminação de matérias orgânicas ou inorgânicas estranhas à sua composição».

77      O pólen não é assim um corpo estranho nem uma impureza do mel, mas um seu componente normal que, por vontade do legislador da União, não pode em princípio ser retirado, ainda que a periodicidade da sua incorporação e as quantidades nas quais se encontra presente no mel dependam de certos imprevistos ocorridos durante a produção.

78      Neste contexto, na acepção do artigo 6.°, n.° 4, alínea a), da Directiva 2000/13, o pólen, que faz parte da própria definição de mel enunciada na Directiva 2001/110, deve ser considerado uma substância «utilizada no fabrico ou preparação de um género alimentício e ainda presente no produto acabado».

79      Deve, portanto, ser igualmente qualificado de «ingrediente» na acepção do artigo 2.°, ponto 13, do Regulamento n.° 1829/2003 e do artigo 6.°, n.° 4, alínea a), da Directiva 2000/13.

80      A Comissão Europeia contesta esta conclusão apresentando uma distinção que se deve operar entre o conceito de «ingrediente» e o de «constituinte natural». Em seu entender, o pólen é um constituinte natural do mel e não um ingrediente, pelo que o mel que o contém não é abrangido pelo artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1829/2003. Este resultado estaria, além do mais, de acordo com a letra do décimo sexto considerando deste regulamento, do qual se deve deduzir que só se pode considerar que os géneros alimentícios de origem animal são produzidos a partir de um OGM se o próprio animal for geneticamente modificado.

81      Contudo, a distinção avançada não toma em consideração as condições particulares da incorporação do pólen no mel nem a manutenção voluntária desse pólen na composição do produto acabado.

82      A interpretação proposta compromete o objectivo de protecção da saúde humana, porquanto um género alimentício como o mel escaparia a todo o controlo da sua segurança, embora contivesse quantidades elevadas de material geneticamente modificado.

83      A interpretação em causa viola o critério decisivo da aplicação do Regulamento n.° 1829/2003, previsto no seu décimo sexto considerando, a saber, o critério relativo «[à] presença ou não de material derivado do material geneticamente modificado original nos géneros alimentícios».

84      A este respeito, deve observar‑se que a análise desenvolvida pela Comissão não é confirmada pelo referido décimo sexto considerando, que explica a exclusão do âmbito de aplicação do regulamento em causa dos géneros alimentícios produzidos não «a partir» de um OGM, mas «com recurso» a auxiliares tecnológicos geneticamente modificados.

85      Com efeito, os exemplos de géneros alimentícios elaborados a partir de animais alimentados com alimentos geneticamente modificados citados neste considerando têm apenas por objecto ilustrar a categoria dos géneros alimentícios produzidos «com recurso» a um OGM nos quais não possa ser constatada a presença de material produzido a partir de uma matéria‑prima geneticamente modificada.

86      Consequentemente, os referidos exemplos não podem servir de fundamento para excluir um género alimentício, como o mel em causa no processo principal, que efectivamente contém esse material, do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003.

87      Por fim, não se pode considerar, como a Monsanto sugere, também para excluir o mel do âmbito de aplicação deste regulamento, que a presença de pólen não é o resultado de um processo de produção intencional.

88      Pelo contrário, esta presença é a consequência em si mesma de um processo de produção consciente e pretendido pelo apicultor que deseja produzir o género alimentício qualificado de mel pelo legislador da União. Além do mais, no essencial, a presença de pólen resulta da acção do próprio apicultor devido à operação material de centrifugação que executa para proceder à recolha.

89      De qualquer modo, a introdução intencional, num género alimentício, de uma substância como o pólen em causa no processo principal não pode ser erigida como requisito de aplicação do regime de autorização previsto no Regulamento n.° 1829/2003, sendo o risco para a saúde humana, que este regulamento pretende prevenir, independente do carácter intencional ou acidental da introdução da substância em causa.

90      Além disso, uma interpretação no sentido proposto pela Monsanto deixaria sem objecto o artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003, que derroga a obrigação de rotulagem prevista no artigo 13.° do mesmo regulamento quando a presença do material em causa não exceda 0,9% de cada ingrediente, «desde que a presença desse material seja acidental ou tecnicamente inevitável».

91      Com efeito, a tomada em consideração do carácter acidental ou tecnicamente inevitável da referida presença faria, em si mesma, com que o género alimentício escapasse à aplicação do Regulamento n.° 1829/2003 e, portanto, a qualquer obrigação de rotulagem.

92      Por conseguinte, deve responder‑se à segunda questão no sentido de que:

–        o artigo 2.°, pontos 1, 10 e 13, bem como o artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1829/2003, o artigo 2.° do Regulamento n.° 178/2002 e o artigo 6.°, n.° 4, alínea a), da Directiva 2000/13, devem ser interpretados no sentido de que, quando uma substância como o pólen que contém ADN e proteínas geneticamente modificados não possa ser considerada um OGM, produtos como o mel e suplementos alimentares que contenham essa substância constituem, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1829/2003, «géneros alimentícios […] que [contêm] ingredientes produzidos a partir de OGM»;

–        semelhante qualificação pode ser adoptada independentemente da questão de saber se a introdução da substância em causa foi intencional ou acidental.

 Quanto à terceira questão

93      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 3.°, n.° 1, e 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003 devem ser interpretados no sentido de que, quando implicarem uma obrigação de autorização e de supervisão de um género alimentício, se pode aplicar, por analogia, a esta obrigação um limiar de tolerância, como o previsto em matéria de rotulagem no artigo 12.°, n.° 2, do mesmo regulamento.

94      A Monsanto e o Governo polaco consideram que, caso um OGM tenha sido autorizado ao abrigo da Directiva 2001/18 ou, como no litígio no processo principal, ao abrigo da Directiva 90/220/CEE do Conselho, de 23 de Abril de 1990, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados (JO L 117, p. 15), revogada e substituída pela Directiva 2001/18, a autorização concedida cobre a introdução acidental de vestígios ínfimos de material geneticamente modificado noutros produtos, que constitui a mera consequência da execução dessa autorização, tendo semelhante consequência, em seu entender, sido acautelada quando da avaliação do OGM.

95      Uma abordagem neste sentido não pode ser aceite.

96      As Directivas 90/220 e 2001/18 foram sucessivamente adoptadas para regular a libertação deliberada no ambiente de OGM e a colocação no mercado de OGM enquanto produtos, consistindo o objectivo prosseguido em evitar os efeitos nocivos que podem resultar desses OGM para a saúde humana e o ambiente.

97      O Regulamento n.° 1829/2003 aplica‑se ao domínio particular dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais. No que respeita aos géneros alimentícios, o seu primeiro objectivo, previsto no seu artigo 4.°, n.° 1, é também o de evitar efeitos nocivos para a saúde humana e o ambiente.

98      Contudo, a abordagem das Directivas 90/220 e 2001/18 é predominantemente concebida sob o ângulo do conceito de «libertação deliberada», definido no artigo 2.°, ponto 3, de cada uma destas directivas como a introdução intencional no ambiente de OGM sem que se recorra a medidas específicas de confinamento, com o objectivo de limitar o seu «contacto» com «a população em geral e com o ambiente».

99      Esta abordagem parece, por conseguinte, ser mais geral, incluindo no que respeita à colocação no mercado de um OGM enquanto produto. Com efeito, a propósito desta colocação, o décimo segundo, décimo terceiro e décimo quarto considerandos da Directiva 90/220, bem como o vigésimo quinto, vigésimo oitavo e trigésimo segundo considerandos da Directiva 2001/18, fazem depender a necessidade de estabelecer um processo de avaliação e de autorização dos casos em que a colocação no mercado implicar uma libertação deliberada no ambiente.

100    Apesar de o Regulamento n.° 1829/2003 também incluir, em particular nos seus artigos 5.°, n.° 5, e 6.°, n.° 4, aspectos de avaliação dos riscos para o ambiente dos géneros alimentícios, assenta predominantemente, no que a eles diz respeito, numa abordagem de protecção da saúde humana relacionada com a circunstância específica de estes géneros, por definição, se destinarem a ser ingeridos pelo ser humano. Assim, em consonância com o seu terceiro considerando, para proteger a saúde humana, os géneros alimentícios que contenham, sejam constituídos por, ou sejam produzidos a partir de OGM, devem ser objecto de uma avaliação da sua «segurança».

101    Deste modo, o Regulamento n.° 1829/2003 prevê um nível de controlo adicional.

102    Este regulamento deixaria de ter objecto se se considerasse que uma avaliação realizada e uma autorização concedida ao abrigo das Directivas 90/220 ou 2001/18 cobririam todos os potenciais riscos subsequentes para a saúde humana e o ambiente.

103    Quando estiverem preenchidos os requisitos enunciados no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1829/2003, a obrigação de autorização e de supervisão existe, independentemente da proporção de material geneticamente modificado que o produto em causa contenha.

104    Com efeito, no que diz respeito a esta obrigação, foi previsto um limiar de tolerância de apenas 0,5% no artigo 47.° do Regulamento n.° 1829/2003. Ora, em conformidade com o disposto no n.° 5 do referido artigo 47.°, esse limiar deixou de ser aplicável três anos depois da data de aplicação deste regulamento.

105    Quanto ao limiar de tolerância de 0,9% por ingrediente, previsto no artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003, diz respeito à obrigação de rotulagem e não à obrigação de autorização e de supervisão.

106    A sua aplicação por analogia a esta última obrigação privaria a disposição que o prevê de qualquer utilidade, uma vez que excluiria o género alimentício em causa do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003.

107    De qualquer modo, tal aplicação por analogia contrariaria o objectivo de um «elevado nível de protecção da vida e da saúde humanas» previsto no artigo 1.° deste regulamento.

108    Por conseguinte, deve responder‑se à terceira questão que o artigo 3.°, n.° 1, e o artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003 devem ser interpretados no sentido de que, quando implicarem uma obrigação de autorização e de supervisão de um género alimentício, não se pode aplicar, por analogia, a esta obrigação um limiar de tolerância como o previsto em matéria de rotulagem no artigo 12.°, n.° 2, do mesmo regulamento.

 Quanto às despesas

109    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O conceito de organismo geneticamente modificado na acepção do artigo 2.°, ponto 5, do Regulamento (CE) n.° 1829/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativo a géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados, deve ser interpretado no sentido de que uma substância como o pólen proveniente de uma variedade de milho geneticamente modificado, que perdeu a sua capacidade de reprodução e que se encontra desprovida de toda a capacidade de transferir o material genético que contém, deixou de ser abrangida por este conceito.

2)      O artigo 2.°, pontos 1, 10 e 13, bem como o artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1829/2003, o artigo 2.° do Regulamento (CE) n.° 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios, e o artigo 6.°, n.° 4, alínea a), da Directiva 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Março de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios, devem ser interpretados no sentido de que, quando uma substância como o pólen que contém ADN e proteínas geneticamente modificados não possa ser considerada um organismo geneticamente modificado, produtos como o mel e suplementos alimentares que contêm essa substância constituem, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1829/2003, «géneros alimentícios […] que [contêm] ingredientes produzidos a partir de OGM». Semelhante qualificação pode ser adoptada independentemente da questão de saber se a introdução da substância em causa foi intencional ou acidental.

3)      O artigo 3.°, n.° 1, e o artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003 devem ser interpretados no sentido de que, quando implicarem uma obrigação de autorização e de supervisão de um género alimentício, não se pode aplicar, por analogia, a esta obrigação um limiar de tolerância como o previsto em matéria de rotulagem no artigo 12.°, n.° 2, do mesmo regulamento.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.