Language of document : ECLI:EU:C:2011:864

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

21 de Dezembro de 2011 (*)

«Pedido de decisão prejudicial – Directiva 2003/87/CE – Regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa – Directiva 2008/101/CE – Inclusão das actividades da aviação nesse regime – Validade – Convenção de Chicago – Protocolo de Quioto – Acordo de Transporte Aéreo UE/Estados Unidos – Princípios de direito internacional consuetudinário – Efeitos jurídicos – Invocabilidade – Extraterritorialidade do direito da União – Conceitos de ‘taxa’ e de ‘emolumento’»

No processo C‑366/10,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court) (Reino Unido), por decisão de 8 de Julho de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 22 de Julho de 2010, no processo

Air Transport Association of America,

American Airlines Inc.,

Continental Airlines Inc.,

United Airlines Inc.

contra

Secretary of State for Energy and Climate Change,

sendo intervenientes:

International Air Transport Association (IATA),

National Airlines Council of Canada (NACC),

Aviation Environment Federation,

WWF‑UK,

European Federation for Transport and Environment,

Environmental Defense Fund,

Earthjustice,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot e A. Prechal, presidentes de secção, A. Rosas, R. Silva de Lapuerta, E. Levits, A. Ó Caoimh, L. Bay Larsen, C. Toader (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 5 de Julho de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Air Transport Association of America, da American Airlines Inc., da Continental Airlines Inc. e da United Airlines Inc., por D. Wyatt, QC, M. Hoskins e M. Chamberlain, barristers, mandatados por D. Das, solicitor,

–        em representação da International Air Transport Association (IATA) e da National Airlines Council of Canada (NACC), por C. Quigley, QC,

–        em representação da Aviation Environment Federation, do WWF‑UK, da European Federation for Transport and Environment, do Environmental Defense Fund e da Earthjustice, por J. Turner, QC, e L. John, barrister, mandatados por K. Harrison, solicitor,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por L. Seeboruth, na qualidade de agente, assistido por S. Wordsworth, barrister,

–        em representação do Governo belga, por T. Materne, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo dinamarquês, por C. Vang, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze, J. Möller e N. Graf Vitzthum, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo espanhol, por M. Muñoz Pérez, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo francês, por G. de Bergues, S. Menez e M. Perrot, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e J. Langer, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, M. Nowacki e K. Zawisza, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo sueco, por A. Falk, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo islandês, por I. Lind Sæmundsdóttir, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo norueguês, por K. Moe Winther e M. Emberland, na qualidade de agentes,

–        em representação do Parlamento Europeu, por I. Anagnostopoulou, R. Kaškina e A. Troupiotis, na qualidade de agentes,

–        em representação do Conselho da União Europeia, por K. Michoel, E. Karlsson e A. Westerhof Löfflerová, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por E. White, K. Simonsson, K. Mifsud‑Bonnici e S. Boelaert, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 6 de Outubro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto, por um lado, as condições nas quais, no âmbito de um reenvio prejudicial para apreciação da validade, podem ser invocados princípios de direito internacional consuetudinário e disposições de convenções internacionais, bem como, por outro, a validade, à luz do direito internacional convencional e consuetudinário, da Directiva 2008/101/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Novembro de 2008, que altera a Directiva 2003/87/CE de modo a incluir as actividades da aviação no regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade (JO 2009, L 8, p. 3).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Air Transport Association of America, a American Airlines Inc., a Continental Airlines Inc. e a United Airlines Inc. (a seguir, conjuntamente, «ATA e o.») ao Secretary of State for Energy and Climate Change, a propósito da validade das medidas de transposição da Directiva 2008/101, adoptadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte.

I –  Quadro jurídico

A –  Direito internacional

1.     Convenção de Chicago

3        A Convenção sobre Aviação Civil Internacional, assinada em Chicago (Estados Unidos), em 7 de Dezembro de 1944 (a seguir «Convenção de Chicago»), foi ratificada por todos os Estados‑Membros da União Europeia, não fazendo, esta última, no entanto, parte da referida Convenção. Esta Convenção instituiu a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), a qual, nos termos do artigo 44.° dessa mesma Convenção, tem como objectivo aperfeiçoar os princípios e a técnica da navegação aérea internacional e estimular o estabelecimento e o desenvolvimento de transportes aéreos internacionais.

4        O artigo 1.° da Convenção de Chicago dispõe:

«Os Estados contratantes reconhecem que cada Estado tem a soberania completa e exclusiva sobre o espaço aéreo que cobre o seu território.»

5        O artigo 11.° desta Convenção, intitulado «Aplicação das regras do ar», prevê:

«Sem prejuízo das disposições desta Convenção, as leis e regulamentos de cada Estado contratante relativos à entrada no seu território e à saída dele das aeronaves afectas à navegação aérea internacional, ou relativos à manobra e navegação daquelas aeronaves enquanto permanecem dentro do seu território, aplicar‑se‑ão, sem distinção de nacionalidade, às aeronaves de todos os Estados contratantes, devendo tais aeronaves observá‑los à chegada, à partida e durante a sua permanência no território daquele Estado.»

6        O artigo 12.° da referida Convenção, sob o título «Regras do ar», dispõe:

«Cada Estado contratante compromete‑se a adoptar as medidas necessárias para garantir que as aeronaves que sobrevoem o seu território ou nele manobrem e as aeronaves portadoras do distintivo da sua nacionalidade, onde quer que se encontrem, se conformem, umas e outras, com as leis e regulamentos sobre voo ou manobra em vigor no respectivo Estado. Cada Estado contratante compromete‑se a manter, na medida do possível, os seus regulamentos nesta matéria de harmonia com os que forem estabelecidos sempre que for julgado oportuno pela Organização, ao abrigo da presente Convenção. No alto mar, as regras em vigor serão as que se estabeleçam de acordo com esta Convenção. Cada Estado contratante compromete‑se a perseguir os infractores dos regulamentos em vigor.»

7        O artigo 15.° da mesma Convenção, intitulado «Taxas de aeroporto e outras análogas», estabelece:

«Os aeroportos de um Estado contratante abertos ao uso público das aeronaves nacionais estarão também [...] abertos, nas mesmas condições, às aeronaves de todos os outros Estados contratantes. [...]

Quaisquer taxas lançadas ou cujo lançamento seja permitido por um Estado contratante para a utilização de tais aeroportos e facilidades de navegação aérea pelas aeronaves dos outros Estados contratantes não deverão exceder:

[...]

b)      Para as aeronaves afectas a serviços aéreos internacionais regulares, as que forem pagas pelas aeronaves nacionais utilizadas em serviços aéreos internacionais análogos.

Todas estas taxas serão tornadas públicas e comunicadas à [OACI], entendendo‑se que, se um Estado contratante nisso interessado assim o solicitar, as taxas lançadas pela utilização dos aeroportos e das outras facilidades serão objecto de um estudo feito pelo Conselho, que emitirá um parecer e fará recomendações sobre o assunto, submetendo‑as à consideração do Estado ou Estados interessados. Nenhumas taxas, direitos ou outros encargos que visem unicamente o direito de trânsito, entrada ou saída, relativamente ao seu território, serão lançados por um Estado contratante sobre as aeronaves de outro Estado contratante ou sobre as pessoas e bens que se encontrem a bordo.»

8        O artigo 17.° da Convenção de Chicago prevê que «[a]s aeronaves têm a nacionalidade do Estado em que se encontram matriculadas».

9        O artigo 24.°, alínea a), da referida Convenção tem a seguinte redacção:

«As aeronaves que entrem, saiam ou atravessem o território de um Estado contratante serão temporariamente isentas de direitos aduaneiros, sujeitando‑se contudo aos regulamentos aduaneiros desse Estado. Os combustíveis, os óleos lubrificantes, as peças sobresselentes, o equipamento normal e as provisões (de bordo) existentes a bordo de uma aeronave pertencente a um Estado contratante, à chegada ao território de outro Estado contratante, e que se encontrem ainda a bordo à partida do território desse Estado, serão isentos de direitos aduaneiros, taxas de inspecção ou de quaisquer outros direitos ou taxas do mesmo género, quer nacionais, quer locais. [...]»

2.     Protocolo de Quioto

10      Em 9 de Maio de 1992, foi adoptada em Nova Iorque a Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (a seguir «Convenção‑Quadro»), cujo objectivo final é estabilizar as concentrações na atmosfera de gases com efeito de estufa, a um nível que evite uma interferência antropogénica perigosa com o sistema climático. Em 11 de Dezembro de 1997, as partes nessa Convenção‑Quadro adoptaram, com base nesta, o Protocolo de Quioto da Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (a seguir «Protocolo de Quioto»), que entrou em vigor em 16 de Fevereiro de 2005. A União é parte nessas duas Convenções.

11      O objectivo do Protocolo de Quioto é reduzir, no período de 2008 a 2012, as emissões globais de seis gases com efeito de estufa, entre os quais o dióxido de carbono (a seguir «CO2»), em, pelo menos, 5 por cento, relativamente aos níveis dessas emissões no ano de 1990. As partes referidas no anexo I da Convenção‑Quadro comprometem‑se a que as suas emissões de gases com efeito de estufa não ultrapassem uma percentagem que lhes é atribuída por esse protocolo, podendo cumprir conjuntamente as suas obrigações. O compromisso global assumido pela União e pelos seus Estados‑Membros ao abrigo do referido protocolo consiste numa redução total das emissões de gases com efeito de estufa de 8%, em relação aos níveis de emissões de 1990, no período acima referido.

12      O artigo 2.°, n.° 2, do Protocolo de Quioto dispõe:

«As Partes incluídas no anexo I comprometem‑se a procurar limitar ou reduzir as emissões de gases com efeito de estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal resultantes do combustível usado nos transportes aéreos e marítimos internacionais, por intermédio da [OACI] e da Organização Marítima Internacional, respectivamente.»

3.     Acordo de Transporte Aéreo entre a Comunidade Europeia e os Estados Unidos

13      Em 25 e 30 de Abril de 2007, a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e os Estados Unidos da América, por outro, celebraram um acordo de transporte aéreo destinado, nomeadamente, a facilitar a expansão das oportunidades de transporte aéreo internacional, abrindo o acesso aos mercados e maximizando as vantagens para os consumidores, companhias aéreas, trabalhadores e comunidades de ambos os lados do Atlântico. A este respeito, o Conselho da União Europeia e os representantes dos Governos dos Estados‑Membros da União, reunidos no Conselho, adoptaram a Decisão 2007/339/CE, de 25 de Abril de 2007, relativa à assinatura e aplicação provisória desse acordo (JO L 134, p. 1).

14      Posteriormente, o Conselho e os representantes dos Governos dos Estados‑Membros da União, reunidos no Conselho, adoptaram a Decisão 2010/465/UE, de 24 de Junho de 2010, relativa à assinatura e aplicação provisória do Protocolo que altera o Acordo de Transporte Aéreo entre os Estados Unidos da América, por um lado, e a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro (JO L 223, p. 1). Os considerandos primeiro a sexto dessa decisão têm a seguinte redacção:

«(1)      O Acordo de Transporte Aéreo [...] incluía a obrigação de ambas as Partes iniciarem a segunda fase das negociações.

(2)      Em consequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa a 1 de Dezembro de 2009, a União Europeia substituiu‑se e sucedeu à Comunidade Europeia.

(3)      A Comissão negociou, em nome da União e dos Estados‑Membros, um Protocolo de Alteração do [Acordo de Transporte Aéreo] (a seguir designado ‘Protocolo’), nos termos do artigo 21.° do Acordo.

(4)      O Protocolo foi rubricado em 25 de Março de 2010.

(5)      O Protocolo é plenamente conforme com a legislação da União, nomeadamente com o regime de comércio de licenças de emissão da UE [a seguir ‘regime de comércio de licenças de emissão’].

(6)      O Protocolo negociado pela Comissão deverá ser assinado e aplicado, a título provisório, pela União e pelos Estados‑Membros, na medida em que o direito interno o permita, sob reserva da sua eventual celebração em data posterior.»

15      Nos termos do artigo 1.°, n.° 3, da Decisão n.° 2010/465, «[e]nquanto se aguarda a sua entrada em vigor, o Protocolo é aplicado, a título provisório, pela União e pelos seus Estados‑Membros, na medida em que o respectivo direito interno o permita, a partir da data da assinatura».

16      Segundo o artigo 1.°, n.° 9, do Acordo de Transporte Aéreo, conforme alterado pelo Protocolo (a seguir «Acordo ‘céu aberto’»), nos termos desse acordo, e salvo disposição em contrário, «Território» designa, «no caso dos Estados Unidos, o território (continental e insular) e as águas interiores e territoriais sob a sua soberania ou jurisdição e, no caso da Comunidade Europeia e dos seus Estados‑Membros, o território (continental e insular) e as águas interiores e territoriais a que se aplica o Tratado que institui a Comunidade Europeia e nas condições previstas no Tratado ou em qualquer outro instrumento que venha a suceder‑lhe».

17      Sob o título «Oportunidades justas e equitativas», o artigo 2.° do Acordo «céu aberto» dispõe:

«Cada parte oferece às transportadoras aéreas de ambas as partes oportunidades justas e equitativas de concorrência no mercado dos transportes aéreos internacionais regidos pelo presente acordo.»

18      O artigo 3.°, n.os 2, 4 e 5, do referido acordo prevê:

«2.      Cada companhia aérea pode, ao seu critério, numa ou em todas as ligações aéreas:

a)      Operar voos numa única direcção ou em ambas as direcções;

b)      Combinar diferentes números de voo numa única operação de aeronave;

c)      Operar entre pontos aquém, intermédios e além e pontos situados nos territórios das partes, independentemente da combinação ou ordem;

d)      Omitir escalas em qualquer ponto ou pontos;

e)      Transferir tráfego de qualquer uma das suas aeronaves para qualquer outra das suas aeronaves, em qualquer ponto;

f)      Prestar serviços em pontos situados aquém de qualquer ponto do seu território, com ou sem mudança de aeronave ou de número de voo, e oferecer e publicitar esses serviços como serviços directos;

g)      Efectuar escalas em quaisquer pontos, quer se situem dentro quer fora do território de qualquer das partes;

h)      Transportar tráfego em trânsito através do território da outra parte;

e

i)      Combinar tráfego na mesma aeronave, independentemente da origem desse tráfego,

sem limitações de direcção ou geográficas, nem perda dos direitos de transporte de tráfego concedidos ao abrigo do presente acordo.

[...]

4.      As partes autorizam as companhias aéreas a definir a frequência e capacidade de transporte aéreo internacional oferecidas, segundo considerações comerciais de mercado. Por força desse direito, as partes não limitam unilateralmente o volume de tráfego, frequência ou regularidade do serviço, nem o tipo ou tipos de aeronaves operadas pelas companhias aéreas da outra parte, nem exigem a notificação de horários, programas de voos não regulares ou planos de exploração pelas companhias aéreas da outra parte, excepto por motivos de ordem aduaneira, técnica, operacional ou ambiental (nos termos do artigo 15.°), sob condições uniformes, em conformidade com o artigo 15.° da Convenção [de Chicago].

5.      Qualquer companhia aérea pode realizar transportes aéreos internacionais sem quaisquer limitações em termos de mudança, em qualquer ponto, de categoria ou número da aeronave operada [...]»

19      O artigo 7.° do mesmo acordo, intitulado «Aplicação da legislação», estabelece, no seu n.° 1:

«As disposições legislativas e regulamentares de uma parte relativas à entrada ou saída do seu território de aeronaves utilizadas na navegação aérea internacional, ou à exploração e navegação dessas aeronaves enquanto permanecem no seu território, são aplicadas às aeronaves usadas pelas companhias aéreas da outra parte e observadas por essas aeronaves à entrada ou saída e enquanto permanecerem no território da primeira parte.»

20      O artigo 10.° do Acordo «céu aberto» prevê, nomeadamente, que as companhias aéreas de cada parte têm o direito de abrir escritórios no território da outra parte, para a promoção e venda de transportes aéreos e actividades conexas. Têm, igualmente, o direito de comercializar, em qualquer moeda livremente convertível, serviços de transporte aéreo, no território da outra parte, directamente e/ou indirectamente, ao seu critério, através dos seus agentes de vendas ou outros intermediários por si designados. Por outro lado, nos termos do mesmo artigo, as companhias aéreas de cada parte podem pagar as despesas realizadas no território da outra parte, incluindo a aquisição de combustível, em moeda livremente convertível. Além disso, podem celebrar acordos de cooperação comercial, nomeadamente no domínio da reserva de capacidade ou da partilha de códigos, bem como, em determinadas condições, contratos de franquia ou de utilização de marca e acordos relativos ao fornecimento de aeronaves com tripulação para a realização de transportes aéreos internacionais.

21      O artigo 11.° do Acordo «céu aberto», relativo aos direitos aduaneiros e taxas, dispõe:

«1.      À chegada ao território de uma parte, as aeronaves utilizadas no transporte aéreo internacional pelas companhias aéreas da outra parte, o seu equipamento normal, equipamento de terra, combustível, lubrificantes, consumíveis técnicos, peças sobressalentes (incluindo motores), provisões de bordo (nomeadamente alimentos e bebidas, incluindo bebidas alcoólicas, tabaco e demais produtos para venda ou consumo dos passageiros, em quantidades limitadas, durante o voo, mas não se limitando a estes) e outros artigos destinados ou usados exclusivamente durante a operação ou a manutenção da aeronave utilizada no transporte aéreo internacional estarão isentos, em condições de reciprocidade, de todas as restrições à importação, impostos sobre a propriedade e sobre o capital, direitos aduaneiros, impostos especiais de consumo e outros emolumentos e taxas equiparadas a) cobrados pelas autoridades nacionais ou pela Comunidade Europeia e b) não baseados no custo dos serviços prestados, na condição de esses equipamentos e provisões permanecerem a bordo da aeronave.

2.      Numa base de reciprocidade, são igualmente isentos dos impostos, imposições, direitos, emolumentos e taxas referidos no n.° 1 do presente artigo, à excepção das taxas sobre o custo dos serviços prestados:

[...]

c)      Os lubrificantes e consumíveis técnicos introduzidos ou fornecidos no território de uma parte para serem usados numa aeronave de uma transportadora aérea da outra parte utilizada no transporte aéreo internacional, ainda que esses aprovisionamentos se destinem a ser usados num troço da viagem efectuado sobre o território da parte em que foram embarcados;

[...]»

22      O artigo 15.° do Acordo «céu aberto», intitulado «Ambiente», tem a seguinte redacção:

«1.      As Partes reconhecem a importância da protecção ambiental na definição e aplicação da política de aviação internacional, ponderando cuidadosamente os custos e benefícios das medidas de protecção do ambiente na definição de tal política e propondo conjuntamente, se for caso disso, soluções eficazes à escala mundial. Neste contexto, as Partes tencionam cooperar para limitar ou reduzir, de forma economicamente razoável, o impacto da aviação internacional no ambiente.

2.      Se uma Parte ponderar a possibilidade de adopção das medidas ambientais propostas a nível regional, nacional ou local, deveria avaliar as suas eventuais repercussões negativas no exercício dos direitos estabelecidos no presente Acordo e, se tais medidas forem adoptadas, deveria envidar os esforços necessários para reduzir essas repercussões. A pedido de uma Parte, a outra Parte deve facultar uma descrição de tais esforços de avaliação e redução.

3.      Quando forem estabelecidas medidas ambientais, são cumpridas as normas ambientais aplicáveis à aviação adoptadas pela [OACI] nos anexos da Convenção [de Chicago], excepto no caso de terem sido notificadas diferenças. Nos termos do artigo 2.° e do n.° 4 do artigo 3.° do presente Acordo, as Partes adoptam as medidas ambientais aplicáveis aos serviços aéreos abrangidos pelo presente Acordo.

4.      As Partes reafirmam o compromisso assumido pelos Estados‑Membros e pelos Estados Unidos de aplicarem o princípio da abordagem equilibrada.

[...]

6.      As Partes apoiam e devem incentivar o intercâmbio de informações e o estabelecimento de um diálogo periódico entre os peritos, designadamente através dos canais de comunicação existentes, tendo em vista o reforço da cooperação, nos termos das disposições legislativas e regulamentares em vigor, para fazer face aos impactos ambientais da aviação internacional e encontrar soluções de redução destes, nomeadamente:

[...]

e)      Troca de pontos de vista sobre questões e opções em fóruns internacionais que tratem dos efeitos ambientais da aviação, incluindo, se for caso disso, a coordenação de posições.

7.      Se as Partes o solicitarem, o comité misto, com a assistência de peritos, contribuirá para a formulação de recomendações que tratem de questões respeitantes à eventual sobreposição e à coerência entre as medidas de mercado relacionadas com as emissões da aviação aplicadas pelas Partes, a fim de evitar a duplicação de medidas e custos e reduzir, tanto quanto possível, a carga administrativa que pesa sobre as companhias aéreas. A aplicação destas recomendações fica subordinada a uma aprovação ou ratificação interna, conforme exigido por cada uma das Partes.

8.      Se uma Parte considerar que uma questão relacionada com a protecção ambiental no sector da aviação, incluindo novas medidas propostas, suscita preocupações em termos da aplicação ou execução do presente Acordo, pode solicitar a realização de uma reunião do comité misto, conforme previsto no artigo 18.°, para analisar a questão e encontrar as respostas adequadas às preocupações consideradas legítimas.»

23      Nos termos do artigo 19.°, n.° 1, do Acordo «céu aberto», qualquer diferendo sobre a aplicação ou a interpretação desse acordo, em determinadas condições e caso não seja resolvido em reunião do comité misto, pode, mediante acordo entre as partes, ser submetido à apreciação de uma terceira pessoa ou de um organismo, para decisão. Na falta de acordo entre as partes, o diferendo é, a pedido de cada uma delas, submetido a arbitragem, em conformidade com as modalidades definidas no referido artigo 19.°

B –  Direito da União

24      O Conselho adoptou, por um lado, a Decisão 94/69/CE, de 15 de Dezembro de 1993, relativa à celebração da Convenção‑Quadro das Nações Unidas relativa às alterações climáticas (JO 1994, L 33, p. 11), e, por outro, a Decisão 2002/358/CE, de 25 de Abril de 2002, relativa à aprovação, em nome da Comunidade Europeia, do Protocolo de Quioto da Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas e ao cumprimento conjunto dos respectivos compromissos (JO L 130, p. 1). De acordo com o artigo 2.°, primeiro parágrafo, desta última decisão, a União e os seus Estados‑Membros cumprirão conjuntamente os compromissos previstos no Protocolo de Quioto.

25      Considerando que a transacção de direitos de emissão de gases com efeito de estufa será, em conjunto com outras políticas e medidas, parte integrante e essencial da estratégia de implementação comunitária na luta contra as alterações climáticas, a Comissão apresentou, em 8 de Março de 2000, o «Livro Verde» sobre a transacção de direitos de emissão de gases com efeito de estufa na União Europeia [COM(2000) 87 final].

1.     Directiva 2003/87/CE

26      Com base no artigo 175.°, n.° 1, CE, foi adoptada a Directiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 2003, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Directiva 96/61/CE do Conselho (JO L 275, p. 32).

27      Segundo o seu quinto considerando, essa directiva tem por objectivo contribuir para o cumprimento mais eficaz dos compromissos de redução das emissões antropogénicas de gases com efeito de estufa assumidos pela União e pelos seus Estados‑Membros no âmbito do Protocolo de Quioto, em conformidade com a Decisão 2002/358, através da implementação de um mercado europeu de licenças de emissão de gases com efeito de estufa (a seguir «licenças de emissão»), que seja eficiente e apresente a menor redução possível do desenvolvimento económico e do emprego.

28      Nos termos do vigésimo terceiro considerando da referida directiva, o comércio de licenças de emissão deverá «fazer parte de um conjunto completo e coerente de políticas e medidas executadas ao nível dos Estados‑Membros e da Comunidade». Conforme precisa a primeira frase do vigésimo quinto considerando da mesma directiva, «[a] fim de se obterem importantes reduções das emissões, deverão ser aplicadas, tanto a nível nacional como comunitário, políticas e medidas que abranjam não apenas os sectores industrial e da energia mas todos os sectores económicos da União Europeia».

29      O artigo 1.° da Directiva 2003/87 define o objecto desta, nos seguintes termos:

«A presente directiva cria um regime de comércio de licenças de emissão […] na Comunidade […], a fim de promover a redução das emissões de gases com efeito de estufa em condições que ofereçam uma boa relação custo‑eficácia e sejam economicamente eficientes.»

30      De acordo com o seu artigo 2.°, n.° 1, a Directiva 2003/87 aplica‑se às emissões provenientes das actividades enumeradas no seu anexo I e aos seis gases com efeito de estufa enumerados no seu anexo II, entre os quais figura o CO2.

2.     Directiva 2008/101

31      A Directiva 2003/87 prevê, no seu artigo 30.°, n.° 2, que, com base na experiência adquirida com a aplicação desta directiva, a Comissão deve elaborar, até 30 de Junho de 2006, um relatório – se adequado, acompanhado de propostas – sobre a aplicação da mesma directiva, tendo em consideração, designadamente, «[a] forma e a conveniência da alteração do anexo I a fim de incluir outros sectores relevantes, nomeadamente os sectores da indústria química, do alumínio e dos transportes, bem como outras actividades e emissões de gases com efeito de estufa que não sejam as enumeradas no anexo II, com vista a aumentar a eficiência económica do regime».

32      A esse respeito, o legislador da União adoptou a Directiva 2008/101, que altera a Directiva 2003/87, ao incluir a aviação no regime de comércio de licenças de emissão.

33      Os considerandos oitavo a décimo primeiro, décimo quarto, décimo sétimo e vigésimo primeiro da Directiva 2008/101 têm a seguinte redacção:

«(8)      O Protocolo de Quioto da [Convenção‑Quadro], […], exige que os países desenvolvidos se comprometam a procurar limitar ou reduzir as emissões de gases com efeito de estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal [relativo às substâncias que empobrecem a camada de ozono] provenientes dos transportes aéreos, por intermédio da [OACI].

(9)      Embora a Comunidade não seja Parte contratante na […] (Convenção de Chicago), todos os Estados‑Membros são Partes contratantes nessa Convenção e membros da OACI, continuando a apoiar, com outros Estados na OACI, o trabalho sobre o desenvolvimento de medidas, incluindo instrumentos baseados no mercado, destinadas a fazer face ao impacto da aviação nas alterações climáticas. Na sexta reunião do Comité da OACI para a Protecção Ambiental na Aviação, realizada em 2004, foi acordado que um sistema de comércio de emissões especificamente concebido para o sector da aviação, baseado num novo instrumento jurídico sob os auspícios da OACI, não se afigurava suficientemente atractivo e deveria por conseguinte ser posto de parte. Consequentemente, a Resolução A35‑5 da 35.ª Assembleia da OACI, realizada em Setembro de 2004, não propôs um novo instrumento jurídico, mas apoiou, em vez disso, um regime aberto de comércio de licenças de emissão e a possibilidade de os Estados incorporarem as emissões provenientes da aviação internacional nos respectivos regimes de comércio de licenças de emissão. O Apêndice L da Resolução A36‑22 da 36.ª Assembleia da OACI, realizada em Setembro de 2007, insta os Estados contratantes a não aplicarem um sistema de comércio de emissões aos operadores de aeronaves de outros Estados contratantes, a não ser numa base de mútuo acordo entre esses Estados. Recordando que a Convenção de Chicago reconhece expressamente o direito de cada Parte contratante aplicar, numa base não discriminatória, as suas próprias disposições legislativas e regulamentares no domínio aeronáutico às aeronaves de todos os Estados, os Estados‑Membros da Comunidade Europeia e quinze outros Estados europeus apresentaram uma reserva sobre esta resolução e reservaram‑se o direito de, ao abrigo da Convenção de Chicago, tomar e aplicar medidas baseadas no mercado, numa base não discriminatória, a todos os operadores de aeronaves de todos os Estados que prestem serviços com partida ou destino no seu território ou no interior deste.

(10)      O sexto programa comunitário de acção em matéria de ambiente, estabelecido pela Decisão n.° 1600/2002/CE do Parlamento Europeu e do Conselho [...], prevê que a Comunidade defina e empreenda acções específicas para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa provenientes da aviação, se tais medidas não forem acordadas no âmbito da OACI até 2002. Nas suas conclusões de Outubro de 2002, Dezembro de 2003 e Outubro de 2004, o Conselho instou reiteradamente a Comissão a propor acções para reduzir o impacto do transporte aéreo internacional nas alterações climáticas.

(11)      Para obter as importantes reduções de emissões necessárias, deverão ser aplicadas políticas e medidas, tanto a nível nacional como comunitário, que abranjam todos os sectores económicos da Comunidade. Se o impacto da aviação nas alterações climáticas continuar a crescer ao ritmo actual, irá comprometer de forma significativa as reduções efectuadas por outros sectores para fazer face às alterações climáticas.

[...]

(14)      O objectivo das alterações que a presente directiva introduz na Directiva 2003/87/CE consiste em reduzir o impacto da aviação nas alterações climáticas através da inclusão das emissões provenientes das actividades de aviação no regime comunitário.

[...]

(17)      A Comunidade e os seus Estados‑Membros deverão continuar a procurar obter um acordo sobre medidas globais para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa provenientes da aviação. O regime comunitário pode servir de modelo à utilização do comércio de emissões em todo o mundo. A Comunidade e os seus Estados‑Membros deverão manter‑se em contacto com os países terceiros durante a aplicação da presente directiva e encorajá‑los a tomar medidas idênticas. Se um país terceiro tomar medidas com efeitos ambientais pelo menos equivalentes aos da presente directiva a fim de reduzir o impacto dos voos com destino à Comunidade no clima, a Comissão deverá ponderar as opções disponíveis para optimizar a interacção entre o regime comunitário e as medidas tomadas por esse país, depois de consultar este último. Os regimes de comércio de emissões em desenvolvimento nos países terceiros começam a permitir optimizar a interacção com o regime comunitário no que se refere à aviação. A tomada de medidas bilaterais sobre a ligação do regime comunitário a outros regimes de comércio para formar um regime comum, ou a tomada em consideração de medidas equivalentes para evitar uma dupla regulamentação, poderão constituir um passo em direcção a um acordo global. Nos casos em que sejam tomadas tais medidas bilaterais, a Comissão pode alterar os tipos de actividades de aviação incluídas no regime comunitário e proceder, inclusivamente, aos consequentes ajustamentos à quantidade total de licenças a atribuir aos operadores de aeronaves.

[...]

(21)      É conveniente proceder à plena harmonização da proporção de licenças de emissão emitidas a título gratuito para todos os operadores de aeronaves que participam no regime comunitário, a fim de assegurar a igualdade de tratamento dos operadores de aeronaves, dado que cada operador de aeronaves será regulamentado por um único Estado‑Membro relativamente a todas as operações que efectue com destino, partida e no interior da UE, bem como pelas disposições não discriminatórias dos acordos bilaterais de serviços aéreos celebrados com países terceiros.»

34      Nos termos do artigo 1.°, n.° 4, da Directiva 2008/101, a Directiva 2003/87 passou a ter um capítulo II com a seguinte redacção:

«Capítulo II

Aviação

Artigo 3.°‑A

Âmbito de aplicação

As disposições do presente capítulo são aplicáveis à atribuição e emissão das licenças de emissão no que se refere às actividades de aviação enumeradas no anexo I.

[...]

Artigo 3.°‑C

Quantidade total de licenças de emissão atribuídas às actividades de aviação

1.      Para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2012 e 31 de Dezembro de 2012, a quantidade total de licenças de emissão a atribuir aos operadores de aeronaves é equivalente a 97% das emissões históricas da aviação.

2.      Para o período referido no n.° 2 do artigo 11.°, com início em 1 de Janeiro de 2013, e, [na] falta de alterações introduzidas na sequência da revisão a que se refere o n.° 4 do artigo 30.°, para cada período seguinte, a quantidade total de licenças de emissão a atribuir aos operadores de aeronaves é equivalente a 95% das emissões históricas da aviação multiplicadas pelo número de anos do período.

[...]

Artigo 3.°‑D

Método de atribuição das licenças de emissão às actividades de aviação por leilão

1.      No período referido no n.° 1 do artigo 3.°‑C, são leiloados 15% das licenças de emissão.

2.      A partir de 1 de Janeiro de 2013, são leiloados 15% das licenças de emissão. Esta percentagem pode ser aumentada por ocasião da revisão geral da presente directiva.

3.      É aprovado um regulamento com disposições pormenorizadas para a venda em leilão, pelos Estados‑Membros, das licenças de emissão que não devam ser emitidas a título gratuito nos termos dos n.os 1 e 2 do presente artigo ou do n.° 8 do artigo 3.°‑F. O número de licenças de emissão a leiloar por cada Estado‑Membro em cada período é proporcional à sua parte no total das emissões atribuídas à aviação do conjunto dos Estados‑Membros no ano de referência [...]

[...]

4.      Cabe aos Estados‑Membros determinar a utilização a dar aos proventos gerados pelos leilões das licenças de emissão. Esses proventos deverão ser utilizados para combater as alterações climáticas na UE e nos países terceiros, nomeadamente para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, para promover a adaptação aos impactos das alterações climáticas na UE e nos países terceiros, em especial nos países em desenvolvimento, para financiar actividades de investigação e desenvolvimento para a mitigação e a adaptação, nomeadamente nas áreas da aeronáutica e do transporte aéreo, para reduzir as emissões através da utilização de transportes com baixo teor de emissões e para cobrir os custos de gestão do regime comunitário. Os proventos dos leilões deverão ser igualmente utilizados no financiamento de contribuições para o Fundo Mundial para a Eficiência Energética e as Energias Renováveis e de medidas para evitar a desflorestação.

[...]

Artigo 3.°‑E

Atribuição e concessão de licenças de emissão aos operadores de aeronaves

1.      Para cada um dos períodos referidos no artigo 3.°‑C, cada operador de aeronaves pode pedir que lhe sejam atribuídas licenças de emissão que devam ser atribuídas a título gratuito. Os pedidos podem ser feitos mediante apresentação, à autoridade competente do Estado‑Membro responsável, dos dados relativos às toneladas‑quilómetro verificadas para as actividades de aviação enumeradas no anexo I realizadas por esse operador de aeronaves no ano de monitorização. [...]

[...]»

35      O artigo 1.°, n.° 10, alínea b), da Directiva 2008/101 prevê a inserção, no artigo 12.° da Directiva 2003/87, de um n.° 2‑A, com a seguinte redacção:

«Os Estados‑Membros responsáveis devem assegurar a devolução por cada operador de aeronaves, até 30 de Abril de cada ano, de um número de licenças de emissão equivalente ao total das emissões do ano civil anterior, verificadas nos termos do artigo 15.°, provenientes de actividades de aviação enumeradas no anexo I em relação às quais é considerado o operador da aeronave. Os Estados‑Membros garantem que as licenças de emissão devolvidas nos termos do presente número são consequentemente anuladas.»

36      Nos termos do artigo 1.°, n.° 14, alínea b), da Directiva 2008/101, os n.os 2 e 3 do artigo 16.° da Directiva 2003/87 passam a ter a seguinte redacção:

«2.      Os Estados‑Membros devem assegurar a publicação dos nomes dos operadores e dos operadores de aeronaves que não devolvam licenças de emissão suficientes nos termos da presente directiva.

3.      Os Estados‑Membros devem assegurar que os operadores e os operadores de aeronaves que não devolvam, até 30 de Abril de cada ano, licenças de emissão suficientes para cobrir as suas emissões no ano anterior sejam obrigados a pagar uma multa pelas emissões excedentárias. A multa por emissões excedentárias será igual a 100 [euros] por cada tonelada de equivalente de dióxido de carbono emitida relativamente à qual o operador não tenha devolvido licenças. O pagamento da multa por emissões excedentárias não dispensa os operadores e os operadores de aeronaves da obrigação de devolverem uma quantidade de licenças de emissão equivalente às emissões excedentárias aquando da devolução das licenças de emissão relativas ao ano civil subsequente.»

37      Além disso, o artigo 1.°, n.° 14, alínea c), da Directiva 2008/101 prevê, nomeadamente, o aditamento de um n.° 5 ao artigo 16.° da Directiva 2003/87, redigido nos seguintes termos:

«Se um operador de aeronaves não cumprir os requisitos da presente directiva e se outras medidas de execução não tiverem conseguido assegurar o seu cumprimento, o Estado‑Membro responsável pode pedir à Comissão que tome a decisão de impor ao dito operador de aeronaves uma proibição de operar.»

38      Nos termos do artigo 1.°, n.° 18, da Directiva 2008/101, é inserido na Directiva 2003/87 um artigo 25.°‑A, intitulado «Medidas de países terceiros para reduzir o impacto da aviação nas alterações climáticas», artigo esse que dispõe:

«1.      Se um país terceiro aprovar medidas para reduzir o impacto nas alterações climáticas dos voos que partem do seu território e aterram na Comunidade, a Comissão, depois de consultar o país terceiro e os Estados‑Membros no âmbito do Comité a que se refere o n.° 1 do artigo 23.°, deve ponderar as opções disponíveis por forma a optimizar a interacção entre o regime comunitário e as medidas desse país.

Se necessário, a Comissão pode aprovar alterações de modo a excluir os voos provenientes do país terceiro em causa das actividades de aviação enumeradas no anexo I, ou a prever quaisquer outras alterações das actividades de aviação enumeradas no anexo I exigidas por um acordo celebrado ao abrigo do quarto parágrafo. Essas medidas, que têm por objecto alterar elementos não essenciais da presente directiva, são aprovadas pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.° 3 do artigo 23.°

A Comissão pode propor ao Parlamento Europeu e ao Conselho quaisquer outras alterações da presente directiva.

A Comissão pode também, se necessário, fazer recomendações ao Conselho, nos termos do n.° 1 do artigo 300.° do Tratado, para abrir negociações com vista à celebração de um acordo com o país terceiro em causa.

2.      A Comunidade e os seus Estados‑Membros continuam a procurar obter um acordo sobre medidas globais para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa provenientes da aviação. À luz de um tal acordo, a Comissão analisa se são necessárias alterações à presente directiva tal como se aplica aos operadores de aeronaves.»

39      Nos termos do anexo da Directiva 2008/101, o anexo I da Directiva 2003/87 apresenta, desde então, o título «Categorias de actividades abrangidas pela presente directiva», e o quadro constante desse anexo I é precedido de uma introdução, cujo ponto 2 é completado pelo seguinte parágrafo:

«A partir de 1 de Janeiro de 2012 estão incluídos todos os voos com partida ou com chegada num aeródromo situado no território de um Estado‑Membro ao qual se aplica o Tratado.»

40      O anexo da Directiva 2008/101 prevê, igualmente, uma alteração ao anexo IV da Directiva 2003/87, que consiste no aditamento a esse anexo de uma parte B, intitulada «Monitorização e comunicação das emissões das actividades de aviação», que dispõe:

«Monitorização das emissões de dióxido de carbono

As emissões são monitorizadas através de cálculos. Os cálculos das emissões são efectuados utilizando a fórmula:

Consumo de combustível × factor de emissão

O consumo de combustível inclui o combustível consumido pela unidade auxiliar de potência. Sempre que possível, deve ser utilizado o consumo real de combustível em cada voo, calculado através da seguinte fórmula:

Quantidade de combustível contida nos tanques da aeronave quando estiver completo o abastecimento de combustível para o voo – quantidade de combustível contida nos tanques da aeronave quando estiver completo o abastecimento de combustível para o voo seguinte + abastecimento de combustível para esse mesmo voo seguinte.

[...]

É efectuado um cálculo separado para cada voo e cada combustível.

Comunicação de informações sobre as emissões

Cada operador de aeronaves deve incluir as seguintes informações no relatório a apresentar nos termos do n.° 3 do artigo 14.°:

A.      Dados de identificação do operador de aeronaves, incluindo:

–      nome do operador de aeronaves;

–      Estado‑Membro responsável pelo operador de aeronaves;

[...]

B.      Em relação a cada um dos tipos de combustível para os quais são calculadas as emissões:

–      consumo de combustível;

–      factor de emissão;

–      emissões totais agregadas de todos os voos efectuados durante o período coberto pelo relatório, abrangidos pelas actividades de aviação enumeradas no anexo I, em relação aos quais é considerado o operador de aeronaves;

–      emissões agregadas de:

–      todos os voos efectuados durante o período coberto pelo relatório, abrangidos pelas actividades de aviação enumeradas no anexo I, em relação aos quais é considerado o operador de aeronaves, com partida de um aeródromo situado no território de um Estado‑Membro e com chegada a um aeródromo situado no território do mesmo Estado‑Membro;

–      todos os outros voos efectuados durante o período coberto pelo relatório abrangidos pelas actividades de aviação enumeradas no anexo I, em relação aos quais é considerado o operador de aeronaves;

–      emissões agregadas de todos os voos efectuados durante o período coberto pelo relatório, abrangidos pelas actividades de aviação enumeradas no anexo I, em relação aos quais é considerado o operador de aeronaves, e que:

–      partam de cada um dos Estados‑Membros; e

–      cheguem a cada um dos Estados‑Membros, provenientes de um país terceiro;

–      incerteza.

Monitorização dos dados relativos às toneladas‑quilómetro para efeitos dos artigos 3.°‑E e 3.°‑F

Para efeitos do pedido de atribuição de licenças de emissão nos termos do n.° 1 do artigo 3.°‑E ou do n.° 2 do artigo 3.°‑F, a actividade de aviação é medida em toneladas‑quilómetro, calculadas utilizando a seguinte fórmula:

Toneladas‑quilómetro = distância × carga

em que:

se entende por ‘distância’, a distância ortodrómica entre o aeródromo de partida e o aeródromo de chegada mais um factor adicional fixo de 95 km; e

por ‘carga’, a massa total das mercadorias, correio e passageiros transportados.

[...]»

C –  Direito nacional

41      No Reino Unido, a Directiva 2008/101 foi transposta através da adopção do Regulamento de 2009 Relativo ao Regime de Comércio de Licenças de Emissão de Gases com Efeito de Estufa da Aviação (Aviation Greenhouse Gas Emissions Trading Scheme Regulations 2009, SI 2009, No 2301), bem como por outros textos cuja adopção estava prevista no decurso do ano de 2010.

II –  Matéria de facto do processo principal e questões prejudiciais

42      De acordo com as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, a Air Transport Association of America, entidade sem fins lucrativos, é a principal associação de comércio e serviços do transporte aéreo regular nos Estados Unidos. As companhias aéreas American Airlines Inc., Continental Airlines Inc. e United Airlines Inc. exploram rotas aéreas nos Estados Unidos, na Europa e no resto do mundo. Escolheram o Reino Unido como Estado‑Membro responsável, na acepção da Directiva 2003/87, conforme alterada pela Directiva 2008/101.

43      Em 16 de Dezembro de 2009, a ATA e o. interpuseram perante o órgão jurisdicional de reenvio um recurso com vista à anulação das medidas de transposição da Directiva 2008/101 no Reino Unido, as quais são da competência do Secretary of State for Energy and Climate Change. No seu recurso, invocaram a ilegalidade desta directiva à luz do direito internacional convencional e consuetudinário.

44      Em 28 de Maio de 2010, o órgão jurisdicional de reenvio admitiu, por um lado, as intervenções da International Air Transport Association (IATA) e do National Airlines Council of Canada, em apoio da acção da ATA e o., bem como, por outro, de cinco organizações de defesa do ambiente, a saber, a Aviation Environment Federation, a WWF‑UK, a European Federation for Transport and Environment, a Environmental Defense Fund e a Earthjustice, em apoio do Secretary of State for Energy and Climate Change.

45      Nestas condições, a High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court), decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Podem algumas ou todas as seguintes normas de direito internacional ser invocadas no presente processo para impugnar a validade da Directiva 2003/87/CE, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 2008/101/CE, de modo a incluir as actividades da aviação no regime de comércio de licenças de emissão na [União] […]:

a)      o princípio do direito consuetudinário internacional segundo o qual cada Estado tem soberania completa e exclusiva sobre o seu espaço aéreo;

b)      o princípio do direito consuetudinário internacional segundo o qual nenhum Estado pode legitimamente pretender submeter qualquer parte do alto mar à sua soberania;

c)      o princípio do direito consuetudinário internacional que afirma a liberdade de sobrevoar o alto mar;

d)      o princípio do direito consuetudinário internacional (cuja existência não é aceite pelo demandado) segundo o qual as aeronaves que sobrevoem o alto mar estão sujeitas à jurisdição exclusiva do país onde estiverem registadas, salvo disposição em contrário expressamente prevista num tratado internacional;

e)      a Convenção de Chicago (em especial, os artigos 1.°, 11.°, 12.°, 15.° e 24.°);

f)      o Acordo ‘céu aberto’ (em especial, os artigos 7.°, 11.°, n.° 2, alínea c), e 15.°, n.° 3);

g)      o Protocolo de Quioto (em especial, o artigo 2.°, n.° 2)?

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

2)      A Directiva [2008/101] é inválida, se e na medida em que aplica o regime de comércio de licenças de emissão às partes dos voos (genericamente ou relativamente às aeronaves registadas em países terceiros) que tenham lugar fora do espaço aéreo dos Estados‑Membros da UE, por violação de um ou mais dos princípios do direito consuetudinário internacional [...] referidos [na primeira questão]?

3)      A Directiva [2008/101] é inválida, se e na medida em que aplica o regime de comércio de licenças de emissão às partes dos voos (genericamente ou relativamente às aeronaves registadas em países terceiros) que tenham lugar fora do espaço aéreo dos Estados‑Membros da UE:

a)      por violação dos artigos 1.°, 11.° e/ou 12.° da Convenção de Chicago;

b)      por violação do artigo 7.° do Acordo ‘céu aberto’?

4)      A Directiva [2008/101] é inválida, na medida em que aplica o regime de comércio de licenças de emissão às actividades da aviação:

a)      por violação do artigo 2.°, n.° 2, do Protocolo de Quioto e do artigo 15.°, n.° 3, do Acordo ‘céu aberto’;

b)      por violação do artigo 15.° da Convenção de Chicago, isoladamente ou em conjugação com os artigos 3.°, n.° 4, e 15.°, n.° 3, do Acordo ‘céu aberto’;

c)      por violação do artigo 24.° da Convenção de Chicago, isoladamente ou em conjugação com o artigo 11.°, n.° 2, alínea c), do Acordo ‘céu aberto’?»

III –  Quanto às questões prejudiciais

A –  Quanto à primeira questão

46      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os princípios e as disposições do direito internacional que refere podem ser invocados, no âmbito do presente reenvio prejudicial, para efeitos da apreciação da validade da Directiva 2008/101, na medida em que esta inclui a aviação no regime de comércio de licenças de emissão da Directiva 2003/87.

47      Antes de mais, recorde‑se que, segundo jurisprudência assente, os órgãos jurisdicionais nacionais não têm poder para declarar inválidos os actos das instituições da União. Efectivamente, as competências conferidas ao Tribunal de Justiça pelo artigo 267.° TFUE visam essencialmente garantir uma aplicação uniforme do direito da União pelos órgãos jurisdicionais nacionais. Esta exigência de uniformidade é especialmente imperiosa quando está em causa a validade de um acto jurídico da União. As divergências entre os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros quanto à validade dos actos jurídicos da União seriam susceptíveis de comprometer a própria unidade da ordem jurídica desta última e de prejudicar a exigência fundamental da segurança jurídica (acórdão de 10 de Janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C‑344/04, Colet., p. I‑403, n.° 27 e jurisprudência aí referida).

48      O Tribunal de Justiça é, portanto, exclusivamente competente para declarar a invalidade de um acto da União, como a Directiva 2008/101 (v. acórdãos de 22 de Outubro de 1987, Foto‑Frost, 314/85, Colet., p. 4199, n.° 17; de 21 de Fevereiro de 1991, Zuckerfabrik Süderdithmarschen e Zuckerfabrik Soest, C‑143/88 e C‑92/89, Colet., p. I‑415, n.° 17; de 21 de Março de 2000, Greenpeace France e o., C‑6/99, Colet., p. I‑1651, n.° 54; acórdão IATA e ELFAA, já referido, n.° 27; e acórdão de 22 de Junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, Colet., p. I‑5667, n.° 54).

 1. Quanto às convenções internacionais invocadas

49      Liminarmente, nos termos do direito internacional, as instituições da União, que têm competência para negociar e celebrar acordos internacionais, podem acordar com os Estados terceiros em causa os efeitos que as disposições desses acordos devem produzir na ordem jurídica interna das partes contratantes. Só se esta questão não tiver sido regulada por um acordo é que cabe aos órgãos jurisdicionais competentes, e, em especial, ao Tribunal de Justiça, decidir esta questão nos mesmos termos que qualquer outra questão de interpretação relativa à aplicação do acordo na União (v. acórdãos de 26 de Outubro de 1982, Kupferberg, 104/81, Colet., p. 3641, n.° 17, e de 23 de Novembro de 1999, Portugal/Conselho, C‑149/96, Colet., p. I‑8395, n.° 34).

50      Deve recordar‑se igualmente que, por força do artigo 216.°, n.° 2, TFUE, quando são celebrados acordos internacionais pela União, as instituições da União estão vinculadas por tais acordos e, por conseguinte, estes primam sobre os actos da União (v., neste sentido, acórdãos de 10 de Setembro de 1996, Comissão/Alemanha, C‑61/94, Colet., p. I‑3989, n.° 52; de 12 de Janeiro de 2006, Algemene Scheeps Agentuur Dordrecht, C‑311/04, Colet., p. I‑609, n.° 25; de 3 de Junho de 2008, Intertanko e o., C‑308/06, Colet., p. I‑4057, n.° 42; e de 3 de Setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, Colet., p. I‑6351, n.° 307).

51      Daqui resulta que a validade de um acto da União pode ser afectada pela incompatibilidade desse acto com essas regras do direito internacional. Quando essa invalidade é invocada perante um órgão jurisdicional nacional, o Tribunal de Justiça verifica, tal como lhe pede o órgão jurisdicional de reenvio na sua primeira questão, se, no âmbito do processo que foi chamado a decidir, estão preenchidas determinadas condições, a fim de determinar se, em aplicação do artigo 267.° TFUE, a validade do acto jurídico da União em causa à luz de todas as regras do direito internacional invocadas pode ser apreciada (v., neste sentido, acórdão Intertanko e o., já referido, n.° 43).

52      Com efeito, a União deve, antes de mais, estar vinculada por essas regras (v. acórdão de 12 de Dezembro de 1972, International Fruit Company e o., 21/72 a 24/72, Colet., p. 407, n.° 7, e acórdão Intertanko e o., já referido, n.° 44).

53      Em seguida, o Tribunal de Justiça só pode proceder ao exame da validade de um acto jurídico da União, à luz de um tratado internacional, quando a sua natureza e a sua sistemática a isso não se oponham (v. acórdão de 9 de Setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão, C‑120/06 P e C‑121/06 P, Colet., p. I‑6513, n.° 110).

54      Por último, quando a natureza e a sistemática do Tratado em causa permitem uma fiscalização da validade do acto jurídico da União à luz das disposições desse Tratado, é ainda necessário que as disposições desse Tratado invocadas para efeitos do exame da validade do acto jurídico da União se revelem incondicionais e suficientemente precisas, do ponto de vista do seu conteúdo (v. acórdãos, já referidos, IATA e ELFAA, n.° 39, e Intertanko e o., n.° 45).

55      Tal condição está preenchida sempre que a disposição invocada contenha uma obrigação clara e precisa que não esteja dependente, na sua execução ou nos seus efeitos, da intervenção de nenhum acto posterior (v. acórdãos de 30 de Setembro de 1987, Demirel, 12/86, Colet., p. 3719, n.° 14; de 15 de Julho de 2004, Pêcheurs de l’étang de Berre, C‑213/03, Colet., p. I‑7357, n.° 39; e de 8 de Março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie, C‑240/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 44 e jurisprudência aí referida).

56      Deve verificar‑se, portanto, no que diz respeito às disposições das convenções referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, se as condições recordadas nos n.os 52 a 54 do presente acórdão estão efectivamente preenchidas.

a)     Quanto à Convenção de Chicago

57      Como resulta do terceiro parágrafo do seu preâmbulo, a Convenção de Chicago fixa «certos princípios e medidas tendentes a desenvolver a aviação civil internacional de maneira segura e ordenada, a estabelecer os serviços internacionais de transportes aéreos numa base de igualdade de oportunidades e a explorar esses serviços [de] forma eficaz e económica».

58      Esta convenção tem um campo de aplicação extenso, na medida em que regula, nomeadamente, o direito de voo em serviço não regular, incluindo, no que diz respeito ao sobrevoo do território dos Estados partes, os princípios aplicáveis à cabotagem aérea, as condições em que os aviões susceptíveis de ser comandados sem piloto poderão sobrevoar sem piloto o território de um Estado contratante, a definição pelos Estados contratantes das zonas de interdição de sobrevoo por razões de carácter militar ou de segurança pública, a aterragem das aeronaves em aeroportos aduaneiros, a aplicação das regras do ar, as regras do ar, a aplicação de taxas de aeroporto e de outras análogas, a nacionalidade das aeronaves, as medidas para facilitar a navegação aérea, tais como a simplificação de formalidades, o estabelecimento de formalidades alfandegárias e de imigração, bem como as facilidades de navegação aérea e a uniformização de sistemas.

59      A Convenção de Chicago fixa, igualmente, as condições a observar no que diz respeito a aeronaves, nomeadamente as relativas aos documentos que deve haver a bordo, aos aparelhos de rádio das aeronaves, aos certificados de navegabilidade, ao reconhecimento de certificados e de licenças ou, ainda, às restrições quanto à natureza da carga. Esta convenção prevê, além disso, a adopção pela OACI de normas e de práticas internacionais recomendadas.

60      Como foi indicado no n.° 3 do presente acórdão, está assente que a União não é parte na referida Convenção, mas que, em contrapartida, a totalidade dos seus Estados‑Membros são partes contratantes na mesma.

61      A esse respeito, embora o artigo 351.°, primeiro parágrafo, TFUE implique a obrigação de as instituições da União não porem entraves à execução dos compromissos dos Estados‑Membros decorrentes de uma convenção anterior a 1 de Janeiro de 1958, tal como a Convenção de Chicago, é necessário recordar, no entanto, que essa obrigação das instituições visa permitir que os Estados‑Membros em causa cumpram os compromissos que lhes incumbem por força de uma convenção anterior, sem, por essa razão, vincular a União em relação aos Estados terceiros partes nessa convenção (v., neste sentido, acórdão de 14 de Outubro de 1980, Burgoa, 812/79, Recueil, p. 2787, n.os 8 e 9).

62      Por conseguinte, no processo principal, só se e na medida em que, por força dos Tratados UE e FUE, a União tiver assumido as competências anteriormente exercidas pelos Estados‑Membros da União no âmbito da aplicação dessa Convenção internacional, tal como descrito nos n.os 57 a 59 do presente acórdão, é que as disposições da referida Convenção têm por efeito vincular a União (v., neste sentido, acórdãos International Fruit Company e o., já referido, n.° 18; de 14 de Julho de 1994, Peralta, C‑379/92, Colet., p. I‑3453, n.° 16; e de 22 de Outubro de 2009, Bogiatzi, C‑301/08, Colet., p. I‑10185, n.° 25).

63      Com efeito, para poder vincular a União, é ainda necessário que esta última tenha assumido – e que, portanto, tenham sido transferidas integralmente para ela – as competências anteriormente exercidas pelos Estados‑Membros e que sejam do domínio da Convenção em causa (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Intertanko e o., n.° 49, e Bogiatzi, n.° 33). Por isso, o facto de um ou vários actos jurídicos da União poderem ter por objecto ou por efeito a incorporação no direito da União de determinadas disposições constantes de um acordo internacional que a própria União não aprovou não basta para que o Tribunal tenha competência para fiscalizar a legalidade desse acto ou desses actos jurídicos da União, à luz do referido acordo (v., neste sentido, acórdão Intertanko e o., já referido, n.° 50).

64      Tal como o Governo sueco salientou, em síntese, nas suas observações escritas, tanto o artigo 80.°, n.° 2, CE como o artigo 100.°, n.° 2, TFUE prevêem que a União pode adoptar disposições adequadas em matéria de navegação aérea.

65      A esse respeito, determinados aspectos constantes da Convenção de Chicago foram objecto de regulamentação adoptada a nível da União, nomeadamente, com base no artigo 80.°, n.° 2, CE. No que diz respeito à navegação aérea, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de salientar no n.° 23 do acórdão de 25 de Janeiro de 2011, Neukirchinger (C‑382/08, ainda não publicado na Colectânea), tal é o caso, por exemplo, do Regulamento (CE) n.° 1592/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Julho de 2002, relativo a regras comuns no domínio da aviação civil e que cria a Agência Europeia para a Segurança da Aviação (JO L 240, p. 1), e do Regulamento (CEE) n.° 3922/91 do Conselho, de 16 de Dezembro de 1991, relativo à harmonização de normas técnicas e dos procedimentos administrativos no sector da aviação civil (JO L 373, p. 4), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1900/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro de 2006 (JO L 377, p. 176).

66      O legislador da União adoptou, igualmente, a Directiva 2006/93/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, relativa à regulação da exploração dos aviões que dependem do anexo 16 da Convenção relativa à Aviação Civil Internacional, volume 1, segunda parte, capítulo 3, segunda edição (1988) (JO L 374, p. 1).

67      No que diz respeito à problemática da tributação do abastecimento de combustível, o Conselho adoptou, igualmente, a Directiva 2003/96/CE, de 27 de Outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da electricidade (JO L 283, p. 51), que prevê, no seu artigo 14.°, n.° 1, alínea b), uma isenção fiscal dos produtos energéticos fornecidos para utilização como carburantes para a navegação aérea, com excepção da de recreio privada, e isto para que, tal como decorre do vigésimo terceiro considerando desta directiva, a União cumpra, nomeadamente, determinadas obrigações internacionais, incluindo as relacionadas com as isenções fiscais dos produtos energéticos destinados à aviação civil, de que beneficiam as companhias aéreas, com base na Convenção de Chicago e em acordos bilaterais internacionais de serviços aéreos concluídos pela União e/ou os seus Estados‑Membros com determinados Estados terceiros (v. acórdão de 1 de Dezembro de 2011, Systeme Helmholz, C‑79/10, ainda não publicado na Colectânea, n.os 24 e 25).

68      Além disso, deve salientar‑se que, com a adopção da Decisão 2011/530/UE do Conselho, de 31 de Março de 2011, relativa à assinatura, em nome da União, e à aplicação provisória de um Memorando de Cooperação entre a União Europeia e a Organização da Aviação Civil Internacional que estabelece um quadro de cooperação reforçada (JO L 232, p. 1), a União pretendeu desenvolver um quadro de cooperação em matéria de auditorias e inspecções de segurança à luz das normas constantes do anexo 17 da Convenção de Chicago.

69      No entanto, embora seja certo que, por outro lado, a União adquiriu determinadas competências exclusivas para assumir com os Estados terceiros compromissos que pertencem ao âmbito de aplicação da regulamentação da União em matéria de transporte aéreo internacional e, por conseguinte, ao campo de aplicação da Convenção de Chicago (v., neste sentido, acórdão de 5 de Novembro de 2002, Comissão/Alemanha, C‑476/98, Colet., p. I‑9855, n.° 124), tal não significa que, por isso, detenha uma competência exclusiva e integral no domínio da aviação civil internacional abrangido por essa Convenção.

70      Com efeito, tal como os Governos francês e sueco sublinham, os Estados‑Membros conservaram competências que pertencem ao domínio da referida Convenção, como as relativas à atribuição de direitos de tráfego, à fixação de taxas de aeroporto ou, ainda, à definição das zonas de interdição de sobrevoo do seu território.

71      Por conseguinte, há que concluir que, na medida em que as competências anteriormente exercidas pelos Estados‑Membros no campo de aplicação da Convenção de Chicago não estão, até agora, assumidas, na íntegra, pela União, esta última não está vinculada por essa Convenção.

72      Daí decorre que, no âmbito do presente reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça não pode examinar a validade da Directiva 2008/101 à luz da Convenção de Chicago enquanto tal.

b)     Quanto ao Protocolo de Quioto

73      Resulta das Decisões 94/69 e 2002/358 que a União aprovou o Protocolo de Quioto. Por conseguinte, as disposições desse acordo constituem, a partir da sua entrada em vigor, parte integrante da ordem jurídica da União (v. acórdão de 30 de Abril de 1974, Haegeman, 181/73, Colet., p. 251, n.° 5).

74      Assim, para efeitos de determinar se o Tribunal de Justiça pode apreciar a validade da Directiva 2008/101 à luz desse protocolo, deve determinar‑se se a natureza e a sistemática deste último não se opõem a tal exame e se, além disso, as suas disposições, e nomeadamente o seu artigo 2.°, n.° 2, se revelam, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, de forma a gerarem, para os sujeitos jurídicos da União, o direito de recorrerem aos tribunais para impugnarem a legalidade de um acto jurídico da União, como essa directiva.

75      A esse respeito, com a adopção do Protocolo de Quioto, as partes no mesmo decidiram fixar objectivos de redução das emissões de gases com efeito de estufa e comprometeram‑se a adoptar as medidas necessárias para atingir esses objectivos. No que diz respeito a determinadas partes nesse protocolo, que se encontram em situação de transição para uma economia de mercado, aquele permite‑lhes um certo grau de flexibilidade quanto ao cumprimento dos seus compromissos. Além disso, por um lado, o referido protocolo permite que determinadas partes cumpram colectivamente os seus compromissos em termos de redução. Por outro, a Conferência das Partes, estabelecida pela Convenção‑Quadro, está encarregada de aprovar os procedimentos e mecanismos adequados e eficazes para determinar e estudar os casos de não cumprimento das disposições do referido protocolo.

76      Assim, é necessário salientar que, embora o Protocolo de Quioto preveja compromissos quantificados, em termos de redução das emissões de gases com efeito de estufa, para o período de cumprimento correspondente aos anos de 2008 a 2012, as partes nesse protocolo podem cumprir as suas obrigações de acordo com as modalidades e a celeridade que decidirem.

77      Em especial, o artigo 2.°, n.° 2, do Protocolo de Quioto, referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, prevê que as partes no mesmo se comprometem a procurar limitar ou reduzir as emissões de certos gases com efeito de estufa, resultantes do combustível usado nos transportes aéreos, por intermédio da OACI. Assim, não se pode, de qualquer modo, considerar que a referida disposição, quanto ao seu conteúdo, revista uma natureza incondicional e suficientemente precisa, de forma a gerar o direito de os sujeitos jurídicos recorrerem aos tribunais para impugnarem a validade da Directiva 2008/101.

78      Por conseguinte, o Protocolo de Quioto não pode ser invocado no âmbito do presente reenvio prejudicial, para efeitos da apreciação da validade da Directiva 2008/101.

c)     Quanto ao Acordo «céu aberto»

79      O Acordo «céu aberto» foi aprovado, em nome da União, através das Decisões n.os 2007/339 e 2010/465. Por conseguinte, as disposições desse acordo constituem, a partir da sua entrada em vigor, parte integrante da ordem jurídica da União (v. acórdão Haegeman, já referido, n.° 5).

80      Assim, em primeiro lugar, coloca‑se a questão de saber se a natureza e a sistemática do Acordo «céu aberto» permitem um exame da validade da Directiva 2008/101 à luz desse acordo.

81      A esse respeito, importa salientar que o referido acordo, como resulta do terceiro e quarto parágrafos do seu preâmbulo, tem por objectivo permitir que as transportadoras aéreas das partes contratantes ofereçam aos passageiros e aos expedidores preços e serviços competitivos em mercados abertos. Este acordo pretende, igualmente, que todas as áreas do sector dos transportes aéreos, incluindo os trabalhadores das companhias aéreas, possam beneficiar de um acordo de liberalização desse tipo. Ao fazê‑lo, as partes no mesmo manifestaram a sua intenção de criar um precedente de significado global, com vista a promover as vantagens da liberalização num sector económico crucial.

82      Como salientou a advogada‑geral, no n.° 91 das suas conclusões, as companhias aéreas com sede no território das partes no Acordo «céu aberto» são, assim, especificamente afectadas por esse acordo. A este respeito, são particularmente reveladores o artigo 3.°, n.os 2 e 5, e o seu artigo 10.°, disposições estas que visam conferir directamente direitos a essas companhias, ao passo que outras disposições desse acordo visam impor‑lhes obrigações.

83      Quanto à circunstância de as partes terem acordado, nos termos do artigo 19.° do Acordo «céu aberto», que qualquer diferendo sobre a aplicação ou a interpretação do acordo pode ser submetido a um procedimento que pode conduzir ao recurso a um tribunal arbitral, importa recordar que o facto de as partes contratantes terem criado um quadro institucional especial para as consultas e negociações recíprocas referentes à execução desse acordo não basta para excluir toda e qualquer aplicação jurisdicional do mesmo (v., neste sentido, acórdão Kupferberg, já referido, n.° 20).

84      Uma vez que o Acordo «céu aberto» estabelece algumas regras que se destinam a ser aplicadas directa e imediatamente às companhias aéreas e, assim, a conferir‑lhes direitos ou liberdades, susceptíveis de serem invocados contra as partes nesse acordo, e que a natureza e a sistemática desse acordo a isso não se opõem, pode daí concluir‑se que o Tribunal de Justiça pode apreciar a validade de um acto jurídico da União, como a Directiva 2008/101, à luz das disposições de tal acordo.

85      Por conseguinte, deve examinar‑se se as disposições desse acordo referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio se revelam, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, de forma a permitirem que o Tribunal de Justiça proceda a um exame da validade da Directiva 2008/101 à luz dessas disposições específicas.

i)     Quanto ao artigo 7.° do Acordo «céu aberto»

86      Como a advogada‑geral salientou no n.° 103 das suas conclusões, o artigo 7.° do Acordo «céu aberto», sob o título «Aplicação da legislação», prevê uma obrigação precisa e incondicional aplicável às aeronaves usadas pelas companhias aéreas das partes nesse acordo. Com efeito, de acordo com o referido artigo, essas aeronaves utilizadas na navegação aérea internacional, à entrada ou saída e enquanto permanecerem no território de uma das partes contratantes, estão sujeitas à aplicação e devem observar as disposições legislativas e regulamentares dessa parte, quer se trate das disposições relativas à entrada ou saída de aeronaves do território desta última quer das relativas à exploração e navegação dessas aeronaves.

87      Por conseguinte, o referido artigo 7.° pode ser invocado pelas companhias aéreas, no âmbito do presente reenvio prejudicial, para efeitos da apreciação da validade da Directiva 2008/101.

ii)  Quanto ao artigo 11.° do Acordo «céu aberto»

88      Em circunstâncias como as do processo principal, é evidente que, de entre os produtos visados no artigo 11.°, n.os 1 e 2, do Acordo «céu aberto», apenas se mostra relevante o combustível, enquanto tal, e que, além disso, não está em causa a distribuição desse produto, na acepção do n.° 7 desse artigo.

89      A esse respeito, o artigo 11.°, n.os 1 e 2, alínea c), do Acordo «céu aberto» prevê que, numa base de reciprocidade, está, nomeadamente, isento de direitos, emolumentos e taxas o combustível introduzido ou fornecido no território da União para ser usado numa aeronave de uma transportadora com sede nos Estados Unidos, utilizada no transporte aéreo internacional, ainda que se destine a ser usado num troço da viagem efectuado sobre o território da União.

90      No que diz respeito ao abastecimento de combustível para os voos internacionais, deve sublinhar‑se que a União previu expressamente uma isenção da tributação dos produtos energéticos fornecidos para utilização como combustível na navegação aérea, a fim de, designadamente, dar cumprimento às obrigações internacionais existentes, decorrentes da Convenção de Chicago, bem como às que lhe incumbem por força dos acordos bilaterais internacionais de serviços aéreos que a mesma concluiu com alguns Estados terceiros e que se revelam, nesse aspecto, da mesma natureza que o Acordo «céu aberto» (v. acórdão Systeme Helmholz, já referido, n.os 24 e 25).

91      É, além disso, pacífico que, no que diz respeito aos voos comerciais internacionais, essa isenção era preexistente à adopção da Directiva 2003/96 (v., sobre este aspecto, acórdão Systeme Helmholz, já referido, n.° 22) e que, ao preverem, no artigo 11.°, n.os 1 e 2, alínea c), do Acordo «céu aberto», uma obrigação de isenção da tributação do abastecimento de combustível, as partes nesse acordo, tanto a União como os Estados‑Membros e os Estados Unidos, não fizeram mais do que reiterar, quanto ao abastecimento de combustível, uma obrigação resultante das convenções internacionais, nomeadamente da Convenção de Chicago.

92      Finalmente, de forma nenhuma foi alegado, nem pelos Estados‑Membros nem pelas instituições da União que apresentaram observações, que, no âmbito do Acordo «céu aberto», o parceiro comercial da União não isentava o abastecimento de combustível das aeronaves das companhias aéreas com sede num Estado‑Membro.

93      Daí decorre que, no que diz especificamente respeito ao combustível, a condição de reciprocidade constante do artigo 11.°, n.os 1 e 2, alínea c), do Acordo «céu aberto» não constitui, nomeadamente em circunstâncias como as do presente processo, em que as partes contratantes cumpriram reciprocamente a obrigação em causa, um obstáculo a que a obrigação de isenção de direitos, emolumentos e taxas em relação ao abastecimento de combustível, prevista na referida disposição, possa ser directamente invocada para efeitos da fiscalização da validade da Directiva 2008/101.

94      Tendo em conta o que foi exposto anteriormente, deve admitir‑se que o artigo 11.°, n.os 1 e 2, alínea c), do Acordo «céu aberto», no que diz respeito à obrigação de isenção de direitos, emolumentos e taxas, com excepção das taxas sobre o custo dos serviços prestados, para o abastecimento de combustível das aeronaves utilizadas no transporte aéreo internacional entre a União e os Estados Unidos, pode ser invocado, no âmbito do presente reenvio prejudicial, para efeitos da apreciação da validade da Directiva 2008/101 à luz dessa disposição.

iii)  Quanto ao artigo 15.°, n.° 3, do Acordo «céu aberto», em conjugação com os artigos 2.° e 3.°, n.° 4, do mesmo

95      No que diz respeito ao primeiro período do n.° 3 do artigo 15.° do Acordo «céu aberto», este visa impor às partes contratantes a obrigação de cumprirem as normas ambientais aplicáveis à aviação, constantes dos anexos da Convenção de Chicago, excepto no caso de terem sido notificadas diferenças. Este último aspecto não constitui um elemento que condicione a obrigação de a União cumprir as referidas normas, mas constitui, antes, uma possibilidade de derrogação dessa obrigação.

96      A referida frase revela‑se, assim, incondicional e suficientemente precisa para que o Tribunal de Justiça possa apreciar a validade da Directiva 2008/101 à luz de tal disposição (v., quanto ao cumprimento de normas ambientais duma convenção, acórdão Pêcheurs de l’étang de Berre, já referido, n.° 47).

97      No que diz respeito ao segundo período do referido n.° 3, este prevê que as medidas ambientais aplicáveis aos serviços aéreos abrangidos pelo Acordo «céu aberto» devem ser adoptadas pelas partes, em conformidade com os artigos 2.° e 3.°, n.° 4, desse acordo.

98      Assim, embora, no âmbito da aplicação das suas medidas ambientais, a União possa adoptar certas medidas que tenham como efeito limitar unilateralmente o volume de tráfego ou ainda a frequência ou a regularidade dos serviços, na acepção do artigo 3.°, n.° 4, do Acordo «céu aberto», deve, contudo, aplicar tais medidas em condições uniformes que estejam em conformidade com o artigo 15.° da Convenção de Chicago, o qual prevê, no essencial, que quaisquer taxas de aeroporto lançadas ou que possam ser lançadas sobre as aeronaves afectas a serviços aéreos internacionais regulares não deverão exceder as que forem pagas pelas aeronaves nacionais utilizadas em serviços aéreos internacionais análogos.

99      Daí resulta que, tendo em consideração o artigo 2.° do Acordo «céu aberto», que prevê que cada parte oferece às transportadoras aéreas de ambas as partes oportunidades justas e equitativas de concorrência no mercado dos transportes aéreos internacionais, o artigo 15.°, n.° 3, desse acordo, em conjugação com os seus artigos 2.° e 3.°, n.° 4, deve ser interpretado no sentido de que, caso a União adopte medidas ambientais sob a forma de taxas de aeroporto que tenham como efeito limitar o volume de tráfego ou ainda a frequência ou a regularidade dos serviços aéreos transatlânticos, tais taxas impostas às companhias aéreas com sede nos Estados Unidos não devem exceder as que forem impostas às companhias aéreas da União e, por isso, do ponto de vista da sua eventual sujeição a tais taxas, a União deve oferecer a estas duas categorias de companhias aéreas oportunidades justas e equitativas de concorrência.

100    O artigo 15.°, n.° 3, do Acordo «céu aberto», em conjugação com os seus artigos 2.° e 3.°, n.° 4, contém, assim, uma obrigação incondicional e suficientemente precisa que pode ser invocada para efeitos da apreciação da validade da Directiva 2008/101 à luz dessa disposição.

 2. Quanto ao direito internacional consuetudinário

101    Cabe recordar que, como resulta do artigo 3.°, n.° 5, TUE, a União contribui para a rigorosa observância e o desenvolvimento do direito internacional. Por conseguinte, quando adopta um acto, é obrigada a respeitar o direito internacional na sua totalidade, incluindo o direito internacional consuetudinário que vincula as instituições da União (v., neste sentido, acórdãos de 24 de Novembro de 1992, Poulsen e Diva Navigation, C‑286/90, Colet., p. I‑6019, n.os 9 e 10, e de 16 de Junho de 1998, Racke, C‑162/96, Colet., p. I‑3655, n.os 45 e 46).

102    Assim, há que examinar, em primeiro lugar, se os princípios a que o órgão jurisdicional de reenvio se refere são reconhecidos como fazendo parte do direito internacional consuetudinário. Em caso afirmativo, dever‑se‑á, então, em segundo lugar, determinar se, e em que medida, os ditos princípios podem ser invocados pelos sujeitos jurídicos para pôr em causa a validade de um acto da União, como a Directiva 2008/101, numa situação como a do processo principal.

a)     Quanto ao reconhecimento dos princípios de direito internacional consuetudinário invocados

103    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência a um princípio segundo o qual cada Estado tem soberania completa e exclusiva sobre o seu espaço aéreo, bem como a um outro princípio nos termos do qual nenhum Estado pode legitimamente pretender submeter qualquer parte do alto mar à sua soberania. O mesmo refere, igualmente, o princípio da liberdade de sobrevoar o alto mar.

104    Estes três princípios são considerados como a expressão do estado actual do direito internacional marítimo e aéreo consuetudinário e, por outro lado, os ditos princípios foram codificados, respectivamente, no artigo 1.° da Convenção de Chicago [v., sobre o reconhecimento de tal princípio, acórdão do Tribunal Internacional de Justiça de 27 de Junho de 1986, processo relativo às actividades militares e paramilitares na e contra a Nicarágua (Nicarágua c. Estados Unidos da América), Recueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnances 1986, p. 392, n.° 212], no artigo 2.° da Convenção de Genebra, de 29 de Abril de 1958, sobre o Alto Mar (Recueil des traités des Nations unies, vol. 450, p. 11) (v., igualmente, sobre o reconhecimento deste princípio, acórdão do Tribunal Permanente de Justiça Internacional de 7 de Setembro de 1927, processo «Lotus», Recueil CPJI 1927, série A, n.° 10, p. 25), bem como no artigo 87.°, n.° 1, terceira frase, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay, em 10 de Dezembro de 1982, que entrou em vigor em 16 de Novembro de 1994, e celebrada e aprovada, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 98/392/CE do Conselho, de 23 de Março de 1998 (JO L 179, p. 1).

105    A existência destes princípios de direito internacional não foi, de resto, contestada pelos Estados‑Membros e pelas instituições da União, nas suas observações escritas e na audiência, como também o não foi pela República da Islândia e pelo Reino da Noruega.

106    Quanto ao quarto princípio referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, a saber, o princípio segundo o qual as aeronaves que sobrevoem o alto mar estão sujeitas à jurisdição exclusiva do Estado onde estiverem registadas, há que considerar, em contrapartida, que, além do facto de o Governo do Reino Unido e, em certa medida, o Governo alemão, contestarem a existência de tal princípio, não há elementos suficientes que demonstrem que o princípio de direito internacional consuetudinário, reconhecido como tal, segundo o qual um navio que se encontre no alto mar está, em princípio, sujeito exclusivamente à lei do seu pavilhão (v. acórdão Poulsen e Diva Navigation, já referido, n.° 22) seja aplicável, por analogia, às aeronaves que sobrevoem o alto mar.

b)     Quanto à possibilidade e às condições de invocação dos princípios em causa

107    Importa salientar que os princípios de direito internacional consuetudinário referidos no n.° 103 do presente acórdão podem ser invocados por um sujeito jurídico, para efeitos do exame da validade de um acto da União, pelo Tribunal de Justiça, na medida em que, por um lado, os referidos princípios sejam susceptíveis de pôr em causa a competência da União para adoptar o referido acto (v. acórdãos de 27 de Setembro de 1988, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, 89/85, 104/85, 114/85, 116/85, 117/85 e 125/85 a 129/85, Colet., p. 5193, n.os 14 a 18, bem como de 24 de Novembro de 1993, Mondiet, C‑405/92, Colet., p. I‑6133, n.os 11 a 16) e, por outro, o acto em causa seja susceptível de afectar direitos dos sujeitos jurídicos derivados do direito da União ou de gerar obrigações para os mesmos à luz desse direito.

108    Ora, no processo principal, os referidos princípios de direito internacional consuetudinário são invocados, essencialmente, a fim de que o Tribunal de Justiça aprecie se a União era competente, à luz desses princípios, para adoptar a Directiva 2008/101, na medida em que esta estende a aplicação da Directiva 2003/87 aos operadores de aeronaves de Estados terceiros cujos voos com partida ou com chegada num aeródromo situado no território de um Estado‑Membro da União sejam, em parte, realizados sobre o alto mar e sobre o território destes últimos.

109    Por conseguinte, mesmo que os princípios em causa revelassem ter apenas como objecto gerar obrigações entre Estados, não se pode, por isso, excluir, em circunstâncias como as do processo que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a decidir, em que a Directiva 2008/101 é susceptível de gerar obrigações, à luz do direito da União, para as recorrentes no processo principal, que estas últimas possam invocar os referidos princípios e que o Tribunal de Justiça possa, assim, examinar a validade dessa directiva à luz de tais princípios.

110    No entanto, uma vez que um princípio de direito internacional consuetudinário não reveste o mesmo grau de precisão que uma disposição de um acordo internacional, a fiscalização jurisdicional deve, necessariamente, limitar‑se à questão de saber se as instituições da União, ao adoptarem o acto em causa, cometeram erros manifestos de apreciação quanto às condições de aplicação desses princípios (v., neste sentido, acórdão Racke, já referido, n.° 52).

111    Em face do exposto, cabe responder à primeira questão que, de entre os princípios e disposições do direito internacional referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, apenas podem ser invocados, em circunstâncias como as do processo principal e para efeitos da apreciação da validade da Directiva 2008/101:

–      por um lado, dentro dos limites de uma fiscalização do erro manifesto de apreciação imputável à União quanto à sua competência para, à luz desses princípios, adoptar essa directiva:

–      o princípio segundo o qual cada Estado tem soberania completa e exclusiva sobre o seu espaço aéreo,

–      o princípio segundo o qual nenhum Estado pode legitimamente pretender submeter qualquer parte do alto mar à sua soberania,

–      o princípio que garante a liberdade de sobrevoar o alto mar;

–      por outro,

–      os artigos 7.° e 11.°, n.os 1 e 2, alínea c), do Acordo «céu aberto»,

–      o artigo 15.°, n.° 3, do referido acordo, em conjugação com os seus artigos 2.° e 3.°, n.° 4.

B –  Quanto às questões segunda a quarta

112    Com as suas questões segunda a quarta e tendo em conta a resposta do Tribunal de Justiça à primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em suma, se, na hipótese e na medida em que a Directiva 2008/101 visa aplicar o regime de comércio de licenças de emissão às partes dos voos que tenham lugar fora do espaço aéreo dos Estados‑Membros, incluindo os voos operados por aeronaves registadas em Estados terceiros, essa directiva é válida à luz dos princípios do direito internacional consuetudinário referidos na resposta do Tribunal de Justiça à primeira questão, bem como à luz dos artigos 7.° e 11.°, n.os 1 e 2, alínea c), do Acordo «céu aberto» e 15.°, n.° 3, deste acordo, em conjugação com os seus artigos 2.° e 3.°, n.° 4.

113    Tendo em conta a formulação das referidas questões e a circunstância de as recorrentes no processo principal serem companhias aéreas registadas num Estado terceiro, há que determinar, em primeiro lugar, se e em que medida a Directiva 2008/101 é aplicável às partes dos voos internacionais efectuadas fora do espaço aéreo dos Estados‑Membros por tais companhias. Em segundo lugar, será conveniente examinar a validade dessa directiva neste contexto.

1.     Quanto ao âmbito de aplicação ratione loci da Directiva 2008/101

114    De acordo com o seu artigo 2.°, n.° 1, a Directiva 2003/87 aplica‑se às emissões provenientes das actividades enumeradas no seu anexo I e aos seis gases com efeito de estufa enumerados no seu anexo II, entre os quais figura o CO2.

115    A esse respeito, a Directiva 2008/101 alterou o anexo I da Directiva 2003/87, inserindo no mesmo uma categoria de actividades intitulada «Aviação» e aditando no ponto 2 da introdução desse anexo um segundo parágrafo, nos termos do qual «[a] partir de 1 de Janeiro de 2012 estão incluídos todos os voos com partida ou com chegada num aeródromo situado no território de um Estado‑Membro ao qual se aplica o Tratado».

116    Quanto a este aspecto, deve salientar‑se que, entre as exclusões enumeradas nesse anexo I, não se encontram critérios relacionados, para as aeronaves com partida de um aeródromo da União, com o aeródromo de chegada, e, para as aeronaves com chegada a um aeródromo da União, com o aeródromo de partida. Por conseguinte, a Directiva 2008/101 é aplicável, indiferentemente, aos voos que têm como destino ou como proveniência o território da União, incluindo os provenientes de ou com destino a aeródromos situados fora desse território. Isto resulta, aliás, do décimo sexto considerando da Directiva 2008/101.

117    Assim, a referida directiva não se destina a ser aplicada, enquanto tal, a voos internacionais que utilizem, em sobrevoo, o território dos Estados‑Membros da União ou o de Estados terceiros, quando tais voos não tenham chegada ou partida num aeródromo situado no território de um Estado‑Membro.

118    Em contrapartida, quando se trate de voos com partida de um aeródromo situado no território de um Estado terceiro e com chegada a um aeródromo situado no território de um dos Estados‑Membros da União, ou de voos com partida de um aeródromo situado no território de um Estado‑Membro e com destino a um aeródromo situado no território de um Estado terceiro, resulta da parte B do anexo IV da Directiva 2003/87, conforme alterada pela Directiva 2008/101, que os operadores de aeronaves que efectuem tais voos devem comunicar os dados referentes às suas emissões, para efeitos de determinar, de acordo com o artigo 12.°, n.° 2‑A, da Directiva 2003/87, conforme inserido pela Directiva 2008/101, o número de licenças de emissão que devem devolver pelo ano civil anterior, equivalente às emissões verificadas, sendo essas emissões calculadas com base em dados relativos à totalidade desses voos.

119    Em especial, para efeitos do cálculo das «toneladas‑quilómetro», é tomado em consideração o consumo de combustível, cuja determinação se faz através de uma fórmula de cálculo que visa estabelecer, sempre que possível, o consumo real de combustível nos voos abrangidos pela Directiva 2008/101.

120    É à luz deste aspecto relacionado com a tomada em consideração do consumo de combustível na totalidade dos voos internacionais com chegada ou com partida em aeródromos situados no território dos Estados‑Membros que deve ser examinada a validade da Directiva 2008/101 no âmbito do processo principal.

2.     Quanto à competência da União para adoptar a Directiva 2008/101, à luz das regras de direito internacional consuetudinário que podem ser invocadas no âmbito do processo principal

121    Como foi salientado no n.° 108 do presente acórdão, os três princípios do direito internacional consuetudinário que podem ser invocados, no presente processo, para efeitos da apreciação da validade da Directiva 2008/101 pelo Tribunal de Justiça, estão, em grande medida, relacionados com o âmbito de aplicação territorial da Directiva 2003/87, conforme alterada pela Directiva 2008/101.

122    Deve salientar‑se desde já que o direito da União e, em particular, a Directiva 2008/101 não podem tornar a Directiva 2003/87 aplicável, enquanto tal, às aeronaves registadas em Estados terceiros, que se encontrem a sobrevoar estes últimos ou o alto mar.

123    Com efeito, as competências da União devem ser exercidas com respeito do direito internacional, de forma que a Directiva 2008/101 deve ser interpretada, e o seu âmbito de aplicação circunscrito, à luz das normas pertinentes do direito internacional do mar e do direito internacional aéreo (v., neste sentido, acórdão Poulsen e Diva Navigation, já referido, n.° 9).

124    Ao invés, a regulamentação da União pode ser aplicada a um operador de aeronaves, quando a sua aeronave se encontrar sobre o território de um dos Estados‑Membros e, mais exactamente, num aeródromo situado nesse território, uma vez que, em tal caso, a referida aeronave está sujeita à plena jurisdição deste Estado‑Membro e da União (v., por analogia, acórdão Poulsen e Diva Navigation, já referido, n.° 28).

125    A esse respeito, ao prever um critério de aplicabilidade da Directiva 2008/101 aos operadores de aeronaves registadas num Estado‑Membro ou num Estado terceiro, baseado no facto de essas aeronaves efectuarem voos com chegada ou com partida num aeródromo situado no território de um dos Estados‑Membros, a Directiva 2008/101, na medida em que estende à aviação a aplicação do regime previsto na Directiva 2003/87, não viola o princípio da territorialidade nem a soberania dos Estados terceiros, com proveniência dos quais ou com destino aos quais estes voos são efectuados, sobre o espaço aéreo que cobre o seu território, uma vez que as referidas aeronaves se encontram fisicamente no território de um dos Estados‑Membros da União e estão, assim sujeitas, por esse motivo, à plena jurisdição da União.

126    Tal aplicação do direito da União também não é susceptível de pôr em causa o princípio da liberdade de sobrevoar o alto mar, dado que uma aeronave que o sobrevoa não está sujeita, durante o sobrevoo, ao regime de comércio de licenças de emissão. De resto, em certas circunstâncias, tal aeronave pode atravessar o espaço aéreo de um dos Estados‑Membros, sem que, por essa razão, o operador dessa aeronave esteja sujeito a esse regime.

127    Com efeito, só no caso de o operador dessa aeronave ter optado por operar uma rota aérea comercial com partida ou com chegada num aeródromo situado no território de um Estado‑Membro, porque a sua aeronave se encontra no território desse Estado‑Membro, é que esse operador estará sujeito ao regime de comércio de licenças de emissão.

128    Quanto ao facto de o operador de uma aeronave que se encontre nessa situação ser obrigado a devolver licenças de emissão calculadas tendo em consideração todos os voos internacionais que a sua aeronave efectuou ou vai efectuar com chegada ou com partida em tais aeródromos, há que lembrar que, tendo a política da União no domínio do ambiente por objectivo atingir um nível de protecção elevado, de acordo com o artigo 191.°, n.° 2, TFUE, o legislador da União pode, em princípio, optar por só autorizar o exercício, no seu território, de uma actividade comercial, no caso vertente o transporte aéreo, na condição de os operadores respeitarem os critérios definidos pela União a fim de cumprir os objectivos que esta fixou a si própria em matéria de protecção do ambiente, nomeadamente, quando esses objectivos se inscrevem no âmbito do desenvolvimento de um acordo internacional que a União aprovou, como a Convenção‑Quadro e o Protocolo de Quioto.

129    Além disso, o facto de, no âmbito da aplicação da regulamentação da União em matéria de ambiente, certos elementos que contribuem para a poluição do ar, do mar ou do território terrestre dos Estados‑Membros terem a sua origem em acontecimentos parcialmente ocorridos fora desse território não é susceptível de, à luz dos princípios do direito internacional consuetudinário que podem ser invocados no processo principal, pôr em causa a plena aplicabilidade do direito da União no referido território (v., neste sentido, quanto à aplicação do direito da concorrência, acórdão Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, já referido, n.os 15 a 18, e, quanto a hidrocarbonetos acidentalmente derramados para além do mar territorial de um Estado‑Membro, acórdão de 24 de Junho de 2008, Commune de Mesquer, C‑188/07, Colet., p. I‑4501, n.os 60 a 62).

130    Daí decorre que a União era competente, à luz dos princípios do direito internacional consuetudinário que podem ser invocados no âmbito do processo principal, para adoptar a Directiva 2008/101, na medida em que a mesma estende a todos os voos com partida ou com chegada num aeródromo situado no território de um Estado‑Membro o regime de comércio de licenças de emissão previsto na Directiva 2003/87.

3.     Quanto à validade da Directiva 2008/101 à luz do Acordo «céu aberto»

a)     Quanto à validade da Directiva 2008/101 à luz do artigo 7.° do Acordo «céu aberto»

131    A ATA e o. sustentam, no essencial, que a Directiva 2008/101 viola o artigo 7.° do Acordo «céu aberto», na medida em que, no que lhes diz respeito, esse artigo só prevê o cumprimento das disposições legislativas e regulamentares da União, pelas aeronaves utilizadas na navegação aérea internacional, à entrada ou à saída do território dos Estados‑Membros, ou, no que respeita às relativas à exploração e à navegação dessas aeronaves, enquanto as suas aeronaves permanecem nesse território. Ora, essa directiva visa aplicar o regime de comércio de licenças de emissão, previsto na Directiva 2003/87, não apenas à entrada das aeronaves no território dos Estados‑Membros ou à saída deste mas também às partes de voos realizadas sobre o alto mar e sobre o território dos Estados terceiros.

132    A esse respeito, basta recordar que a Directiva 2008/101 não torna a Directiva 2003/87 aplicável, enquanto tal, às aeronaves registadas em Estados terceiros, que se encontrem a sobrevoar estes últimos ou o alto mar.

133    Com efeito, só no caso de os operadores de tais aeronaves terem optado por operar uma rota aérea comercial com partida ou com chegada em aeródromos situados no território dos Estados‑Membros, porque as suas aeronaves utilizam tais aeródromos, é que os referidos operadores estão sujeitos ao regime de comércio de licenças de emissão.

134    A Directiva 2008/101 dispõe que a Directiva 2003/87 é aplicável aos voos com partida ou com chegada num aeródromo situado no território de um Estado‑Membro. Assim, na medida em que esta regulamentação é relativa à entrada ou à saída do território dos Estados‑Membros de aeronaves utilizadas na navegação aérea internacional, tanto europeia como transatlântica, resulta expressamente do artigo 7.°, n.° 1, do Acordo «céu aberto» que tal regulamentação é aplicada a qualquer aeronave usada pelas companhias aéreas da outra parte nesse acordo e que tal aeronave é obrigada a observar essa regulamentação.

135    Daí decorre que o artigo 7.°, n.° 1, do Acordo «céu aberto» não se opõe à aplicação do regime de comércio de licenças de emissão, instituído pela Directiva 2003/87, a operadores de aeronaves como as companhias aéreas com sede nos Estados Unidos, quando as suas aeronaves realizam voos com partida ou com chegada num aeródromo situado no território de um Estado‑Membro.

b)     Quanto à validade da Directiva 2008/101 à luz do artigo 11.°, n.os 1 e 2, alínea c), do Acordo «céu aberto»

136    A ATA e o. e a IATA sustentam, no essencial, que a Directiva 2008/101, na medida em que estende à aviação internacional o regime de comércio de licenças de emissão previsto na Directiva 2003/87, viola a obrigação estabelecida no artigo 11.°, n.os 1 e 2, alínea c), do Acordo «céu aberto», que incumbe à União, de isentar de direitos, emolumentos e taxas o abastecimento de combustível. Em especial, estas partes no processo principal sustentam que só podem ser aplicadas pela União as taxas sobre o custo dos serviços prestados, mas que o regime previsto na Directiva 2003/87 não está abrangido por esta excepção.

137    A este respeito, há que referir que essas disposições do Acordo «céu aberto» se destinam a regular certos aspectos relativos aos custos económicos do transporte aéreo, garantindo às companhias aéreas condições de igualdade. Sob reserva de reciprocidade, essas disposições proíbem, nomeadamente, determinadas formas de direitos aduaneiros sobre a importação, de emolumentos e de taxas sobre o combustível.

138    As regras estabelecidas na Directiva 2008/101 têm, por sua vez, por objecto estender aos operadores de aeronaves o regime de comércio de licenças de emissão instituído pela Directiva 2003/87. Assim, estas prosseguem, nomeadamente, o objectivo de uma melhor protecção do ambiente.

139    Por outro lado, deve recordar‑se que, embora o objectivo último do regime de comércio de licenças de emissão seja a protecção do ambiente através de uma redução das emissões de gases com efeito de estufa, esse regime, por si só, não reduz essas emissões, antes encorajando e fornecendo incentivos para se encontrarem formas de alcançar uma redução das referidas emissões para um nível preciso, ao menor custo possível. O benefício ambiental depende do rigor com que se determina a quantidade total de licenças de emissão concedidas, que constitui o limite global de emissões autorizadas pelo referido regime (acórdão de 16 de Dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, Colet., p. I‑9895, n.° 31).

140    Daqui também se conclui que a lógica económica subjacente ao regime de comércio de licenças de emissão consiste em garantir que as reduções de emissões de gases com efeito de estufa necessárias à obtenção de um resultado ambiental predeterminado sejam realizadas ao menor custo. Nomeadamente, ao autorizar a venda das licenças de emissão atribuídas, esse regime visa incitar quem nele participa a emitir uma quantidade de gases com efeito de estufa inferior aos direitos de emissão que lhe tenham sido inicialmente atribuídos, para que ceda o excedente a outro participante que tenha produzido uma quantidade de emissões superior aos direitos de emissão que lhe tenham sido atribuídos (acórdão Arcelor Atlantique et Lorraine e o., já referido, n.° 32).

141    É certo que, no domínio da aviação, tal como resulta do anexo IV, parte B, da Directiva 2003/87, conforme alterada pela Directiva 2008/101, o legislador da União optou por se basear no consumo de combustível das aeronaves dos operadores, para definir uma fórmula que permita calcular as emissões dos referidos operadores relacionadas com os voos, abrangidos por esse anexo, efectuados pelas suas aeronaves. Os operadores de aeronaves devem, assim, devolver um número de licenças de emissão equivalente ao total das suas emissões do ano civil anterior, as quais são calculadas em função do seu consumo de combustível por todos os seus voos abrangidos por essa directiva e de um factor de emissão.

142    Contudo, ao contrário daquilo que caracteriza algumas imposições obrigatórias sobre a detenção e o consumo de combustível, não existe ligação directa e indissociável entre a quantidade de combustível detido ou consumido por uma aeronave e o encargo pecuniário que incumbe ao operador dessa aeronave no quadro do funcionamento do regime de comércio de licenças de emissão. O custo concreto que incumbe ao operador e que resulta da quantidade de licenças de emissão a devolver, que é calculada, nomeadamente, com base no consumo de combustível, depende, uma vez que se trata de uma medida baseada no mercado, não directamente do número de licenças de emissão que devem ser devolvidas mas sim do número de licenças de emissão inicialmente atribuídas a esse operador assim como do seu preço no mercado quando a aquisição de licenças de emissão adicionais se mostra necessária para cobrir as emissões do referido operador. Por outro lado, não pode ser afastada a hipótese de um operador de aeronaves que, apesar de ter detido ou consumido combustível, não é sujeito a nenhum encargo pecuniário decorrente da sua participação no referido regime, até mesmo se obtiver um lucro ao ceder a título oneroso as suas licenças de emissão excedentárias.

143    Daí decorre que, ao contrário dos direitos, emolumentos ou taxas que incidem sobre o consumo de combustível, o regime instituído pela Directiva 2003/87, conforme alterada pela Directiva 2008/101, para além do facto de não se destinar a criar receitas a favor das autoridades públicas, não permite, de modo algum, fixar, com base numa matéria colectável e numa taxa definidas a priori, um montante que deva ser pago por tonelada de combustível consumido pela totalidade dos voos efectuados durante um ano civil.

144    Assim, tal regime distingue‑se fundamentalmente do regime sueco em causa no processo que deu origem ao acórdão de 10 de Junho de 1999, Braathens (C‑346/97, Colet., p. I‑3419), no qual o Tribunal de Justiça considerou, no n.° 23, que, relativamente a um imposto de protecção do ambiente pago integralmente ao Estado, tal imposto onerava o próprio consumo de combustível, nomeadamente, porque havia uma ligação directa e indissociável entre o consumo de combustível e as substâncias poluentes abrangidas por esse imposto, e que o referido imposto constituía, assim, um imposto especial sobre o consumo, que incidia sobre a navegação aérea interna de carácter comercial, em violação da isenção prevista nas directivas aplicáveis na matéria.

145    Atendendo a este conjunto de considerações, não se pode sustentar que a Directiva 2008/101 contenha um princípio de imposição obrigatória a favor das autoridades públicas, que possa ser considerado um direito aduaneiro, um emolumento ou uma taxa sobre o combustível detido ou consumido pelos operadores de aeronaves.

146    O facto de alguns operadores de aeronaves poderem adquirir licenças de emissão adicionais para cobrir as suas emissões efectivas, não apenas a outros operadores mas também às autoridades públicas, no quadro da venda em leilão de 15% das licenças de emissão totais, de modo algum é susceptível de desmentir essa conclusão.

147    Por conseguinte, não se pode deixar de observar que, ao estender a aplicação da Directiva 2003/87 à aviação, a Directiva 2008/101 de modo nenhum viola a obrigação de isenção aplicável ao abastecimento de combustível, conforme prevista no artigo 11.°, n.os 1 e 2, alínea c), do Acordo «céu aberto», dado que o regime de comércio de licenças de emissão, pelas suas próprias características, constitui uma medida baseada no mercado e não um direito, um emolumento ou uma taxa que incida sobre o abastecimento de combustível.

c)     Quanto à validade da Directiva 2008/101, à luz do artigo 15.°, n.° 3, do Acordo «céu aberto», em conjugação com os artigos 2.° e 3.°, n.° 4, do mesmo

148    A ATA e o. alegam, em síntese, que a aplicação da Directiva 2003/87 às companhias aéreas com sede nos Estados Unidos constitui uma violação do artigo 15.°, n.° 3, do Acordo «céu aberto», dado que tal medida em matéria ambiental é incompatível com as normas previstas pela OACI na matéria. Por outro lado, a Directiva 2008/101, na medida em que torna aplicável à aviação o regime previsto na Directiva 2003/87, constitui uma medida que limita, nomeadamente, o volume de tráfego e a frequência do serviço, em violação do artigo 3.°, n.° 4, desse acordo. Por fim, a aplicação de tal regime constitui uma taxa incompatível com o artigo 15.° da Convenção de Chicago, disposição que as partes no Acordo «céu aberto» se comprometeram a respeitar em aplicação do artigo 3.°, n.° 4, desse acordo.

149    Antes de mais, refira‑se que, em todo o caso, nem o órgão jurisdicional de reenvio nem a ATA e o. forneceram elementos que indiquem que a União, ao adoptar a Directiva 2008/101 que torna aplicável à aviação a Directiva 2003/87, tenha desrespeitado uma norma relativa à protecção ambiental adoptada pela OACI, na acepção do artigo 15.°, n.° 3, do Acordo «céu aberto». Além disso, a Resolução A/37‑19 da OACI, na medida em que, no seu anexo, prevê princípios orientadores relativos à elaboração e à aplicação de medidas baseadas no mercado («Market‑Based Measures», a seguir «MBM»), não indica que algumas MBM, tais como o regime de comércio de licenças de emissão da União, sejam contrárias às normas em matéria ambiental adoptadas pela OACI.

150    O referido anexo indica, nas alíneas b) e f), respectivamente, por um lado, que tais MBM deverão favorecer a limitação das emissões de gases com efeito de estufa da aviação internacional e, por outro, que não deverá haver duplicação na aplicação das MBM estabelecidas, de forma a que as emissões de CO2 da aviação internacional só sejam tomadas em conta uma única vez no quadro de tais regimes.

151    Ora, isto corresponde precisamente ao objectivo enunciado no artigo 25.°‑A da Directiva 2003/87, conforme alterada pela Directiva 2008/101, que visa optimizar a interacção entre o regime de comércio de licenças de emissão da União e as MBM que forem adoptadas por Estados terceiros, de forma a que não haja uma dupla aplicação desses regimes às aeronaves que asseguram rotas internacionais, independentemente de estas estarem registadas num Estado‑Membro ou num Estado terceiro. Tal objectivo corresponde, além disso, ao que está subjacente ao artigo 15.°, n.° 7, do Acordo «céu aberto».

152    Quanto à validade da Directiva 2008/101 à luz do artigo 15.°, n.° 3, segundo período, do Acordo «céu aberto», é necessário salientar que essa disposição, em conjugação com o artigo 3.°, n.° 4, desse acordo, não impede que as partes no mesmo adoptem medidas que limitem o volume de tráfego, a frequência ou a regularidade do serviço ou ainda o tipo de aeronaves operadas pelas companhias aéreas com sede no território dessas partes, quando tais medidas estão relacionadas com a protecção ambiental.

153    Com efeito, o artigo 3.°, n.° 4, do Acordo «céu aberto» prevê explicitamente que nenhuma das duas partes no mesmo pode proceder a tais limitações, «excepto por motivos de ordem […] ambiental». Por outro lado, importa salientar que, em todo o caso, o regime de comércio de licenças de emissão não fixa nenhum limite às emissões das aeronaves que têm chegada ou partida num aeródromo situado no território de um Estado‑Membro e não limita previamente a frequência nem a regularidade do serviço, sendo a obrigação essencial que incumbe aos operadores de aeronaves, unicamente, a de devolução das licenças de emissão equivalentes às suas emissões reais. Além disso, tal obrigação não pode, pelas razões expostas nos n.os 141 a 147 do presente acórdão, ser considerada uma taxa de aeroporto.

154    O artigo 15.°, n.° 3, do Acordo «céu aberto», em conjugação com os artigos 2.° e 3.°, n.° 4, desse acordo, prevê, em contrapartida, que, quando as partes no Acordo «céu aberto» adoptam tais medidas ambientais, estas devem, como resulta do n.° 99 do presente acórdão, ser aplicadas de forma não discriminatória às companhias aéreas em causa.

155    Ora, a este respeito, é necessário constatar que, como, por outro lado, resulta expressamente do vigésimo primeiro considerando da Directiva 2008/101, a União previu expressamente uma aplicação uniforme do regime de comércio de licenças de emissão a todos os operadores de aeronaves que asseguram rotas aéreas com chegada ou com partida num aeródromo situado no território de um Estado‑Membro e, em especial, quis respeitar estritamente as disposições não discriminatórias dos acordos bilaterais de serviços aéreos celebrados com Estados terceiros, à semelhança do disposto nos artigos 2.° e 3.°, n.° 4, do Acordo «céu aberto».

156    Por conseguinte, a Directiva 2008/101, na medida em que prevê, nomeadamente, a aplicação do regime de comércio de licenças de emissão, de forma não discriminatória, aos operadores de aeronaves tanto com sede na União como em Estados terceiros, não é inválida à luz do artigo 15.°, n.° 3, do Acordo «céu aberto», em conjugação com os artigos 2.° e 3.°, n.° 4, do mesmo.

157    Tendo em consideração o que foi exposto, deve concluir‑se que o exame da Directiva 2008/101 não revelou elementos susceptíveis de afectar a sua validade.

IV –  Quanto às despesas

158    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      De entre os princípios e disposições do direito internacional referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, apenas podem ser invocados, em circunstâncias como as do processo principal e para efeitos da apreciação da validade da Directiva 2008/101/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Novembro de 2008, que altera a Directiva 2003/87/CE de modo a incluir as actividades da aviação no regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade:

–        por um lado, dentro dos limites de uma fiscalização do erro manifesto de apreciação imputável à União quanto à sua competência para, à luz desses princípios, adoptar essa directiva:

–        o princípio segundo o qual cada Estado tem soberania completa e exclusiva sobre o seu espaço aéreo,

–        o princípio segundo o qual nenhum Estado pode legitimamente pretender submeter qualquer parte do alto mar à sua soberania,

–        o princípio que garante a liberdade de sobrevoar o alto mar;

–        por outro,

–        os artigos 7.° e 11.°, n.os 1 e 2, alínea c), do Acordo de Transporte Aéreo, celebrado em 25 e 30 de Abril de 2007, entre os Estados Unidos da América, por um lado, e a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, conforme alterado pelo Protocolo,

–        o artigo 15.°, n.° 3, do referido acordo, em conjugação com os seus artigos 2.° e 3.°, n.° 4.

2)      O exame da Directiva 2008/101 não revelou elementos susceptíveis de afectar a sua validade.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.