CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL
JULIANE KOKOTT
apresentadas em 26 de setembro de 2013 (1)
Processo C‑167/12
C. D.
contra
S. T.
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Employment Tribunal, Newcastle upon Tyne (Reino Unido)]
«Política social — Diretiva 92/85/CEE — Âmbito de aplicação — Maternidade de substituição — Licença de maternidade — Diretiva 2006/54 — Igualdade de tratamento entre homens e mulheres — Proibição de tratamento menos favorável em razão da gravidez»
I — Introdução
1. A mulher também tem direito a licença de maternidade quando não tenha sido ela própria, mas uma mãe de substituição ou mãe portadora (2), a dar à luz a criança? Esta é a questão nuclear do pedido de decisão prejudicial do Employment Tribunal, Newcastle upon Tyne (Reino Unido).
2. Em termos de medicina reprodutiva, a maternidade de substituição, ou maternidade portadora, inicia‑se com a inseminação artificial da mãe de substituição ou com a implantação de um embrião. Em seguida, a mãe de substituição gera e dá à luz a criança. Geneticamente, a criança tanto pode ser filho dos denominados progenitores cuidadores, que assumem o poder parental após o parto, como do pai e da mãe de substituição, como deste e de outra mulher.
3. As regulamentações internas dos Estados‑Membros relativas à maternidade de substituição são muito diferentes (3). Em muitos Estados‑Membros vigora a proibição da maternidade de substituição, no Reino Unido, pelo contrário, ela é permitida mediante determinadas condições. Contudo, no Reino Unido não existe uma legislação específica para as mães cuidadoras (4) no que diz respeito à licença de maternidade.
4. No presente caso coloca‑se a questão de saber se a mãe cuidadora pode basear um direito à licença de maternidade no direito da União, designadamente, na Diretiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (5).
5. O Tribunal de Justiça já se debruçou sobre um caso de inseminação artificial (6) no qual estava em causa a interpretação da Diretiva 92/85. Agora tem a oportunidade de desenvolver a sua jurisprudência relativa à Diretiva 92/85.
II — Quadro jurídico
A — Direito da União
1. Diretiva 92/85
6. O objetivo da Diretiva 92/85 é, segundo o seu artigo 1.°, n.° 1, «promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho».
7. O artigo 2.° da Diretiva 92/85 determina o seguinte:
«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:
a) Trabalhadora grávida: toda a trabalhadora grávida que informe o empregador do seu estado, em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais;
b) Trabalhadora puérpera: toda a trabalhadora puérpera nos termos das legislações e/ou práticas nacionais que informe o empregador do seu estado, em conformidade com essas legislações e/ou práticas;
c) Trabalhadora lactante: toda a trabalhadora lactante nos termos das legislações e/ou práticas nacionais que informe o empregador do seu estado, em conformidade com essas legislações e/ou práticas.»
8. O artigo 8.° da Diretiva 92/85 regula a licença de maternidade e dispõe o seguinte:
«1. Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que as trabalhadoras referidas no artigo 2.° beneficiem de uma licença de maternidade de, pelo menos, 14 semanas consecutivas, a gozar antes e/ou depois do parto em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais.
2. A licença de maternidade prevista no n.° 1 deve incluir uma licença de maternidade obrigatória de, pelo menos, duas semanas, repartidas antes e/ou depois do parto, em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais.»
9. O artigo 11.° da Diretiva 92/85 prevê o seguinte:
«[…]
2. No caso referido no artigo 8.°:
[…]
b) Devem ser garantidos a manutenção de uma remuneração e/ou o benefício de uma prestação adequada às trabalhadoras, na aceção do artigo 2.° […]»
2. Diretiva 2006/54
10. O artigo 2.° da Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (7) determina o seguinte:
«1. Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:
a) ‘Discriminação direta’: sempre que, em razão do sexo, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
b) ‘Discriminação indireta’: sempre que uma disposição, critério ou prática, aparentemente neutro, seja suscetível de colocar pessoas de um determinado sexo numa situação de desvantagem comparativamente com pessoas do outro sexo, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um objetivo legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;
2. Para efeitos da presente diretiva, o conceito de discriminação inclui:
[...]
c) Qualquer tratamento menos favorável de uma mulher, no quadro da gravidez ou da licença de maternidade, na aceção da Diretiva 92/85/CEE. […]»
11. O artigo 14.°, n.° 1, da diretiva dispõe o seguinte:
«Não haverá qualquer discriminação direta ou indireta em razão do sexo, nos setores público e privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:
[...]
c) Às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento, bem como a remuneração, tal como estabelecido no artigo 141.° do Tratado [atual artigo 157.° TFUE];
[...]»
12. O artigo 15.°, da Diretiva 2006/54 regula a «retoma após licença de maternidade» e determina o seguinte:
«As mulheres que gozem de licença de maternidade têm o direito, após o termo da licença, de retomar o seu posto de trabalho ou um posto de trabalho equivalente em condições que não lhes sejam menos favoráveis, e a beneficiar de quaisquer melhorias nas condições de trabalho a que teriam tido direito durante a sua ausência.»
B — Direito nacional
13. O Human Fertilisation and Embryology Act 2008 (Lei sobre inseminação humana e embriologia de 2008, a seguir «HFEA») regula quem são as pessoas que são consideradas progenitores nos casos em que a criança nasce de uma mãe de substituição. Em princípio, começa por ser a mãe de substituição, que teve a criança, a ser legalmente considerada mãe da criança, independentemente de ser ou não geneticamente sua mãe. No entanto, nos termos da Section 54 da HFEA, face a um pedido apresentado pelos progenitores cuidadores, um tribunal pode proferir uma decisão de regulação do poder parental (parental order), decretando que a criança passe a ser legalmente tratada como filha dos requerentes. Os requisitos para este efeito são, designadamente, que para a criação do embrião tenham sido usadas gâmetas de pelo menos um dos requerentes, que os requerentes sejam casados um com o outro ou vivam em situação análoga à dos cônjuges, que apresentem o requerimento pelo menos seis meses após o nascimento da criança e que a mãe de substituição dê o seu consentimento ao pedido.
14. Nos termos do Maternity and Parental Leave etc. Regulations 1999 (regulamento da licença de maternidade e de paternidade de 1999), a licença de maternidade (maternity leave) está reservada às mulheres em conexão com a sua gravidez. O Paternity and Adoption Leave Regulations 2002 (regulamento da licença de paternidade e de adoção de 2002) prevê nos casos de adoção, em determinadas condições, o direito a licença de adoção (adoption leave). As pessoas a quem tenha sido transmitida a responsabilidade parental por uma criança nascida de uma mãe de substituição, através de uma regulação do poder parental, podem, em determinadas condições, beneficiar de férias não remuneradas.
15. Segundo o Equality Act 2010 (Lei sobre a igualdade de tratamento de 2010), o tratamento menos favorável em razão da gravidez ou da licença de maternidade faz presumir a existência de uma discriminação da mulher em causa.
III — Matéria de facto e questões prejudiciais
16. A recorrente no processo principal (a seguir «C. D.») trabalha num dos hospitais da recorrida no processo principal. A recorrida é uma National Health Service Foundation (Fundação do Serviço Nacional de Saúde) e, por conseguinte, uma entidade pública.
17. C. D. quis satisfazer o seu desejo de ter filhos recorrendo a uma mãe de substituição. Para gerar a criança foi utilizado sémen do seu companheiro, mas um óvulo que não proveio de C. D.
18. A mãe de substituição teve a criança em 26 de agosto de 2011. C. D. começou a cuidar da criança como mãe e, em particular, a amamentá‑la dentro da hora seguinte ao parto. Continuou a amamentar a criança durante um período total de três meses. Em 19 de dezembro de 2011 foi proferida uma decisão de regulação do poder parental, nos termos da HFEA, na sequência de um requerimento nesse sentido, mediante a qual a responsabilidade parental total e permanente sobre a criança foi atribuída a C. D. e ao seu companheiro.
19. C. D. já tinha requerido, sem sucesso, antes do parto da criança, ao recorrido no processo principal — por não haver regulamentação empresarial ou legal específica para o caso da maternidade de substituição — ao abrigo da legislação relativa à licença de adoção, uma licença remunerada «por maternidade de substituição» (8). Contudo, na sequência de um novo pedido formulado em junho de 2011 e, por conseguinte, ainda antes do nascimento da criança, o recorrido no processo principal alterou a sua posição e passou a aplicar por analogia a legislação relativa à licença de adoção, atribuindo uma licença remunerada a C. D.
20. Com o seu recurso perante o órgão jurisdicional de reenvio, C. D. reclama direitos decorrentes de uma discriminação ilegal em razão do sexo e/ou da gravidez e da maternidade, tendo em conta o indeferimento inicial do seu requerimento. Invoca ainda que sofreu um prejuízo em razão da gravidez e da maternidade e por ter procurado obter o direito a uma licença de maternidade.
21. O recorrido no processo principal negou a existência de qualquer violação da lei, uma vez que C. D. não tinha, por lei, direito a licença remunerada, ou seja, nem à licença de maternidade nem à licença de adoção. Estes direitos estão reservados às mulheres que deram à luz ou adotaram uma criança.
22. O Employment Tribunal Newcastle upon Tyne decidiu suspender o processo e submeter as seguintes questões ao Tribunal de Justiça para decisão prejudicial:
«1. O artigo 1.°, n.° 1 e/ou o artigo 2.°, alínea c), e/ou o artigo 8.°, n.° 1, e/ou o artigo 11.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 92/85/CEE, relativa às trabalhadoras grávidas, conferem a uma mãe intencional que teve um filho através de um contrato de maternidade de substituição o direito de beneficiar de licença de maternidade?
2. A Diretiva 92/85/CEE, relativa às trabalhadoras grávidas, confere a uma mãe intencional que teve um filho através de um contrato de maternidade de substituição o direito de beneficiar de licença de maternidade, quando a mãe intencional:
a) pode amamentar após o parto e/ou
b) amamenta após o parto?
3. O facto de a entidade empregadora recusar conceder uma licença de maternidade a uma mãe intencional que teve um filho através de um contrato de maternidade de substituição constitui uma violação do artigo 14.°, em conjugação com o artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e/ou b) e/ou o artigo 2.°, n.° 2, alínea c) do texto único da Diretiva 2006/54/CE, relativa à igualdade de tratamento?
4. Dada a relação entre a trabalhadora e a mãe de substituição da criança, o facto de se recusar a concessão da licença de maternidade à mãe intencional que teve um filho através de um contrato de maternidade de substituição pode constituir uma violação do artigo 14.°, em conjugação com os artigos 2.°, n.° 1, alíneas a) e/ou b) e/ou 2.°, n.° 2, alínea c), do texto único da Diretiva 2006/54/CE, relativa à igualdade de tratamento?
5. Dada a relação entre a trabalhadora e a mãe de substituição da criança, o facto de se reservar um tratamento menos favorável à mãe intencional que teve um filho através de um contrato de maternidade de substituição pode constituir uma violação do artigo 14.°, interpretado em conjugação com os artigos 2.°, n.° 1, alíneas a) e/ou b) e/ou 2.°, n.° 2, alínea c), do texto único da Diretiva 2006/54/CE, relativa à igualdade de tratamento?
6. Em caso de resposta afirmativa à quarta questão, o estatuto de mãe intencional é suficiente para lhe conferir o direito a licença de maternidade, com base na sua relação com a mãe de substituição?
7. Em caso de resposta afirmativa a qualquer uma da primeira, segunda terceira ou quarta questões:
7.1. O texto único da Diretiva 92/85/CEE, relativa às trabalhadoras grávidas, tem, nos aspetos aqui relevantes, efeito direto; e
7.2. A Diretiva 2006/54/CE, relativa à igualdade de tratamento tem, nos aspetos aqui relevantes, efeito direto?»
IV — Tramitação no Tribunal de Justiça
23. No processo no Tribunal de Justiça apresentaram observações escritas e orais, além de C. D. e do recorrido no processo principal, os Governos irlandês e grego e a Comissão Europeia. Os Governos espanhol e português e o Governo do Reino Unido participaram igualmente no processo escrito.
V — Apreciação jurídica
A — Quanto à admissibilidade
24. Em primeiro lugar, coloca‑se a questão da admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, depois de a licença remunerada solicitada ter afinal sido concedida a C. D.
25. Interrogada a este respeito na audiência, C. D. informou que a licença só foi concedida com base num poder discricionário da sua entidade patronal e não por a lei lhe conferir um direito à mesma. Uma vez que pretende gerar outra criança através de uma mãe de substituição, o seu interesse em agir no processo nacional consiste no esclarecimento da situação jurídica para o futuro. Nem C. D. nem o órgão jurisdicional de reenvio precisaram se esta é uma ação admissível no Reino Unido.
26. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio, nos termos do seu direito nacional, apreciar a existência de uma necessidade de proteção jurídica no processo principal. Não cabe ao Tribunal de Justiça analisar esta questão.
27. Pelo contrário, a recusa de decisão do Tribunal de Justiça quanto a uma questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional nacional só é possível quando é manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma regra da União solicitada não têm qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema é hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispõe dos elementos de facto ou de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (9).
28. No presente caso existe uma conexão suficiente com o objeto do processo principal, no qual C. D. remete expressamente para as disposições do direito da União referidas nas questões prejudiciais e o recorrido no processo principal deduz oposição a este argumento. Assim, as questões de direito suscitadas não são hipotéticas e podem ser apreciadas tendo em conta as informações precisas do tribunal de reenvio quanto à situação de facto e jurídica. Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível.
B — Apreciação das questões prejudiciais
29. As questões prejudiciais dizem respeito, por um lado, à Diretiva 92/85 e, por outro, à Diretiva 2006/54. Na análise da Diretiva 92/85 importa averiguar se e em que condições, esta atribui a uma mãe cuidadora o direito à licença de maternidade. Além disso, importa analisar, tendo em conta a Diretiva 2006/54, se a recusa de atribuição de licença de maternidade nas circunstâncias do processo principal constitui uma discriminação em razão do sexo.
1. Questões prejudiciais respeitantes à Diretiva 92/85
30. Com as suas duas primeiras questões prejudiciais e a primeira parte da sétima questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se da Diretiva 92/85 se pode inferir o direito da «mãe intencional», ou seja, da mãe cuidadora, à licença de maternidade. Para esse efeito, o órgão jurisdicional de reenvio pretende sobretudo saber se o facto de a mãe cuidadora amamentar ou poder amamentar a criança é relevante para responder a estas questões.
31. Nos termos do artigo 8.° da Diretiva 92/85, «as trabalhadoras referidas no artigo 2.°» desta diretiva têm direito a licença de maternidade.
32. Esta diretiva não contém nenhuma norma que regule a maternidade de substituição. Não esclarece se a mãe cuidadora está abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva nem a exclui expressamente.
33. Por conseguinte, coloca‑se em, primeiro lugar, a questão de saber se as mães cuidadoras são sequer abrangidas pelo campo de aplicação da Diretiva 92/85.
a) Aplicabilidade da Diretiva 92/85 às mães cuidadoras
34. Para analisar se a Diretiva 92/85 pode ser aplicável a mães cuidadoras, importa analisar o artigo 2.°, da dita diretiva. Esta disposição descreve o grupo de pessoas que, em conformidade com os objetivos referidos no artigo 1.°, da Diretiva 92/85, podem ter direito à licença de maternidade na aceção do artigo 8.°, da referida diretiva. Segundo esta diretiva, este direito é conferido às trabalhadoras grávidas [artigo 2.°, alínea a)], às trabalhadoras puérperas [artigo 2.°, alínea b)] e às trabalhadoras lactantes [artigo 2.°, alínea c)].
i) Teor literal do artigo 2.°, da Diretiva 92/85
35. A mãe cuidadora não esteve em momento algum grávida e, por conseguinte, também não foi puérpera, pelo que as alíneas a) e b) do artigo 2.°, da Diretiva 92/85, manifestamente não se lhe aplicam.
36. Contudo, uma mãe cuidadora que se encontre numa relação de trabalho e amamente o seu filho pode facilmente ser considerada «trabalhadora lactante» [artigo 2.°, alínea c), da Diretiva 92/85]. Pelo contrário, uma mãe cuidadora não lactante não é abrangida pela redação da Diretiva 92/85.
37. Contudo, é duvidoso que a sistemática e os objetivos da Diretiva 92/85, que devem ser tidos em conta na sua interpretação (10), se oponham a que a mesma se aplique à mãe cuidadora.
ii) Posição sistemática do artigo 2.°, alínea c), no sistema normativo da Diretiva 92/85
38. O recorrido no processo principal, a Comissão, o Reino Unido e o Reino de Espanha não encaram as «trabalhadoras na aceção do artigo 2.°» da Diretiva 92/85 como grupos independentes de pessoas. Elas têm uma característica em comum, que consiste em terem elas mesmas dado à luz uma criança. São sempre, portanto, mães fisiológicas de uma criança. A este respeito, a Comissão refere que o artigo 8.° da Diretiva 92/85 exclui as mães cuidadoras, desde logo, porque esta disposição tem como referência, para a concessão da licença de maternidade, o período «antes e/ou depois do parto» e, por conseguinte, só diz respeito às mulheres que tenham dado, elas próprias, à luz uma criança. O Governo irlandês refere ainda o artigo 10.° da Diretiva 92/85, segundo o qual existe uma proteção uniforme contra o despedimento «desde o início da gravidez [até ao] termo da licença de maternidade».
39. Com efeito, a estrutura e a sistemática normativa da Diretiva 92/85 indiciam que, na sua aplicação, se deve partir de um conceito biológico‑monístico de maternidade. O legislador pode não ter tido em mente que a trabalhadora grávida e a lactante podiam não ser a mesma pessoa. Contudo, por isso mesmo, a Diretiva 92/85 deve ser encarada no seu contexto histórico. De facto, no início dos anos 90 do século passado, a maternidade de substituição era um fenómeno pouco difundido, em comparação com a atualidade. Por conseguinte, não é de admirar que a Diretiva 92/85 tenha, na sua estrutura normativa, partido de um pressuposto baseado no caso normal da maternidade biológica.
— Conclusão intercalar
40. A título de conclusão intercalar, pode constatar‑se que a letra do artigo 2.°, da Diretiva 92/85 apenas abrange as mães cuidadoras lactantes e que o fenómeno da maternidade de substituição parece ser estranho à sistemática desta diretiva.
41. No entanto, tal não significa que, mesmo que este caso excecional manifestamente não tenha sido contemplado pelo legislador, seja de recusar a proteção da Diretiva 92/85 à mãe cuidadora. O que é realmente decisivo é que os objetivos da Diretiva 92/85 sejam tidos em conta e que a questão de saber se é necessário incluir igualmente as mães cuidadoras no âmbito de proteção da Diretiva 92/85 seja analisada.
iii) Inclusão das mães cuidadoras no artigo 2.°, da Diretiva 92/85, em razão dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 92/85
42. Conforme os Governos irlandês, português e espanhol afirmam, com razão, remetendo para o artigo 1.°, da Diretiva 92/85, esta destina‑se a proteger a saúde das trabalhadoras referidas no artigo 2.°, tendo em conta a sua «vulnerabilidade» particular (11). Com efeito, as trabalhadoras em causa podem ficar sujeitas a riscos específicos no seu local de trabalho, devido à sua constituição física de futuras ou jovens mães. Porém, a Diretiva 92/85 não exige a existência de um risco concreto (12), mas protege o grupo de pessoas referido no seu artigo 2.° em termos abstratos e gerais, na medida do necessário, do risco de exposição a agentes e processos perigosos (13), bem como, em termos gerais, de condições de trabalho prejudiciais para a sua saúde, como, por exemplo, o trabalho noturno (14). Além disso, o décimo quinto considerando refere, no que diz respeito à proteção especial contra o despedimento, que devem ser evitados efeitos prejudiciais «no estado físico e psíquico das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes».
43. Nem todos os potenciais riscos mencionados na Diretiva 92/85 se aplicam às mães cuidadoras. Uma vez que as mães cuidadoras não estão grávidas, no seu caso, não existe uma gravidez que seja ameaçada por condições de trabalho particulares. Também após o parto da criança, não são ameaçadas pelos mesmos riscos para a saúde incorridos por uma mulher puérpera e a necessidade de recuperação física das consequências do parto não existe de todo.
44. No entanto, a situação da mãe cuidadora lactante é muito semelhante à da mãe biológica lactante. Em ambos os casos existem riscos para a saúde, por exemplo, em caso de exposição profissional a substâncias químicas ou em determinadas condições de trabalho. Em ambos os casos existe ainda uma especial ocupação do tempo devido ao cuidado a prestar à criança.
45. Além disso, a Diretiva 92/85 e, em especial, a licença de maternidade nela prevista, não tem apenas o objetivo de proteger a trabalhadora, conforme o Tribunal de Justiça declarou. Pelo contrário, a Diretiva 92/85 também pretende proteger a relação especial entre mãe e filho durante o período que se segue à gravidez e ao parto o que, aliás, está em conformidade com o artigo 24.°, n.° 3 e com o artigo 7.°, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Esta relação não deve, na sua primeira fase, ser prejudicada pelo exercício simultâneo de uma atividade profissional por parte da mãe (15).
46. Este objetivo de proteção baseado na relação mãe‑filho até permite que a Diretiva 92/85 seja aplicada em termos gerais a mães cuidadoras, independentemente da questão de saber se a mãe cuidadora amamenta ou não o seu filho (16). Contudo, em qualquer caso, é aplicável a mães cuidadoras lactantes tal como a recorrente no processo principal, numa medida especial e, possivelmente, maior ainda do que no caso das mães biológicas lactantes. Com efeito, tal como uma mulher que deu ela própria à luz uma criança, a mãe cuidadora tem a guarda de um recém‑nascido, sendo responsável pelo seu bem‑estar. Contudo, precisamente por não ter estado ela própria grávida, depara‑se com a necessidade de estabelecer laços com esta criança, de a integrar na família e de se enquadrar no seu papel de mãe. Esta «relação especial entre mãe e filho durante o período que se segue à gravidez e ao parto» é, no caso da mãe cuidadora, tão digno de proteção como no caso de uma mãe biológica.
47. Por conseguinte, a alegação da Comissão, que se baseia essencialmente em considerações de sistemática normativa, de que, no contexto da Diretiva 92/85, a maternidade não pode ser tida em conta isoladamente da gravidez, não é convincente. Entretanto, a medicina reprodutiva ultrapassou a sistemática do legislador, sem no entanto criar uma situação de facto na qual a intenção do legislador em relação à mãe cuidadora se tornasse inútil. Pelo contrário, tal como antigamente quando se contratava uma ama, o papel de mãe é partilhado por duas mulheres às quais a Diretiva 92/85 deve garantir proteção nos períodos que para elas sejam relevantes: a mãe de substituição, que gera a criança, mas que não cuida dela após o parto, precisa apenas de proteção como trabalhadora grávida e puérpera. No caso da mãe cuidadora, que não esteve, ela própria, grávida, mas que acolheu um recém‑nascido e que eventualmente também o amamenta, existe uma necessidade de proteção após o nascimento da criança.
48. Por conseguinte, tendo em conta as possibilidades criadas pela evolução da medicina, os objetivos prosseguidos pela Diretiva 92/85 exigem que o grupo de pessoas definido no artigo 2.° da diretiva seja entendido não em sentido biológico‑monístico, mas em sentido funcional. A mãe cuidadora que, nos termos de um acordo previamente celebrado com a mãe de substituição, começa, tal como planeado, a cuidar do recém‑nascido no lugar da sua mãe biológica, imediatamente após o parto, como se fosse uma mãe biológica, assume, após o nascimento da criança, a posição da sua mãe biológica e deve beneficiar, a partir desse momento, dos mesmos direitos que, de outro modo, seriam garantidos à mãe de substituição.
49. Neste ponto, existe uma diferença entre este caso e a adoção, pois na adoção não é estabelecida, antes do nascimento da criança, a ligação com a mãe cuidadora que deriva do contrato entre duas mulheres sobre o destino concreto a dar à criança.
50. O acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo Mayr (17) não se opõe a este princípio. No processo Mayr estava em causa a questão de saber a partir de que momento é que uma trabalhadora, no caso de uma inseminação artificial, era considerada grávida na aceção da Diretiva 92/85. O Tribunal de Justiça, por um lado, confirmou a aplicabilidade da Diretiva 92/85, mesmo no caso de medidas de medicina reprodutiva e, por outro, partiu, para efeitos da aplicação da diretiva, do momento em que o início da gravidez é confirmado, mesmo no caso de procriação natural (18).
51. Se se transpuser esta lógica para o caso da maternidade de substituição e para aos direitos atribuídos pela Diretiva 92/85 à mãe cuidadora resulta que a mãe cuidadora só pode invocar a proteção da Diretiva 92/85 quando obtém a guarda da criança e, por conseguinte, assume o papel de mãe, mas, em todo o caso, pode fazê‑lo nessa altura, porque, a partir desse momento, se encontra numa situação semelhante à de uma mãe biológica.
52. Em contrapartida, se a mãe cuidadora fosse excluída do âmbito de aplicação do artigo 2.°, da Diretiva 92/85, tal acabaria por prejudicar as crianças nascidas de uma mãe de substituição e contrariaria o raciocínio fundamental expresso no artigo 24.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia segundo o qual todos os atos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.
— Conclusão intercalar
53. Por conseguinte, pode constatar‑se, como mais uma conclusão intercalar, que, em qualquer caso, uma mãe cuidadora lactante se encontra numa situação correspondente à de uma mãe biológica lactante, tendo em conta os objetivos prosseguidos pela Diretiva 92/85. Além disso, ambas — mãe cuidadora e mãe biológica — são subsumíveis ao conceito de «trabalhadora lactante».
54. Porém, a Diretiva 92/85 também pode ser aplicada a mães cuidadoras não lactantes.
iv) Aplicabilidade do artigo 2.° da Diretiva 92/85 a mães cuidadoras não lactantes?
55. Em seguida importa analisar se o escopo de proteção da Diretiva 92/85 obriga a que o seu artigo 2.° também seja aplicado a mães cuidadoras que cuidam como mães de uma criança logo após o seu nascimento, ainda que não a amamentem.
56. No processo principal, deve assumir‑se que a mãe cuidadora amamentou efetivamente o seu filho. Contudo, o tribunal de reenvio pretende saber expressamente, na sua segunda questão prejudicial, qual a relevância da amamentação para o direito à licença de maternidade, pelo que esta questão deve ser apreciada. Com efeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, cabe ao órgão jurisdicional que aprecia o litígio, que tem a responsabilidade de proferir uma decisão judicial, apreciar, tendo em conta as particularidades do litígio perante ele pendente, a relevância das questões a submeter ao Tribunal de Justiça. Por conseguinte, se as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais disserem respeito a uma disposição do direito da União, o Tribunal de Justiça está, em princípio, obrigado a apreciá‑las (19).
57. Assim é tanto mais quando na origem do processo principal está um litígio relativo à questão de saber se existe, em geral, um «direito legal a licença remunerada em razão da maternidade de substituição», semelhante à licença de adoção, independente da questão da amamentação. Em consequência, a questão relativa à relevância da amamentação não é hipotética e deve ser esclarecida.
58. Parece, desde logo, duvidoso que o conceito de «trabalhadora lactante» possa ser interpretado no sentido de abranger não só a mãe aleitante no sentido próprio do termo, mas também as mães que cuidem de uma criança.
59. Contra tal interpretação está a letra da disposição que menciona concretamente a amamentação da criança. A entidade patronal deve ser informada desse facto para adaptar as suas condições de trabalho às necessidades especiais da trabalhadora lactante. Esta obrigação de informação é irrelevante para as mulheres que não amamentam os seus recém‑nascidos.
60. Contudo, o artigo 2.° da Diretiva 92/85 não confere às mães apenas uma proteção no local de trabalho, mas também lhes atribui um direito à licença de maternidade nos termos do artigo 8.° da Diretiva 92/85. Em relação à questão de saber quem se inclui neste grupo de pessoas que beneficia deste direito não deve ser apenas tida em conta a letra do artigo 2.° da Diretiva 92/85, mas também o objetivo de proteção prosseguido pela licença de maternidade. Este abrange, conforme acima referido, o desenvolvimento tranquilo da relação mãe‑filho no período pós‑parto. Nesta medida, a licença de maternidade goza da proteção consagrada no direito primário do artigo 7.° e do artigo 24.°, da Carta dos Direitos Fundamentais. O direito que toda a criança tem, ao abrigo do artigo 24.°, n.° 3, de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos os progenitores aplica‑se especialmente ao recém‑nascido e à sua relação com a sua mãe cuidadora e constitui um dos motivos fundamentais pelo qual a Diretiva 92/85 concede uma licença de maternidade.
61. Em contrapartida, a questão da alimentação concreta do recém‑nascido tem um papel secundário. O facto de uma criança ser amamentada ou alimentada com um biberão depende de circunstâncias que a mãe só parcialmente pode influenciar e não deve ser determinante para que seja concedida ou negada a licença de maternidade à mãe que cuida da criança após o seu nascimento.
62. No caso da mãe biológica, que já tem direito à licença de maternidade nos termos do artigo 2.°, alíneas a) e b), da Diretiva 92/85, o direito à licença de maternidade após o parto também não se extingue se aquela optar por uma alimentação com biberão. O mesmo deve aplicar‑se à mãe cuidadora, tanto mais que esta, em virtude da partilha funcional de tarefas com a mãe de substituição, só pode mesmo gozar a licença de maternidade após o parto. O objetivo de proteção, consagrado nos direitos fundamentais, de garantir um desenvolvimento sereno da relação mãe‑filho, não é suficientemente tido em conta se a forma de alimentação da criança for determinante para a questão de saber se deve ser concedida uma licença de maternidade à mãe cuidadora após o parto.
63. Por conseguinte, relativamente à mãe cuidadora, e no que diz respeito à concessão de licença de maternidade, deve entender‑se o artigo 2.°, da Diretiva 92/85, tendo em conta considerações de direito primário e teleológicas, no sentido de que também pode abranger as trabalhadoras que não amamentam efetivamente o seu filho. Se um Estado‑Membro reconhece a maternidade de substituição e, por conseguinte, a partilha funcional do papel de mãe entre duas mulheres, também deve retirar daí a consequência de conferir os correspondentes direitos à mãe cuidadora no que diz respeito à licença de maternidade.
64. Contudo, partindo deste princípio, que se baseia na aceitação da maternidade de substituição no respetivo Estado‑Membro, coloca‑se ainda a questão, que no entanto não é decisiva no presente processo, de saber se a Diretiva 92/85 só pode aplicar‑se às mães cuidadoras se as referidas disposições legais do Estado‑Membro em causa aceitarem o conceito de maternidade de substituição.
65. No presente caso, é supérfluo fazer mais considerações a este respeito, uma vez que, nos termos das disposições legais nacionais relevantes, o acordo de maternidade de substituição é válido e a responsabilidade parental sobre a criança foi transferida para a mãe cuidadora em virtude da sentença de regulação do poder parental.
66. Tendo em conta as circunstâncias do processo principal, não é também necessário esclarecer como é que deverão eventualmente ser apreciadas as situações transfronteiriças em que o direito do Estado de origem da mãe cuidadora aceita o conceito de maternidade de substituição, mas o direito em vigor no local de trabalho não.
67. Em qualquer caso, se o Estado‑Membro em que forem invocados direitos com base na Diretiva 92/85, reconhecer a relação jurídica da mãe cuidadora com a criança, aquela diretiva é obrigatoriamente aplicável à mãe cuidadora que fique na posição da mãe de substituição imediatamente após o parto.
v) Conclusão intercalar relativa à alínea a)
68. Em face do exposto, a mãe cuidadora, nas circunstâncias do processo principal, no tocante à concessão da licença de maternidade, deve ser considerada trabalhadora na aceção do artigo 2.°, da Diretiva 92/85, sendo‑lhe por isso aplicável a Diretiva 92/85, se receber a guarda da criança após o parto.
b) Direito a licença de maternidade nos termos do artigo 8.° da Diretiva 92/85
69. Como trabalhadora na aceção do artigo 2.º da Diretiva 92/85 a mãe cuidadora tem direito à licença de maternidade nos termos do artigo 8.º da Diretiva 92/85.
70. É verdade que a Diretiva 92/85 parte de uma licença de maternidade seguida concedida a uma única e mesma pessoa. Contudo, este princípio deve ser matizado no caso da maternidade de substituição, para ter em conta a situação especial das mulheres em causa. Com efeito, ambas são simultaneamente parcialmente titulares deste direito, nos termos do artigo 8.°, da Diretiva 92/85.
71. Antes do parto, só a mãe de substituição, na qualidade de trabalhadora grávida [artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 92/85] é que pode ter direito à licença de maternidade. Após o parto, a mãe de substituição, na qualidade de puérpera [artigo 2.°, alínea b), da Diretiva 92/85] e a mãe cuidadora, são titulares do direito, se esta última assumir a guarda da criança após o seu nascimento.
72. Por conseguinte, importa saber se e em que medida deve a licença de maternidade, que tem uma duração total de pelo menos catorze semanas, ser dividida pelas mulheres em causa. Uma vez que não existe uma regulamentação concreta para a maternidade de substituição, é adequado tomar por base os objetivos prosseguidos pela Diretiva 92/85 e ter em conta, tanto quanto possível, para a maternidade de substituição, as previsões sistemáticas da Diretiva 92/85.
73. Em primeiro lugar, importa declarar que do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/85 se retira, em todo o caso, uma licença de maternidade obrigatória de pelo menos duas semanas. Uma vez que a mãe de substituição e a mãe cuidadora são ambas «trabalhadoras na aceção do [artigo 2.°, da Diretiva 92/85]», esta licença deve ser gozada pelas duas mulheres, sem reduções e em toda a sua extensão, sem que possa ser descontada a licença gozada pela outra.
74. Em segundo lugar, importa declarar que o conceito de maternidade de substituição, transposto para a sistemática da Diretiva 92/85, não pode conduzir a uma duplicação do direito global à licença. Pelo contrário, a divisão de papéis escolhida entre as mulheres em causa deve refletir‑se na licença de maternidade. Assim, a licença já gozada pela mãe de substituição deve ser descontada na licença da mãe cuidadora e vice‑versa.
75. A resposta à questão de saber em que medida o direito à licença pertence a cada uma das mulheres, em particular, se a licença de maternidade deve ser partilhada em partes iguais por elas e como se deve proceder se elas não chegarem a acordo, não se infere dos objetivos da Diretiva 92/85 nem da sua sistemática, em termos concretos, mas pode inferir‑se dos seus parâmetros de aplicação. Com efeito, a partilha da licença de maternidade deve, em todo o caso, ter em conta os interesses protegidos pela diretiva. Para esse efeito, antes do parto, deve dar‑se mais ênfase à proteção da grávida e, após o parto, deve dar‑se mais ênfase à proteção da puérpera e ao bem‑estar da criança. A eventual partilha consensual da licença de maternidade, que não pode, sobretudo, prejudicar o bem‑estar da criança, deve ter estes bens protegidos em conta. De resto, uma vez que, em termos gerais, o artigo 8.°, da Diretiva 92/85 remete a regulamentação detalhada da licença de maternidade para as legislações nacionais, afigura‑se evidente que se remeta para os seus princípios jurídicos. Seria eventualmente concebível aplicar analogicamente as normas sobre a solidariedade de credores.
c) Conclusão relativa à primeira e segunda questões prejudiciais
76. Em consequência, deve responder‑se à primeira e à segunda questões prejudiciais que, num caso como o do processo principal, uma mãe cuidadora que teve uma criança no âmbito de um acordo de maternidade de substituição tem, em qualquer caso, direito à licença de maternidade nos termos dos artigos 2.° e 8.°, da Diretiva 92/85, após o nascimento da criança, se tiver recebido a guarda da criança após o parto, se no respetivo Estado‑Membro a maternidade de substituição for legal e desde que os seus requisitos nacionais estejam preenchidos, mesmo que a mãe cuidadora não amamente a criança após o parto; a licença deve ter uma duração mínima de duas semanas e deve‑lhe ser descontada a licença eventualmente gozada pela mãe de substituição.
d) Quanto à primeira parte da sétima questão prejudicial
77. Com a primeira parte da sétima questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a Diretiva 92/85 tem «efeito direto». A este respeito, há algumas dúvidas quanto à licença de maternidade, porque o teor preciso do direito e a sua partilha entre a mãe de substituição e mãe cuidadora não se infere com exatidão suficiente da Diretiva 92/85. Contudo, pode, em qualquer caso, inferir‑se da diretiva que, como padrão mínimo, deve ser concedida uma licença de maternidade de duas semanas à mãe cuidadora. Se a mãe de substituição e a mãe cuidadora chegarem a um acordo válido relativo à partilha das restantes dez semanas, tendo em conta os bens protegidos em causa, o direito à restante licença também pode ser determinado com precisão. Nesta medida, pode falar‑se de um efeito direto da Diretiva 92/85.
78. Depois da Diretiva 92/85 deve agora analisar‑se a Diretiva 2006/54.
2. Questões prejudiciais que dizem respeito à Diretiva 2006/54
79. A terceira, quarta, quinta e sexta questões prejudiciais e a segunda parte da sétima questão prejudicial dizem respeito à igualdade de tratamento entre homens e mulheres nos termos da Diretiva 2006/54. Por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a Diretiva 2006/54 se opõe à recusa de uma entidade patronal de conceder uma licença de maternidade a uma mãe cuidadora. Por outro lado, pretende saber se se pode considerar que existe uma discriminação da mãe cuidadora com base na sua relação com a mãe de substituição.
80. Deve concordar‑se com a Comissão e com o Reino Unido em que a Diretiva 2006/54 não é pertinente para a problemática do processo principal. Com efeito, o presente caso não diz respeito à «aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no emprego e na atividade profissional», na aceção do artigo 1.°, da Diretiva 2006/54. A este respeito, importa analisar o seguinte:
a) Quanto à terceira e quarta questões prejudiciais
81. A já analisada Diretiva 92/85 regula as condições nas quais a licença de maternidade deve ser concedida — este é essencialmente o objeto da terceira e quarta questões prejudiciais. O artigo 15.°, da Diretiva 2006/54 diz apenas respeito à problemática do regresso da licença de maternidade e pressupõe portanto que os seus requisitos já tenham sido regulados.
82. Por conseguinte, a Diretiva 2006/54 não é aplicável.
b) Quanto à quinta questão prejudicial
83. Com a quinta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se se deve considerar existir uma violação do artigo 14.°, em conjugação com o artigo 2.°, da Diretiva 2006/54, ou seja, uma discriminação em razão do sexo, com base na relação entre a mãe cuidadora e a mãe de substituição, se a mãe cuidadora for objeto de um «tratamento menos favorável».
84. Esta questão parece relacionar‑se com os «inconvenientes», não detalhadamente especificados, que a recorrente no processo principal afirma ter sofrido. Estes inconvenientes terão consistido, essencialmente, no facto de ter inicialmente sido recusada a licença de maternidade à recorrente no processo principal, por não ter sido ela, mas a mãe de substituição, a estar grávida. Quanto a este ponto é aplicável a Diretiva 92/85 (20).
85. Em todo o caso, não obstante o acima exposto, não se vislumbra que tenha existido um «tratamento menos favorável [da recorrente no processo principal], no quadro da gravidez ou da licença de maternidade, na aceção da Diretiva 92/85/CEE», nos termos do artigo 2.°, n.° 2, da Diretiva 2006/54.
86. Em primeiro lugar, não existe qualquer tratamento menos favorável da mãe cuidadora em razão da gravidez, porque não foi a recorrente no processo principal, mas a mãe de substituição, que esteve grávida. A recorrente no processo principal não pode invocar a gravidez da mãe de substituição para ser ela própria tratada no local de trabalho como uma grávida. Em segundo lugar, só se poderia assumir um tratamento menos favorável relacionado com a licença de maternidade se tivesse sido efetivamente concedida uma licença de maternidade à recorrente no processo principal e tal tivesse prejudicado a sua carreira profissional. Esta situação é regulada pelo artigo 15.°, da Diretiva 2006/54 para o caso do regresso da licença de maternidade. No entanto, a questão de saber se deve sequer ser concedida uma licença de maternidade não é objeto da Diretiva 2006/54.
87. Além disso, também não existem indícios de uma discriminação direta ou indireta na aceção do artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva 2006/54. Em todo o caso, a recorrente no processo principal não foi prejudicada em razão do sexo, em relação a colegas masculinos, mas, quando muito, pelo facto de ter concretizado o seu desejo de ter filhos com a ajuda de uma mãe de substituição. No entanto, neste caso, só pode haver um eventual tratamento menos favorável em relação a outras mulheres que não recorreram a uma mãe de substituição e, em todo o caso, não está em causa a igualdade de oportunidades nem a igualdade de tratamento entre homens e mulheres, objeto da Diretiva 2006/54.
88. Consequentemente, não existe qualquer violação do artigo 14.°, da Diretiva 2006/54.
c) Conclusão relativa à terceira, quarta, quinta e sexta questões prejudiciais e à segunda parte da sétima questão prejudicial
89. Em face do exposto, há que responder negativamente à terceira, quarta e quinta questões prejudiciais. Uma vez que a sexta questão prejudicial só foi colocada em caso de resposta afirmativa à quarta questão prejudicial, não tem de ser analisada. Do mesmo modo, é desnecessário responder à segunda parte da sétima questão prejudicial.
VI — Conclusão
90. Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda ao pedido de decisão prejudicial nos seguintes termos:
Num caso como o do processo principal, uma mãe cuidadora que teve uma criança no âmbito de um acordo de maternidade de substituição tem, em qualquer caso, direito, após o nascimento da criança, a gozar uma licença de maternidade nos termos dos artigos 2.° e 8.° da Diretiva 92/85, se tiver recebido a guarda da criança após o parto, desde que no Estado‑Membro em questão a maternidade de substituição seja legal e os seus requisitos nacionais estiverem preenchidos, mesmo que a mãe cuidadora não amamente a criança após o parto; a licença deve ter uma duração mínima de duas semanas e deve ser‑lhe descontada a licença eventualmente gozada pela mãe de substituição.
Nas circunstâncias do processo principal não se vislumbra nenhuma violação do artigo 14.° da Diretiva 2006/54.