Language of document : ECLI:EU:C:2012:191

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

29 de março de 2012 (*)

«Contratos públicos — Diretiva 2004/18/CE — Procedimentos de adjudicação de contratos — Concurso limitado — Apreciação das propostas — Pedidos de esclarecimento das propostas apresentados pela entidade adjudicante — Requisitos»

No processo C‑599/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Najvyšší súd Slovenskej republiky (Eslováquia), por decisão de 9 de novembro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 17 de dezembro de 2010, no processo

SAG ELV Slovensko a.s.,

FELA Management AG,

ASCOM (Schweiz) AG,

Asseco Central Europe a.s.,

TESLA Stropkov a.s.,

Autostrade per l’Italia SpA,

EFKON AG,

Stalexport Autostrady SA

contra

Úrad pre verejné obstarávanie,

sendo intervenientes:

Národná dial’ničná spoločnost’ a.s.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot (relator), presidente de secção, A. Prechal, K. Schiemann, C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 14 de dezembro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da SAG ELV Slovensko a.s., da FELA Management AG, da ASCOM (Schweiz) AG, da Asseco Central Europe a.s. e da TESLA Stropkov a.s., por R. Gorej, L. Vojčík e O. Gajdošech, avocats,

–        em representação da Autostrade per l’Italia SpA, da EFKON AG e da Stalexport Autostrady SA, por L. Poloma e G. M. Roberti, avocats,

–        em representação do Úrad pre verejné obstarávanie, por B. Šimorová, na qualidade de agente,

–        em representação da Národná diaľničná spoločnosť a.s., por D. Nemčíková e J. Čorba, advokát,

–        em representação do Governo eslovaco, por B. Ricziová, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por C. Zadra e A. Tokár, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 2.°, 51.° e 55.° da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114).

2        Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio entre o Úrad pre verejné obstarávanie (Instituto dos Contratos Públicos, a seguir «Úrad») e as empresas excluídas do concurso lançado em 2007 pela Národná diaľničná spoločnosť a.s. (a seguir «NDS»), sociedade comercial controlada a 100% pelo Estado eslovaco, tendo em vista o fornecimento de serviços de cobrança de portagens nas autoestradas e noutras vias.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 2.° da Diretiva 2004/18 estabelece:

«As entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e agem de forma transparente.»

4        O artigo 51.° desta diretiva, incluído no capítulo VII do título II, secção 2, cuja epígrafe é «Critérios de seleção qualitativa», enuncia:

«A entidade adjudicante pode convidar os operadores económicos a complementar ou a explicitar os certificados e documentos apresentados em aplicação dos artigos 45.° a 50.°»

5        O artigo 55.° da referida diretiva, que integra a secção 3, tendo por epígrafe «adjudicação do contrato», dispõe:

«1.      Se, para um determinado contrato, houver propostas que se revelem anormalmente baixas em relação à prestação em causa, antes de as poder rejeitar, a entidade adjudicante solicitará por escrito os esclarecimentos que considere oportunos sobre os elementos constitutivos da proposta.

Esses esclarecimentos referir‑se‑ão, designadamente:

a)      À economia do processo de construção, do processo de fabrico dos produtos ou da prestação dos serviços;

b)      Às soluções técnicas escolhidas e/ou às condições excecionalmente favoráveis de que o proponente disponha para a execução das obras, para o fornecimento dos produtos ou para a prestação dos serviços;

c)      À originalidade das obras, dos produtos ou dos serviços propostos pelo proponente;

d)      Ao respeito das condições relativas à proteção e às condições de trabalho em vigor no local de execução das prestações;

e)      À possibilidade de obtenção de um auxílio estatal pelo proponente.

2.      A entidade adjudicante verificará os referidos elementos, consultando o proponente e tendo em conta as justificações fornecidas.

[...]»

 Direito nacional

6        Nos termos do artigo 42.°, que tem por epígrafe «Processos de apreciação das propostas», da Lei n.° 25/2006, que regula os contratos públicos, na versão aplicável ao processo principal, de acordo com o órgão jurisdicional de reenvio:

«1)      A apreciação das propostas pelo júri é efectuada à porta fechada. O júri aprecia as propostas quanto ao cumprimento dos requisitos estabelecidos pela pessoa coletiva pública ou entidade adjudicante em relação ao objeto do contrato e exclui as propostas que não cumpram os requisitos previstos no aviso de abertura do concurso público ou no aviso utilizado para o convite à apresentação de propostas ou no caderno de encargos. [...]

Para a apreciação de propostas com variantes, o júri atua em conformidade com o disposto no artigo 37.°, n.° 3.

2)      O júri pode pedir, por escrito, aos proponentes, esclarecimentos sobre a proposta. No entanto, não pode convidar um proponente a modificar a proposta de modo a torná‑la favorita, nem aceitar essa modificação da proposta.

3)      Se a proposta tiver um preço anormalmente baixo, o júri solicita ao proponente esclarecimentos a esse respeito. O pedido deve referir pormenorizadamente os parâmetros característicos fundamentais da proposta que o júri considera particularmente relevantes, em especial, os relativos:

a)      À economia dos métodos de construção, dos métodos de produção ou dos serviços prestados;

b)      Às soluções técnicas ou às condições excecionalmente favoráveis de que o proponente disponha para o fornecimento dos produtos, para a execução das obras ou para a prestação dos serviços;

c)      Às características específicas dos produtos, da execução das obras ou dos serviços propostos pelo proponente;

d)      Ao cumprimento da legislação relativa à proteção do emprego e das condições de trabalho em vigor no local onde devam ser fornecidos os produtos, executadas as obras ou prestados os serviços;

e)      Ao eventual recebimento de um auxílio estatal pelo proponente.

4)      O júri tem em conta os esclarecimentos sobre a proposta ou sobre o preço anormalmente baixo, bem como os documentos apresentados pelo proponente. O júri exclui a proposta quando:

a)      O proponente não apresente esclarecimentos por escrito, no prazo de três dias úteis contados a partir da receção do pedido de esclarecimentos ou no prazo mais longo estabelecido pelo júri;

b)      Os esclarecimentos apresentados não respondam ao pedido efetuado nos termos dos n.os 2 ou 3.

[...]

7)      O júri aprecia as propostas que não foram excluídas, com base nos critérios fixados no aviso de abertura do concurso público, no aviso utilizado para o convite à apresentação de propostas ou no caderno de encargos, e com base nas suas regras de aplicação dos referidos critérios, estabelecidas no caderno de encargos, que não sejam discriminatórias e favoreçam a concorrência equitativa.

[...]»

 Litígios no processo principal e questões prejudiciais

7        A NDS lançou um concurso limitado para apresentação de propostas, por anúncio publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 27 de setembro de 2007, com a finalidade de celebrar um contrato público, de um valor previsto superior a 600 milhões de euros, para o fornecimento de serviços de cobrança de portagens nas autoestradas e noutras vias.

8        No decurso deste processo, a NDS solicitou a dois agrupamentos de empresas, proponentes entre vários, esclarecimentos sobre as respectivas propostas. As destinatárias eram, por um lado, a SAG ELV Slovensko a.s., a FELA Management AG, a ASCOM (Schweiz) AG, a Asseco Central Europe a.s. e a TESLA Stropkov a.s. (a seguir «SAG ELV e o.»), e, por outro, a Autostrade per l’Italia SpA, a EFKON AG e a Stalexport Autostrady SA (a seguir «Slovakpass»). Para além das questões específicas de cada uma das propostas, relativas aos seus aspetos técnicos, a estes dois agrupamentos foram pedidas explicações sobre os preços anormalmente baixos que propunham. Foi dada resposta a estes pedidos.

9        Subsequentemente, a SAG ELV e o. e a Slovakpass foram excluídas do concurso por decisões de 29 de abril de 2008.

10      Estas decisões foram objeto de reclamação para a NDS, que as confirmou. Seguidamente, foram interpostos recursos para o Úrad, organismo administrativo competente de recurso, que, em 2 de julho de 2008, lhes negou provimento.

11      O Úrad considerou que, muito embora fosse infundado um dos motivos invocados pela NDS para justificar a exclusão dos dois agrupamentos em causa do concurso, concretamente, a falta de apresentação de certidões para instalações ainda não homologadas, os dois outros fundamentos invocados justificavam a exclusão. Por um lado, estes dois agrupamentos não deram resposta cabal ao pedido de explicação quanto ao preço anormalmente baixo das suas propostas e, por outro, não cumpriram determinadas condições que constavam do caderno de encargos, a saber, no caso da SAG ELV e o., as que figuram no n.° 11.1. P 1. 20, que impõem, no essencial, a determinação dos parâmetros de cálculo das portagens em função dos troços com portagem, de acordo com as estações do ano, os dias da semana e as horas do dia, e, no caso da Slovakpass, as enunciadas no n.° 12. T 1.5, que exigia a existência de um gerador de reserva equipado com um motor diesel.

12      A SAG ELV e o. e a Slovakpass recorreram destas decisões para o Krajský súd Bratislava (tribunal regional de Bratislava). Este, por decisão de 6 de maio de 2009, negou provimento ao recurso da SAG ELV e o. e, por decisão de 13 de outubro de 2009, negou igualmente provimento aos recursos apresentados pela Slovakpass, que tinham sido apensados e visavam, por um lado, a anulação da decisão do Úrad de 2 de julho de 2008 e, por outro, a anulação da decisão pela qual a NDS confirmou a justeza da sua medida que criou uma comissão de apreciação das propostas, aliás contestada pela Slovakpass.

13      Foi interposto recurso destas duas decisões para o Najvyšší súd Slovenskej republiky (Supremo Tribunal da República Eslovaca). Tendo em conta os argumentos alegados pela SAG ELV e o. e pela Slovakpass, bem como os fundamentos invocados pela Comissão Europeia na ação por incumprimento proposta contra a República Eslovaca devido às irregularidades que alegadamente viciam o processo de concurso objeto do processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto a saber se as decisões da NDS em causa respeitam os princípios do direito da União relativos à não discriminação e à transparência na adjudicação dos contratos públicos. Em especial, pergunta se esses princípios se opõem a que a entidade adjudicante possa recusar uma proposta com base na inobservância do caderno de encargos, sem antes pedir ao candidato para explicar essa omissão, ou com base no preço anormalmente baixo da proposta, sem interrogar suficiente e claramente o candidato quanto a este ponto.

14      Foi nestas circunstâncias que o Najvyšší súd Slovenskej republiky decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      É compatível com a Diretiva 2004/18 […], na versão em vigor no período relevante, a interpretação nos termos da qual, na aceção do disposto no artigo 51.°, conjugado com o artigo 2.°, ambos da referida diretiva, tendo em conta os princípios da não discriminação e da transparência na adjudicação de contratos públicos, a entidade adjudicante é obrigada a pedir esclarecimentos sobre a proposta, com observância do direito subjetivo processual dos particulares a serem convidados a complementar ou explicitar os certificados e documentos apresentados em aplicação dos artigos 45.° a 50.° da referida diretiva, quando uma compreensão controvertida ou pouco clara da proposta apresentada pelo proponente no concurso possa implicar a sua exclusão desse concurso?

2)      É compatível com a Diretiva 2004/18 […], na versão em vigor no período relevante, a interpretação segundo a qual, na aceção do disposto no artigo 51.°, conjugado com o artigo 2.°, ambos da referida diretiva, tendo em conta os princípios da não discriminação e da transparência na adjudicação de contratos públicos, a entidade adjudicante não é obrigada a pedir esclarecimentos sobre a proposta, se considerar provado que não estão cumpridos os requisitos atinentes ao objeto do contrato?

3)      É compatível com o disposto nos artigos 51.° e 2.° da Diretiva 2004/18 […], na versão em vigor no período relevante, uma disposição de direito nacional segundo a qual o júri designado para a apreciação da proposta tem a mera faculdade de solicitar, por escrito, esclarecimentos sobre a proposta aos proponentes?

É compatível com o disposto no artigo 55.° da Diretiva 2004/18 […] um procedimento da entidade adjudicante de acordo com o qual esta última não é obrigada a solicitar esclarecimentos ao proponente sobre uma proposta com um preço anormalmente baixo, atendendo a que, face à redação do pedido apresentado pela entidade adjudicante aos recorrentes quanto ao preço anormalmente baixo, estes tiveram a possibilidade de esclarecer suficientemente os parâmetros fundamentais característicos da proposta apresentada?»

 Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

15      Segundo jurisprudência assente, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só se pode recusar pronunciar sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional, quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v., designadamente, acórdão de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, Colet., p. I‑5667, n.° 27 e jurisprudência citada).

16      À luz destes princípios, o Governo eslovaco excecionou, nas suas observações escritas, a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial, em primeiro lugar, com o fundamento de que, no litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio pela SAG ELV e o., não foi alegado nenhum vício relativo ao esclarecimento da proposta dos candidatos ao concurso.

17      Contudo, é facto assente que ao Tribunal de Justiça foi apenas submetido um pedido único de decisão prejudicial apresentado simultaneamente pelo órgão jurisdicional de reenvio nos dois litígios, que foram apensados. Por conseguinte, a circunstância invocada pelo Governo eslovaco, no que se refere ao recurso interposto pela SAG ELV e o., não é, de qualquer modo, relevante para a admissibilidade deste pedido, a não ser que se prove que não foi suscitada nenhuma acusação relativa ao esclarecimento da proposta dos candidatos no concurso para apresentação de propostas no outro litígio no processo principal. Não estando tal situação demonstrada, nem sequer alegada, deve ser afastada a primeira exceção de admissibilidade.

18      Em segundo lugar, o Governo eslovaco sustenta que a parte da terceira questão do órgão jurisdicional de reenvio que visa o pedido de esclarecimento da proposta com um preço anormalmente baixo, tal como formulada pela entidade adjudicante, não tem relação com o litígio suscitado pela Slovakpass, no qual se contestava no tribunal de recurso a apreciação que tinha sido feita deste pedido pelo órgão jurisdicional de primeira instância.

19      Embora o Governo eslovaco sustente, a este propósito, que, de acordo com o direito processual nacional, o órgão jurisdicional de reenvio não podia apreciar outro fundamento para além do que tinha sido invocado perante ele, tal acusação, baseada numa disposição nacional, não significa que a questão colocada não tenha manifestamente relação com a realidade ou com o objeto dos litígios em causa.

20      Por fim, é facto assente que, nos processos principais, os candidatos foram excluídos na sequência da apreciação pela entidade adjudicante das respostas aos pedidos de esclarecimento das propostas que tinham apresentado. Nestas condições, as questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, relacionadas com as condições em que devem ou podem ser apresentadas tais solicitações à luz das exigências do direito da União, não se apresentam como manifestamente desligadas da realidade ou do objeto dos litígios em causa.

21      Por conseguinte, o Tribunal de Justiça deve conhecer do mérito da causa.

 Quanto às questões prejudiciais

 Observações preliminares

22      Como realçaram quer o Governo eslovaco quer a Comissão, importa observar, em primeiro lugar, que o artigo 51.° da Diretiva 2004/18 se integra nas disposições que figuram na secção 2, que regula os critérios de seleção qualitativa dos candidatos ou dos proponentes. As disposições deste artigo são assim irrelevantes para a apreciação que o Tribunal de Justiça deve fazer para responder às questões colocadas e que se relacionam, face às circunstâncias dos processos principais, unicamente com a fase do processo de concurso limitado em que, na sequência da seleção dos candidatos admitidos à fase de apresentação de propostas, cabe à entidade adjudicante apreciá‑las. Assim, o Tribunal de Justiça não tem de se pronunciar sobre a interpretação do artigo 51.° da Diretiva 2004/18.

23      Em segundo lugar, a circunstância de a entidade adjudicante ter, no caso presente, instituído um júri encarregado de apreciar em seu nome as propostas dos candidatos não a desresponsabiliza pelo cumprimento dos princípios do direito da União em matéria de contratos públicos. Assim, quando o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se é compatível com o direito da União uma disposição do direito interno que só permite ao júri constituído para apreciação das propostas solicitar, por escrito, esclarecimentos aos participantes sobre a proposta, tal questão deve ser entendida em termos genéricos, como se a própria entidade adjudicante estivesse nessa situação.

24      Nestas condições, o Tribunal de Justiça deve entender as questões que lhe são submetidas, no seu conjunto, como pretendendo saber em que medida as entidades adjudicantes — quando considerarem, no quadro de um concurso limitado, que um candidato apresentou uma proposta com um preço anormalmente baixo ou que a mesma é imprecisa ou não obedece às especificações técnicas do caderno de encargos — podem ou devem pedir esclarecimentos ao candidato em causa, atendendo às disposições dos artigos 2.° e 55.° da Diretiva 2004/18.

25      No que toca ao artigo 2.° da Diretiva 2004/18, importa lembrar que entre os objetivos principais das regras do direito da União em matéria de contratos públicos figura o de assegurar a livre circulação dos serviços e a abertura à concorrência não falseada em todos os Estados‑Membros. Para alcançar este duplo objetivo, o direito da União aplica, nomeadamente, o princípio da igualdade de tratamento dos proponentes e a obrigação de transparência que decorre de tais princípios (v., neste sentido, acórdão de 19 de junho de 2008, Pressetext Nachrichtenagentur, C‑454/06, Colet., p. I‑4401, n.os 31 e 32 e jurisprudência citada). Quanto ao princípio da transparência, destina‑se essencialmente a garantir a ausência de risco de favoritismo e de arbitrariedade por parte da entidade adjudicante (v., neste sentido, acórdão de 29 de abril de 2004, Comissão/CAS Succhi di Frutta, C‑496/99 P, Colet., p. I‑3801, n.° 111). No que toca à adjudicação dos contratos, o artigo 2.° da Diretiva 2004/18 exige que as entidades adjudicantes respeitem os mesmos princípios e obrigações.

26      É à luz destas considerações que se deve responder às questões submetidas pelo Tribunal de Justiça, examinando sucessivamente a situação em que a entidade adjudicante considera a proposta com um preço anormalmente baixo e a situação em que considera a proposta imprecisa ou não conforme às especificações técnicas do caderno de encargos.

 Quanto à proposta com um preço anormalmente baixo

27      Importa lembrar que, nos termos do artigo 55.° da Diretiva 2004/18, se, para um determinado contrato, houver propostas que se revelem anormalmente baixas em relação à prestação em causa, a entidade adjudicante, antes de as poder rejeitar, «solicitará por escrito os esclarecimentos que considere oportunos sobre os elementos constitutivos da proposta».

28      Decorre claramente destas disposições, redigidas em termos imperativos, que o legislador da União exige à entidade adjudicante que verifique a composição das propostas que apresentem um caráter anormalmente baixo, impondo‑lhe, para o efeito, a obrigação de solicitar aos concorrentes que apresentem as justificações necessárias (v., neste sentido, acórdão de 27 de novembro de 2001, Lombardini e Mantovani, C‑285/99 e C‑286/99, Colet., p. I‑9233, n.os 46 a 49).

29      Por conseguinte, a existência de um debate contraditório efetivo entre a entidade adjudicante e o concorrente, num momento útil do procedimento de análise das propostas, para este poder provar a seriedade da sua proposta, constitui uma exigência fundamental da Diretiva 2004/18, com vista a evitar a arbitrariedade da entidade adjudicante e garantir uma sã concorrência entre as empresas (v., neste sentido, acórdão Lombardini e Mantovani, já referido, n.° 57).

30      A este respeito, importa lembrar, por um lado, que, embora a lista que consta do artigo 55.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18 não seja exaustiva, não é no entanto meramente indicativa e não deixa, portanto, liberdade às entidades adjudicantes para determinar quais os elementos pertinentes a tomar em consideração antes de recusarem uma proposta com um preço anormalmente baixo (acórdão de 23 de abril de 2009, Comissão/Bélgica, C‑292/07, n.° 159).

31      Por outro lado, o efeito útil do artigo 55.°, n.° 1, da Diretiva 2004/18 implica que cabe à entidade adjudicante formular claramente o pedido dirigido aos candidatos em causa, de modo a estes poderem justificar plena e utilmente a seriedade das suas propostas.

32      Todavia, só ao órgão jurisdicional nacional cabe, em face de todos os elementos do processo que lhe são apresentados, verificar se o pedido de esclarecimento permitiu aos candidatos em causa explicar suficientemente a composição da sua proposta.

33      Aliás, o artigo 55.° da Diretiva 2004/18 não só não se opõe a uma disposição nacional como o artigo 42.°, n.° 3, da Lei n.° 25/2006, que prevê, no essencial, que, caso um candidato proponha um preço anormalmente baixo, a entidade adjudicante lhe solicite, por escrito, esclarecimentos sobre a sua proposta de preços, como impõe a existência de uma tal disposição na legislação nacional em matéria de contratos públicos (v., neste sentido, acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 161).

34      Por conseguinte, o artigo 55.° da Diretiva 2004/18 é contrário à posição de uma entidade adjudicante que entenda, como refere o órgão jurisdicional de reenvio na sua terceira questão, que não lhe incumbe solicitar ao candidato esclarecimentos sobre um preço anormalmente baixo.

 Quanto à proposta imprecisa ou não conforme às especificações técnicas do caderno de encargos

35      A este propósito, há que salientar que a Diretiva 2004/18, diferentemente do que se passa com as propostas anormalmente baixas, não inclui nenhuma disposição que preveja expressamente o seguimento a dar à constatação, por parte da entidade adjudicante, no quadro de um concurso limitado para apresentação de propostas, de que uma proposta apresentada por um candidato é imprecisa ou não conforme às especificações técnicas do caderno de encargos.

36      Pela sua própria natureza, o concurso público limitado implica que, após a seleção dos candidatos e uma vez apresentadas as propostas, estas não possam, em princípio, ser modificadas por iniciativa da entidade adjudicante ou do candidato. Com efeito, o princípio da igualdade de tratamento dos candidatos e o dever de transparência que daí decorre opõem‑se, no quadro deste processo, a qualquer negociação entre a entidade adjudicante e qualquer dos candidatos.

37      Permitir à entidade adjudicante solicitar esclarecimentos a este respeito a um candidato cuja proposta se considere ser imprecisa ou não conforme às especificações técnicas do caderno de encargos poderia dar a entender que a entidade adjudicante, caso a proposta desse candidato viesse a ser escolhida, negociou a proposta confidencialmente, prejudicando outros candidatos, em violação do princípio da igualdade de tratamento.

38      De resto, não resulta do artigo 2.°, nem de qualquer outra disposição da Diretiva 2004/18, nem do princípio da igualdade de tratamento, muito menos da obrigação de transparência, que, em tal situação, a entidade adjudicante tivesse de estabelecer contacto com os candidatos em causa. Aliás, estes não se podem queixar de a entidade adjudicante não ter obrigações nesta matéria, uma vez que a falta de clareza da proposta apenas resulta de uma omissão do seu dever de diligência na redação da mesma, a que estão sujeitos, tal como os outros candidatos.

39      Por conseguinte, o artigo 2.° da Diretiva 2004/18 não se opõe a que na legislação nacional não exista uma disposição que obrigue a entidade adjudicante, num concurso limitado, a solicitar aos candidatos esclarecimentos sobre as respectivas propostas, à luz das especificações técnicas do caderno de encargos, antes de as recusar devido à sua imprecisão ou não conformidade com essas especificações.

40      Todavia, este artigo 2.° não se opõe, em especial, a que, excecionalmente, os elementos relativos à proposta possam ser corrigidos ou completados pontualmente, no caso de necessitarem manifestamente de uma simples clarificação, ou para se eliminarem erros materiais manifestos, desde que essa modificação não conduza, na realidade, à apresentação de uma nova proposta. O referido artigo também não se opõe a que na legislação nacional figure uma disposição, como o artigo 42.°, n.° 2, da Lei n.° 25/2006, de acordo com a qual, no essencial, a entidade adjudicante pode solicitar aos candidatos, por escrito, esclarecimentos sobre a sua proposta, sem todavia pedir ou aceitar qualquer modificação da mesma.

41      No exercício do poder de apreciação de que dispõe, a entidade adjudicante deve tratar todos os candidatos de forma igual e leal, de modo que o pedido de esclarecimentos não possa ser visto, no termo do processo de seleção das propostas e em face do seu resultado, como tendo indevidamente favorecido ou desfavorecido o candidato ou candidatos a quem o mesmo tenha sido dirigido.

42      A fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, deve acrescentar‑se que o pedido de esclarecimento da proposta só pode ser feito depois de a entidade adjudicante ter tomado conhecimento de todas as propostas (v., neste sentido, acórdão Lombardini e Mantovani, já referido, n.os 51 e 53).

43      Por outro lado, o pedido deve ser feito de forma equivalente a todas as empresas que se encontrem na mesma situação, se não existir um motivo, objetivamente verificável, que possa justificar um tratamento diferenciado dos candidatos, sobretudo quando a proposta deva ser recusada por outras razões.

44      Além disso, o pedido deve incidir sobre todos os aspetos da proposta que sejam imprecisos ou não conformes com as especificações técnicas do caderno de encargos, não podendo a entidade adjudicante recusar a proposta por falta de clareza de um aspeto que não tenha sido objeto do pedido de esclarecimento.

45      Atentas as considerações que precedem, há que responder o seguinte às questões do órgão jurisdicional de reenvio:

–        O artigo 55.° da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que exige que na legislação nacional exista uma disposição como o artigo 42.°, n.° 3, da Lei n.° 25/2006, que prevê, no essencial, que, caso o candidato proponha um preço anormalmente baixo, a entidade adjudicante lhe peça, por escrito, um esclarecimento sobre o seu preço. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se, face a todos os elementos do processo nele pendente, o pedido de esclarecimento permitiu ao candidato em causa explicar suficientemente a composição da sua proposta;

–        O artigo 55.° da Diretiva 2004/18 opõe‑se à posição de uma entidade adjudicante que considere que não está obrigada a solicitar ao candidato que esclareça um preço anormalmente baixo;

–        O artigo 2.° da Diretiva 2004/18 não se opõe a uma disposição de direito nacional, como o artigo 42.°, n.° 2, da Lei n.° 25/2006, de acordo com a qual, no essencial, a entidade adjudicante pode solicitar aos candidatos, por escrito, que clarifiquem as suas propostas, sem todavia solicitar ou aceitar uma modificação das mesmas. No exercício do poder de apreciação de que dispõe, a entidade adjudicante deve tratar todos os candidatos de forma igual e leal, de modo que o pedido de esclarecimentos não possa ser visto, no termo do processo de seleção das propostas e em face do seu resultado, como tendo indevidamente favorecido ou desfavorecido o candidato ou candidatos a quem tenha sido dirigido.

 Quanto ao pedido de suspensão dos efeitos do acórdão

46      O Governo eslovaco pediu ao Tribunal de Justiça para limitar no tempo os efeitos do presente acórdão, caso viesse a interpretar os princípios gerais do artigo 2.° da Diretiva 2004/18 inferindo deles a obrigação da entidade adjudicante, no âmbito da apreciação da conformidade de uma proposta com os requisitos do objeto do contrato, tal como definidos no caderno de encargos, de solicitar ao candidato esclarecimentos sobre a sua proposta.

47      Todavia, a interpretação do artigo 2.° da Diretiva 2004/18 feita no presente acórdão não chega a essa conclusão. Por conseguinte, e em qualquer caso, o pedido do Governo eslovaco carece de objeto.

 Quanto às despesas

48      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O artigo 55.° da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, deve ser interpretado no sentido de que exige que na legislação nacional exista uma disposição como o artigo 42.°, n.° 3, da Lei n.° 25/2006, que regula os contratos públicos, na versão aplicável ao processo principal, que prevê, no essencial, que, caso o candidato proponha um preço anormalmente baixo, a entidade adjudicante lhe peça, por escrito, um esclarecimento sobre o seu preço. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se, face a todos os elementos do processo nele pendente, o pedido de esclarecimento permitiu ao candidato em causa explicar suficientemente a composição da sua proposta.

O artigo 55.° da Diretiva 2004/18 opõe‑se à posição de uma entidade adjudicante que considere que não está obrigada a solicitar ao candidato que esclareça um preço anormalmente baixo.

O artigo 2.° da Diretiva 2004/18 não se opõe a uma disposição de direito nacional, como o artigo 42.°, n.° 2, da Lei n.° 25/2006, de acordo com a qual, no essencial, a entidade adjudicante pode solicitar aos candidatos, por escrito, que clarifiquem as suas propostas, sem todavia solicitar ou aceitar uma modificação das mesmas. No exercício do poder de apreciação de que dispõe, a entidade adjudicante deve tratar todos os candidatos de forma igual e leal, de modo que o pedido de esclarecimentos não possa ser visto, no termo do processo de seleção das propostas e em face do seu resultado, como tendo indevidamente favorecido ou desfavorecido o candidato ou candidatos a quem tenha sido dirigido.

Assinaturas


* Língua do processo: eslovaco.