Language of document : ECLI:EU:C:2014:2249

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

2 de outubro de 2014 (*)

«Espaço de liberdade, de segurança e de justiça — Regulamento (CE) n.° 2252/2004 — Parte 1 do documento 9303 da Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO) — Normas mínimas de segurança dos passaportes e documentos de viagem emitidos pelos Estados‑Membros — Passaporte de leitura ótica — Indicação do apelido de solteiro na página de dados pessoais do passaporte — Apresentação do nome sem risco de confusão»

No processo C‑101/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg (Alemanha), por decisão de 6 de fevereiro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de fevereiro de 2013, no processo

U

contra

Stadt Karlsruhe,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, M. Safjan, J. Malenovský (relator), A. Prechal e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 15 de janeiro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação de U, por R. Faller, Rechtsanwalt,

—        em representação do Governo alemão, por T. Henze e A. Wiedmann, na qualidade de agentes,

—        em representação da Comissão Europeia, por G. Wils e W. Bogensberger, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de abril de 2014,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.° 2252/2004 do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, que estabelece normas para os dispositivos de segurança e dados biométricos dos passaportes e documentos de viagem emitidos pelos Estados‑Membros (JO L 385, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 444/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009 (JO L 142, p. 1 e retificação no JO L 188, p. 127, a seguir «Regulamento n.° 2252/2004»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe U à Stadt Karlsruhe (cidade de Karlsruhe) a propósito da recusa desta última de alterar a apresentação do seu apelido de solteiro no seu passaporte alemão.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 2 a 4 do Regulamento n.° 2252/2004 enunciam:

«(2)      Foram introduzidas normas mínimas de segurança para os passaportes mediante uma Resolução dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros, reunidos no âmbito do Conselho em 17 de outubro de 2000 […]. Convém agora atualizar esta resolução através de uma medida comunitária, a fim de melhorar e harmonizar as normas de segurança relativas à proteção dos passaportes e documentos de viagem contra a falsificação. Deverão igualmente ser integrados no passaporte ou documento de viagem identificadores biométricos para estabelecer um nexo fiável entre o documento e o seu legítimo titular.

(3)      A harmonização dos dispositivos de segurança e a integração de identificadores biométricos constituem um progresso significativo no sentido da utilização de novos elementos na perspetiva de futuros desenvolvimentos a nível europeu que tornem os documentos de viagem mais seguros e estabeleçam um nexo mais fiável entre o passaporte e documento de viagem e o seu titular, o que representa um importante contributo para a sua proteção contra a utilização fraudulenta. Deverão ser tidas em conta as especificações da Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO), em especial as contidas no documento 9303 sobre os documentos de viagem de leitura ótica.

(4)      O âmbito do presente regulamento limita‑se à harmonização dos dispositivos de segurança, incluindo os identificadores biométricos, dos passaportes e documentos de viagem emitidos pelos Estados‑Membros. […]»

4        Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, primeiro parágrafo, deste regulamento:

«Os passaportes e documentos de viagem emitidos pelos Estados‑Membros devem cumprir as normas mínimas de segurança constantes do anexo.»

5        O anexo ao referido regulamento, intitulado «Normas mínimas de segurança dos passaportes e documentos de viagem emitidos pelos Estados‑Membros», contém um n.° 2 intitulado «Página de dados pessoais», que prevê no seu primeiro parágrafo:

«O passaporte ou documento de viagem incluirá uma página de dados pessoais de leitura ótica que respeitará o disposto na parte 1 (Passaportes de leitura ótica) do documento n.° 9303 da ICAO e a forma da sua emissão deve respeitar as especificações relativas aos passaportes de leitura ótica definidas no referido documento.»

 Parte 1 do documento 9303 da ICAO

6        O 5.° parágrafo da introdução da parte 1 do documento 9303 da ICAO indica:

«[…] A ICAO elabora normas internacionais que os Estados contratantes devem implementar […]. Constitui um princípio fundamental na elaboração destas normas que as autoridades públicas, para facilitar as formalidades de controlo da grande maioria dos passageiros aéreos, devem ter um nível de confiança satisfatório na fiabilidade dos documentos de viagem e na eficácia dos procedimentos de controlo. A criação de especificações normalizadas para os documentos de viagem e os dados que estes contêm destina‑se a estabelecer essa confiança.»

7        A secção IV da parte 1 do documento 9303 da ICAO, intitulada «Especificações técnicas para o passaporte de leitura ótica», contém um ponto 5.2 nos termos do qual:

«Por forma a ter em conta a diversidade das exigências das leis e dos usos dos Estados e garantir uma normalização máxima face a essas exigências, a página de informações do [passaporte de leitura ótica (PLO)] está dividida em sete zonas, nos termos seguintes:

Frente da página de informações do PLO

Zona I  Cabeçalho obrigatório

Zona II      Dados pessoais, obrigatórios e opcionais

Zona III Dados relativos ao documento, obrigatórios e opcionais

Zona IV Assinatura ou marca habitual do titular, obrigatório (original ou reprodução)

Zona V Identificação obrigatória

Zona VII Zona de leitura automática (ZLA) obrigatória

Verso da página de informações do PLO ou uma página adjacente

Zona VI Dados opcionais».

8        O ponto 8.4 da referida secção IV tem a seguinte redação:

«Campos. Salvo disposição em contrário na lista abaixo, todos os campos destinados aos dados obrigatórios na [Zona de inspeção visual (zonas I a VI)] devem ser identificados por uma designação, que poderá ser na língua oficial do Estado emissor ou na língua de trabalho da organização emissora. Se as designações forem redigidas na língua oficial do Estado emissor ou na língua de trabalho da organização emissora, numa língua diferente do francês, do inglês ou do espanhol, deve ser apresentada uma tradução, em itálico, numa destas três línguas.»

9        No que respeita ao conteúdo dos campos 06 e 07 da zona II da página de informações do passaporte de leitura ótica, o ponto 8.6 desta mesma secção dispõe:

«Nome completo do titular, identificado pelo Estado emissor ou pela organização emissora. Se possível, o nome será dividido em duas partes, correspondendo a primeira à parte definida pelo Estado ou pela organização como ‘identificador primário’ do titular (por exemplo, o apelido, o nome de solteira mais o nome de casada, o apelido de família) e a segunda aos demais componentes do nome do titular (por exemplo, nomes próprios, iniciais) que o Estado emissor ou a organização emissora considere que representam, no seu conjunto, um ‘identificador secundário’. As duas partes (os identificadores primário e secundário) integradas constituem o nome do titular do passaporte.

Se o Estado emissor ou a organização emissora determinar que o nome do titular não pode ser dividido em duas partes como acima indicado, o nome completo do titular será definido como sendo o identificador primário.»

10      No que respeita mais especificamente ao campo 06, destinado a conter o identificador primário, o ponto 8.6 da secção IV da parte 1 do documento 9303 da ICAO enuncia:

«Componente(s) principal(ais) do nome do titular, conforme acima descrito. No caso de o ou os componentes principais do nome do titular (por exemplo, se for constituído por nomes compostos) não poderem ser inscritos por inteiro ou na mesma ordem, por falta de espaço nos campos 06 e/ou 07 ou devido à prática nacional, serão inscritos o ou os componentes mais importantes (determinado(s) pelo Estado ou pela organização) do identificador primário.»

11      Quanto ao campo 07, destinado a conter o identificador secundário, o ponto 8.6 da secção IV da parte 1 do documento 9303 da ICAO prevê:

«Componente(s) secundário(s) do nome do titular, conforme acima descrito. O ou os componentes mais importantes do identificador secundário do titular devem ser inscritos por inteiro, até ao limite das dimensões máximas do quadro do campo. Os restantes componentes podem, se necessário, ser representados por iniciais. Se o nome do titular for apenas constituído por componentes principais, este campo de dados será deixado em branco. O Estado pode, se o entender, utilizar toda a zona que compreende os campos 06 e 07 como um campo único. Nesse caso, o identificador primário será colocado em primeiro lugar, seguido de uma vírgula e de um espaço, seguidos do identificador secundário.»

12      No que respeita ao campo 13 da zona II da página de informações destinada a conter os «Dados pessoais opcionais», o ponto 8.6 da secção IV da parte 1 do documento 9303 da ICAO presta a seguinte informação:

«Dados pessoais opcionais, por exemplo, o número de identificação pessoal ou as impressões digitais, conforme definido pelo Estado emissor ou pela organização emissora. […]»

 Direito alemão

13      No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, segundo o seu direito interno relativo ao estado civil das pessoas, o nome de um indivíduo é composto apenas pelos seus nomes próprios e pelo apelido de família. Esclarece que, no direito alemão, o apelido de família de uma pessoa é, em princípio o seu apelido de solteira determinado nos termos dos §§ 1616 ou 1617 do Código Civil (Bürgerliches Gesetzbuch), mas que, nomeadamente em caso de casamento, a utilização do apelido de solteiro como apelido de família pode ser afastada.

14      No que respeita à emissão de passaportes, o § 4, n.° 1, primeiro e segundo períodos, da Lei dos passaportes (Passgesetz), de 19 de abril de 1986 (BGB1. 1986 I, p. 537), conforme alterada em último lugar pela Lei de 30 de julho de 2009 (BGBl 2009 I, p. 2437), dispõe:

«Os passaportes devem ser emitidos de acordo com um modelo uniforme e incluem um número de série. O passaporte contém, além da fotografia do seu titular, da assinatura do mesmo, da designação da autoridade emissora, da data de emissão do passaporte e da sua data de validade, exclusivamente as seguintes indicações sobre a pessoa do seu titular:

1.

Apelido de família e apelido de solteiro,

2.

Nomes próprios,


[…]»

15      A nota 6 do anexo 11 do Regulamento de execução da Lei dos passaportes (Passverordnung) tem a seguinte redação:

«Quando exista um apelido de solteiro, é‑lhe atribuída pelo menos uma linha completa. Esta linha começa com uma sequência de cinco carateres ‘GEB.’ ou ‘geb.’.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      O apelido do recorrente no processo principal é U e os seus nomes próprios são S e P. O seu apelido de solteiro, que não faz parte do seu apelido de família, é E. Decorre, além disso, dos autos que o recorrente adquiriu o título de «Doktor», o qual, segundo o direito alemão, é considerado componente do nome.

17      Do campo designado por «Name/Surname/Nom» do seu passaporte, consta o seguinte, em duas linhas:

«DR [U]

GEB. [E]»

18      O recorrente no processo principal considera que esta apresentação do seu nome no seu passaporte está errada e que isso conduz a mal‑entendidos, sempre que se desloca ao estrangeiro por razões profissionais. Considera que a inclusão, no seu passaporte, no campo utilizado para o apelido, do seu apelido de solteiro, o qual não faz parte do seu nome conforme definido pelo direito interno relativo ao estado civil, antecedido da abreviatura «GEB.», introduzida para substituir o adjetivo «geboren» (nascido), tem como consequência o facto de, no seu relacionamento profissional com particulares e na concessão de vistos, ter sido denominado, por exemplo, «M. GEB [E]», «M. [E U]», «Dr [U] GEB [E]» ou ainda «[S E] Dr [U]».

19      Por este motivo, o recorrente no processo principal pediu à Stadt Karlsruhe que alterasse os dados do seu passaporte, com vista a tornar inequívoco, nomeadamente para as pessoas que não são alemãs, que o seu nome é «Dr U», tendo esta indeferido esse pedido.

20      O recorrente no processo principal apresentou uma reclamação no Regierungspräsidium Karlsruhe e, posteriormente, como essa reclamação foi indeferida, um recurso de anulação no Verwaltungsgericht Karlsruhe, ao qual foi, por sua vez, negado provimento. Em seguida, o recorrente no processo principal recorreu para o órgão jurisdicional de reenvio.

21      Nestas condições o Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O anexo ao [Regulamento n.° 2252/2004] impõe que a página de dados pessoais de leitura ótica dos passaportes emitidos pelos Estados‑Membros respeite todas as especificações obrigatórias da parte 1 (passaportes de leitura ótica) do documento […] 9303 da ICAO?

2)      Quando o nome da pessoa, nos termos do direito aplicável de um Estado‑Membro, for composto por nome próprio e apelido, esse Estado‑Membro pode, ao abrigo do anexo ao [Regulamento n.° 2252/2004], em conjugação com o regime previsto no [ponto] 8.6 da secção IV da parte 1 (passaportes de leitura ótica) do documento […] 9303 da ICAO, fazer também constar do campo 6 da página de dados pessoais de leitura ótica dos passaportes o apelido de solteiro da pessoa em causa, a título de identificador primário?

3)      Quando o nome da pessoa, nos termos do direito aplicável de um Estado‑Membro, for composto por nome próprio e apelido, esse Estado‑Membro pode, ao abrigo do anexo ao [Regulamento n.° 2252/2004], em conjugação com o regime previsto no [ponto] 8.6 da secção IV da parte 1 (passaportes de leitura ótica) do documento […] 9303 da ICAO, fazer também constar do campo 7 da página de dados pessoais de leitura ótica dos passaportes o apelido de solteiro da pessoa em causa, a título de identificador secundário?

4)      Em caso de resposta afirmativa à segunda ou à terceira questão: o Estado‑Membro cujo direito aplicável preveja que o nome da pessoa é composto por nome próprio e apelido, é obrigado, por força da proteção concedida ao nome pelo artigo 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [a seguir ‘Carta’] e pelo artigo 8.° da Convenção Europeia [para a Proteção] dos Direitos do Homem [e das Liberdades Fundamentais], [assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950], a indicar expressamente na identificação do campo da página de dados pessoais de leitura ótica dos passaportes, no qual se faz constar o apelido de solteiro, que o referido campo também se destina ao preenchimento desse mesmo apelido de solteiro?

5)      Em caso de resposta negativa à quarta questão: o Estado‑Membro cujo direito aplicável preveja que o nome da pessoa é composto por nome próprio e apelido e cujo regime legal em matéria de emissão de passaportes determine, por um lado, que a identificação dos campos da página de dados pessoais de leitura ótica dos passaportes seja feita também nas línguas inglesa e francesa e, por outro lado, que o campo [06] da página de dados pessoais de leitura ótica dos passaportes também contenha, em linha autónoma, o apelido de solteiro da pessoa em causa, antecedido da abreviatura ‘geb.’, de ‘geboren’ (nascido), é obrigado, por força da proteção concedida ao nome pelo artigo 7.° da Carta […] e pelo artigo 8.° da Convenção Europeia [para a Proteção] dos Direitos do Homem [e das Liberdades Fundamentais], a fazer igualmente constar a abreviatura ‘geb.’ de ‘geboren’ nas línguas inglesa e francesa?

6)      Quando o nome da pessoa, nos termos do direito aplicável de um Estado‑Membro, for composto por nome próprio e apelido, esse Estado‑Membro pode, ao abrigo do anexo ao [Regulamento n.° 2252/2004], em conjugação com o regime previsto no [ponto] 8.6 da secção IV da parte 1 (passaportes de leitura ótica) do documento […] 9303 da ICAO, fazer constar do campo 13 da página de dados pessoais de leitura ótica dos passaportes o apelido de solteiro da pessoa em causa, a título de dado pessoal opcional?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

22      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o anexo ao Regulamento n.° 2252/2004 deve ser interpretado no sentido de que impõe que a página de dados pessoais de leitura ótica dos passaportes emitidos pelos Estados‑Membros respeite todas as especificações obrigatórias previstas na parte 1 do documento 9303 da ICAO.

23      A este respeito, importa desde logo sublinhar que, segundo o artigo 1.° do Regulamento n.° 2252/2004, os passaportes emitidos pelos Estados‑Membros devem cumprir as normas mínimas de segurança constantes do anexo a este regulamento. Ora, resulta deste anexo, no n.° 2 intitulado «Página de dados pessoais», primeiro parágrafo, que a página de dados pessoais de leitura ótica dos passaportes emitidos pelos Estados‑Membros deve respeitar as especificações relativas aos passaportes de leitura ótica estabelecidas na parte 1 do documento 9303 da ICAO.

24      Por conseguinte, resulta do anexo ao Regulamento n.° 2252/2004 que a página de dados pessoais de leitura ótica dos passaportes emitidos pelos Estados‑Membros deve respeitar todas as especificações obrigatórias previstas na parte 1 do documento 9303 da ICAO.

25      Além disso, importa constatar que esta obrigação está em conformidade com o objetivo de reforçar a segurança dos documentos de viagem na União Europeia, prosseguido pelo Regulamento n.° 2252/2004.

26      Nestas condições, deve responder‑se à primeira questão que o anexo ao Regulamento n.° 2252/2004 deve ser interpretado no sentido de que impõe que a página de dados pessoais de leitura ótica dos passaportes emitidos pelos Estados‑Membros respeite todas as especificações obrigatórias previstas na parte 1 do documento 9303 da ICAO.

 Quanto à segunda e terceira questões

27      Com a segunda e terceira questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o anexo ao Regulamento n.° 2252/2004, em conjugação com a parte 1 do documento 9303 da ICAO, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, quando o nome da pessoa, nos termos do direito aplicável de um Estado‑Membro, for composto pelo nome próprio e pelo apelido, esse Estado‑Membro possa, contudo, fazer constar o apelido de solteiro, como identificador primário, do campo 06 da página de dados pessoais de leitura ótica do passaporte, como identificador secundário, do campo 07 desta página, ou de um campo único composto pelos referidos campos 06 e 07.

28      Importa antes de mais sublinhar que, segundo o ponto 8.6 da secção IV da parte 1 do documento 9303 da ICAO, os campos 06 e 07 da página de dados pessoais de leitura ótica do passaporte se destinam a conter os dados identificados pelo Estado emissor como constituindo o «nome completo» do titular do passaporte.

29      Assim, há que determinar, em primeiro lugar, se, num contexto jurídico como o apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio nas suas questões, o apelido de solteiro pode constar dos referidos campos 06 e/ou 07.

30      A este respeito, decorre do ponto 5.2 da secção IV da parte 1 do documento 9303 da ICAO que as especificações relativas ao conteúdo da página de dados pessoais de leitura ótica do passaporte foram concebidas de maneira a se adaptarem à diversidade das exigências das leis e dos usos dos diferentes Estados emissores. Daqui resulta que, nos limites das exigências inerentes à apresentação normalizada desta página, os Estados emissores dispõem de uma margem de manobra na escolha dos elementos a inscrever nos diferentes campos de dados da referida página.

31      Tendo em conta essa margem de manobra concedida aos Estados, e uma vez que o ponto 8.6 da secção IV da parte 1 do documento 9303 da ICAO se refere ao «nome completo identificado pelo Estado emissor», sem precisar melhor este conceito, o mesmo deve ser interpretado no sentido de que confere a esses Estados uma margem de apreciação na escolha dos elementos que constituem o «nome completo». Assim, há que observar que o referido documento não se opõe a que, num contexto jurídico como o apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio nas suas questões, um Estado possa fazer constar dos campos 06 e/ou 07 da página de dados pessoas de leitura ótica do passaporte elementos diferentes do apelido e dos nomes próprios do titular, nomeadamente, o seu apelido de solteiro.

32      Esta conclusão é corroborada pelo objetivo prosseguido pelo Regulamento n.° 2252/2004, conforme evocado nos seus considerandos 2 e 3, de estabelecer um nexo fiável entre o passaporte e o seu titular. Com efeito, dado que o apelido de solteiro constitui um elemento que permite distinguir as pessoas com apelidos idênticos, a menção desta informação no passaporte constitui um elemento suscetível de estabelecer um nexo mais forte entre este documento e o seu titular.

33      Por conseguinte, tendo em conta quer a redação do ponto 8.6 da secção IV da parte 1 do documento 9303 da ICAO quer o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.° 2252/2004, há que considerar que o anexo ao Regulamento n.° 2252/2004, em conjugação com a parte 1 do documento 9303 da ICAO, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, num contexto jurídico como o apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio nas suas questões, um Estado‑Membro possa inscrever o apelido de solteiro do titular do passaporte nos campos 06 e/ou 07 da página de dados pessoais de leitura ótica do passaporte.

34      No que respeita, em segundo lugar, à questão de saber precisamente em qual destes campos 06 ou 07 pode ser mencionado o apelido de solteiro do titular do passaporte, decorre do ponto 8.6 da secção IV da parte 1 do documento 9303 da ICAO que compete aos Estados emissores identificar de entre os elementos que constituem o nome completo do titular do passaporte aqueles que são os seus componentes principais e que, a este título, devem constar do referido campo 06 e aqueles que são os seus componentes secundários e que devem constar do campo 07 da página de dados pessoais de leitura ótica do passaporte. Segundo esse mesmo ponto 8.6, os Estados emissores podem igualmente considerar que os diferentes componentes que formam o «nome completo» não podem ser divididos, antes devendo ser empregues como um identificador primário, ou que os referidos campos 06 e 07 devem ser utilizados como um campo único.

35      Nestas condições, quando um Estado‑Membro decide fazer constar do passaporte de leitura ótica o apelido de solteiro do seu titular, tem a faculdade de o inscrever, como identificador primário, no campo 06 da página de dados pessoais de leitura ótica, como identificador secundário, no campo 07 desta página ou num campo único composto pelos ditos campos 06 e 07.

36      Em face das considerações precedentes, há que responder à segunda e terceira questões que o anexo ao Regulamento n.° 2252/2004, em conjugação com a parte 1 do documento 9303 da ICAO, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, quando o nome da pessoa, nos termos do direito aplicável de um Estado‑Membro, for composto pelo nome próprio e pelo apelido, esse Estado possa, contudo, fazer constar o apelido de solteiro, como identificador primário, do campo 06 da página de dados pessoais de leitura ótica do passaporte, como identificador secundário, do campo 07 desta página ou de um campo único composto pelos referidos campos 06 e 07.

 Quanto à sexta questão

37      Com a sexta questão, que importa analisar em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o anexo ao Regulamento n.° 2252/2004, em conjugação com o ponto 8.6 da secção IV da parte 1 do documento 9303 da ICAO, deve ser interpretado no sentido de que, quando o nome da pessoa, nos termos do direito aplicável de um Estado‑Membro, for composto pelo nome próprio e pelo apelido, se opõe que esse Estado possa fazer constar do campo 13 da página de dados pessoais de leitura ótica do passaporte o apelido de solteiro como dado pessoal opcional.

38      A este respeito, há que sublinhar que, segundo o referido ponto 8.6, o campo 13 desta página se destina a conter os dados pessoais que tenham caráter opcional. Daí decorre que só os dados que não devam, pela sua natureza, constar de outro campo de dados e que, por conseguinte, tenham caráter obrigatório podem ser mencionados nesse campo 13.

39      Uma vez que, nos termos desse mesmo ponto 8.6, os Estados emissores devem fazer constar dos campos 06 e 07 da referida página os dados que constituem o «nome completo» dos titulares dos passaportes que emitem e, por conseguinte, necessariamente o conjunto completo dos elementos relativos ao nome, impõe‑se constatar que o referido campo 13 não pode conter nenhum destes dados.

40      Esta conclusão é corroborada, por um lado, pela circunstância de os exemplos indicados nesse mesmo ponto 8.6 em relação ao campo 13 dessa mesma página, a saber, um número de identificação pessoal e as impressões digitais do interessado, respeitarem apenas a dados de natureza completamente diferente dos relativos ao nome do titular.

41      Por outro lado, decorre nomeadamente do quinto parágrafo da introdução da parte 1 do documento 9303 da ICAO que as especificações estabelecidas neste documento têm por objetivo garantir, por meio de uma apresentação suficientemente normalizada dos dados pertinentes, um nível de confiança satisfatório na fiabilidade dos documentos de viagem e, desta forma, facilitar os procedimentos de controlo. Ora, se os Estados emissores pudessem inscrever os elementos relativos ao nome noutros campos diferentes dos expressamente previstos para esse efeito, correr‑se‑ia o risco de que determinadas autoridades públicas fossem induzidas em erro na identificação do detentor de um passaporte, o que iria contra o referido objetivo.

42      Em face das considerações precedentes, há que responder à sexta questão no sentido de que o anexo ao Regulamento n.° 2252/2004, em conjugação com as disposições do ponto 8.6 da secção IV da parte 1 do documento 9303 da ICAO, deve ser interpretado no sentido de que, quando o nome da pessoa, nos termos do direito aplicável de um Estado‑Membro, for composto pelo nome próprio e pelo apelido, se opõe a que esse Estado possa fazer constar do campo 13 da página de dados pessoais de leitura ótica do passaporte o apelido de solteiro como dado pessoal opcional.

 Quanto à quarta questão

43      Com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o anexo ao Regulamento n.° 2252/2004, em conjugação com as disposições da parte 1 do documento 9303 da ICAO, deve ser interpretado, à luz do artigo 7.° da Carta, no sentido de que, quando o direito aplicável de um Estado‑Membro preveja que o nome da pessoa é composto pelo nome próprio e pelo apelido, se esse Estado optar, contudo, por fazer constar dos campos 06 e/ou 07 da página de dados pessoais de leitura ótica do passaporte o apelido de solteiro do titular do passaporte, deve indicar, na designação destes campos, que o apelido de solteiro aí está inscrito.

44      Importa salientar que, na medida em que o objetivo recordado no n.° 41 do presente acórdão implica que as informações constantes dos diferentes campos da página de dados pessoais de leitura ótica de um passaporte possam ser fácil e eficazmente verificadas pelas autoridades de outros Estados, a apresentação dos diferentes componentes do nome do seu titular deve ser isenta de qualquer ambiguidade e, por conseguinte, de qualquer risco de confusão.

45      Assim, quando um Estado‑Membro, num contexto jurídico como o apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio nas suas questões, decide inserir o apelido de solteiro do titular do passaporte nos campos 06 e/ou 07 da página de dados pessoais de leitura ótica do passaporte, está obrigado a precisar sem ambiguidade, na designação destes campos, que o apelido de solteiro aí está inscrito.

46      Por outro lado, nos termos do ponto 8.4 da secção IV da parte 1 do documento 9303 da ICAO, esta designação deve ser redigida na língua oficial desse Estado, acompanhada, se for caso disso, de uma tradução, em itálico, numa das línguas mencionadas na referida disposição.

47      Por conseguinte, estas exigências não estão cumpridas se, num passaporte, o apelido de solteiro do interessado for indicado através de uma abreviatura, sobretudo não traduzida numa das línguas exigidas.

48      Por outro lado, tal interpretação encontra apoio nas exigências associadas ao direito à proteção da identidade e da vida privada, de que o respeito do nome é um elemento constitutivo, consagrado no artigo 7.° da Carta (v., neste sentido, acórdão Runevič‑Vardyn e Wardyn, C‑391/09, EU:C:2011:291, n.° 66).

49      A este respeito, embora, na prossecução dos objetivos do Regulamento n.° 2252/2004, um Estado tenha a faculdade de acrescentar ao nome do titular do passaporte, conforme definido pelo direito interno relativo ao estado civil, outros elementos, nomeadamente o apelido de solteiro, as modalidades de exercício desta faculdade devem respeitar o direito à vida privada do interessado. Do mesmo modo, para respeitar este direito, o nome do titular deve distinguir‑se claramente desses elementos suplementares, sendo certo que, aliás, essa clarificação não impede, de modo algum, a realização dos objetivos do Regulamento n.° 2252/2004.

50      Com efeito, é pacífico que a apresentação ambígua ou incorreta do nome de uma pessoa nos documentos emitidos por um Estado com vista a atestar a sua identidade é suscetível de provocar a essa pessoa sérios inconvenientes na sua vida privada e profissional, na medida em que pode suscitar dúvidas a respeito da sua identidade real, da autenticidade do passaporte ou da veracidade das informações neste contidas (v., neste sentido, acórdãos Grunkin e Paul, C‑353/06, EU:C:2008:559, n.° 23, e Sayn‑Wittgenstein, C‑208/09, EU:C:2010:806, n.° 69).

51      Em face das considerações precedentes, há que responder à quarta questão que o anexo ao Regulamento n.° 2252/2004, em conjugação com as disposições da parte 1 do documento 9303 da ICAO, deve ser interpretado, à luz do artigo 7.° da Carta, no sentido de que, quando o direito aplicável de um Estado‑Membro preveja que o nome da pessoa é composto pelo nome próprio e pelo apelido, se esse Estado optar, contudo, por fazer constar dos campos 06 e/ou 07 da página de dados pessoais de leitura ótica do passaporte o apelido de solteiro do titular do passaporte, deve indicar, sem ambiguidade, na designação destes campos, que o apelido de solteiro aí está inscrito.

 Quanto à quinta questão

52      Tendo em conta a resposta dada à quarta questão, não é necessário responder à quinta questão.

 Quanto às despesas

53      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O anexo ao Regulamento (CE) n.° 2252/2004 do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, que estabelece normas para os dispositivos de segurança e dados biométricos dos passaportes e documentos de viagem emitidos pelos Estados‑Membros, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 444/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, deve ser interpretado no sentido de que impõe que a página de dados pessoais de leitura ótica dos passaportes emitidos pelos Estados‑Membros respeite todas as especificações obrigatórias previstas na parte 1 do documento 9303 da Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO).

2)      O anexo ao Regulamento n.° 2252/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.° 444/2009, em conjugação com a parte 1 do documento 9303 da Organização da Aviação Civil Internacional, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, quando o nome da pessoa, nos termos do direito aplicável de um Estado‑Membro, for composto pelo nome próprio e pelo apelido, esse Estado possa, contudo, fazer constar o apelido de solteiro, como identificador primário, do campo 06 da página de dados pessoais de leitura ótica do passaporte, como identificador secundário, do campo 07 dessa página ou de um campo único composto pelos referidos campos 06 e 07.

3)      O anexo ao Regulamento n.° 2252/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.° 444/2009, em conjugação com as disposições do ponto 8.6 da secção IV da parte 1 do documento 9303 da Organização da Aviação Civil Internacional, deve ser interpretado no sentido de que, quando o nome da pessoa, nos termos do direito aplicável de um Estado‑Membro, for composto pelo nome próprio e pelo apelido, se opõe a que esse Estado possa fazer constar do campo 13 da página de dados pessoais de leitura ótica do passaporte o apelido de solteiro como dado pessoal opcional.

4)      O anexo ao Regulamento n.° 2252/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.° 444/2009, em conjugação com as disposições da parte 1 do documento 9303 da Organização da Aviação Civil Internacional, deve ser interpretado, à luz do artigo 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no sentido de que, quando o direito aplicável de um Estado‑Membro preveja que o nome da pessoa é composto pelo nome próprio e pelo apelido, se esse Estado optar, contudo, por fazer constar dos campos 06 e/ou 07 da página de dados pessoais de leitura ótica do passaporte o apelido de solteiro do titular do passaporte, deve indicar, sem ambiguidade, na designação destes campos, que o apelido de solteiro aí está inscrito.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.