Language of document : ECLI:EU:T:2012:172

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

29 de março de 2012 (*)

«Concorrência ― Abuso de posição dominante ― Mercados espanhóis de acesso à Internet de banda larga ― Decisão que declara uma infração ao artigo 82.° CE ― Fixação dos preços ― Compressão tarifária das margens ― Definição dos mercados ― Posição dominante ― Abuso ― Cálculo da compressão das margens ― Efeitos do abuso ― Competência da Comissão ― Direitos de defesa ― Subsidiariedade ― Proporcionalidade ― Segurança jurídica ― Cooperação leal ― Princípio da boa administração ― Coimas»

No processo T‑336/07,

Telefónica, SA, com sede em Madrid (Espanha)

Telefónica de España, SA, com sede em Madrid,

representadas inicialmente por F. González Díaz e S. Sorinas Jimeno, e em seguida por F. González Díaz, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por F. Castillo de la Torre, É. Gippini Fournier e K. Mojzesowicz, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

França Telecom España, SA, com sede em Pozuelo de Alarcón (Espanha), representada por S. Martínez Lage, H. Brokelmann e M. Ganino, advogados,

por

Asociación de Usuarios de Servicios Bancarios (Ausbanc Consumo), com sede em Madrid, representada por L. Pineda Salido e I. Cámara Rubio, advogados,

e por

European Competitive Telecommunications Association, com sede em Wokingham (Reino Unido), representada por M. Di Stefano e A. Salerno, advogados,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido de anulação da decisão C (2007) 3196 final da Comissão, de 4 de julho de 2007, relativa a um processo nos termos do artigo 82.° [CE] (processo COMP/38.784 – Wanadoo España/Telefónica) e, a título subsidiário, um pedido de anulação ou de redução do montante da coima aplicada às recorrentes,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: L. Truchot, presidente, M. E. Martins Ribeiro (relatora) e H. Kanninen, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 23 de maio de 2011,

profere o presente

Acórdão

 Apresentação das recorrentes

1        A Telefónica SA, recorrente no presente processo, é a sociedade‑mãe do grupo Telefónica, antigo monopólio de Estado no setor das telecomunicações em Espanha. Durante o período abrangido pela Decisão C (2007) 3196 final da Comissão, de 4 de julho de 2007, relativa a um processo nos termos do artigo 82.° [CE] (processo COMP/38.784 – Wanadoo España/Telefónica) (a seguir «decisão impugnada»), isto é, de setembro de 2001 a dezembro de 2006, a Telefónica prestou serviços de alta velocidade através da sua filial Telefónica de España SAU (a seguir «TESAU»), também recorrente no presente processo, bem como de outras duas filiais, a Telefónica Data de España SAL e a Terra Networks España SA, que se fundiram com a TESAU, respetivamente, em 30 de junho e 7 de julho de 2006 (considerandos 11, 13 e 19 a 21 da decisão impugnada). A Telefónica e as suas filiais (a seguir denominadas conjuntamente «Telefónica») foram uma só e a mesma entidade económica durante todo o período abrangido pela investigação (considerando 12 da decisão impugnada).

2        Antes da liberalização total dos mercados das telecomunicações, em 1998, a Telefónica era detida pelo Estado espanhol e beneficiava de um monopólio legal do fornecimento a retalho de serviços de telecomunicações por linha fixa. Atualmente, explora a única rede telefónica fixa de dimensão nacional (considerando 13 da decisão recorrida).

 Procedimento administrativo

3        Em 11 de julho de 2003, a Wanadoo España SL (atual France Telecom España SA, a seguir «France Telecom») apresentou uma denúncia à Comissão das Comunidades Europeias, alegando que a margem entre os preços grossistas que as filiais da Telefónica aplicavam aos seus concorrentes para o fornecimento grossista de acesso à alta velocidade em Espanha e os preços de retalho que cobravam aos utilizadores finais não era suficiente para os concorrentes da Telefónica poderem fazer‑lhe concorrência (considerando 26 da decisão recorrida).

4        Após uma análise da denúncia e depois de ter recebido informações complementares, a Comissão, em 20 de fevereiro de 2006, enviou uma comunicação de acusações à Telefónica. Esta respondeu em 19 de maio de 2006. Procedeu‑se a uma audição em 12 e 13 de junho de 2006 (considerandos 27 e 30 da decisão impugnada).

5        Em 11 de janeiro de 2007, a Comissão enviou à Telefónica uma carta convidando‑a a comunicar‑lhe as suas observações sobre as conclusões que a Comissão tencionava extrair, com base em novos factos não mencionados na comunicação de acusações. A Telefónica respondeu a esse pedido em 12 de fevereiro de 2007 (considerando 31 da decisão recorrida).

 Decisão impugnada

6        Em 4 de julho de 2007, a Comissão adotou a decisão impugnada, que é o objeto do presente recurso.

7        Em primeiro lugar, na decisão impugnada, a Comissão identificou três mercados de produtos em causa, ou seja, um mercado de retalho de alta velocidade e dois mercados grossistas de alta velocidade (considerandos 145 a 208 da decisão impugnada).

8        O mercado retalhista em causa abrange, segundo a decisão impugnada, todos os produtos de alta velocidade não diferenciados, sejam eles fornecidos por ADSL (Asymetric Digital Subscriber Line; linha de assinante digital assimétrica) ou por qualquer outra tecnologia, comercializados no mercado «grande público» para utilizadores particulares e não particulares. Em contrapartida, não abrange os serviços de acesso à Internet de alta velocidade por medida dirigida principalmente às «grandes contas» (considerando 153 da decisão impugnada).

9        Quanto aos mercados por grosso, a Comissão indicou que estavam disponíveis três principais ofertas grossistas, a saber, uma oferta de referência para a desagregação do lacete local, comercializada unicamente pela Telefónica, uma oferta por grosso regional (gigADSL, a seguir «produto grossista regional»), também comercializada unicamente pela Telefónica, e várias ofertas grossistas nacionais comercializadas tanto pela Telefónica (ADSL‑IP e ADSL‑IP total, a seguir «produto grossista nacional»), como por outros operadores, com base na desagregação do lacete local e/ou no produto grossista (considerando 75 da decisão recorrida).

10      Para definir os mercados grossistas em causa no caso em apreço, a Comissão analisou se os produtos de acesso grossista descritos no número anterior pertenciam ao mesmo mercado de produtos ou a mercados distintos (considerando 162 da decisão recorrida).

11      A este respeito, a Comissão considerou, antes de mais, que o produto grossista regional e a desagregação do lacete local não eram substituíveis (considerandos 163 a 182 da decisão impugnada). Para fundamentar esta conclusão, a Comissão baseou‑se, quanto à substituibilidade do lado da procura, nos grandes investimentos de implantação da rede (considerandos 163 e 164 da decisão impugnada) e nas diferenças funcionais entre esses dois tipos de acesso grossista (considerando 165 da decisão impugnada). A Comissão também considerou que não havia substituibilidade do lado da oferta entre esses produtos, pois isso implicaria que um operador alternativo estivesse em condições de oferecer uma rede de lacetes locais idêntica à da Telefónica no conjunto do território espanhol, o que seria economicamente impossível num prazo razoável (considerando 167 da decisão impugnada).

12      Em seguida, a Comissão entendeu que não havia substituibilidade suficiente entre os produtos grossistas regional e nacional (considerandos 183 a 195 da decisão impugnada), não deixando de precisar que os limites exatos entre os mercados grossistas nacional e regional não eram determinantes, atendendo à posição dominante da Telefónica em cada um desses mercados (considerando 195 da decisão impugnada). Quanto à substituibilidade do lado da procura, a Comissão considerou que o operador alternativo que pretendesse prestar serviços retalhistas de ADSL à escala nacional utilizando o produto grossista regional deveria assumir consideráveis custos recorrentes e prévios de instalação e de manutenção de uma rede que permitisse interligar‑se aos 109 pontos de acesso indiretos da Telefónica (considerando 183 da decisão impugnada). Além disso, a passagem do produto grossista regional para o produto grossista nacional não teria sentido do ponto de vista económico, pois seria ilógico e pouco provável que os operadores que tivessem investido na implantação de uma rede suportassem o custo de não utilizarem a sua rede e de utilizar o produto grossista nacional, que não lhes daria as mesmas possibilidades de controlo sobre a qualidade do serviço do produto a retalho que o produto grossista regional (considerando 187 da decisão impugnada). Quanto à substituibilidade do lado da oferta, a Comissão indicou que embora seja certo que um operador que pretendesse propor uma oferta por grosso nacional podia fazê‑lo com base na oferta por grosso regional, o que implicava investimentos consideráveis, estes últimos não tinham comparação com os necessários à desagregação do lacete local, que era, a montante, necessária para que o operador pudesse oferecer um produto de acesso grossista regional concorrente do da Telefónica (considerando 191 da decisão impugnada).

13      Por último, a Comissão considerou que as tecnologias de acesso à alta velocidade diferentes da ADSL, e em particular o cabo, não podiam ser consideradas substituíveis às ofertas ADSL (considerandos 196 a 207 da decisão impugnada). Quanto à substituibilidade do lado da procura, a Comissão salientou os custos consideráveis a suportar em caso de migração entre uma proposta grossista de ADSL e uma proposta grossista baseada no cabo, bem como a fraca cobertura e a fragmentação das redes de cabo em Espanha (considerando 199 da decisão impugnada). A Comissão indicou igualmente que embora fosse tecnicamente possível aos operadores por cabo fornecerem a terceiros um acesso grossista de alta velocidade equivalente aos produtos grossistas regional e nacional, determinadas dificuldades práticas e económicas impedi‑los‑iam de o fazer, pelo que tal proposta não seria economicamente viável.

14      A Comissão concluiu que os mercados grossistas em causa para efeitos da decisão recorrida incluíam o produto grossista regional e o produto grossista nacional, com exclusão dos serviços por grosso de cabo e das tecnologias diferentes da ADSL (considerandos 6 e 208 da decisão impugnada).

15      Os mercados geográficos relevantes grossistas e retalhistas são, segundo a decisão impugnada, de dimensão nacional (território espanhol) (considerando 209 da decisão impugnada).

16      Em segundo lugar, a Comissão concluiu que a Telefónica ocupava uma posição dominante nos dois mercados grossistas em causa (considerandos 223 a 242 da decisão impugnada). Assim, durante o período de referência, a Telefónica detinha o monopólio do fornecimento do produto grossista regional e mais de 84% do mercado do produto grossista nacional (considerandos 223 e 235 da decisão impugnada). Segundo a decisão impugnada (considerandos 243 a 277), a Telefónica estava igualmente em posição dominante no mercado retalhista.

17      Em terceiro lugar, a Comissão examinou se a Telefónica tinha abusado da sua posição dominante nos mercados em causa (considerandos 278 a 694 da decisão impugnada). A este respeito, a Comissão considerou que a Telefónica tinha violado o artigo 82.° CE ao impor aos seus concorrentes preços não equitativos sob a forma de uma compressão tarifária das margens entre os preços de acesso à Internet de alta velocidade a retalho no mercado «grande público» espanhol e os preços de acesso à Internet de alta velocidade por grosso a nível regional e nacional, durante o período compreendido entre setembro de 2001 e dezembro de 2006 (considerando 694 da decisão impugnada).

18      Primeiro, para determinar a existência de uma compressão tarifária das margens no caso em apreço, a Comissão lembrou o contexto regulamentar no qual a Telefónica tinha fornecido os produtos grossistas regional e nacional, designadamente a obrigação imposta à Telefónica pelo direito espanhol de prestar um acesso grossista ao nível regional e nacional em condições equitativas. A Comissão lembrou igualmente a obrigação imposta pela Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones (CMT) à Telefónica desde março de 1999 de fornecer o produto do mercado grossista regional e indicou que a Telefónica tinha começado a oferecer o seu produto ADSL‑IP Total por sua própria iniciativa em setembro de 1999, enquanto a CMT tinha imposto que a Telefónica facultasse o acesso à ADSL‑IP a partir de abril de 2002 (considerandos 288 e 289 da decisão impugnada).

19      Segundo, quanto ao método de cálculo da compressão tarifária das margens, a Comissão considerou, primeiro, que o nível de eficácia dos concorrentes da Telefónica devia ser avaliado em função dos seus custos a jusante (método do «concorrente igualmente eficaz») (considerandos 311 a 315 da decisão impugnada); segundo, que o método pertinente de valorização dos custos, no caso em apreço, era o dos custos incrementais médios a longo prazo (a seguir «CMILT») (considerandos 316 a 324 da decisão impugnada); terceiro, que a avaliação da rentabilidade ao longo do tempo podia ser feita segundo dois métodos, a saber, o método denominado «período a período» e o método dos fluxos de tesouraria atualizados (a seguir «FTA») (considerandos 325 a 385 da decisão impugnada); quarto, que o cálculo da compressão tarifária das margens devia ser efetuado com base na carteira de serviços comercializados pela Telefónica no mercado relevante (considerandos 386 a 388 da decisão impugnada); e, quinto, quanto à escolha dos inputs a montante para o cálculo da reprodutibilidade dos preços a jusante, que as tarifas da Telefónica deviam ser reprodutíveis por um concorrente igualmente eficaz que utilizasse, pelo menos, um produto do mercado grossista da Telefónica em cada um dos mercados grossistas relevantes (considerandos 389 a 396 da decisão impugnada).

20      Terceiro, a Comissão calculou se a diferença entre os preços a jusante e a montante da Telefónica abrangia pelo menos os CMILT a jusante da Telefónica (considerandos 397 a 511 da decisão impugnada). Aplicando a metodologia descrita no ponto anterior, a Comissão calculou que os preços de retalho da Telefónica não tinham sido reprodutíveis com base nos seus produtos grossistas nacional ou regional, de setembro de 2001 a dezembro de 2006 (considerandos 512 a 542 da decisão impugnada).

21      Quarto, quanto aos efeitos do abuso, a Comissão considerou que o comportamento da Telefónica tinha provavelmente limitado a capacidade de os operadores ADSL crescerem duradouramente no mercado retalhista e tinha provavelmente prejudicado os utilizadores finais. Considerou igualmente que o comportamento da Telefónica tinha produzido efeitos concretos de exclusão e tinha causado um prejuízo aos consumidores (considerandos 544 a 618 da decisão impugnada).

22      Quinto, a Comissão observou que o comportamento da Telefónica não era objetivamente justificado nem tinha apresentado ganhos de eficiência (considerandos 619 a 664 da decisão impugnada).

23      Por último, sexto, a Comissão indicou que a Telefónica dispunha de margem para evitar a compressão tarifária das margens. Assim, a Telefónica poderia ter aumentado os seus preços de retalho ou diminuído as tarifas por grosso. A Comissão acrescentou que as decisões da CMT relativas à compressão dos preços dirigidas à Telefónica não eram suscetíveis de afastar a sua responsabilidade (considerandos 665 a 694 da decisão impugnada).

24      Em quarto lugar, a Comissão afirmou que, no caso, as trocas comerciais entre Estados‑Membros eram afetadas, uma vez que a política tarifária da Telefónica respeitava aos serviços de acesso de um operador em posição dominante que abrangiam todo o território espanhol, que constitui uma parte substancial do mercado interno (considerandos 695 a 697 da decisão impugnada).

25      Para efeitos do cálculo do montante da coima, a Comissão, na decisão impugnada, aplicou a metodologia exposta nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações de 1998»).

26      Em primeiro lugar, a Comissão apreciou a gravidade e o impacto da infração bem como a dimensão do mercado geográfico em causa. Antes de mais, no que diz respeito à gravidade da infração, considerou que se tratava de um abuso caracterizado por parte de uma empresa detentora de uma posição virtualmente monopolista, devendo ser qualificada de «muito grave», à luz das orientações de 1998 (considerandos 739 a 743 da decisão impugnada). Nos considerandos 744 a 750 da decisão impugnada, a Comissão distingue nomeadamente o presente processo da Decisão 2003/707/CE da Comissão, de 21 de maio de 2003, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° do Tratado CE (Processo COMP/C‑1/37.451, 37.578, 37.579 – Deutsche Telekom AG) (JO L 263, p. 9, a seguir «decisão Deutsche Telekom»), na qual o abuso da Deutsche Telekom que consistia também numa compressão das margens não tinha sido qualificado de «muito grave», na aceção das orientações de 1998. Em seguida, no que respeita ao impacto da infração em causa, a Comissão teve em conta o facto de os contratos em questão terem um valor económico considerável, de desempenharem um papel crucial na organização da sociedade da informação e de o impacto do abuso da Telefónica no mercado a retalho ter sido significativo (considerandos 751 e 753 da decisão impugnada). Por último, quanto à dimensão do mercado geográfico em causa, a Comissão referiu que o mercado espanhol da alta velocidade era o quinto maior mercado nacional da alta velocidade na União Europeia e que, embora os casos de compressão tarifária das margens estivessem necessariamente circunscritos a um único Estado‑Membro, impediam os operadores provenientes de outros Estados‑Membros de entrarem num mercado em forte crescimento (considerandos 754 e 755 da decisão impugnada).

27      Segundo a decisão impugnada, o montante de partida da coima, de 90 000 000 euros, tem em conta o facto de que a gravidade da prática abusiva se determinou ao longo do período considerado e, mais especificamente, depois da decisão Deutsche Telekom (considerandos 756 e 757 da decisão impugnada). Um fator multiplicador de 1,25 foi aplicado ao referido montante, a fim de ter em conta a capacidade económica significativa da Telefónica e para assegurar à coima um caráter suficientemente dissuasor, de modo que o montante de partida da coima foi fixado em 112 500 000 euros (considerando 758 da decisão impugnada).

28      Em segundo lugar, como a infração durou de setembro de 2001 a dezembro de 2006, ou seja, cinco anos e quatro meses, a Comissão aumentou o montante de partida da coima em 50%. O montante de base da coima foi assim fixado em 168 750 000 euros (considerandos 759 a 761 da decisão impugnada).

29      Em terceiro lugar, à luz dos elementos de prova disponíveis, a Comissão considerou que a existência de determinadas circunstâncias atenuantes podia ser acolhida no caso em apreço dado que a infração, de qualquer modo, tinha sido cometida por negligência. Assim, foi conferida à Telefónica uma redução do montante da coima em 10%, o que a fixou em 151 875 000 euros (considerandos 765 e 766 da decisão impugnada).

30      O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redação:

«Artigo 1.°

A [Telefónica] e a [TESAU] cometeram uma infração ao artigo 82.° CE, ao aplicarem preços não equitativos sob a forma de uma desproporção entre os preços do mercado grossista e os preços cobrados aos utilizadores finais para o acesso à banda larga entre setembro de 2001 e dezembro de 2006.

Artigo 2.°

Pela infração declarada no artigo 1.°, é aplicada solidariamente uma coima de 151 875 000 euros à [Telefónica] e à [TESAU].»

 Tramitação do processo e pedidos das partes

31      As recorrentes interpuseram o presente recurso por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 1 de outubro de 2007.

32      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal, respetivamente, em 10 e 24 de dezembro de 2007, a France Telecom e a Asociación de Usuarios de Servicios Bancarios (Ausbanc Consumo) (a seguir «Ausbanc») pediram para intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

33      Por carta de 7 de janeiro de 2008, as recorrentes apresentaram um pedido de tratamento confidencial de determinados elementos constantes da petição e nos seus anexos relativamente a eventuais intervenientes.

34      Por carta de 22 de fevereiro de 2008, as recorrentes apresentaram um pedido de tratamento confidencial de determinados elementos constantes da petição e nos seus anexos relativamente à Ausbanc.

35      Por cartas de 15 de abril de 2008, as recorrentes apresentaram um pedido de tratamento confidencial de certos elementos contidos na contestação e nos seus anexos relativamente à Ausbanc e à France Telecom.

36      Por cartas de 25 de julho de 2008, as recorrentes pediram o tratamento confidencial de determinados elementos constantes da réplica e respetivos anexos relativamente à Ausbanc e à France Telecom.

37      Por despacho do presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral de 31 de julho de 2008, foram admitidas as intervenções da France Telecom e da Ausbanc em apoio dos pedidos da Comissão. A decisão sobre o pedido de tratamento confidencial ficou reservada.

38      Foram enviadas às intervenientes versões não confidenciais das peças processuais, preparadas pelas recorrentes.

39      Por carta de 12 de setembro de 2008, a Ausbanc opôs‑se à confidencialidade das passagens ocultadas nas versões não confidenciais das peças processuais que tinha recebido.

40      Por carta de 15 de setembro de 2008, a France Telecom opôs‑se aos pedidos de tratamento confidencial na parte em que diziam respeito à totalidade dos diferentes anexos da petição, da contestação e da réplica.

41      Em 28 de outubro de 2008, a France Telecom e a Ausbanc apresentaram as suas alegações de intervenção.

42      Por carta de 25 de novembro de 2008, as recorrentes informaram o Tribunal de que as alegações de intervenção não continham dados confidenciais.

43      Por carta de 27 de novembro de 2008, as recorrentes apresentaram um pedido de tratamento confidencial de determinados elementos constantes da réplica e respetivos anexos relativamente à Ausbanc e à France Telecom.

44      Em 6 de fevereiro de 2009, as recorrentes apresentaram as suas observações sobre as alegações de intervenção.

45      Por carta de 6 de fevereiro de 2009, as recorrentes apresentaram um pedido de tratamento confidencial de determinados elementos contidos nas suas observações sobre as alegações de intervenção da France Telecom e num dos respetivos anexos.

46      Por carta de 9 de fevereiro de 2009, a Comissão prescindiu de apresentar observações sobre as alegações de intervenção.

47      Por despacho de 2 de março de 2010, o presidente da Oitava Secção deferiu parcialmente o pedido de confidencialidade dos recorrentes.

48      Por requerimento entregue no Tribunal Geral em 4 de novembro de 2010, a European Competitive Telecommunications Association (a seguir «ECTA») pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

49      Por carta de 7 de dezembro de 2010, as recorrentes opuseram‑se a esse pedido.

50      Por despacho do presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral de 28 de fevereiro de 2011, foi admitida a intervenção da ECTA em apoio dos pedidos da Comissão.

51      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

¾        a título principal, nos termos do artigo 230.° CE, anular a decisão impugnada;

¾        a título subsidiário, anular ou reduzir, por força do artigo 229.° CE, o montante da coima que lhes foi aplicada pela decisão impugnada;

¾        em qualquer dos casos, condenar a Comissão nas despesas.

52      A Comissão conclui pedindo que Tribunal se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar as recorrentes nas despesas.

53      A Ausbanc conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        julgar improcedentes os pedidos principal e subsidiário das recorrentes;

¾        condenar as recorrentes nas despesas.

54      A France Telecom conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        rejeitar totalmente a petição das recorrentes;

¾        condenar as recorrentes na totalidade das despesas resultantes da intervenção.

55      Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal Geral (Oitava Secção) decidiu abrir a fase oral. Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância na audiência que teve lugar em 23 de maio de 2011.

56      Na audiência, a ECTA concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

¾        negar provimento aos recursos;

¾        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

A ―  Quanto à admissibilidade dos argumentos das recorrentes alegadamente contidos nos anexos

57      Na tréplica, a Comissão contestou a admissibilidade de certos argumentos das recorrentes alegadamente constantes dos anexos à petição inicial e à réplica. Alega que as recorrentes teriam apresentado argumentos de natureza jurídica ou económica que não se limitam a alicerçar ou a completar elementos de facto ou de direito expressamente invocados no texto desses atos processuais, mas que apresentam novas alegações. Assim, segundo a Comissão, «partes inteiras das alegações das recorrentes» remetem integralmente para esses anexos, sem os quais seriam esvaziadas do seu conteúdo.

58      Resulta do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, que a petição deve indicar o objeto do litígio e conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir a causa, eventualmente sem mais informações. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que um recurso seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que assenta resultem, pelo menos sumariamente, mas de maneira coerente e compreensível, do texto da própria petição. Ainda que o corpo da petição possa ser escorado e completado, em pontos específicos, por remissões para determinadas passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexos à petição, não pode suprir a falta de elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais devem constar da petição (v. acórdão do Tribunal Geral de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, Colet., p. II‑3601, n.° 94, e jurisprudência aí referida).

59      Além disso, não compete ao Tribunal procurar e identificar nos anexos os elementos que possa considerar constituírem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental (acórdãos do Tribunal Geral de 7 de novembro de 1997, Cipeke/Comissão, T‑84/96, Colet., p. II‑2081, n.° 34; de 21 de março de 2002, Joynson/Comissão, T‑231/99, Colet., p. II‑2085, n.° 154, e de 14 de dezembro de 2005, Honeywell/Comissão, T‑209/01, Colet., p. II‑5527, n.° 57). A função meramente probatória e instrumental dos anexos implica que, na medida em que contenham elementos de direito em que assentam determinados fundamentos articulados na petição, esses elementos devem figurar no próprio texto desta última ou, pelo menos, estar suficientemente identificados nesse articulado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425, n.° 99). A petição deve, por isso, explicitar em que consiste o fundamento em que o recurso se baseia, pelo que a sua simples enunciação abstrata não cumpre as exigências do Regulamento de Processo (acórdãos do Tribunal Geral de 12 de janeiro de 1995, Viho/Comissão, T‑102/92, Colet., p. II‑17, n.° 68, e de 22 de novembro de 2006, Itália/Comissão, T‑282/04, não publicado na Coletânea, n.° 60).

60      Os anexos não podem assim servir para desenvolver um fundamento sumariamente exposto na petição quando contenham alegações ou argumentos que dela não constem (v. acórdão do Tribunal Geral de 30 de janeiro de 2007, France Télécom/Comissão, T‑340/03, Colet., p. II‑107, n.° 167, e jurisprudência aí referida).

61      Esta interpretação do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de processo, visa igualmente as condições de admissibilidade da réplica, que se destina, de acordo com o artigo 47.°, n.° 1, do mesmo Regulamento, a completar a petição (v. acórdão Microsoft/Comissão, n.° 58, supra, n.° 95 e jurisprudência aí referida).

62      No caso, nos seus articulados, as recorrentes fazem numerosas remissões para documentos anexos, por vezes volumosos. Contudo, algumas dessas remissões apenas indicam de forma global os documentos anexos, não permitindo, portanto, que o Tribunal Geral identifique com precisão os elementos que possa considerar suportarem ou completarem em pontos específicos, por remissões para passagens determinadas das referidas peças, os fundamentos e argumentos desenvolvidos na petição ou na réplica. Além disso, em especial, os documentos a que alguns processos se referem não visam unicamente apoiar e completar em pontos específicos certos argumentos do corpo do articulado ao qual estão anexos, mas incluem a própria explicação do enunciado dos referidos argumentos, pelo que, sem a análise desses elementos, estes não são compreensíveis.

63      Daqui resulta que, no caso em apreço, os anexos da petição e da réplica serão tomados em consideração unicamente na medida em que suportem ou completem fundamentos ou argumentos expressamente invocados pelas recorrentes no corpo dos seus articulados e em que seja possível determinar com precisão quais os elementos neles contidos que alicerçam ou completam os referidos fundamentos ou argumentos (v., neste sentido, acórdão Microsoft/Comissão, n.° 58, supra, n.° 99).

B ―  Quanto ao mérito

64      No seu recurso, as recorrentes formulam pedidos a título principal e pedidos a título subsidiário.

65      Em apoio do seu pedido principal de anulação da decisão impugnada, as recorrentes invocam seis fundamentos. O primeiro fundamento é relativo a uma violação dos direitos de defesa. O segundo fundamento é relativo a erros de facto e de direito na definição dos mercados grossistas em causa. O terceiro fundamento é relativo a erros de facto e de direito na definição da posição dominante da Telefónica nos mercados em causa. O quarto fundamento é relativo a erros de direito na aplicação do artigo 82.° CE, no que diz respeito ao comportamento abusivo da Telefónica. O quinto fundamento é relativo a erros de facto e/ou erros de apreciação dos factos e erros de direito no que diz respeito ao comportamento abusivo da Telefónica, bem como ao seu impacto anticoncorrencial. Por último, o sexto fundamento é relativo à aplicação ultra vires do artigo 82.° CE e à violação dos princípios da subsidiariedade, da proporcionalidade, da segurança jurídica, da cooperação leal e da boa administração.

66      A título subsidiário, as recorrentes invocam dois fundamentos de anulação da coima ou de redução do seu montante. O primeiro fundamento é relativo a erros de facto e de direito e à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204), e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), e dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima. O segundo fundamento, formulado a título mais subsidiário, radica em erros de facto e de direito e numa violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento, da individualização das penas e do dever de fundamentação na determinação do montante da coima.

1.     Quanto ao pedido principal, a anulação da decisão recorrida

a)     Quanto ao alcance da fiscalização do juiz da União e ao ónus da prova

67      Resulta do artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003 e de jurisprudência assente, proferida no âmbito da aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, que, no domínio do direito da concorrência, em caso de litígio quanto à existência de uma infração, cabe à Comissão fazer prova das infrações que declara e determinar quais os elementos adequados para fazer prova bastante da existência dos factos constitutivos de uma infração (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colet., p. I‑8417, n.° 58, e de 6 de janeiro de 2004, BAI e Comissão/Bayer, C‑2/01 P e C‑3/01 P, Colet., p. I‑23, n.° 62; v. ainda acórdão Microsoft/Comissão, n.° 58, supra, n.° 688). Para este efeito, tem de reunir elementos de prova suficientemente precisos e concordantes para basear a firme convicção de que a infração alegada foi cometida (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T‑38/02, Colet., p. II‑4407, n.° 217, e jurisprudência aí referida).

68      Em seguida, há que lembrar que, no âmbito de um recurso de anulação interposto ao abrigo do artigo 230.° CE, compete ao juiz da União fiscalizar apenas a legalidade do ato impugnado (acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2004, JFE Engineering e o./Comissão, T―67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, Colet., p. II‑2501, n.° 174). Assim, o papel do juiz num recurso de anulação de uma decisão da Comissão que declara a existência de uma infração às normas da concorrência e que aplica coimas aos destinatários consiste em apreciar se as provas e outros elementos invocados pela Comissão na sua decisão são suficientes para demonstrar a existência da infração imputada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 20 de abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colet., p. II‑931, n.° 891, e JFE Engineering e o./Comissão, já referido, n.° 175).

69      Além disso, há que lembrar que, segundo jurisprudência assente, embora o juiz da União exerça de forma geral uma fiscalização total sobre a questão de saber se as condições de aplicação das disposições relativas à concorrência se encontram ou não reunidas, a fiscalização que exerce sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão limita‑se necessariamente à verificação do respeito das regras de processo e de fundamentação, bem como à exatidão material dos factos, à inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, Recueil, p. 2545, n.° 34; de 17 de novembro de 1987, British American Tobacco e Reynolds Industries/Comissão, 142/84 e 156/84, Colet., p. 4487, n.° 62, e de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.° 279; acórdão do Tribunal Geral de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão, T‑271/03, Colet., p. II‑477, n.° 185).

70      Do mesmo modo, na medida em que a decisão da Comissão resulte de apreciações técnicas complexas, estas estão, em princípio, sujeitas a uma fiscalização jurisdicional limitada, que implica que o juiz da União não possa substituir pela sua a apreciação dos elementos de facto feita pela Comissão (acórdãos do Tribunal Geral a Microsoft/Comissão, n.° 58, supra, n.° 88, e de 9 de setembro de 2009, Clearstream/Comissão, T‑301/04, Colet., p. II‑3155, n.° 94).

71      No entanto, embora o juiz da União reconheça à Comissão uma margem de apreciação em matéria económica ou técnica, isso não implica que se deva abster de fiscalizar a interpretação que a Comissão faz de dados dessa natureza. Com efeito, o juiz da União deve, designadamente, verificar não só a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também verificar se esses elementos constituem a totalidade dos dados relevantes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles são retiradas (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, Colet., p. I‑987, n.° 39; acórdãos Microsoft/Comissão, referido no n.° 58, supra, n.° 89, e Clearstream/Comissão, referido no n.° 70, supra, n.° 95).

72      A esse respeito, a existência de uma dúvida no espírito do juiz deve aproveitar à empresa destinatária da decisão que declara uma infração (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, Colet., p. 77, n.° 265). O juiz não pode, pois, concluir que a Comissão fez prova bastante da existência da infração em causa se ainda subsistir uma dúvida sobre essa questão no seu espírito, nomeadamente no âmbito de um recurso de anulação de uma decisão que aplica uma coima (acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 68, supra, n.° 177).

73      Com efeito, nesta última situação, é necessário ter em conta o princípio da presunção de inocência, tal como resulta designadamente do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, que faz parte dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, reafirmada ainda no preâmbulo do Ato Único Europeu e no artigo 6.°, n.° 2, UE, bem como no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de dezembro de 2000 em Nice (JO C 364, p. 1), são protegidos na ordem jurídica da União. Atenta a natureza das infrações em causa, bem como a natureza e o grau de severidade das sanções que lhes estão ligadas, o princípio da presunção de inocência aplica‑se, nomeadamente, aos processos relativos a violações das normas da concorrência aplicáveis às empresas e suscetíveis de conduzir à determinação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v. acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 68, supra, n.° 178 e jurisprudência aí referida; v. igualmente, neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colet., p. I‑4287, n.os 149 e 150, e Montecatini/Comissão, C‑235/92 P, Colet., p. I‑4539, n.os 175 e 176).

74      É à luz destas considerações que se deve examinar a legalidade da decisão recorrida face aos fundamentos das recorrentes.

b)     Quanto ao primeiro fundamento, relativo a uma violação dos direitos de defesa.

75      As recorrentes alegam que, na decisão impugnada, a Comissão utilizou pela primeira vez, em apoio da sua conclusão de que a Telefónica cometeu uma infração, vários elementos de prova que não lhe foram comunicados no procedimento administrativo e a respeito dos quais não teve a ocasião de dar a conhecer o seu ponto de vista. Esses elementos são‑lhe oponíveis e devem ser rejeitados como elementos de prova em suporte da decisão recorrida. Além disso, esses elementos de prova estão feridos de graves erros e lacunas. Segundo as recorrentes, se a Telefónica tivesse tido a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista sobre esses erros e lacunas, teria podido indicar a sua existência à Comissão e, portanto, permitir a sua retificação antes da adoção da decisão recorrida, de modo que o seu conteúdo e as suas conclusões teriam sido necessariamente diferentes.

76      Há que recordar que é jurisprudência assente que o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo suscetível de ter como resultado a aplicação de sanções, nomeadamente coimas ou sanções pecuniárias compulsórias, constitui um princípio fundamental do direito comunitário que deve ser observado mesmo num procedimento de natureza administrativa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, Colet., p. 461, n.° 9, e de 3 de setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão, C‑322/07 P, C‑327/07 P e C‑338/07 P, Colet., p. I‑7191, n.° 34).

77      Corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa, o direito de acesso ao processo implica que a Comissão faculte à empresa em causa a possibilidade de proceder a um exame de todos os documentos que figuram no processo instrutor e que possam ser relevantes para a sua defesa. Estes incluem os elementos de prova, tanto de acusação como de defesa, com a ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, dos documentos internos da Comissão e de outras informações confidenciais (v. acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 69, supra, n.° 68, e jurisprudência aí referida).

78      A falta de comunicação de um documento só constitui violação dos direitos de defesa se a empresa em causa demonstrar, por um lado, que a Comissão se baseou nesse documento para fundamentar a sua acusação relativa à existência de uma infração e, por outro, que essa acusação só poderia ser provada por referência a esse documento. Se existirem outras provas documentais de que as partes tomaram conhecimento ao longo do procedimento administrativo que fundamentem especificamente as conclusões da Comissão, a eliminação como meio de prova do documento de acusação não comunicado não impede que sejam procedentes as acusações formuladas na decisão impugnada. Assim, incumbe à empresa em questão demonstrar que o resultado a que a Comissão chegou na sua decisão teria sido diferente se tivesse sido rejeitado como meio de prova da acusação um documento não comunicado no qual a Comissão se baseou para incriminar essa empresa (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 69, supra, n.os 71 a 73, e jurisprudência aí referida).

79      Além disso, o artigo 27.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 prevê o envio às partes de uma comunicação de acusações que deve enunciar, de forma clara, todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nessa fase do procedimento. Essa comunicação de acusações constitui a garantia processual que aplica o princípio fundamental do direito comunitário que exige o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo (v., neste sentido, acórdão Papierfabrik August Koehler e o./Comissão, n.° 76, supra, n.° 35 e jurisprudência aí referida).

80      Este princípio exige, nomeadamente, que a comunicação de acusações dirigida pela Comissão a uma empresa à qual pretende aplicar uma sanção pela violação das normas da concorrência contenha os elementos essenciais opostos a essa empresa, tais como os factos imputados, a qualificação que lhes é dada e as provas em que a Comissão se baseia, para que essa empresa possa invocar utilmente os seus argumentos no procedimento administrativo instaurado contra ela (v. acórdão Papierfabrik August Koehler e o./Comissão, n.° 76, supra, n.° 36 e jurisprudência aí referida).

81      Esta exigência é respeitada quando a decisão da Comissão não impute aos interessados infrações diferentes das referidas na comunicação de acusações e apenas se baseie em factos sobre os quais os interessados tenham tido a oportunidade de se explicar (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colet., p. 661, n.° 94; acórdãos do Tribunal Geral de 19 de março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, T‑213/00, Colet., p. II‑913, n.° 109, e France Télécom/Comissão, referido no n.° 60, supra, n.° 18).

82      A decisão final da Comissão, porém, não tem necessariamente que ser uma cópia da descrição das acusações. Assim, admite‑se que sejam feitos aditamentos à comunicação de acusações tendo em conta a defesa das partes, cujos argumentos demonstrem que estas puderam, efetivamente, exercer o seu direito de defesa. A Comissão pode também, no procedimento administrativo, rever ou acrescentar argumentos de facto ou de direito em apoio das acusações que formulou (v. acórdãos do Tribunal Geral de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie Générale Maritime e o./Comissão, T‑86/95, Colet., p. II‑1011, n.° 442, e France Télécom/Comissão, referido no n.° 60, supra, n.° 18 e jurisprudência aí referida).

83      Com efeito, a Comissão tem de levar em conta os elementos decorrentes do procedimento administrativo, quer para abandonar acusações que se tenham revelado infundadas quer para organizar ou completar, tanto de facto como de direito, a sua argumentação em apoio das acusações que formula (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 1980, van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 68; e de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, Colet., p. I‑7415, n.° 40 e jurisprudência aí referida).

84      Assim sendo, os direitos de defesa só são violados por causa de uma discordância entre a comunicação de acusações e a decisão final se uma acusação dada por provada nessa decisão não tiver sido exposta de forma suficiente a permitir que os destinatários se defendam (acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2004, Corus UK/Comissão, T‑48/00, Colet., p. II‑2325, n.° 100, e jurisprudência aí referida).

85      Não é esse o caso quando as alegadas diferenças entre a comunicação de acusações e a decisão impugnada não incidem sobre comportamentos diferentes daqueles sobre os quais as recorrentes já se tenham explicado e que, como tal, são alheios a qualquer nova acusação (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colet., p. I‑8375, n.° 103).

86      Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que, na decisão impugnada, a Comissão se baseou em «novos elementos» no âmbito do teste «período a período» da compressão tarifária das margens.

87      Primeiro, sustentam que a Comissão utilizou «novos elementos» para defender a necessidade de ter em conta, a título da duração média da relação comercial entre a Telefónica e os seus clientes finais no mercado de retalho, «uma duração de vida média» de [confidencial] (1) anos, por um lado, referindo‑se ao plano de atividades inicial da Telefónica, que previa a obrigação de recuperar as despesas efetuadas para atrair a clientela em um ou dois anos e, por outro, afirmando que a fórmula de cálculo proposta pela Telefónica não teria sido adequada para um mercado em expansão (considerandos 474 a 489 da decisão recorrida). Alegam igualmente que se tivessem podido pronunciar‑se a esse respeito, antes da adoção da decisão impugnada, poderiam ter demonstrado que a longevidade média dos seus utilizadores finais era [confidencial].

88      A este respeito, há que observar, antes de mais, que o período de amortização dos custos de aquisição de assinantes de [confidencial] anos utilizado no considerando 489 da decisão recorrida é idêntico ao que figura no n.° 383 da comunicação das acusações. O anexo H da comunicação de acusações (n.os 595 a 598), intitulado «[e]stimativa da longevidade média dos assinantes da Telefónica» fazia referência às estimativas da Telefónica relativas à referida longevidade, bem como às razões pelas quais a Comissão considerou que as referidas estimativas subestimavam essa longevidade (n.° 598 da comunicação de acusações). Aliás, a Telefónica apresentou os seus argumentos a esse respeito no ponto 4.1 e no anexo 5 da sua resposta à comunicação de acusações.

89      Em seguida, quanto à referência, no considerando 476 da decisão impugnada, à recuperação dos custos de aquisição dos assinantes com base no plano de atividades inicial da Telefónica, refira‑se que esta última, que se baseia no anexo 10iii à carta da Telefónica de 21 de julho de 2006, posterior à comunicação das acusações (nota de rodapé n.º 492 da decisão impugnada), não foi utilizada para fixar a duração da amortização dos custos de aquisição de assinantes na decisão impugnada (considerandos 476 e 489 da decisão impugnada), permitindo essa indicação, porém, considerar que a duração de [confidencial] anos, utilizada pela Comissão para o cálculo do teste «período a período», é mais favorável à Telefónica do que aquela que figurava no referido plano de atividades.

90      Por último, no que se refere à afirmação da Comissão, no considerando 482 da decisão impugnada, segundo a qual a fórmula de cálculo proposta pela Telefónica não era adequada para um mercado em expansão, refira‑se que as recorrentes foram devidamente informadas, na comunicação de acusações, da importância do cálculo da amortização adequado das despesas de aquisição dos novos clientes da Telefónica, nomeadamente nos mercados em expansão. Assim, no n.° 380 da comunicação de acusações, a Comissão já tinha referido que, num mercado em expansão como o mercado de retalho no presente processo, os custos de captação dos clientes constituíam custos consideráveis que deviam ser amortizados durante um período adequado, pelo que deviam ser feitos ajustamentos na contabilidade da Telefónica. A afirmação que consta do considerando 482 da decisão impugnada não constitui, a esse respeito, mais do que uma resposta aos cálculos propostos pela Telefónica na sua carta de 26 de março de 2004, aos quais a Comissão já fazia referência no anexo H (n.° 595, nota de rodapé n.° 504) da comunicação de acusações.

91      De qualquer modo, há que rejeitar também o argumento das recorrentes, apresentado na réplica, segundo o qual, se tivessem tido conhecimento do facto de que a Comissão não teria em conta a longevidade média dos assinantes da Telefónica, teriam podido demonstrar que essa longevidade era muito [confidencial] à que a Comissão tinha tido em conta na decisão impugnada, e segundo o qual a prática das autoridades reguladoras nacionais (a seguir «ARN») era irrelevante. Com efeito, como já foi acima referido no n.° 88, a duração da amortização dos custos de aquisição de assinantes de [confidencial] anos já constava do n.° 383 da comunicação de acusações e a Comissão já se referia à prática das autoridades de concorrência nacionais e das ARN no n.° 382 da mesma. Além disso, a Comissão também tinha indicado, na referida comunicação, que era possível que, devido ao comportamento anticoncorrencial da Telefónica, a duração média dos contratos fosse superior ao que teria existido num mercado concorrencial (n.° 381 da comunicação de acusações).

92      Há que rejeitar, portanto, a alegação das recorrentes de que a Comissão se baseou em «novos elementos» para defender a necessidade de fixar uma longevidade média de [confidencial] anos.

93      Segundo, na decisão impugnada, a Comissão considerou que a afetação das despesas realizadas pela Telefónica subestimava os custos marginais de comercialização dos serviços de alta velocidade ao passo que, anteriormente, indicava que essa afetação constituía o «limite superior» (n.os 407 e 424 da comunicação de acusações), ou que incluía uma parte razoável da estrutura comercial (n.° 27 do ofício relativo à descrição dos factos).

94      A este respeito, refira‑se que a Comissão já tinha indicado, nos n.os 401 a 407 e 424 da comunicação de acusações, que a Telefónica havia subestimado os custos de comercialização na sua análise das CMILT. Assim, a Comissão tinha sublinhado, no n.° 401 da comunicação de acusações, que a Telefónica «subestimou os [CMILT] de certas atividades, nomeadamente os custos de comercialização». Precisava que «a TESAU [tinha] unicamente incluído o custo diretamente imputável a cada novo assinante (‘prémios e Comissão’ concedidos à rede de venda), mas não [tinha] incluído nenhum custo associado à sua estrutura comercial». Por outro lado, no n.° 403 da comunicação de acusações, a Comissão tinha igualmente referido que «a atividade retalhista ADSL da TESAU [gerava] uma parte importante da estrutura comercial da TESAU e [que] uma parte dessa estrutura [devia] portanto ser tida em conta nos [CMILT] da TESAU». Por último, no n.° 29 do ofício relativo à descrição dos factos, a Comissão tinha sublinhado que a estrutura comercial da TESAU era principalmente dedicada ao crescimento da banda larga. Aliás, as recorrentes apresentaram observações a esse respeito, na sua resposta à comunicação de acusações e ao ofício relativo à descrição dos factos.

95      Quanto à afirmação das recorrentes relativa aos custos de comercialização de que a Comissão tinha «abandonado a hipótese inferior [descrita no n.° 406 da comunicação de acusações] a favor da hipótese superior [descrita no n.° 407 dessa comunicação]», baseando‑se pela primeira vez, no considerando 468 da decisão impugnada, na evolução da capacidade comercial da Telefónica, há que assinalar que a referida evolução já tinha sido claramente mencionada no n.° 402 da comunicação de acusações e no n.° 27 do ofício relativo à descrição dos factos. No ponto supramencionado da comunicação de acusações, a Comissão já tinha por outro lado afirmado que a «hipótese inferior», a saber, o cálculo do nível mínimo provável dos CMILT, apresentava o risco de os reduzir a um nível inferior aos autênticos CMILT. Também tinha referido, no n.° 30 desse ofício, ao basear‑se no n.° 407 da comunicação das acusações, ele próprio baseado no nível máximo das CMILT, que considerava que se justificava incluir uma parte dos custos de comercialização da Telefónica na sua avaliação dos CMILT com vista a uma eventual decisão. Além disso, no n.° 424 da comunicação de acusações, a Comissão tinha sublinhado que os custos de rede de comercialização não abrangiam só os custos relativos a essa rede (hipótese inferior), mas também o aumento dos custos da estrutura comercial da TESAU devidos à sua atividade ADSL a retalho (hipótese superior). Não colhe, portanto, a alegação das recorrentes.

96      Em segundo lugar, as recorrentes alegam que, na decisão impugnada, a Comissão apresentou elementos relativos ao método dos FTA, sobre os quais a Telefónica não foi ouvida.

97      Primeiro, as recorrentes alegam que, ao alterar as fontes de referência no quadro da análise «período a período», a Comissão alterou igualmente as «fontes da maior parte dos custos e receitas utilizadas na sua análise dos FTA», pelo que as considerações dos recorrentes relativas à análise «período a período» são também pertinentes para efeitos da análise dos FTA. Todavia, uma vez que os argumentos das recorrentes a este respeito foram rejeitados (v. n.os 86 a 95, supra) e na falta de informações suplementares por parte das recorrentes, no quadro do presente fundamento, relativamente a outras eventuais modificações das fontes dos custos e receitas utilizados na análise dos FTA, improcede igualmente a presente alegação.

98      Segundo, a Comissão procedeu, pela primeira vez na decisão impugnada e sem o ter mencionado no ofício relativo à descrição dos factos, a uma «análise da sensibilidade» do valor terminal utilizado na sua análise dos FTA, uma vez que calculou esse valor com base numa estimativa hipotética do nível de rentabilidade futura do comércio a retalho da Telefónica, a partir dos lucros futuros que se esperava pelo período 2007‑2011 auferidos com clientes atraídos antes de 2006. Na réplica, as recorrentes afirmam, a este respeito, que resulta do considerando 372 da decisão impugnada que a Comissão se baseou nesses «novos cálculos» para justificar a escolha do valor terminal.

99      Contudo, este argumento assenta numa premissa errada. Com efeito, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a Comissão não calculou um valor terminal baseado numa estimativa hipotética do nível de rentabilidade futura do comércio a retalho da Telefónica, a partir dos lucros futuros esperados durante o período 2007‑2011. No considerando 370 da decisão impugnada, a Comissão considerou, precisamente, que «não era pertinente no caso em apreço determinar se as perdas da Telefónica no período 2001‑2006 [podiam] ser compensadas por lucros futuros hipotéticos a partir de 2007». Além disso, há que referir que o considerando 372 da decisão impugnada se destina a refutar a solução alternativa proposta pela Telefónica no procedimento administrativo para calcular o valor terminal (considerando 368 da decisão impugnada) e demonstrar que o cálculo desta continha vários erros significativos que tinham o efeito de sobreavaliar o valor terminal (considerando 371 da decisão impugnada). Ora, como acima se refere nos n.os 82 e 83, na sua decisão final, a Comissão tem de levar em conta os elementos decorrentes do procedimento administrativo para organizar ou completar, tanto de facto como de direito, a sua argumentação em apoio das acusações que formula.

100    Em qualquer caso, a Comissão sublinhou que o método utilizado pela própria Comissão para calcular o valor terminal na decisão impugnada já tinha sido anunciado no n.° 446, na nota de rodapé n.° 302 e na tabela 47 da comunicação de acusações (v., igualmente, n.os 21 e 22 do ofício relativo à descrição dos factos). De resto, esse método foi criticado pela Telefónica no ponto 6.3 da sua resposta à referida comunicação e na Secção 5.1.2 da sua resposta ao ofício relativo à descrição dos factos.

101    Interrogadas sobre esta afirmação na audiência, as recorrentes precisaram, primeiro, que existia uma diferença nítida entre o quadro 47 da comunicação de acusações e o quadro 67 da decisão recorrida, uma vez que os dados relativos a 2006 não eram mencionados na referida comunicação. Contudo, há que considerar que a falta desses dados, que se explica pela data da comunicação de acusações, de 21 de fevereiro de 2006, não desmente a afirmação da Comissão relativa à utilização de um mesmo método na comunicação de acusações e na decisão impugnada. Em seguida, as recorrentes reiteraram que o quadro 67 da decisão impugnada continha uma «análise da sensibilidade» (relativa aos anos de 2007 a 2011) destinada a «confirmar» a análise do valor terminal, o que é novo. Contudo, este argumento deve ser julgado improcedente pelos motivos acima expostos no n.° 99. Por último, as recorrentes afirmaram que a Comissão utilizou os CMILT mínimos na comunicação de acusações, ao passo que utilizou os CMILT máximos na decisão impugnada. Contudo, este argumento já foi acima rejeitado nos n.os 93 a 95.

102    Terceiro, afirmam que a Comissão, sem ouvir a Telefónica a este respeito, criticou o emprego dos múltiplos de receitas propostos pela Telefónica na sua resposta à comunicação das acusações e reajustou os cálculos dos FTA apresentados pela Telefónica na referida resposta (considerandos 367 a 377 e 533 a 536 da decisão impugnada). A Comissão refere‑se igualmente, na decisão impugnada, às aquisições recentes da Terra Networks SA e da O2 plc pela Telefónica (considerando 377 da decisão impugnada), assim se baseando em documentos que não constam do processo.

103    A este respeito, o considerando 377 da decisão impugnada apenas se destina a refutar a argumentação apresentada pela Telefónica na sua resposta à comunicação de acusações. Ora, como acima referido nos n.os 82 e 83, admite‑se que sejam feitos aditamentos à comunicação de acusações tendo em conta a resposta das partes cujos argumentos demonstrem que estas puderam efetivamente exercer o seu direito de defesa. Além disso, o próprio método de avaliação utilizado nas aquisições da Terra Networks e da O2 pela Telefónica só foi mencionado, por acréscimo, no referido considerando, a título de exemplo, para refutar o método dos múltiplos das receitas seguido pela Telefónica para a avaliação das suas atividades a jusante, na sua resposta à comunicação de acusações. A Comissão não se baseou, por conseguinte, nos documentos em causa para sustentar, no caso vertente, a sua acusação relativa à existência de uma infração. De acordo com a jurisprudência acima referida no n.° 78, a alegação das recorrentes não pode, portanto, ser acolhida. Por outro lado, decorre da documentação relativa à audição de 12 de junho de 2006, junta aos autos no Tribunal Geral, que o cálculo do valor terminal enquanto múltiplo das receitas evocado pelas recorrentes foi objeto de discussão nessa audição.

104    Em terceiro lugar, as recorrentes alegam que a Comissão faz, na decisão impugnada, uma comparação das quotas de mercado dos produtos de banda larga e de banda estreita (considerandos 574 a 578 da decisão impugnada) que não figurava na comunicação das acusações e que não foi evocada no ofício relativo à descrição dos factos.

105    Há que salientar que a Comissão não contestou nos seus articulados nem, questionada sobre este ponto, na audiência, que a referida comparação não constava da comunicação de acusações nem do ofício relativo à descrição dos factos. Todavia, a apreciação dos efeitos concretos da infração nos considerandos 564 a 573 e 579 a 613 da decisão impugnada baseia‑se em vários outros elementos acima expostos nos n.os 475 a 532 da comunicação das acusações. Ora, não estando demonstrado que a eliminação, enquanto meio de prova, da comparação entre as quotas de mercado dos produtos de alta velocidade e dos produtos de baixa velocidade contraria a procedência das acusações formuladas na decisão recorrida, há que considerar que a comunicação de acusações continha, no caso, os elementos essenciais em que assentava a conclusão da Comissão relativa à existência dos efeitos concretos da infração.

106    Em quarto lugar, segundo as recorrentes, para demonstrar a existência de efeitos concretos no mercado grossista, a Comissão utilizou novos dados referentes às quotas suplementares líquidas da Telefónica relativamente aos seus concorrentes (considerandos 579 a 581 e esquema 18 da decisão impugnada).

107    A Comissão, como referiu na audiência, tinha já indicado, no ponto 38 e na nota de rodapé n.° 45 do ofício relativo à descrição dos factos, [confidencial]. Além disso, há que considerar, como salienta a Comissão, que o gráfico 18 da decisão recorrida constitui uma representação dos dados relativos às quotas de mercado ou aos volumes que já constavam da tabela 64 da comunicação de acusações. A este respeito, há que rejeitar o argumento apresentado pelas recorrentes na audiência, segundo o qual, ao contrário do gráfico 18 da decisão impugnada, o quadro 64 da comunicação de acusações se refere igualmente ao ano de 2001 e ao operador British Telecom, pois estes elementos não figuram na decisão impugnada. Não colhe, portanto, o argumento das recorrentes.

108    Em quinto lugar, afirmam que a Comissão formulou críticas (considerandos 606 a 609 da decisão impugnada) quanto ao estudo dos preços junto pela Telefónica à sua resposta à comunicação de acusações, que eram novas e diferentes das condições formuladas pelo economista principal da Comissão na audição. A este respeito, basta verificar que, uma vez que as críticas da Comissão constituem uma simples refutação dos cálculos propostos pela Telefónica no relatório de peritagem junto como anexo 6 da sua resposta à comunicação de acusações e não novos elementos para alicerçar a conclusão da Comissão relativa aos efeitos concretos do comportamento da Telefónica nos mercados em causa, não se pode considerar existir qualquer violação dos direitos de defesa da Telefónica.

109    Daí resulta que o presente fundamento deve ser julgado integralmente improcedente.

c)     Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de facto e de direito na definição dos mercados grossistas em causa.

110    No âmbito do presente fundamento, as recorrentes contestam a definição dos mercados grossistas em causa efetuada pela Comissão nos considerandos 162 a 208 da decisão impugnada (v. n.os 9 a 14, supra).

111    Segundo jurisprudência assente, para efeitos do exame da posição, eventualmente dominante, de uma empresa em determinado mercado setorial, as possibilidades de concorrência devem ser apreciadas no âmbito do mercado de todos os produtos que, em função das suas características, sejam particularmente adequados à satisfação de necessidades constantes e sejam pouco intermutáveis com outros produtos. Além disso, dado que a determinação do mercado em causa serve para avaliar se a empresa em questão tem a possibilidade de prejudicar uma concorrência efetiva e de se comportar, em medida apreciável, independentemente dos seus concorrentes, dos seus clientes e dos consumidores, não se pode, para este efeito, limitar‑se a examinar as características objetivas dos produtos em causa, devendo igualmente tomar‑se em consideração as condições da concorrência e a estrutura da procura e da oferta no mercado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 37, acórdãos France Télécom/Comissão, referido no n.° 60, supra, n.° 78, e Clearstream/Comissão, n.° 70, supra, n.° 48, e jurisprudência aí referida).

112    O conceito de mercado relevante implica que possa haver uma concorrência efetiva entre os produtos que dele fazem parte, o que pressupõe um grau suficiente de permutabilidade para a mesma utilização entre todos os produtos que façam parte de um mesmo mercado (acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 76, supra, n.° 28, e Clearstream/Comissão, n.° 70, supra, n.° 49).

113    Resulta igualmente da Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5, n.° 7) que «[u]m mercado de produto relevante compreende todos os produtos e/ou serviços considerados permutáveis ou substituíveis pelo consumidor devido às suas características, preços e utilização pretendida». Do ponto de vista económico, para uma definição do mercado relevante, a substituição do lado da procura constitui o elemento de disciplina mais imediato e eficaz relativamente aos fornecedores de um dado produto, em especial no que diz respeito às suas decisões em matéria de fixação dos preços (n.° 13 da referida comunicação). Além disso, a substituibilidade do lado da oferta pode também ser tomada em consideração para definir o mercado relevante nas operações em que essa substituibilidade tenha efeitos equivalentes aos da substituibilidade do lado da procura em termos de eficácia e de efeito imediato. Para tanto, é necessário que os fornecedores possam transferir a sua produção para os produtos em causa e comercializá‑los a curto prazo sem incorrerem em custos ou riscos suplementares significativos em resposta a pequenas mas permanentes alterações nos preços relativos (n.° 20 da referida comunicação).

114    Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que a desagregação do lacete local, o produto grossista regional e o produto grossista nacional pertencem ao mesmo mercado de produtos relevante. Quanto à substituibilidade do lado da procura desses produtos, afirmam que estes permitem aos operadores alternativos oferecer os mesmos serviços a retalho de alta velocidade. De resto, a Comissão reconheceu, nos considerandos 154 e 155 da decisão impugnada, que os referidos produtos pertencem ao mesmo mercado retalhista relevante.

115    Primeiro, as recorrentes alegam que a Comissão considerou erradamente que os custos de substituição dos produtos grossistas nacional e regional pela desagregação do lacete local eram «extremamente elevados» e que essa substituição era um «longo processo» e requeria uma «massa crítica mínima». As recorrentes afirmam igualmente que os operadores alternativos podiam recorrer ao lacete local a partir de 2001 e que este sofreu um avanço considerável entre 2004 e 2006.

116    Há que recordar que, na decisão impugnada, a Comissão salientou os investimentos consideráveis exigidos pela passagem do produto grossista nacional ao produto grossista regional (considerando 185 da decisão impugnada). A Comissão concluiu igualmente que a passagem do produto grossista regional à desagregação do lacete local era extremamente dispendiosa, uma vez que implicava a instalação de uma rede, de um ponto de interligação regional às linhas locais da Telefónica, preços grossistas elevados impostos pela Telefónica para efetuar essa passagem e a obtenção da partilha de locais e outros serviços associados para poder prestar serviços de acesso a retalho de alta velocidade. Além disso, segundo a Comissão, essa migração toma muito tempo, não é uma opção viável para o conjunto do território espanhol e requer uma massa crítica mínima (considerandos 173 a 177 da decisão recorrida). A Comissão recordou igualmente, no considerando 180 da decisão recorrida, que, numa carta à Comissão datada de 2 de março de 2005, a própria Telefónica tinha feito referência ao facto de os operadores alternativos terem que atingir uma massa crítica antes de começarem a investir na sua própria infraestrutura que lhes permita utilizar a desagregação do lacete local.

117    Ora, antes de mais, as recorrentes não contestaram as considerações da decisão impugnada, segundo as quais, para efeitos de proceder à desagregação do lacete local, os operadores alternativos deviam estar fisicamente presentes e partilhar os locais dos seus equipamentos com os da Telefónica, que é a única empresa a ter uma rede de acesso local no conjunto do território espanhol, o que os obrigou a instalá‑los nos 6 836 repartidores principais da Telefónica e implicava enormes investimentos prévios (considerandos 80, 81 e tabela 8 da decisão impugnada; v. igualmente considerando 132 da decisão impugnada). Também não contestaram, nos seus articulados ou na audiência, que os investimentos da Telefónica para o efeito foram de mais de 1500 milhões de euros, aos quais devem acrescer os investimentos necessários para se ligar aos 109 pontos de acesso indireto do produto grossista regional, que representam [confidencial] milhões de euros (considerandos 164, 185, quadro 9 e notas de rodapé n.os 73 e 74 da decisão impugnada). Ora, como acertadamente refere a Comissão, esses investimentos são consideráveis. Assim, a Comissão indicou, sem impugnação das recorrentes, que mesmo o investimento de 200 milhões de euros que, segundo a Telefónica, teria sido necessário para que um operador alternativo pudesse transferir a sua rede local, representava mais de 130% das receitas acumuladas pela Jazztel no mercado retalhista entre 2001 e 2006.

118    Seguidamente, há que rejeitar o argumento das recorrentes de que a Jazztel, apesar de ser desprovida da «massa crítica mínima» (considerando 177 da decisão recorrida) e apenas ter uma quota de mercado inferior a 1% no início do período 2001‑2006, tinha condições para fazer um investimento de 200 milhões de euros, o que contradiz a afirmação que figura no considerando 164 da decisão impugnada, segundo a qual seriam necessários entre 580 e 670 milhões de euros para implantar uma rede de lacete local que incluísse entre 550 e 575 centrais.

119    Por um lado, o argumento das recorrentes assenta exclusivamente numa comunicação da Jazztel à Comisión del mercado nacional de valores (comissão nacional espanhola do mercado de valores) de 27 de julho de 2007, na qual a Jazztel afirmou que, «durante os exercícios de 2005 e 2006, a empresa [tinha] investido mais de 200 milhões de euros na implantação da rede de lacete local de última geração mais ampla e mais moderna de Espanha» e que «a empresa [tinha] a intenção de reduzir os investimentos de forma significativa em 2007, quando os trabalhos de desenvolvimento da rede [estivessem] concluídos». Ora, não resulta dessa afirmação que a totalidade das despesas de instalação da rede da Jazztel fosse aumentada para «mais de 200 milhões de euros», mas apenas que esse montante foi investido na implantação da rede em 2005 e 2006. Como refere a Comissão, sem impugnação das recorrentes, o montante dos investimentos mencionados na referida comunicação não inclui os investimentos já realizados pela Jazztel antes de 2005 para a implantação da sua rede, entre os quais designadamente os 2 718 km da rede de lacete local implantados pela Jazztel desde finais de 2004, nem os investimentos que a Jazztel deverá ainda realizar para finalizar a implantação dessa rede.

120    Por outro lado, mesmo supondo que, como defendem as recorrentes, em 28 de fevereiro de 2007 a Jazztel tivesse efetivamente conseguido aceder a 607 repartidores da Telefónica, além de isso ser posterior ao período da infração, não significa necessariamente que a Jazztel já tivesse efetivamente realizado os investimentos necessários para implantar a sua rede até esses repartidores. Assim, em março de 2006, a Jazztel tinha ligado à sua rede 38% ou 44% (segundo a Comissão) ou 53% (segundo as recorrentes) das 470 «trocas locais» que tinha instalado. Ora, o argumento das recorrentes, cuja exatidão é contestada pela Comissão, segundo o qual a ligação dos repartidores à rede da Jazztel é um serviço independente da desagregação, que os operadores alternativos podem obter junto de outro operador diferente da Telefónica, não põe em causa o facto de esse investimento fazer parte dos investimentos necessários para que um operador alternativo possa beneficiar do serviço de desagregação do lacete local (considerando 132 da decisão impugnada). Além disso, uma vez que a Telefónica possui 6 836 repartidores principais, o acesso a 607 repartidores da Telefónica abrange, do ponto de vista geográfico, menos de 10% das centrais da Telefónica e permite apenas, segundo a própria Telefónica, atingir cerca de 60% dos potenciais clientes. Por outro lado, essa cobertura só foi alcançada no final do ano de 2006, ou seja, seis anos depois de o lacete local ter sido disponibilizado.

121    A este respeito, há que rejeitar igualmente o argumento das recorrentes segundo o qual, mesmo que os investimentos exigidos para efeitos de utilização de outro produto grossista fossem efetivamente consideráveis, a Comissão deveria ter calculado os lucros resultantes da utilização do lacete local (receitas superiores, diversidade de serviços finais de pormenor e independência tecnológica da Telefónica). Com efeito, como a Comissão observou, com razão, no considerando 176 da decisão impugnada, um operador alternativo que pretenda substituir o produto grossista regional pelos serviços de desagregação do lacete local deve realizar os investimentos necessários para a implantação da sua rede, mas só realizará os lucros dessa alteração depois de ter atingido uma clientela suficiente, o que não é certo nem imediato.

122    Por último, há que rejeitar o argumento das recorrentes de que os progressos significativos e rápidos do lacete local, entre 2004 e 2006, que conduziram a uma cobertura de mais de 60% das instalações da Telefónica, demonstram que o «fator tempo» não constitui um obstáculo à substituição dos produtos grossistas nacional ou regional pelos serviços de desagregação do lacete local.

123    Como resulta nomeadamente dos n.os 16, 20, 21 e 23 da Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência, acima referida no n.° 113, e como a Comissão recordou acertadamente no considerando 172 da decisão recorrida, a substituibilidade necessária para fins de definição do mercado relevante tem de se materializar a curto prazo, o que, segundo os considerandos 172 a 175 da decisão impugnada, não é o caso.

124    A este respeito, há que rejeitar o argumento das recorrentes para desmentir esta conclusão, segundo o qual os operadores alternativos não consideraram oportuno solicitar o acesso ao lacete local antes de 2004, num período em que teriam atingido uma cobertura de mais de 60% das instalações da Telefónica.

125    Com efeito, embora a TESAU esteja sujeita a uma obrigação legal de locação do par de fios de cobre aos operadores alternativos desde dezembro de 2000 (considerando 81 da decisão impugnada), a utilização efetiva do lacete local só começou, numa medida limitada, no final de 2004 e no início de 2005 (considerando 96 e esquema 2.° da decisão impugnada). Por um lado, tendo em conta os investimentos necessários (v. n.os 117 a 121, supra), e como a própria Telefónica reconheceu (considerando 180 da decisão impugnada), só em 2004 os operadores alternativos atingiram uma massa crítica em termos de ligações e de experiência do mercado que lhes permitiu investir nas infraestruturas de rede e assim começar a passar as suas ligações de acesso grossista indireto para o acesso desagregado ao lacete local (v. considerandos 177 a 180 da decisão impugnada e n.° 129, supra). Por outro lado, como resulta designadamente do considerando 143 da decisão impugnada, foram observados prazos consideráveis entre o momento em que os operadores alternativos pediam o acesso desagregado ao lacete local da Telefónica e o momento em que esse acesso lhes era concedido. A este respeito, refira‑se que, como resulta da tabela 60 da decisão impugnada, cujos dados não foram impugnados pelas recorrentes, a alegada cobertura de mais de 60% das instalações da Telefónica só foi realizada em dezembro de 2006, ou seja, no fim do período da infração.

126    A este respeito, há que rejeitar também o argumento das recorrentes de que a existência de obstáculos de acesso ao lacete local foi desmentida pela Comisión Nacional de la Competencia (comissão nacional espanhola da concorrência) na sua decisão de 22 de outubro de 2007. Mesmo pressupondo que resultava dessa decisão que, nesse processo, o organismo encarregado da defesa da concorrência em nenhum momento da instrução tinha «acreditado que os presumíveis atrasos fossem reais», essa decisão não põe em causa o que se afirma nos considerandos 139 e 140 da decisão recorrida, não impugnados pela Telefónica nos seus articulados, segundo os quais, desde 2002, foram submetidos à CMT 55 conflitos sobre o acesso ao lacete local, a maior parte dos quais conduziram a uma decisão desfavorável à Telefónica.

127    Em segundo lugar, as recorrentes afirmam que existem produtos grossistas distintos da desagregação do lacete local que permitem apresentar uma oferta «diferente», por exemplo os serviços telefónicos através do Protocolo IP (Internet Protocol). Todavia, na audiência, as partes confirmaram, no essencial, que existem diferenças funcionais entre os produtos grossistas nacional, regional e de desagregação do lacete local, o que resulta, de resto, dos considerandos 66, 70 e 82, 85, 87, 89, 166 e 171, e da nota de rodapé n.° 47 da decisão impugnada. Embora, na audiência, as recorrentes tenham alegado que o produto grossista regional permitia um «certo nível de diferenciação», há que considerar, como a Comissão aliás precisa nos considerandos acima mencionados, que um operador que opte pelos serviços de desagregação do lacete local da Telefónica pode controlar uma parte substancial da cadeia de valor e inúmeros aspetos do seu serviço de retalho. Como resulta dos considerandos 82, 87, 89 e 171 da decisão impugnada, contrariamente à desagregação do lacete local, o acesso aos produtos grossistas nacional e regional não permite aos operadores alternativos diferenciar de forma significativa o seu produto de retalho do da Telefónica, pelo que se devem limitar a fazer concorrência à Telefónica pelos preços. A este respeito, as próprias recorrentes, na réplica, alegam que o investimento na rede local proporciona uma maior diversidade dos serviços finais de retalho. Referem‑se para esse efeito aos exemplos da France Telecom, que foi a primeira empresa a oferecer em Espanha um produto que incluía as comunicações de voz e a Internet, e a Jazztel, que foi a primeira empresa a comercializar um produto a retalho com uma velocidade de ligação capaz de ir até aos 20 megaoctetos por segundo.

128    Terceiro, há que rejeitar o argumento das recorrentes de que existe «substituibilidade suficiente» entre o produto do mercado grossista regional, o produto do mercado grossista nacional e a desagregação do lacete local, devido ao facto de, em cada central da Telefónica, um número suficiente de operadores alternativos utilizarem uma combinação de diferentes produtos grossistas que corresponde melhor às suas necessidades e que essa substituibilidade «à margem» baste para considerar no caso presente que esses produtos pertencem ao mesmo mercado de produtos em causa.

129    Antes de mais, há que observar, como faz a Comissão, que o facto de certas operadoras terem investido para implantar as suas próprias redes e terem podido aumentar a partir de 2004 a utilização do lacete local não confirma a existência de uma substituibilidade efetiva entre os produtos grossistas nacional e regional e a desagregação do lacete local ao longo do período da infração, mas é o resultado de um processo de migração progressiva, descrito pela Comissão nomeadamente nos considerandos 93 a 103 da decisão impugnada. Ora, por um lado, essa migração necessita de investimentos consideráveis que se prolongam por vários anos. Por outro lado, em razão dos custos substanciais irrecuperáveis associados a essa migração e à progressão na «escala dos investimentos» (v. nota de rodapé n.° 82 da decisão impugnada), é pouco provável que um operador alternativo substitua a desagregação do lacete local pelos produtos grossistas nacional ou regional em caso de aumento ligeiro, mas significativo e permanente, do preço da desagregação do lacete local.

130    Seguidamente, não está demonstrada a utilização pelos operadores alternativos, durante o período da infração, em cada central, de uma combinação ótima dos produtos grossistas que incluísse a desagregação do lacete local. Assim, resulta dos considerandos 102 e 103 da decisão recorrida, não impugnados pelas recorrentes nos seus articulados, que, até 2002, a France Telecom comprou quase exclusivamente o produto do mercado grossista nacional da Telefónica, tendo este sido substituído, no final de 2002, por uma oferta grossista nacional alternativa baseada no produto grossista regional da Telefónica. Foi só a partir de fevereiro de 2005 que o número de lacetes locais desagradados da France Telecom aumentou significativamente, enquanto havia uma diminuição do número de linhas nacionais alternativas por grosso baseadas no produto grossista regional da Telefónica. Além disso, até ao último trimestre de 2004, a Ya.com comprou exclusivamente o produto do mercado grossista nacional da Telefónica e começou a utilizar progressivamente a desagregação do lacete local a partir de julho de 2005, com a sua aquisição da Albura.

131    Por último, o argumento das recorrentes só pode ser aplicado aos concorrentes da Telefónica que dispusessem de uma rede que lhes permitisse a desagregação do lacete local, com exclusão dos concorrentes potenciais da Telefónica que não tenham ainda efetuado investimentos para fins de utilização do produto do mercado grossista regional ou de desagregação do lacete local.

132    Quarto, quanto ao argumento das recorrentes segundo o qual o Servicio de Defensa de la Competencia (serviço de proteção da concorrência espanhol) admitiu a existência de um único mercado grossista relevante no processo Telefónica/Iberbanda (relatório do serviço de proteção da concorrência N‑06038, Telefónica/Iberbanda), basta referir que as recorrentes não contestam a afirmação da Comissão, feita nos seus articulados, de que, nesse caso, a apreciação da operação não dependia de uma limitação mais ou menos estrita dos mercados, uma vez que as quotas de mercado da Iberbanda eram muito reduzidas, e que essa autoridade, na sua decisão final, referiu expressamente a diferenciação operada pela CMT entre serviços de desagregação do lacete local e acessos grossistas indiretos.

133    Quinto, há que lembrar que as próprias recorrentes explicaram, na sua resposta inicial à denúncia da France Telecom, que a desagregação do lacete local e os produtos do mercado grossista de acesso indireto não eram substituíveis (considerando 170 da decisão impugnada). Além disso, como a Comissão indicou no considerando 182 da decisão impugnada, todas as ARN que analisaram o mercado grossista de acesso à alta velocidade nos respetivos países, incluindo a CMT no mercado espanhol, consideraram, por razões semelhantes, que a desagregação do lacete local e os produtos do mercado grossista de acesso indireto constituíam mercados distintos. Tal abordagem está, como acertadamente refere a Comissão, também em conformidade com a Recomendação 2003/311/CE da Comissão, de 11 de fevereiro de 2003, relativa aos mercados relevantes de produtos e serviços no setor das comunicações eletrónicas suscetíveis de regulamentação ex ante, em conformidade com o disposto na Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO L 114, p. 45), que distingue o mercado do fornecimento grossista de acesso desagregado (incluindo o acesso partilhado) e a lacetes e sublacetes metálicos para oferta de serviços em banda larga e de voz (mercado 11) do mercado do fornecimento grossista de acesso em banda larga (mercado 12).

134    Em face do exposto, há que considerar que foi com razão que a Comissão entendeu, nos considerandos 163 a 182 da decisão impugnada, que a desagregação do lacete local não fazia parte do mercado relevante no caso presente.

135    Em segundo lugar, as recorrentes contestam a conclusão constante da decisão impugnada segundo a qual os produtos grossistas regional e nacional não pertencem ao mesmo mercado. Em primeiro lugar, alegam que a Comissão recorre a exemplos teóricos e alheios à realidade do mercado espanhol.

136    A este respeito, é certo que a Comissão se refere, no considerando 185 da decisão impugnada, aos cálculos da autoridade francesa de regulação das telecomunicações (ART) relativos aos custos ocasionados pela passagem de produtos grossistas nacionais aos produtos grossistas regionais, que se situam entre 150 e 300 milhões de euros, quando se considera que, em França, uma cobertura nacional pode ser atingida via interligação ao nível de 20 pontos de acesso indiretos.

137    Todavia, as estimativas da ART, embora respeitantes a um mercado geográfico diferente, são pertinentes para ilustrar os investimentos necessários à implantação dessa rede. Com efeito, tal como resulta da nota de rodapé n.° 166 da decisão impugnada, o número de pontos de acesso indireto em Espanha é aproximadamente cinco vezes superior ao de França, pelo que se pode considerar que os custos relativos à utilização de uma rede em Espanha são manifestamente superiores aos praticados em França. Além disso, como se salientou no considerando 723 da decisão impugnada, o mercado da alta velocidade em França é caracterizado por uma estrutura semelhante à de Espanha, tendo em conta a existência de um acesso grossista ao nível local, nacional e regional.

138    Segundo, as recorrentes alegam que a Comissão baseia a sua definição de dois mercados distintos na falta de justificação económica para passar do produto grossista regional ao produto grossista nacional, alegada pela France Telecom (considerando 187 da decisão impugnada), ao passo que a própria France Telecom contradiz esta afirmação em documentos juntos aos autos, ao afirmar que um operador alternativo pode decidir passar do produto grossista regional ao produto grossista nacional se o preço deste último vier a baixar. Além disso, a Albura conseguiu reproduzir a rede de acesso regional da Telefónica.

139    A este respeito, há que observar antes de mais que, como resulta do considerando 187 da decisão impugnada, tendo em conta os custos não recuperáveis, os operadores alternativos que já fizeram os investimentos necessários para se ligarem aos 109 pontos de acesso indiretos capitalizarão os seus investimentos e optarão pelo produto do mercado grossista regional em vez de concentrarem o tráfego num ponto único de acesso nacional. Com efeito, tendo em conta os custos associados à passagem do produto grossista nacional ao produto grossista regional, mesmo no caso de um aumento ligeiro, mas significativo e permanente, do preço do produto grossista regional, seria pouco provável, e ilógico do ponto de vista económico, que os operadores que já tivessem investido na implantação de uma rede, suportassem o custo de não utilizar essa rede e decidissem utilizar o produto grossista nacional, que não lhes daria as mesmas possibilidades de controlo sobre a qualidade do serviço do produto de retalho que o produto grossista regional. Além disso, interrogada a este respeito na audiência, a France Telecom confirmou efetivamente que considerava que não havia justificação económica para passar do produto grossista regional ao produto grossista nacional. Embora seja certo que essa migração foi efetuada uma vez, de forma excecional, foi em razão de um condicionalismo técnico associado às necessidades de a France Telecom obter capacidades adicionais ao nível do produto grossista regional. O argumento dos recorrentes não pode, por conseguinte, ser acolhido.

140    Terceiro, há que rejeitar o argumento das recorrentes de que a Comissão, no passado, aceitou a «substituição assimétrica» para definir o mercado de produtos em causa, pois não é possível tal substituição no caso presente, uma vez que a passagem do produto grossista nacional ao produto grossista regional leva tempo e necessita de enormes investimentos (v. n.° 129, supra) e a passagem do produto grossista regional ao produto grossista nacional é ilógica do ponto de vista económico (v. n.° 139, supra). De resto, resulta da jurisprudência do Tribunal Geral que uma forte desproporção das taxas de migração entre dois produtos não torna credível a tese da permutabilidade aos olhos dos consumidores (acórdão France Télécom/Comissão, referido no n.° 60, supra, n.os 86 a 91).

141    Quarto, as recorrentes sustentam que a própria Comissão reconheceu, na sua Recomendação 2003/311, que os dois produtos de acesso indireto por grosso fazem parte do mesmo mercado. Contudo, há que lembrar que a Recomendação 2003/311, na sua exposição de motivos, por um lado, expressamente exclui do seu âmbito de aplicação o mercado grossista da revenda de alta velocidade, isto é, os produtos de acesso nacional num ponto único como o produto grossista nacional, no qual o tráfego do operador alternativo passa integralmente pela rede da Telefónica, e, por outro, sublinhou a existência de grandes barreiras à entrada relativamente ao fornecimento grossista de acesso em banda larga, na medida em que é necessário instalar uma rede para o fornecimento do serviço. Por outro lado, o artigo 15.° da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO L 108, p. 33), ao qual o preâmbulo da Recomendação 2003/311 se refere expressamente, e o considerando 18 dessa recomendação dispõem que os mercados definidos para efeitos da intervenção reguladora o são sem prejuízo dos contratos que podem ser definidos em casos específicos no direito da concorrência.

142    Quinto, as recorrentes alegam que a CMT, na sua decisão de 6 de abril de 2006, ratificada pela sua decisão de 1 de junho de 2006, considerou igualmente que o produto grossista regional e o produto do mercado grossista nacional fazem parte do mesmo mercado. A este respeito, contrariamente ao que refere a decisão impugnada, a decisão da CMT de 1 de junho de 2006 insere‑se no quadro de uma análise prospetiva. Além disso, a Comissão, nas observações formuladas a propósito do projeto de decisão da CMT, tinha aliás comunicado que os concorrentes atuais e as condições do mercado espanhol da alta velocidade poderiam potencialmente justificar uma segmentação do mercado grossista de acesso em banda larga em dois mercados de produtos em causa. Por último, a própria CMT, na sua decisão de 1 de junho de 2006, excluiu a ADSL‑IP Total do mercado 12. Ora, a Telefónica não contesta que a ADSL‑IP e ADSL‑IP Total fazem parte do mesmo mercado de acesso grossista nacional (v., a este respeito, os considerandos 88 a 95, 109 e 110 da decisão impugnada).

143    Em face do exposto, há que concluir que foi com razão que a Comissão entendeu, nos considerandos 183 a 195 da decisão impugnada, que os produtos grossistas nacional e regional não pertencem ao mesmo mercado.

144    Por conseguinte, há que rejeitar o segundo fundamento.

d)     Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erros de facto e de direito na determinação da alegada posição dominante da Telefónica nos mercados em causa

145    No âmbito do terceiro fundamento, as recorrentes alegam que a Comissão cometeu erros de facto e de direito na determinação da alegada posição dominante da Telefónica nos mercados em causa.

146    A título preliminar, há que rejeitar os argumentos das recorrentes segundo os quais, para apurar um abuso de posição dominante da Telefónica sob a forma de uma compressão tarifária das margens, a Comissão devia ter demonstrado que a Telefónica dispunha de uma posição dominante simultaneamente no mercado grossista e no mercado de retalho. Com efeito, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o caráter abusivo de uma prática tarifária instituída por uma empresa verticalmente integrada que ocupa uma posição dominante num mercado grossista relevante e que conduz à compressão das margens das empresas concorrentes dessa empresa no mercado retalhista não depende da existência de uma posição dominante dessa empresa neste último mercado (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, Colet., p. I‑527, n.° 89). Assim, não há que analisar os argumentos das recorrentes relativos à determinação da posição dominante da Telefónica no que respeita aos mercados grossistas em causa.

147    Segundo jurisprudência assente, uma posição dominante pode ser definida como uma posição de poder económico detida por uma empresa que lhe permite obstar à manutenção de uma concorrência efetiva no mercado de referência e que lhe permite comportar‑se, em medida apreciável, de modo independente em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores (acórdãos do Tribunal de Justiça, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, já referido no n.° 72, supra, n.° 65, e de 15 de dezembro de 1994, DLG, C‑250/92, Colet., p. I‑5641, n.° 47; acórdãos do Tribunal Geral de 22 de novembro de 2001, AAMS/Comissão, T‑139/98, Colet., p. II‑3413, n.° 51; de 23 de outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão, T‑65/98, Colet., p. II‑4653, n.° 154, e France Télécom/Comissão, referido no n.° 60, supra, n.° 99).

148    Regra geral, a existência de uma posição dominante pode resultar de vários fatores, que, isoladamente, não seriam necessariamente determinantes [acórdãos United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, já referido no n.° 72, supra, n.° 66, e DLG, n.° 147, supra, n.° 47). Entre estes fatores, a existência de quotas de mercado muito grandes é altamente significativa (acórdãos do Tribunal Geral de 12 de dezembro de 1991, Hilti/Comissão, T‑30/89, Colet., p. II‑1439, n.° 90, e de 25 de junho de 2010, Imperial Chemical Industries/Comissão, T‑66/01, Colet., p. II‑2631, n.os 255 e 256).

149    Assim, resulta de jurisprudência assente que as quotas de mercado extremamente significativas constituem, em si mesmas, salvo circunstâncias excecionais, a prova da existência de uma posição dominante. A posse de uma quota de mercado extremamente importante coloca a empresa que a detém durante um certo período, em razão do volume de produção e de oferta que representa ― sem que os detentores de quotas sensivelmente menores tenham a possibilidade de satisfazer rapidamente a procura que pretenda afastar‑se da empresa que detém a quota maior ―, numa situação de força, transformando‑a num parceiro obrigatório e assegurando‑lhe, só por isso e pelo menos durante períodos relativamente longos, a independência de comportamento característica da posição dominante (acórdão Hoffmann‑la Roche/Comissão, n.° 76, supra, n.° 41; Van den Bergh Foods/Comissão, já referido no n.° 147, supra, n.° 154, e Imperial Chemical Industries/Comissão, n.° 148, supra, n.° 256; v., também, acórdão France Télécom/Comissão, referido no n.° 60, supra, n.° 100).

150    Segundo a jurisprudência, uma quota de mercado de 50% constitui, só por si, e salvo circunstâncias excecionais, uma posição dominante (acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de julho de 1991, AKZO/Comissão, C‑62/86, Colet., p. I‑3359, n.° 60, e acórdão Imperial Chemical Industries/Comissão, n.° 148, supra, n.° 256). Do mesmo modo, uma quota de 70% a 80% constitui, por si só, um indício claro da existência de uma posição dominante [acórdãos Hilti/Comissão, n.° 148, supra, n.° 92; de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 a T‑214/98, Colet., p. II‑3275, n.° 907, e Imperial Chemical Industries/Comissão, n.° 148, supra, n.° 257).

151    No caso em apreço, as recorrentes sustentam que a Telefónica não dispõe de uma posição dominante no «mercado grossista» da alta velocidade.

152    Quanto aos mercados grossistas de acesso à Internet de alta velocidade, há que recordar que, como resulta dos considerandos 162 a 208 da decisão impugnada e dos n.os 110 a 143, supra, o produto grossista regional e o produto grossista nacional não pertencem ao mesmo mercado de produtos, de modo que há que analisar separadamente a existência de uma eventual posição dominante da Telefónica em cada um desses mercados.

153    Em primeiro lugar, a Comissão entendeu, no considerando 232 da decisão impugnada, que a Telefónica se encontrava em posição dominante no mercado grossista regional. Para chegar a esta conclusão, baseou‑se na quota de mercado de 100% da Telefónica e na sua posição de monopólio de facto nesse mercado (considerando 223 da decisão impugnada). A Comissão referiu igualmente os consideráveis obstáculos à entrada nesse mercado, em especial, o facto de os operadores alternativos terem que construir uma rede de acesso local alternativo novo ou desagregar os lacetes locais da Telefónica.

154    Assim, nos considerandos 224 a 226 da decisão impugnada, a Comissão salientou os custos irrecuperáveis significativos para os novos operadores que pretendessem prestar serviços de alta velocidade grossista de acesso regional através do lacete local da Telefónica e as economias de escala e de gama consideráveis de que beneficiava a Telefónica. Por outro lado, no considerando 227 da decisão impugnada, a Comissão expôs que existiam obstáculos e atrasos consideráveis no acesso à desagregação do lacete local, durante o período da infração, pelo que mesmo o operador que tivesse implantado a sua própria rede não poderia fazer concorrência à Telefónica. No considerando 228 da decisão impugnada, a Comissão referiu que a necessidade de dispor de um número suficiente de clientes dos serviços de alta velocidade representava uma barreira à entrada no mercado suplementar para os operadores que investissem na desagregação do lacete local, de forma que estes tinham provavelmente custos unitários mais elevados do que a Telefónica no momento da implantação das suas redes locais. A Comissão concluiu que os operadores alternativos que investem efetivamente na desagregação do lacete local não terão qualquer impacto significativo na concorrência no mercado grossista de acesso regional mesmo a médio prazo e que esse impacto nunca será nacional (considerandos 229 e 230 da decisão impugnada).

155    Primeiro, há que salientar que as recorrentes não contestam o facto de a Telefónica ter sido o único operador a apresentar o produto grossista regional em Espanha desde 1999 (considerando 223 da decisão impugnada), assim dispondo de um monopólio de facto nesse mercado.

156    Segundo, as recorrentes sustentam que, apesar da sua quota de mercado, a Telefónica foi sujeita a uma pressão concorrencial contínua por parte dos seus concorrentes, que aumentaram de forma contínua e progressiva a sua presença no «mercado grossista». A este respeito, como foi acima recordado no n.° 152, foi com razão que a Comissão considerou que os produtos grossista nacional e regional não pertenciam ao mesmo mercado. Portanto, os exemplos citados pelas recorrentes na réplica, relativos à Arsys, que teria lançado um produto a retalho de alta velocidade utilizando exclusivamente a oferta grossista da Uni2, à TELE2, à Tiscali e à Auna, que teriam utilizado os serviços grossistas da Albura, não podem ser aceites, sendo estes relativos à oferta grossista nacional.

157    Terceiro, o argumento das recorrentes de que o «mercado grossista» era um «mercado contestável», no qual os clientes e os concorrentes da Telefónica podiam reproduzir a sua rede, pelo que se encontravam em condições de exercer uma pressão concorrencial efetiva independentemente das suas quotas de mercado, também não pode ser aceite, atendendo aos investimentos necessários para construir uma nova rede alternativa de acesso local ou desagregar os lacetes locais da Telefónica, o que é indispensável para que um operador alternativo possa oferecer um produto do mercado grossista de acesso regional concorrente do produto grossista regional da Telefónica (v. designadamente n.° 129, supra).

158    Daí resulta que as recorrentes não apresentaram qualquer elemento suscetível de pôr em causa a conclusão da Comissão de que a Telefónica se encontrava em posição dominante no mercado grossista regional durante o período da infração.

159    Em segundo lugar, a Comissão entendeu que a Telefónica dispunha de uma posição dominante no mercado de acesso grossista nacional. Assim, afirma, no considerando 234 da decisão impugnada, que, até ao último trimestre de 2002, não existia nenhuma alternativa real ao produto grossista nacional da Telefónica. Por outro lado, a partir de 2002 e durante todo o período da infração, a quota de mercado da Telefónica ficou constantemente acima de 84% (considerando 235 da decisão impugnada). Nos considerandos 236 a 241 da decisão impugnada, a Comissão referiu igualmente, primeiro, a grande diferença entre a quota de mercado da Telefónica e a dos seus principais concorrentes, tendo a quota de mercado da Telefónica sido mais de onze vezes superior à do seu principal concorrente (considerando 236 da decisão recorrida); segundo, as economias de escala e de gama e a integração vertical de que beneficiava a Telefónica, que lhe permitiam recuperar os seus custos graças aos grandes volumes de tráfego gerados por força da sua ampla base de assinantes (considerando 237 da decisão impugnada); terceiro, o seu controlo do lacete local, que lhe permitia influenciar significativamente a disponibilidade dos produtos grossistas concorrentes (considerando 240 da decisão impugnada); e, quarto, a sua rede herdada de um antigo monopólio, que não era facilmente reprodutível (considerando 241 da decisão impugnada).

160    Para demonstrar a inexistência de uma posição dominante da Telefónica no mercado grossista nacional, as recorrentes invocam vários argumentos. Em primeiro lugar, sustentam que a rede da Telefónica é suscetível de ser reproduzida.

161    Assim, afirmam que a rede da Telefónica foi integralmente reproduzida por diversos operadores alternativos. Porém, como a Comissão observou com razão no considerando 239 da decisão impugnada, esses exemplos não demonstram a inexistência de uma posição dominante da Telefónica no mercado grossista nacional.

162    É certo que a eventual existência de concorrência no mercado é uma circunstância relevante para efeitos da apreciação da existência de uma posição dominante. Contudo, o facto de existir concorrência, mesmo forte, num determinado mercado, não exclui a existência de uma posição dominante nesse mesmo mercado, uma vez que essa posição se caracteriza fundamentalmente pela capacidade de adotar um comportamento sem ter de tomar em consideração essa concorrência na sua estratégia de mercado e sem que isso lhe cause os efeitos prejudiciais devidos a essa atitude (v. acórdão do Tribunal Geral de 14 de dezembro de 2005, General Electric/Comissão, T‑210/01, Colet., p. II‑5575, n.° 117 e jurisprudência aí referida; acórdão France Télécom/Comissão, referido no n.° 60, supra, n.° 101).

163    Ora, no caso vertente, os elementos invocados pelas recorrentes não põem em causa os elementos invocados pela Comissão nos considerandos 235 a 241 da decisão impugnada, tendo designadamente em conta o facto de a Telefónica ter mantido uma quota de mercado superior a 84% durante o período da infração, o facto de, a partir de 2001, essa quota de mercado ter permanecido onze vezes superior à do seu principal concorrente ou ainda o facto de haver obstáculos que impediam os concorrentes da Telefónica de proporem de forma rentável um produto grossista nacional em concorrência com o seu.

164    Segundo, as recorrentes afirmam que a Comissão adota uma «posição fundamentalmente dogmática». Entendem que esta é incoerente com a posição adotada pela Comissão nas suas comunicações com outras autoridades de regulação europeias. Com efeito, nessas comunicações, a Comissão considerou que a concorrência exercida no mercado retalhista por empresas verticalmente integradas pode exercer pressão concorrencial indireta no mercado grossista. Portanto, a Comissão deveria ter analisado a questão de saber se os operadores de cabo e da rede local exerciam pressão concorrencial indireta no comportamento da Telefónica no mercado grossista de acesso indireto.

165    A este respeito, basta assinalar que tal argumento é infundado, uma vez que, por um lado, a Comissão analisou efetivamente a pressão concorrencial dos operadores de cabo e indicou, nos considerandos 268 a 276 da decisão impugnada, que os operadores de cabo não tinham exercido uma disciplina tarifária sobre a Telefónica no mercado de retalho e, por outro, como resulta dos considerandos 264 a 266 da decisão impugnada, que a desagregação do lacete local só sofreu um verdadeiro impulso a partir de setembro de 2004 e limitado no plano geográfico.

166    Em terceiro lugar, o facto de a Telefónica ter sido obrigada, desde 2000, a apresentar o acesso ao lacete local a preços baseados nos custos não basta para demonstrar a inexistência da sua posição dominante. Com efeito, embora a capacidade de impor aumentos de preços regulares constitua incontestavelmente um elemento indiciador da existência de uma posição dominante, de nenhum modo constitui um elemento indispensável, uma vez que a independência de que goza uma empresa dominante em matéria de preços respeita mais à capacidade de os fixar sem ter que levar em conta a reação dos concorrentes e clientes e fornecedores do que à capacidade de os aumentar (v. acórdão Atlantic Container Line e o./Comissão, já referido no n.° 150, supra, n.° 1084, e jurisprudência aí referida). Ora, dado que todos os produtos concorrentes de acesso grossista são baseados nos lacetes locais da Telefónica ou no seu produto grossista regional, a disponibilidade de produtos concorrentes depende não apenas da disponibilidade real de lacetes locais desagregados e/ou do produto grossista regional, mas também das condições económicas em que estes são fornecidos (considerando 240 da decisão impugnada).

167    Em face do exposto, há que concluir que foi com razão que a Comissão considerou que a Telefónica se encontrava em posição dominante no mercado grossista nacional.

168    Assim, e uma vez que, como acima indicado no n.° 146, a Comissão, para demonstrar a existência de uma compressão tarifária das margens, não tinha que demonstrar que a Telefónica detinha uma posição dominante no mercado a retalho, o presente fundamento deve ser julgado integralmente improcedente.

e)     Quanto ao quarto fundamento, relativo a erros de direito na aplicação do artigo 82.° CE, no que diz respeito ao comportamento abusivo da Telefónica.

169    No âmbito do presente fundamento, as recorrentes alegam que a decisão recorrida está ferida de dois graves erros na aplicação do artigo 82.° CE relativamente ao comportamento alegadamente abusivo da Telefónica.

170    A título preliminar, recorde‑se que, ao proibir a exploração abusiva de uma posição dominante no mercado, na medida em que o comércio entre Estados‑Membros é suscetível de ser afetado, o artigo 82.° CE visa os comportamentos capazes de influenciar a estrutura do mercado em que, devido precisamente à presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido e que tenham por efeito impedir, através do recurso a meios diferentes dos que regem uma concorrência normal dos produtos e dos serviços com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência (acórdãos do Tribunal de Justiça, a Hoffman‑la Roche/Comissão, n.° 76, supra, n.° 91; Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, referido no n.° 111, supra, n.° 70; de 2 de abril de 2009, France Télécom/Comissão, C‑202/07 P, Colet., p. I‑2369, n.° 104, e de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, Colet., p. I‑9555, n.° 174).

171    Assim, uma vez que o artigo 82.° CE se refere não só às práticas suscetíveis de causar um prejuízo imediato aos consumidores mas também às que lhes causem prejuízo por porem em causa uma estrutura de concorrência efetiva, incumbe à empresa que detém uma posição dominante uma responsabilidade especial de, com o seu comportamento, não impedir uma concorrência efetiva e não falseada no mercado comum (v. acórdãos de 2 de abril de 2009, France Télécom/Comissão, n.° 170, supra, n.° 105, e TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.° 24 e jurisprudência aí referida).

172    Como o Tribunal de Justiça já precisou, o artigo 82.° CE proíbe a uma empresa dominante eliminar um concorrente e assim reforçar a sua posição recorrendo a meios diferentes dos que se englobam numa concorrência pelo mérito. Assim, nesta perspetiva, nem toda a concorrência pelos preços pode ser considerada legítima (v. acórdão de 2 de abril de 2009, France Télécom/Comissão, n.° 170, supra, n.° 106, e jurisprudência aí referida).

173    No que respeita ao caráter abusivo de uma prática tarifária como a que está aqui em causa, refira‑se que o artigo 102.°, segundo parágrafo, alínea a), CE proíbe expressamente que uma empresa dominante imponha direta ou indiretamente preços não equitativos (acórdão TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.° 25).

174    Acresce que a lista das práticas abusivas constante do artigo 102.° CE não é taxativa, de modo que a enumeração das práticas abusivas contida nessa disposição não esgota as formas de exploração abusiva de posição dominante proibidas pelo direito da União (v. acórdão TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.° 26 e jurisprudência aí referida).

175    Para determinar se a empresa em posição dominante explorou de forma abusiva essa posição ao aplicar as suas práticas tarifárias, há que analisar todas as circunstâncias e apurar se essa prática tende a suprimir ou a restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, a impedir o acesso dos concorrentes ao mercado, a aplicar a parceiros comerciais condições desiguais para prestações equivalentes, ou a reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada (v. acórdão TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.° 28 e jurisprudência aí referida).

176    Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que resulta claramente da decisão impugnada que a Comissão considera a alegada compressão tarifária das margens um abuso cujos efeitos de exclusão são análogos aos da recusa de facto de celebrar um contrato. Ora, a Comissão não aplicou o critério jurídico correspondente a esse tipo de comportamentos, estabelecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, Colet., p. I‑7791). Em especial, a Comissão não demonstrou que os produtos do mercado grossista em causa constituíam inputs ou infraestruturas essenciais nem que a recusa de fornecimento fosse suscetível de eliminar toda a concorrência no mercado retalhista.

177    Este argumento não pode ser acolhido.

178    Com efeito, importa sublinhar que, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a Comissão, na decisão impugnada, não analisou a compressão tarifária das margens como uma recusa de facto de contratar. Com efeito, a Comissão lembrou aí o conceito de abuso na aceção do artigo 82.° CE e as obrigações que dele decorrem (considerandos 279 e 280 da decisão impugnada). Também definiu a prática de compressão tarifária das margens, baseando‑se designadamente na jurisprudência do juiz da União e na sua prática decisória (considerandos 281 a 284 da decisão impugnada). A este propósito, sublinhou, no considerando 285 da decisão impugnada que, de setembro de 2001 a dezembro de 2006, a Telefónica tinha abusado da sua posição dominante nos mercados espanhóis de acesso à banda larga por uma compressão tarifária devido à desproporção entre as tarifas de retalho e grossista para o acesso à banda larga, o que teve por consequência uma restrição provável da concorrência no mercado de retalho. A Comissão considerou igualmente, nos considerandos 299 a 309 da decisão impugnada, que os critérios estabelecidos no acórdão Bronner, n.° 176, supra, não eram aplicáveis no caso.

179    Em particular, refira‑se que, na decisão impugnada, a Comissão não impôs à Telefónica que facultasse aos seus concorrentes o acesso aos produtos grossistas, pois essa obrigação decorria do quadro regulamentar espanhol. Assim, a Telefónica tinha a obrigação de fornecer o produto grossista regional desde março de 1999 e o produto grossista nacional (ADSL‑IP) desde abril de 2002, decorrendo essa obrigação da vontade das autoridades públicas de incentivarem a Telefónica e os seus concorrentes a investir e a inovar (considerandos 88, 111, 287 e 303 da decisão impugnada).

180    Além disso, o Tribunal de Justiça recordou no seu acórdão TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, que não se pode deduzir do seu acórdão Bronner, já acima referido no n.° 176, que as condições necessárias para determinar a existência de uma recusa abusiva de fornecimento devem ser necessariamente aplicadas também ao apreciar o caráter abusivo de um comportamento que consiste em sujeitar a prestação de serviços ou a venda de produtos a condições desfavoráveis nas quais o adquirente possa não estar interessado. Com efeito, esses comportamentos podem, só por si, ser constitutivos de uma forma autónoma de abuso diferente da recusa de fornecimento (acórdão TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.os 55 e 56).

181    A interpretação contrária do acórdão Bronner, n.° 176, supra, equivaleria a exigir, para que qualquer comportamento de uma empresa dominante relativo às suas condições comerciais pudesse ser considerado abusivo, que fossem sempre observadas as condições exigidas para demonstrar a existência de uma recusa de contratar, o que reduziria indevidamente o efeito útil do artigo 82.° CE (v., neste sentido, acórdão TeliaSonera Sverige, n.° 51, supra, n.° 58).

182    A este respeito, embora seja certo que, no seu acórdão TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.° 69, o Tribunal de Justiça salientou que o caráter indispensável do produto grossista pode ser relevante na apreciação dos efeitos da compressão das margens, não se pode deixar de observar que as recorrentes só invocaram o caráter indispensável dos produtos grossistas em apoio da sua alegação de que a Comissão não tinha aplicado o critério jurídico adequado à alegada recusa de facto de contratar punida na decisão impugnada. O seu argumento deve, portanto, ser rejeitado.

183    Em segundo lugar, as recorrentes afirmam que, mesmo admitindo que o artigo 82.° CE fosse aplicável, a Comissão não aplicou o critério jurídico correspondente ao conceito de compressão tarifária das margens.

184    Primeiro, as recorrentes alegam que a Comissão cometeu um erro de direito ao aplicar o seu teste de compressão tarifária das margens a um input não essencial. Contudo, tal argumento deve ser rejeitado, pelos motivos acima expostos nos n.os 180 a 182.

185    Segundo, as recorrentes afirmam que a Comissão, para determinar a existência de uma compressão tarifária das margens abusiva, devia ter provado que a Telefónica também se encontrava em posição dominante no mercado retalhista. Esse argumento foi porém acima rejeitado no n.° 146.

186    Terceiro, as recorrentes afirmam que, em conformidade com o acórdão do Tribunal Geral de 30 de novembro de 2000, Industrie des Poudres Sphériques/Comissão (T‑5/97, Colet., p. II‑3755, n.° 179), só pode haver prática de compressão tarifária das margens quando o preço por grosso faturado aos concorrentes pelo produto a montante for excessivo ou se o preço de retalho para o produto derivado tiver caráter predatório.

187    A este respeito, há que recordar que é a compressão das margens que, na falta de qualquer justificação objetiva, é suscetível, em si mesma, de constituir um abuso, na aceção do artigo 82.° CE. Ora, a compressão das margens resulta da diferença entre os preços dos serviços por grosso e os preços dos serviços a retalho e não do nível desses preços enquanto tais. Em especial, essa compressão pode resultar não apenas de um preço anormalmente baixo no mercado retalhista, mas também de um preço anormalmente alto no mercado grossista (v., neste sentido, acórdão TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.os 97 e 98). Assim sendo, a Comissão não tinha que demonstrar na decisão recorrida que a Telefónica praticava preços excessivos para os seus produtos grossistas de acesso indireto ou preços predatórios para os seus produtos retalhistas (v., neste sentido, acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 170, supra, n.° 169, e acórdão de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 69, supra, n.° 167).

188    Quarto, há que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual a Comissão deveria ter completado a sua análise do caráter abusivo do comportamento da Telefónica baseada no critério do «concorrente igualmente eficaz» por um estudo das margens dos principais operadores alternativos no mercado espanhol.

189    Com efeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça já precisou que o artigo 82.° CE proíbe, nomeadamente, que uma empresa em posição dominante se dedique a práticas tarifárias que produzam efeitos de expulsão dos seus concorrentes igualmente eficazes, atuais ou potenciais. Assim, explora de modo abusivo a sua posição dominante uma empresa que aplica uma política de preços destinada a afastar do mercado os concorrentes talvez tão eficientes como ela, mas que, devido à sua menor capacidade financeira, são incapazes de resistir à concorrência que lhes é feita (v., neste sentido, acórdão TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.os 39 e 40, e jurisprudência aí referida).

190    Ora, para apreciar a licitude da política de preços aplicada por uma empresa dominante, em princípio, há que tomar como referência critérios de preços baseados nos custos suportados pela própria empresa dominante e na sua estratégia (v. acórdãos de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 170, supra, n.° 198, e TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.° 41 e jurisprudência aí referida; v., também, acórdão de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 69, supra, n.os 188 a 191).

191    Em particular, quanto a uma prática tarifária conducente à compressão de margens, a utilização de tais critérios de análise permite verificar se essa empresa teria sido suficientemente eficiente para oferecer sem prejuízo as suas prestações retalhistas aos clientes finais, se tivesse previamente de pagar os seus próprios preços grossistas pelas prestações intermédias. (acórdãos de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 170, supra, n.° 201, e TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.° 42).

192    Essa abordagem é tanto mais justificada, por um lado, quando está igualmente em conformidade com o princípio geral da segurança jurídica, uma vez que tomar em conta os custos da empresa dominante lhe permite, atendendo à especial responsabilidade que lhe incumbe por força do artigo 82.° CE, apreciar a legalidade dos seus próprios comportamentos. Com efeito, embora uma empresa dominante conheça os seus próprios custos e preços, em princípio não conhece os dos seus concorrentes (acórdãos de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 170, supra, n.° 202, e TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.° 44). Por outro lado, uma prática de exclusão afeta igualmente os potenciais concorrentes da empresa dominante, que poderão ser dissuadidos de fazer a sua entrada no mercado pela perspetiva de uma falta de rentabilidade.

193    É certo que resulta também da jurisprudência que não é de excluir que os custos e os preços dos concorrentes possam ser relevantes para o exame da prática de preços. Contudo, só quando não for possível, tendo em conta as circunstâncias indicadas pelo Tribunal de Justiça, tomar como referência os preços e os custos da empresa dominante, se deverá examinar os dos concorrentes no mesmo mercado (acórdão TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.os 45 e 46), o que não foi alegado pelas recorrentes.

194    Foi portanto com razão que a Comissão considerou que o critério adequado para apurar a compressão tarifária das margens consistia em determinar se um concorrente com a mesma estrutura de custos que a da atividade a jusante da empresa verticalmente integrada estaria em condições de oferecer serviços a jusante sem incorrer em prejuízos se a referida empresa verticalmente integrada tivesse que pagar o preço de acesso a montante faturado aos seus concorrentes, baseando‑se nos custos incorridos pela Telefónica (considerandos 311 a 315 da decisão impugnada), sem efetuar um estudo das margens dos principais operadores alternativos no mercado espanhol.

195    Em quinto lugar, as recorrentes observam que, mesmo admitindo que o critério do «concorrente hipotético potencial igualmente eficaz» fosse adequado para demonstrar a existência de uma infração no caso em apreço, a análise da Comissão está viciada por um erro na escolha dos inputs grossistas. Afirmam que um concorrente igualmente eficaz utiliza, para desenvolver as suas atividades a retalho, unicamente o lacete local ou uma conjugação ótima dos produtos grossistas. Contudo, já acima se referiu nos n.os 130 e 131 que não está demonstrada a utilização pelos operadores alternativos, durante o período da infração, em cada central, de uma combinação ótima dos produtos grossistas, que inclui a desagregação do lacete local.

196    Em sexto lugar, as recorrentes sustentam que a teoria da escala dos investimentos não exige que todos os escalões sejam acessíveis. Este argumento deve, no entanto, ser julgado improcedente. Com efeito, como observa acertadamente a Comissão, o processo que permite aos operadores alternativos investirem gradualmente na sua própria infraestrutura só pode constituir uma estratégia viável se não existir nenhuma prática de compressão tarifária das margens nos diferentes níveis da escala. Ora, a compressão tarifária das margens imposta pela Telefónica provavelmente atrasou a entrada e o crescimento dos seus concorrentes e a sua capacidade de atingirem um nível suficiente de economias de escala para justificar os investimentos numa infraestrutura própria e a utilização da oferta de desagregação do lacete local (considerando 554 da decisão impugnada).

197    Em face do exposto, improcede o presente fundamento.

f)     Quanto ao quinto fundamento, relativo a erros de facto e/ou erros na apreciação dos factos e a erros de direito no que diz respeito ao comportamento alegadamente abusivo da Telefónica e ao seu impacto alegadamente anticoncorrencial

198    Este fundamento, formulado a título subsidiário, divide‑se em duas partes. A primeira é relativa a erros de facto e/ou erros de apreciação dos factos na aplicação do teste da compressão tarifária das margens. A segunda é relativa ao facto de a Comissão não ter feito prova bastante dos efeitos prováveis ou concretos do comportamento em causa.

 Quanto à primeira parte do quinto fundamento, relativa à existência de erros de facto e/ou erros de apreciação dos factos na aplicação do teste da compressão tarifária das margens

199    No âmbito da presente parte do fundamento, as recorrentes formulam três alegações. A primeira alegação é relativa a um erro na escolha dos inputs grossistas. A segunda alegação é relativa a erros e omissões alegadamente cometidos na análise dos FTA. Por último, a terceira alegação assenta em erros e omissões alegadamente cometidos na análise «período a período».

¾       Quanto à primeira alegação da primeira parte do quinto fundamento, relativa a um erro na escolha dos inputs grossistas,

200    Com esta alegação, sustentada por referência aos desenvolvimentos relativos aos segundo e quarto fundamentos, as recorrentes alegam que a Comissão não tinha de apreciar a existência de uma compressão dos preços grossistas para cada produto considerado separadamente, atendendo ao facto de os operadores alternativos utilizarem uma combinação ótima dos produtos grossistas, incluindo serviços de desagregação do lacete local, permitindo economias de custos. Na réplica e na audiência, as recorrentes indicaram também que era por força do princípio do «concorrente igualmente eficaz» que a Comissão devia ter aplicado o critério da compressão tarifária das margens com base na combinação de produtos de grande dimensão utilizados pelos operadores alternativos.

201    Em primeiro lugar, há que lembrar que o artigo 82.° CE proíbe, nomeadamente, a uma empresa em posição dominante num mercado determinado o recurso a práticas tarifárias que produzam efeitos de expulsão dos seus concorrentes igualmente eficazes, atuais ou potenciais (v. n.° 189, supra). A este respeito, o exame de tal posição exige uma apreciação das possibilidades de concorrência no âmbito do mercado que agrupa o conjunto dos produtos que, em função das suas características, estejam particularmente aptos à satisfação das necessidades constantes e pouco substituíveis por outros produtos, uma vez que a determinação do mercado em causa serve para avaliar se a empresa em questão tem a possibilidade de obstar a uma concorrência efetiva nesse mercado (v. n.° 111, supra). Ora, já acima se observou, por um lado, no âmbito do segundo fundamento (v. n.os 110 a 144, supra), que foi acertadamente que a Comissão considerou que a desagregação do lacete local, o produto grossista nacional e o produto grossista regional não pertenciam ao mesmo mercado, e, por outro, no quadro do quarto fundamento (v. n.os 169 a 184, supra), que uma compressão das margens num mercado relevante pode, em si mesma, constituir um abuso, na aceção do artigo 82.° CE.

202    Uma vez que a determinação do mercado em causa serve para avaliar se a empresa em questão tem a possibilidade de obstar a uma concorrência efetiva nesse mercado, as recorrentes não podem alegar, baseando‑se nos desenvolvimentos apresentados no âmbito do segundo fundamento, que a utilização de uma combinação ótima dos produtos grossistas permitiria aos concorrentes da Telefónica melhorar a sua rentabilidade. Com efeito, esses produtos grossistas não fazem parte do mesmo mercado de produtos (v. n.os 114 a 134, supra).

203    Em segundo lugar, refira‑se que o argumento das recorrentes equivaleria a considerar que um operador alternativo poderia compensar os prejuízos que tinha sofrido em razão da compressão tarifária das margens ao nível de um produto grossista por rendimentos provenientes da utilização, em determinadas zonas geográficas mais rentáveis, de outros produtos da Telefónica não sujeitos a uma compressão tarifária das margens e pertencentes a outro mercado, a saber, a desagregação do lacete local, cuja utilização exigia aliás grandes investimentos e que não estava, de resto, imediatamente disponível (v. n.° 125, supra, e considerandos 227, 231, 266 e 562 da decisão impugnada), o que não pode ser admitido.

204    Segundo a jurisprudência, um sistema de concorrência não falseada, como o previsto no Tratado, só pode ser garantido se a igualdade de oportunidades entre os diferentes operadores económicos estiver assegurada. Ora, a igualdade de oportunidades implica que a Telefónica e os seus concorrentes pelo menos igualmente eficientes sejam colocados em pé de igualdade no mercado retalhista. Não é esse o caso, por um lado, se os preços dos produtos grossistas nacional e regional pagos pelos operadores alternativos à Telefónica não pudessem ser repercutidos nos preços dos seus produtos finais e, por outro, se os operadores alternativos, em face dos preços dos produtos grossistas nacional e regional da Telefónica, só os pudessem oferecer com prejuízo, que teriam de tentar compensar com rendimentos provenientes de outros mercados (v., neste sentido, acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 170, supra, n.° 230, e acórdão de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 69, supra, n.os 198 e 199, e jurisprudência aí referida).

205    Além disso, como salientou a Comissão, o argumento das recorrentes relativo à utilização pelos operadores alternativos, durante o período da infração, em cada central, de uma combinação ótima dos produtos grossistas, que incluiria a desagregação do lacete local, é contrária à posição expressa pela própria Telefónica na sua resposta de 22 de setembro de 2003 à denúncia da France Telecom, na qual a Telefónica tinha sustentado que a análise da eventual existência da compressão tarifária das margens devia fazer‑se unicamente com base no produto grossista regional.

206    Em terceiro lugar, como acima se sublinha no n.° 131, essa combinação otimizada só pode ser utilizada por concorrentes da Telefónica que disponham de uma rede que lhes permita a desagregação do lacete local, com exclusão dos concorrentes potenciais da Telefónica.

207    Em quarto lugar, se as recorrentes defendem que um concorrente igualmente eficaz que utilize exclusivamente o lacete local obteria lucros e que, consequentemente, um concorrente igualmente eficaz que utilizasse uma combinação ótima dos fatores de produção obteria também resultados positivos, esse argumento deve ser rejeitado. Com efeito, como acima se refere no n.° 125, a utilização efetiva do lacete local só começou, em medida limitada, no final de 2004 e no início de 2005. Além disso, atendendo aos investimentos necessários, só em 2004 os operadores alternativos começaram a passar as ligações de acesso grossista indireto para o acesso desagregado ao lacete local.

208    Em quinto lugar, a argumentação das recorrentes de que uma eventual combinação ótima dos produtos grossistas impediria o estabelecimento de uma compressão tarifária das margens está em contradição com as obrigações regulamentares específicas impostas pela CMT à Telefónica, destinadas nomeadamente a assegurar que todas as suas ofertas a retalho fossem reprodutíveis com base no seu produto grossista regional (considerando 114 da decisão impugnada).

209    Em sexto lugar, há que rejeitar o argumento das recorrentes em que contestam a definição das características da rede do concorrente igualmente eficaz, segundo o qual apenas importa saber se, com as economias de escala e os custos de rede Telefónica, um operador alternativo podia ou não ser rentável. Com efeito, como a Comissão refere no considerando 315 da decisão impugnada, a aplicação do método do concorrente igualmente eficaz não implica que os concorrentes da Telefónica possam reproduzir os ativos a montante desta. Com efeito, o teste da compressão tarifária das margens aplica‑se na perspetiva de um operador a jusante igualmente eficaz, a saber, um operador que utiliza o produto grossista da empresa dominante, em concorrência com esta última no mercado a jusante e cujos custos neste último mercado são idênticos aos da empresa dominante.

210    De qualquer forma, não está demonstrada a utilização pelos operadores alternativos, durante o período da infração, em cada central, de uma combinação ótima dos produtos grossistas que incluísse a desagregação do lacete local. Assim, enquanto a TESAU está sujeita a uma obrigação legal de locação do par de fios de cobre aos operadores alternativos desde dezembro de 2000 (considerando 81 da decisão impugnada), resulta dos considerandos 102 e 103 da decisão recorrida, cujos dados não são impugnados pelas recorrentes, que, até 2002, a France Telecom comprou quase exclusivamente o produto grossista nacional da Telefónica, tendo este sido substituído, no final de 2002, por uma oferta grossista nacional alternativa baseada no produto grossista regional da Telefónica. Foi só a partir de fevereiro de 2005 que o número de lacetes locais desagregados da France Telecom aumentou significativamente enquanto se verificou uma diminuição do número de linhas nacionais alternativas grossistas baseadas no produto grossista regional da Telefónica. Além disso, até ao último trimestre de 2004, a Ya.com comprou exclusivamente o produto grossista nacional da Telefónica e só começou a utilizar progressivamente a desagregação do lacete local a partir de julho de 2005, com a sua aquisição da Albura.

211    Resulta dos desenvolvimentos expostos que a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação na sua seleção dos inputs grossistas para calcular a compressão tarifária das margens. A primeira alegação da primeira parte do quinto fundamento não pode, portanto, proceder.

¾       Quanto à segunda alegação da primeira parte do quinto fundamento, baseada em erros e omissões alegadamente cometidos na execução da análise dos FTA

212    No quadro da presente alegação, as recorrentes formulam várias críticas relativamente à aplicação pela Comissão, no caso em apreço, da análise dos FTA (considerandos 350 a 385 da decisão impugnada).

213    Refira‑se, como a Comissão indica no considerando 315 da decisão impugnada, que o teste da compressão tarifária das margens se destina, no caso, a determinar se um concorrente com a mesma estrutura de custos que a da atividade a jusante da empresa verticalmente integrada pode ser rentável no mercado a jusante dados os preços grossistas e retalhistas dessa empresa. Na decisão impugnada, a Comissão recordou que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal e segundo a sua própria prática decisória em matéria de preços abusivos, a rentabilidade de uma empresa em posição dominante tem sempre sido avaliada com base na análise «período a período», uma vez que o método dos FTA para calcular uma compressão dos preços apresenta determinadas falhas (considerandos 331 e 322 da decisão impugnada). No âmbito do cálculo da compressão tarifária das margens, a Comissão decidiu, no entanto, calcular a rentabilidade da Telefónica através dos dois métodos, a saber, o método «período a período» e o método dos FTA, proposto pela Telefónica, com o objetivo, por um lado, de evitar concluir pela existência de uma compressão tarifária das margens em razão de distorções contabilísticas resultantes da imaturidade do mercado espanhol da banda larga e, por outro, assegurar‑se de que o método proposto pela Telefónica não punha em causa a conclusão relativa à existência de uma compressão tarifária das margens resultante da análise «período a período» (considerando 349 da decisão recorrida).

214    A Comissão explica também que, numa análise dos FTA, calcula‑se um valor terminal de forma a refletir o facto de existirem ativos‑chave que continuarão a ser utilizados mesmo depois do período de referência. Assim, pode revelar‑se necessário tomar em conta a análise de um valor terminal, visto que certos custos não estão totalmente abrangidos durante o período de referência. Segundo a Comissão, tanto o valor terminal a incluir no cálculo dos FTA como o período de referência adequado visam determinar uma data limite após a qual a recuperação dos prejuízos não é tida em conta na análise (considerandos 360 e 361 da decisão impugnada). Uma vez que o método dos FTA autoriza perdas iniciais a curto prazo, mas impõe a recuperação num período suficientemente longo, a Comissão devia ter determinado o período de recuperação apropriado no caso em apreço (considerando 351 da decisão impugnada).

215    A este respeito, a Comissão entendeu, no considerando 354 da decisão impugnada, que a abordagem mais razoável consistia em limitar o período de análise ao período de vida económica dos ativos utilizados pela empresa em causa. No considerando 359 da decisão impugnada, a Comissão considerou que, no presente caso, o período adequado para a análise dos FTA estava compreendido entre os meses de setembro de 2001 e dezembro de 2006 (cinco anos e quatro meses) e, por outro, que esse período era favorável à Telefónica porque a margem das suas atividades a jusante tinha aumentado ao longo do tempo.

216    Em primeiro lugar, as recorrentes contestam o método de cálculo do valor terminal utilizado pela Comissão no âmbito da análise dos FTA (considerando 363 da decisão impugnada). Alegam que o método de cálculo do valor terminal dos serviços a retalho de alta velocidade da Comissão diverge dos métodos de avaliação habitualmente aplicados às empresas. O critério da Comissão é errado, na medida em que se trata de avaliar uma empresa que dispõe de ativos incorpóreos complexos. Assim, as despesas da Telefónica na sua atividade comercial de retalho de alta velocidade permitem valorizar, além da base de clientes, os ativos tais como as suas marcas, as suas relações com os seus clientes, o know‑how e a sua capacidade de organização. Ora, esses ativos têm uma vida económica bastante mais longa do que os cinco anos e quatro meses tomados em consideração pela Comissão, de forma que o período de referência deveria ter sido alargado para além de dezembro de 2006.

217    Primeiro, há que rejeitar o argumento das recorrentes em que consideram que a prorrogação do período de referência, na análise dos FTA, não aumenta o risco de erros de previsão ou de tomada em consideração no âmbito dessa análise das compensações de um comportamento anticoncorrencial.

218    Como a Comissão sublinhou com razão, nos considerandos 333 e 334 da decisão impugnada, dado que o método dos FTA permite compensar as perdas iniciais através de lucros futuros, os resultados desse método podem efetivamente quer depender de previsões razoáveis da empresa dominante relativamente aos seus lucros futuros esperados, que são suscetíveis de conduzir a um resultado errado, quer incluir lucros a longo prazo resultantes de um reforço do poder de mercado da empresa dominante.

219    A este respeito, há que rejeitar também os argumentos das recorrentes segundo os quais o facto de reduzir o período analisado leva a subestimar a «valor comercial» da Telefónica e ignora o valor dos ativos da Telefónica para além de 2006.

220    Com efeito, há que considerar que a Comissão não ignorou o valor dos ativos da Telefónica para além de 2006. Em contrapartida, considerou acertadamente que, no presente caso, ao contrário de um método que tenha por objetivo avaliar uma sociedade com vista à sua compra ou à sua venda, não era pertinente determinar se as perdas da Telefónica no período 2001‑2006 podiam ser compensadas através de futuros lucros hipotéticos a partir de 2007. Com efeito, foi sem cometer nenhum erro manifesto de apreciação que a Comissão considerou que a atividade a jusante da empresa dominante devia ser rentável por um período correspondente à duração de vida dos seus ativos. No caso contrário, a política de preços da Telefónica seria suscetível de ter um efeito negativo na concorrência (considerando 370 da decisão impugnada).

221    Segundo, o argumento de que a Comissão não fornece nenhuma explicação quanto à duração do período escolhido para a análise dos FTA, que por isso seria arbitrário, deve também ser rejeitado.

222    Antes de mais, nos considerandos 351 a 359 da decisão impugnada, a Comissão indicou que o critério mais razoável consistia em limitar o período de análise ao período de vida dos ativos utilizados pela empresa em causa, uma vez que todos os benefícios económicos previstos decorrentes da utilização destes ativos são tidos em conta na avaliação da sua rentabilidade. Acrescentou igualmente que um período de cinco anos coincidia com a duração de vida económica média dos elementos de rede da TESAU necessários para prestar serviços ADSL a retalho com base no produto grossista regional, tal como resulta do seu plano de atividades inicial, e com a duração de vida média dos elementos de rede dos operadores alternativos, como a France Telecom e a Auna. A Comissão mencionou igualmente que essa duração era superior ao período de amortização dos custos de aquisição de assinantes da TESAU e que era coerente com o período utilizado pela autoridade reguladora das telecomunicações no Reino Unido. Tendo em conta estes elementos, que, em todo o caso, não podem permitir que as recorrentes aleguem que a Comissão não deu nenhuma explicação relativamente à duração do período de análise que utilizou, há que considerar que essa duração do período de análise não foi fixada de forma arbitrária e que não está ferida de erro manifesto de apreciação.

223    A este respeito, quanto à fixação da duração do período durante o qual a rentabilidade deveria ser atingida, as recorrentes contestam a referência aos planos de negócios da Telefónica, sustentando que a análise na qual se baseia a Comissão [confidencial], o que confirma que os prejuízos detetados pela Comissão quanto ao período [confidencial] se deviam a falta de maturidade do mercado espanhol da banda larga. No entanto, por um lado, resulta dos autos que o plano de negócios [confidencial] respeita efetivamente o valor total do conjunto da atividade. Por outro lado, como acertadamente refere a Comissão, a contabilidade dos custos e o plano de negócios da Telefónica demonstram, em primeiro lugar, que a Telefónica [confidencial], uma vez que calculou que o seu limite de rentabilidade se situava em [confidencial] utilizadores finais ADSL, número que foi atingido [confidencial]; seguidamente, que previa um limiar de rentabilidade em termos de resultado antes de impostos, juros, amortizações e provisões (EBITDA) e de lucros antes de impostos e encargos financeiros (EBIT) em [confidencial]; e, por último, que esperava um valor atualizado líquido (a seguir «VAN») [confidencial] (excluindo qualquer valor terminal) no período [confidencial]. Foi, portanto, sem cometer nenhum erro manifesto de apreciação que a Comissão considerou que os prejuízos detetados no período de [confidencial] não podem ser considerados devidos a falta de maturidade do mercado espanhol da banda larga.

224    Terceiro, as recorrentes alegam que não é verdade que o método adotado pela Comissão, que inclui um valor terminal que reflete a vida económica residual das imobilizações e dos clientes adquiridos, seja mais favorável à Telefónica do que o método por esta utilizado no seu plano de atividades inicial (considerandos 362 e 363 da decisão impugnada), devido ao horizonte temporal mais vasto ([confidencial] anos) aí tomado em conta pela Telefónica. Sustentam igualmente que as referidas metodologias não são semelhantes (nota de rodapé n.° 810 da decisão impugnada), tendo a Telefónica considerado que a sua base de clientes era constante e não estava em baixa. Além disso, segundo as recorrentes, os planos de desenvolvimento da Telefónica, mencionados no considerando 367 da decisão impugnada, são irrelevantes no quadro do cálculo do valor terminal.

225    A este propósito, há que salientar que as recorrentes não especificam, nos seus articulados, as razões pelas quais o seu argumento, mesmo que fosse procedente, é suscetível de demonstrar a ilegalidade da decisão recorrida. Com efeito, por um lado, mesmo admitindo, como alegam as recorrentes, que a metodologia seguida pela Comissão não fosse mais favorável à Telefónica do que a metodologia utilizada no seu plano de atividades inicial ou que as metodologias em causa não fossem semelhantes, daí não resulta que as considerações relativas ao valor terminal, que figuram, designadamente, nos considerandos 360 a 362 da decisão impugnada, e à determinação do valor terminal no âmbito do cálculo dos FTA sejam erradas. Por outro lado, refira‑se que os planos de desenvolvimento da Telefónica foram mencionados no considerando 367 da decisão impugnada para demonstrar que, contrariamente ao que sustentava a Telefónica, o cálculo do valor terminal pela Comissão não era inédito. Ora, mesmo admitindo que tal declaração fosse errada, isso não implica a ilegalidade do cálculo do valor terminal que consta da decisão impugnada.

226    Além disso, embora seja certo que o horizonte temporal previsto pela Telefónica no seu plano de atividades [confidencial] era efetivamente de [confidencial] anos (período [confidencial]), o que a Comissão admitiu na contestação, há que considerar que foi sem cometer qualquer erro manifesto que a Comissão decidiu que essa duração era demasiado longa para prever a rentabilidade de um hipotético operador a jusante (v., a este respeito, os n.os 216 a 220, supra).

227    De qualquer modo, há que sublinhar que dos autos resulta que um cálculo do VAN para a atividade de retalho no período de [confidencial], efetuado segundo o mesmo método empregue pela Telefónica no seu plano de atividades «Objetivo Verne 2002», [confidencial]. O argumento das recorrentes, apresentado na audiência, segundo o qual a Comissão não devia ter utilizado as previsões da Telefónica que constavam desse plano e que devia ter‑lhe pedido as suas previsões atualizadas no momento em que realizou o cálculo do valor terminal não pode ser acolhido. Com efeito, é razoável considerar que essas previsões, atualizadas no momento do referido cálculo, aumentariam o risco de na análise serem tomadas em consideração as compensações de um comportamento anticoncorrencial.

228    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que a Comissão poderia ter calculado um valor terminal mais adequado, baseado em dados de mercado. Por um lado, um critério alternativo destinado a avaliar os fluxos de tesouraria a partir de 2006 teria consistido em utilizar informações sobre valores transacionais comparáveis, por aplicação do «método dos múltiplos», cujo objetivo é o de avaliar a atividade de uma empresa comparando‑a com o preço pago por atividades comerciais semelhantes. A utilização de tal método teria a vantagem de não exigir qualquer asserção relativa à duração da atividade considerada. Por outro lado, a aplicação de múltiplos do EBITDA, no considerando 377 da decisão impugnada, não teria sentido quanto às empresas com grande potencial de crescimento. Nestas condições, além do múltiplo das receitas utilizado pela Telefónica na sua resposta à comunicação de acusações, a Comissão poderia ter utilizado um múltiplo específico do setor.

229    Há que concluir que foi corretamente que a Comissão entendeu, no considerando 369 da decisão impugnada, que a utilização, no caso em apreço, de um valor terminal que englobasse todos os lucros futuros da empresa em causa não era razoável nem adequada no âmbito do cálculo de uma compressão tarifária das margens.

230    Com efeito, antes de mais, esse critério, no âmbito do qual são tidos em conta todos os lucros futuros da empresa em causa, não permite determinar se, atendendo designadamente às taxas pagas pelos operadores alternativos à Telefónica pelos produtos grossistas nacional e regional, um operador a jusante tão eficaz como a Telefónica poderia recuperar os seus prejuízos iniciais e alcançar o equilíbrio graças aos lucros gerados pela sua atividade no mercado a jusante durante um determinado período de referência. Seguidamente, tal método também não tem em conta a duração média da vida dos ativos em causa nem o facto de que, num mercado concorrencial, um novo operador não pode contar com a totalidade dos seus eventuais lucros futuros para compensar as perdas iniciais registadas no momento da sua entrada no mercado. Por último, como a Comissão refere no considerando 334 da decisão impugnada, esse critério permitiria eventualmente que uma empresa adotasse com sucesso uma estratégia de compressão dos preços fixando, num primeiro momento, preços suscetíveis, após um período determinado, de excluir os concorrentes e procedendo, num segundo momento, quer a um aumento dos preços, que a prazo lhe permitiria recuperar as suas perdas iniciais, quer a uma manutenção dos referidos preços acima do nível concorrencial, o que seria possibilitado pela falta de entrada ou de crescimento significativo de concorrentes nesse mercado (v. igualmente considerando 334 da decisão impugnada).

231    Em terceiro lugar, as recorrentes afirmam que «a aplicação de um método de avaliação correto, baseado nos valores do mercado para calcular o valor terminal, teria revelado que a atividade de um eventual concorrente tão eficaz como a Telefónica era rentável». Contudo, esse argumento de modo nenhum é explicado ou desenvolvido nos articulados, referindo‑se as recorrentes, de forma global, a dez páginas de um estudo económico junto em anexo. Assim, tendo em conta os n.os 57 a 63, supra, há que rejeitá‑lo.

232    Em face do exposto, a segunda alegação da primeira parte do quinto fundamento deve ser rejeitada.

¾       Quanto à terceira alegação da primeira parte do quinto fundamento, relativa a erros cometidos na análise «período a período»

233    No quadro da presente alegação, as recorrentes formulam várias críticas relativamente à análise «período a período» efetuada pela Comissão.

234    Em primeiro lugar, os recorrentes sustentam que a Comissão não considerou corretamente os CMILT de comercialização.

235    A título preliminar, há que lembrar que, na decisão impugnada, a Comissão considerou que os custos marginais de comercialização eram uma rubrica dos custos de aquisição de assinantes da Telefónica (considerandos 458 a 463 da decisão recorrida), que inclui não apenas os prémios e as comissões (exceto salários) concedidos à rede de venda da Telefónica por cada novo assinante, mas também o desenvolvimento da estrutura comercial da Telefónica, uma vez que tal expansão foi possível graças à sua atividade de banda larga.

236    Quanto à estimativa dos custos de comercialização, a Comissão afirmou, nos considerandos 463 a 473 da decisão impugnada, que a Telefónica tinha subestimado as CMILT, pois só tinha incluído os prémios e as comissões concedidos à rede de venda por cada novo assinante, com exclusão de qualquer despesa relativa à estrutura comercial da sociedade. Segundo a Comissão, mesmo que a estrutura comercial da Telefónica fizesse parte das suas despesas comuns, não se pode afirmar que teria a mesma dimensão (em número de empregados) se a sociedade não oferecesse serviços a retalho de banda larga (considerandos 465 e 470 da decisão impugnada). No considerando 472 da decisão impugnada, a Comissão afirma que para avaliar de forma razoável os custos acrescidos de comercialização, embora fosse possível basear‑se na afetação efetiva da equipa comercial da Telefónica à comercialização dos serviços a retalho de banda larga, no caso presente, a Telefónica, relativamente ao volume de negócios de cada uma das suas atividades, subestima claramente os custos adicionais da atividade de retalho da banda larga, o que já tinha sido criticado pela CMT. Por conseguinte, a Comissão conclui, no considerando 171 da decisão impugnada, que, no caso em apreço, à luz das informações divulgadas pela Telefónica e do facto de não existir nenhum estudo, apesar de ter sido pedido pela CMT, que analisasse a atenção dada pela equipa comercial a cada um dos mercados retalhistas da sociedade, o cálculo das despesas de comercialização em relação ao volume de negócios devia ser utilizado como um valor aproximado dos CMILT favorável à sociedade.

237    Primeiro, há que rejeitar o argumento das recorrentes de que a Comissão não devia ter considerado os CMILT de comercialização com base nos dados contabilísticos da Telefónica, antes devendo utilizar os dados de fontes alternativas, como os painéis da Telefónica.

238    Como resulta dos considerandos 319 e 320 da decisão impugnada, o custo incremental a longo prazo de um produto corresponde aos encargos específicos do produto suportados pela empresa a longo prazo ligados ao volume total da produção do referido produto e, portanto, aos custos que a empresa teria evitado a longo prazo se tivesse decidido não produzir esse produto. A Comissão referiu, assim, que o custo incremental do produto a longo prazo devia abranger não apenas todos os custos fixos e variáveis diretamente ligados à produção do produto em causa, mas também uma proporção dos custos conjuntos ligados a essa atividade. As recorrentes não contestam esta conclusão. Daqui resulta que o CMILT corretamente calculado deve incluir uma proporção dos custos ligados à estrutura comercial da Telefónica que a sociedade teria evitado a longo prazo se não tivesse fornecido os serviços a retalho de alta velocidade.

239    Ora, as recorrentes não contestam que a estimativa dos CMILT de comercialização, conforme constam da análise das perdas e ganhos da atividade de pormenor (Economics ADSL) (considerando 407 da decisão impugnada) e do painel (ADSL scorecard) da atividade de banda larga (considerandos 408 a 410 da decisão impugnada), não inclui como custos de comercialização [confidencial], subestimando assim os CMILT do produto de retalho de banda larga da Telefónica. Embora seja certo que as recorrentes afirmam que [confidencial], diga‑se que este [confidencial], pelo que foi corretamente que a Comissão considerou que os CMILT do produto de retalho de banda larga da Telefónica estavam subavaliados.

240    Segundo, como acertadamente refere a Comissão, o critério das recorrentes não é sustentável no caso em apreço, uma vez que equivale a considerar que os delegados comerciais não dedicam uma parte do seu tempo à comercialização dos produtos de retalho de banda larga da Telefónica. De resto, numa carta de 1 de abril de 2005, enviada à Comissão, referida na nota de rodapé n.° 472 da decisão impugnada, a própria Telefónica reconheceu que era «evidente que a despesa com prémios não esgota[va] o capítulo intitulado 'custos de comercialização'» e que «[era] necessário acrescentar todos os custos resultantes da estrutura comercial da TESAU (a saber, despesas de pessoal diferente daquele que [era] afetado diretamente à venda e os custos de imobilização, de estrutura e de apoio) na medida que [fosse] imputável à oferta de ADSL a retalho».

241    A este respeito, há que rejeitar os argumentos das recorrentes segundo os quais, por um lado, a estrutura comercial da Telefónica permaneceu estável a partir da entrada da empresa no mercado retalhista de alta velocidade e, por outro, os efetivos da Telefónica representavam um custo fixo, dificilmente ajustável em razão da rigidez do mercado de trabalho.

242    Com efeito, como a Comissão referiu no considerando 468 da decisão impugnada, o facto de a Telefónica não ter aumentado os seus efetivos comerciais desde 1999 não implica que uma parte da estrutura comercial da Telefónica não possa ser diretamente imputável à atividade de retalho de banda larga da sociedade. Como a Comissão indicou no considerando 469 da decisão impugnada, independentemente da alegada rigidez do mercado de trabalho em Espanha, é provável que a dimensão da estrutura comercial da Telefónica não tivesse sido mantida se a empresa não tivesse proposto os seus produtos de banda larga a retalho, uma vez que os rendimentos gerados pelas atividades tradicionais (voz e assinatura) baixaram entre 2002 e 2006 (considerando 466 da decisão impugnada). Aliás, há que considerar, como refere a Comissão (considerando 466 da decisão impugnada, in fine), que a força comercial da TESAU está principalmente vocacionada para o crescimento da sua atividade de banda larga, o que as recorrentes não contestam. Assim, a própria Telefónica considerou que o crescimento do grupo era sustentado pela banda larga. Além disso, as receitas geradas pelos serviços de banda larga aumentaram consideravelmente entre 2002 e 2006, enquanto os rendimentos gerados pelas atividades tradicionais diminuíram durante esse mesmo período (considerandos 466 e 467 da decisão impugnada).

243    Além disso, resulta dos autos que a Telefónica, entre 1999 e 2006, diminuiu significativamente o número dos seus empregados (tendo a própria Telefónica, entre 2003 e 2007, reduzido os seus efetivos em cerca de 14 000 empregados), conservando um efetivo comercial relativamente estável, e que a percentagem do pessoal afetado às atividades comerciais passou de [confidencial], em 2001, a [confidencial] dos seus efetivos em 2006.

244    Uma vez que não existia um cálculo fiável da afetação efetiva da equipa comercial da Telefónica à comercialização de produtos finais de alta velocidade, em termos de montante total atribuído à referida comercialização relativamente ao tempo dedicado pela equipa comercial a esses produtos (considerandos 472 e 473 da decisão impugnada), a Comissão não excedeu a sua margem de apreciação ao considerar um critério razoável dos CMILT de comercialização a parte dos custos que a Telefónica imputava à atividade de retalho ADSL [confidencial] na sua contabilidade de 2005. Com efeito, refira‑se a esse respeito que a regra de atribuição utilizada pela Telefónica até 2004 tinha sido considerada inadequada pela CMT, pois não se baseava no processo do custo total de comercialização calculado proporcionalmente ao tempo dedicado pelo pessoal comercial aos produtos finais da banda larga.

245    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que a Comissão subestimou a longevidade média da clientela da Telefónica.

246    A título preliminar, há que lembrar que, na decisão impugnada, a Comissão indicou que tinham sido realizados ajustamentos dos custos da Telefónica a fim de, no que respeita ao teste da compressão das margens, fornecer uma medida adequada do equilíbrio económico dos serviços ADSL de retalho da Telefónica. Considerou assim que, no mercado retalhista, os custos de aquisição de novos clientes representavam uma parte considerável das despesas que seria rapidamente amortizada e que gerava lucros suplementares a longo prazo. Portanto, a Comissão efetuou ajustamentos nas contas da Telefónica amortizando os custos de aquisição de novos assinantes por um período adequado (considerando 474 da decisão impugnada). Na decisão impugnada, a Comissão concluiu, a esse respeito, que o período adequado para amortizar os custos de aquisição dos assinantes da Telefónica, para efeitos do presente processo, era de [confidencial] anos, uma vez que é esse o período máximo utilizado pelas autoridades nacionais de concorrência e pelas ARN, incluindo a CMT, e é mais longo do que o tempo previsto pela Telefónica no seu plano de atividades inicial para recuperar os custos. Portanto, a Comissão não utilizou a longevidade média da clientela da Telefónica por ela proposta, pelas razões expostas nos considerandos 476 a 485 da decisão impugnada.

247    Primeiro, as recorrentes alegam que a Comissão não explica por que razão é o período de amortização de certas ARN e autoridades da concorrência mais pertinente do que as estimativas tomadas em conta na decisão da Comissão de 16 de julho de 2003 (processo COMP/38.233 ― Wanadoo Interactive), na medida em que a duração máxima utilizada por algumas autoridades nacionais, em particular a autoridade francesa, é de [confidencial] anos a partir da longevidade média dos utilizadores finais (considerando 488 da decisão recorrida). Tal argumento deve todavia ser rejeitado, uma vez que a Comissão explicou claramente as razões desta escolha nos considerandos 486 a 489 da decisão recorrida.

248    Segundo, segundo as recorrentes, a Comissão não analisa os planos de negócios da Telefónica de maneira adequada, uma vez que essa análise revelaria que os casos a eles subjacentes estão baseados em estimativas do valor criado para [confidencial]. Interrogadas sobre o alcance e o sentido desta afirmação na audiência, as recorrentes declararam, essencialmente, que a Comissão se baseou numa interpretação errada dos planos de negócios da Telefónica para não aceitar a longevidade média real dos assinantes da Telefónica, que, segundo ela, era de [confidencial]. Contudo, o seu argumento não deve ser interpretado no sentido de que visa estabelecer uma longevidade média dos assinantes da Telefónica de [confidencial] anos.

249    A este respeito, há que rejeitar o argumento das recorrentes, uma vez que assenta numa premissa errada. Como resulta dos considerandos 477 a 489 da decisão impugnada, a Comissão rejeitou os dados relativos à longevidade média real dos clientes da Telefónica devido ao facto de, primeiro, a duração de vida média dos assinantes da Telefónica ser muito provavelmente superior à que deveria ser num mercado concorrencial; segundo, que a duração de vida proposta pela Telefónica estava em contradição com as suas próprias afirmações de que o mercado se caracterizava por custos relativamente baixos para mudar de fornecedor e de que a taxa de renovação dos seus utilizadores finais (churn rate) era de [confidencial]% por mês, o que corresponde a uma duração de vida de [confidencial] anos; terceiro, que a fórmula da Telefónica não podia ser aplicada num mercado em desenvolvimento; e, quarto, que a duração fixada pela Comissão constitui a duração máxima fixada pelas autoridades nacionais da concorrência. Assim, a Comissão não se baseou nos planos de negócios da Telefónica para rejeitar a longevidade média por ela proposta, tendo‑se limitado a afirmar, no considerando 488 da decisão recorrida, que o período de amortização utilizado in fine era [confidencial] à que constava dos referidos planos e, portanto, mais favorável à Telefónica.

250    Terceiro, as recorrentes defendem que a hipótese da Comissão não corresponde à realidade do comportamento dos clientes da Telefónica, uma vez que a duração média dos contratos da Telefónica é superior a [confidencial]. A este respeito, as recorrentes limitam‑se a afirmar que a aplicação das técnicas de estatística correntes à estimativa da longevidade média da clientela permite obter um valor superior a [confidencial]. Todavia, tal argumento de nenhum modo é explicado ou desenvolvido nos articulados, sendo objeto de remissão, de forma global, para dez páginas de um estudo económico junto em anexo. Deve, pois, ser rejeitado.

251    Quarto, as recorrentes alegam que a Comissão deveria ter optado por aplicar outro critério de amortização. Todavia, limitam‑se a evocar uma possibilidade, o que não é suficiente para considerar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação na escolha dos critérios de amortização. Este argumento deve, portanto, ser rejeitado.

252    Em terceiro lugar, os recorrentes sustentam que a Comissão sobrestima os custos de rede.

253    Primeiro, as recorrentes alegam que a Comissão calculou de forma errada o valor líquido contabilístico do investimento, com repercussões no cálculo do custo do capital da rede IP da Telefónica. A Comissão, na contestação, reconhece o erro de cálculo alegado pela Telefónica. Afirma, contudo, que esse erro em nada afeta o cálculo da compressão tarifária das margens ao nível do produto grossista nacional, que em nada altera os resultados da análise dos FTA e que, na análise «período a período», tem apenas uma incidência limitada que não afeta a prova da existência de uma compressão dos preços ao nível do produto grossista regional. Na réplica, as recorrentes deixam de invocar argumentos relativos ao cálculo do valor líquido contabilístico do investimento pela Comissão. Além disso, confirmaram na audiência que a retificação do erro da Comissão não tinha impacto no resultado do recurso. Assim, não há que examinar este argumento.

254    Segundo, as recorrentes alegam que a Comissão aplica um custo médio ponderado do capital (WACC) excessivo e constante durante todo o período em causa.

255    Importa recordar que o custo do capital é o preço estimado que a empresa deve pagar para levantar o capital empregado, que reflete também o retorno esperado pelos investidores por investirem nas atividades da empresa (considerando 383 da decisão impugnada). No considerando 447 da decisão impugnada, a Comissão precisa que o custo do capital é calculado graças ao WACC utilizado pela CMT na regulamentação do setor da banda larga da TESAU e avançada pela própria Telefónica, que alega que os custos do setor ADSL apresentavam um risco maior do que os dos outros setores. O WACC foi assim fixado na decisão impugnada, em [confidencial]%. Esse WACC também é aquele que foi utilizado pela Telefónica na sua resposta à comunicação de acusações (considerandos 384, 385, 447 e 451 da decisão impugnada).

256    Antes de mais, as recorrentes alegam, no essencial, que o WACC oficial, aprovado pela CMT, nunca ultrapassou [confidencial]%. Além disso, o WACC médio utilizado pela Telefónica no seu plano de negócios para o período 2002‑2011 é [confidencial]%. Esses argumentos não podem todavia ser acolhidos, uma vez que a Comissão explicou nos articulados, sem impugnação das recorrentes, que o WACC a que se refere a Telefónica corresponde a um WACC médio, calculado não apenas para as atividades de alta velocidade por grosso e a retalho da Telefónica, mas igualmente para as suas atividades de telefonia fixa. Além disso, resulta dos autos que a própria Telefónica considera que o WACC para a atividade de alta velocidade a retalho é muito superior ([confidencial]%) ao WACC médio para a atividade da TESAU no seu conjunto. De igual modo, há que rejeitar o argumento das recorrentes de que as taxas de remuneração do capital aprovadas pelos organismos de regulação ou pelos analistas na avaliação de empresas de prestação de serviços de alta velocidade não atingiriam o nível da taxa fixada pela Comissão na decisão impugnada, uma vez que essas taxas de remuneração não respeitam especificamente às atividades da alta velocidade por grosso e a retalho das referidas empresas.

257    Seguidamente, segundo as recorrentes, a CMT nunca reconheceu à Telefónica uma taxa de remuneração superior para o mercado da alta velocidade relativamente às outras atividades. Esse argumento também não pode ser acolhido. Com efeito, o WACC utilizado na decisão impugnada, que foi utilizado pela CMT no seu modelo retail minus, é o WACC para a atividade de alta velocidade a jusante da TESAU, o que foi confirmado pela CMT em resposta a um pedido de informações da Comissão de 18 de novembro de 2004. Resulta desta resposta que a CMT fez uma distinção entre, por um lado, o WACC utilizado no cálculo dos preços dos serviços de acesso indireto orientado para os custos ([confidencial]%) e, por outro, o WACC utilizado para o cálculo dos preços grossistas fixados de acordo com o modelo retail minus (de [confidencial]%). De resto, as recorrentes reconhecem que a própria Telefónica utilizou um WACC de [confidencial]% na sua resposta à comunicação de acusações.

258    Por último, as recorrentes afirmam que as suas alegações relativas ao WACC formuladas no âmbito da proposta de acesso ao lacete do assinante em 2002 não justificam que sejam utilizadas durante todo o período em causa, uma vez que a referida proposta foi formulada num momento em que a Telefónica efetuava grandes investimentos em condições de incerteza tecnológica máxima e de procura de desenvolvimento da alta velocidade. Todavia, como a Comissão refere, sem impugnação das recorrentes na audiência, quando a referida proposta foi formulada pela Telefónica em 2002, a sua atividade de alta velocidade já era rentável.

259    Em quarto lugar, as recorrentes sustentam que a Comissão contabiliza duas vezes várias componentes dos custos [a saber, os custos não recorrentes da plataforma FAI (fornecedor de acesso à Internet) e os custos dos estudos do mercado ADSL] e que as rubricas de custos são frequentemente incoerentes no tempo.

260    Por um lado, relativamente à dupla contabilização de certas rubricas de custos, as recorrentes alegam que as despesas de aquisição da plataforma FAI reproduzidas na tabela 29 da decisão impugnada já constam da rubrica correspondente aos custos recorrentes dessa plataforma, incluídos na tabela 27 da decisão impugnada. Por outro lado, os custos que figuram na rubrica «Observação do mercado» também foram contabilizados duas vezes.

261    A este respeito, não se pode deixar de observar que os dados contestados, que figuram nos quadros 27 e 29 da decisão impugnada, estão em conformidade com os dados que foram transmitidos pelas próprias recorrentes à Comissão na sua resposta à comunicação de acusações.

262    Por outro lado, refira‑se que, na petição, as recorrentes se limitam a sustentar que a Comissão calcula de forma errada os custos da Telefónica com recurso a fontes incoerentes e referem‑se a quatro páginas de um anexo. Na réplica, as recorrentes entendem que apenas podem remeter para as explicações sobre os custos fornecidas na petição e fazem referência igualmente a três páginas do respetivo anexo. Importa sublinhar que, nos seus articulados, as recorrentes não fornecem nenhuma explicação relativa a essa alegada dupla contabilização. Por seu lado, a Comissão explica que os custos constantes do quadro 27 são recorrentes, o que não acontece com os custos que constam do quadro 29. Ouvidas a este respeito na audiência, as recorrentes alegaram que a Comissão utilizou dados provenientes dos painéis da Telefónica, que não fazem qualquer distinção entre os custos recorrentes e os custos não recorrentes em causa. Todavia, os documentos que constam dos autos no Tribunal Geral aos quais as recorrentes fizeram expressamente referência na audiência a fim de escorar as sua afirmações provêm do documento «Economics ADSL», que é a análise efetuada pela Telefónica das perdas e dos lucros da sua atividade de retalho. Ora, resulta expressamente do considerando 407 da decisão impugnada, não contestado pelas recorrentes, que esse documento contém uma análise «baseada [na] própria avaliação da [Telefónica] dos custos incrementais dos seus custos exteriores à rede (custos de aquisição de assinantes e taxas recorrentes das FAI)» e que, portanto, os custos da plataforma FAI que figuram nesse estudo não incluem os custos não recorrentes. Quanto à suposta dupla contabilização dos custos recorrentes de «observação do mercado», que figuram na tabela 27 da decisão impugnada, já incluídos nos «outros custos de produção», constantes do mesmo quadro, não se pode deixar de observar que não é minimamente sustentada. O argumento das recorrentes não pode, por conseguinte, ser acolhido.

263    Por outro lado, no que respeita ao argumento de que as rubricas de custos são incoerentes no tempo, há que salientar que a Telefónica não forneceu os custos unitários de 2001, apesar dos pedidos da Comissão (nota de rodapé n.° 464 da decisão impugnada). Consequentemente, a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação ao determinar os custos da Telefónica em 2001 com base nos dados contabilísticos na sua posse ou, na falta deles, com base nos cálculos que constavam do documento intitulado «Economics ADSL» ou dos painéis da interessada. De resto, as recorrentes não contestaram esta abordagem na resposta à comunicação de acusações nem na carta relativa à descrição dos factos. O seu argumento não pode portanto ser acolhido.

264    Em face do exposto, a terceira alegação da primeira parte do quinto fundamento deve ser julgada integralmente improcedente, não havendo que decidir quanto às consequências dos erros alegados para o cálculo da compressão tarifária das margens.

265    A primeira parte do quinto fundamento deve, portanto, ser julgada improcedente na íntegra.

 Quanto à segunda parte do quinto fundamento, relativa ao facto de a Comissão não ter feito prova bastante dos efeitos prováveis ou concretos do comportamento em causa

266    No âmbito da presente parte do fundamento, as recorrentes alegam que a Comissão não fez prova bastante dos efeitos prováveis ou concretos do comportamento da Telefónica.

267    De acordo com a jurisprudência acima referida no n.° 170, ao proibir a exploração abusiva de uma posição dominante, na medida em que o comércio entre Estados‑Membros possa ser afetado, o artigo 82.° CE visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante, comportamentos esses que, num mercado onde o grau de concorrência já está enfraquecido devido precisamente à presença dessa empresa, através do recurso a meios diferentes dos que regem uma competição normal dos produtos ou serviços com base nas prestações dos operadores económicos, tenham por efeito obstar à manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou ao desenvolvimento dessa concorrência.

268    O «efeito» a que se refere a jurisprudência citada no número anterior não respeita necessariamente ao efeito concreto do comportamento abusivo em causa. Para concluir pela existência de uma violação do artigo 82.° CE, basta demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante tende a restringir a concorrência ou, por outras palavras, que o comportamento é suscetível de ter tal efeito (acórdãos do Tribunal Geral de 30 de setembro de 2003, Michelin/Comissão, T‑203/01, Colet., p. II‑4071, n.° 239, e de 17 de dezembro de 2003, British Airways/Comissão, T‑219/99, Colet., p. II‑5917, n.° 293, e Microsoft/Comissão, já referido no n.° 58, supra, n.° 867). Assim, o efeito anticoncorrencial da prática de preços em causa no mercado deve existir, mas não tem necessariamente de ser concreto, sendo suficiente a demonstração de um efeito anticoncorrencial potencial suscetível de afastar os concorrentes pelo menos tão eficazes como a empresa em posição dominante (acórdão TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.° 64).

269    Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para determinar se a empresa que ocupa uma posição dominante explorou de forma abusiva essa posição através das suas práticas tarifárias, há que apreciar todas as circunstâncias e examinar se essa prática se destina a retirar ou a limitar ao comprador as possibilidades de escolha de fontes de abastecimento, a impedir o acesso de concorrentes ao mercado, a aplicar a parceiros comerciais condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando‑os, por esse facto, em desvantagem na concorrência, ou a reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada (v. acórdãos de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 170, supra, n.° 175, e TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.° 28 e jurisprudência aí referida).

270    Uma vez que o artigo 82.° CE se refere não só às práticas suscetíveis de causar um prejuízo imediato aos consumidores mas também às que lhes causam prejuízo por prejudicarem o jogo da concorrência, incumbe à empresa que detém uma posição dominante uma responsabilidade especial de, com o seu comportamento, não prejudicar uma concorrência efetiva e não falseada no mercado comum (v. acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 50, supra, n.° 176 e jurisprudência aí referida).

271    Daí resulta que o artigo 82.° CE proíbe, nomeadamente, que uma empresa em posição dominante utilize práticas tarifárias que produzam efeitos de expulsão dos seus concorrentes igualmente eficazes, reais ou potenciais, isto é, práticas capazes de dificultar ou mesmo impossibilitar o seu acesso ao mercado, bem como dificultar ou mesmo impossibilitar aos seus cocontratantes a escolha entre várias fontes de abastecimento ou parceiros comerciais, reforçando assim a sua posição dominante, recorrendo a meios diferentes daqueles que pertencem a uma concorrência pelo mérito. Nesta perspetiva, nem toda a concorrência através dos preços pode, portanto, ser considerada legítima (v. acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 50, supra, n.° 177, e jurisprudência aí referida).

272    Em primeiro lugar, em face destas considerações, há que rejeitar o argumento das recorrentes de que, dado o período de tempo decorrido entre o início do comportamento em causa e a adoção da decisão impugnada, não era adequado proceder a um teste de efeitos prováveis, uma vez que a Comissão dispunha do tempo necessário para demonstrar a materialidade dos alegados efeitos anticoncorrenciais associados ao comportamento em causa. Esse argumento não encontra, de resto, nenhum fundamento na jurisprudência.

273    Em segundo lugar, há que rejeitar o argumento das recorrentes baseado no acórdão do Tribunal Geral de 25 de outubro de 2002, Tetra Laval/Comissão (T‑5/02, Colet., p. II‑4381, n.° 153), segundo o qual, mesmo com base numa análise de efeitos prováveis, a Comissão devia ter demonstrado que o comportamento da Telefónica teria «com toda a probabilidade» efeitos negativos para a concorrência e para os consumidores. Com efeito, esse acórdão foi proferido num processo relativo ao controlo das concentrações, no qual o Tribunal considerou que a Comissão, no quadro de uma análise prospetiva, devia proibir uma operação de concentração de tipo conglomerado, se «pude[sse] concluir, por causa dos efeitos de conglomerado verificados, que uma posição dominante ser[ia], com toda a probabilidade, criada ou reforçada num futuro relativamente próximo e ter[ia] como consequência que a concorrência efetiva no mercado em causa [fosse] entravada de forma significativa». Como o Tribunal de Justiça observou no acórdão Comissão/Tetra Laval, acima referido no n.° 71 (n.os 42 e 43), uma análise prospetiva da criação ou do reforço de uma posição dominante, como aquela que é necessária em matéria de fiscalização das concentrações, tem que ser efetuada com muita atenção, uma vez que não se trata de apreciar factos do passado, a respeito dos quais existem frequentemente numerosos elementos que permitem compreender as respetivas causas. Ora, essa situação não é comparável ao presente caso.

274    Em terceiro lugar, tendo em conta a jurisprudência acima lembrada no n.° 268, há que analisar a alegação das recorrentes de que as considerações da Comissão relativas aos efeitos prováveis do comportamento da Telefónica são puramente teóricas e não têm fundamento.

275    A este respeito, refira‑se que os efeitos prováveis do comportamento da Telefónica foram analisados nos considerandos 545 a 563 da decisão impugnada. Por um lado, a Comissão aí considerou que esse comportamento tinha provavelmente limitado a capacidade de os operadores ADSL crescerem duradouramente no mercado retalhista. Antes de mais, para justificar essa conclusão, baseou‑se no facto de os operadores ADSL terem tido que praticar preços inferiores aos preços de retalho da Telefónica com a finalidade de captar clientes. Sublinhou que isso era resultado das perdas não recuperáveis num período razoável num mercado concorrencial (considerando 546 da decisão impugnada). Para o efeito, baseou‑se nomeadamente nas considerações feitas nos considerandos 251 a 253 da decisão impugnada. Em seguida, baseando‑se nas considerações efetuadas nos considerandos 223 a 242 da decisão impugnada, entendeu nomeadamente que os concorrentes ADSL no mercado retalhista não dispunham de qualquer input alternativo viável. Assim, baseou‑se na relação de dependência dos operadores alternativos face aos produtos do mercado grossista da Telefónica (considerandos 547 e 548 da decisão impugnada). Considerou, assim, que o comportamento da Telefónica tinha provavelmente dificultado a manutenção permanente da presença no mercado de concorrentes igualmente eficazes e que a Telefónica tinha tido a possibilidade, pelo seu comportamento, de obrigar os operadores alternativos a procurarem um equilíbrio entre a sua rentabilidade e o crescimento da sua quota de mercado, limitando assim a pressão concorrencial exercida sobre ela (considerandos 549 a 552 da decisão impugnada). Por outro lado, a Comissão considerou que o comportamento da Telefónica tinha provavelmente causado um prejuízo aos consumidores finais, uma vez que a concorrência, que foi restringida por meio da compressão tarifária das margens, podia fazer baixar os preços por ela cobrados aos utilizadores finais (considerandos 556 a 559 da decisão impugnada).

276    As considerações da Comissão que figuram nos considerandos 545 a 563 da decisão impugnada não podem ser consideradas «puramente teóricas» ou insuficientemente alicerçadas. Pelo contrário, demonstram suficientemente os eventuais entraves que as práticas tarifárias da Telefónica podem ter causado no grau de concorrência do mercado de retalho. Assim, foi sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação que a Comissão considerou que o comportamento da Telefónica tinha provavelmente reforçado as barreiras à entrada e à expansão nesse mercado e que, sem as distorções resultantes da compressão tarifária das margens, a concorrência teria sido provavelmente mais viva no mercado de retalho, o que teria beneficiado os consumidores em termos de preços, de escolha e de inovações.

277    Os argumentos das recorrentes destinados a pôr em causa essa conclusão não colhem.

278    Assim, há que rejeitar o argumento das recorrentes de que o teste da compressão tarifária das margens utilizado pela Comissão é alheio aos critérios que determinam as decisões estratégicas dos operadores alternativos no mercado retalhista.

279    Por um lado, quanto ao argumento de que um concorrente tão eficaz como a Telefónica não tomaria as suas decisões estratégicas unicamente em função da duração da amortização dos seus ativos, mas também em função do período necessário para rentabilizar o investimento em novas infraestruturas e atrair a sua clientela, há que observar, como faz a Comissão, que a demonstração do efeito anticoncorrencial do abuso se baseia em grande medida na tendência da prática em causa para aumentar os custos de entrada dos concorrentes e adiar as suas perspetivas de rentabilidade, precisamente dificultando a constituição de uma base de clientes adequada a justificar a instalação da sua própria infraestrutura. Ora, tal situação influenciou necessariamente as decisões estratégicas, o comportamento no mercado e os resultados dos concorrentes da Telefónica e dos novos operadores potenciais.

280    Por outro lado, há que rejeitar os argumentos das recorrentes destinados a demonstrar que a análise da Comissão ignora o facto de os concorrentes da Telefónica terem acesso a estratégias concorrenciais como a de penetrar no mercado com base nas suas próprias infraestruturas ou por uma combinação das suas próprias infraestruturas com a da Telefónica, ou ainda fazendo uma concorrência agressiva que lhes permita subir progressivamente na escala dos investimentos. Antes de mais, no que se refere ao argumento das recorrentes de que um operador alternativo otimizaria os seus investimentos instalando a sua infraestrutura apenas em zonas geográficas rentáveis, há que considerar que, nesse caso, esse operador seria obrigado a suportar os prejuízos em determinadas zonas geográficas do território espanhol com rendimentos obtidos noutras zonas. Em seguida, também não colhe o argumento segundo o qual os investimentos efetuados pelos operadores alternativos nas suas próprias redes não seriam tão significativos, tanto mais que os interessados utilizariam uma combinação otimizada de produtos grossistas. Com efeito, como foi acima lembrado no n.° 117, o desenvolvimento de infraestruturas próprias gera custos consideráveis. Por outro lado, como acima se refere no n.° 130, não se verifica a utilização de uma combinação de produtos grossistas. Por último, o argumento de que a teoria da escala dos investimentos não exige que todos os escalões estejam acessíveis deve ser rejeitado pelos motivos acima expostos no n.° 196.

281    Além disso, há que rejeitar a alegação de que a Comissão, na decisão impugnada, ignorou a pressão concorrencial dos operadores de cabo no mercado retalhista. Com efeito, a Comissão examinou o fenómeno não só na secção da decisão impugnada relativa aos efeitos prováveis do comportamento da Telefónica (considerandos 559 e 560 da decisão impugnada), mas também nos considerandos 268 a 276 da referida decisão, relativos à definição do mercado de retalho.

282    Em face destas considerações, há que concluir que, nos considerandos 545 a 563 da decisão impugnada, a Comissão fez prova bastante da existência dos entraves que as práticas tarifárias da Telefónica podiam causar ao desenvolvimento da oferta no mercado e, portanto, no nível da concorrência nesse mesmo mercado.

283    Uma vez que, para efeitos de demonstração de uma violação do artigo 82.° CE, basta demonstrar que o comportamento abusivo tende a restringir a concorrência (v. n.° 268, supra) e que, segundo jurisprudência bem assente, na medida em que determinados fundamentos de uma decisão sejam, só por si, suscetíveis de a justificar suficientemente, os vícios de que possam estar feridos outros fundamentos do ato são, de qualquer modo, irrelevantes para a sua parte decisória (acórdão do Tribunal Geral de 21 de setembro de 2005, EDP/Comissão, T‑87/05, Colet., p. II‑3745, n.° 144; v. igualmente, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de julho de 2001, Comissão e França/TF1, C‑302/99 P e C‑308/99 P, Colet., p. I‑5603, n.os 26 a 29), as alegações das recorrentes relativas à falta de prova dos efeitos concretos do comportamento da Telefónica no mercado devem ser rejeitadas por serem irrelevantes para a prova da infração alegada.

284    Daí resulta que a segunda parte do quinto fundamento deve ser julgada improcedente.

285    O quinto fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente na íntegra.

g)     Quanto ao sexto fundamento, relativo a uma aplicação ultra vires do artigo 82.° CE e à violação dos princípios da subsidiariedade, da proporcionalidade, da segurança jurídica, da cooperação leal e da boa administração

286    O presente fundamento divide‑se em três partes. A primeira parte é relativa a uma aplicação ultra vires do artigo 82.° CE. A segunda parte, formulada a título subsidiário, assenta na violação dos princípios da subsidiariedade, da proporcionalidade e da segurança jurídica. Por fim, a terceira parte é relativa a uma violação dos princípios da cooperação leal e da boa administração.

 Quanto à primeira parte do sexto fundamento, relativa a uma aplicação ultra vires do artigo 82.° CE

287    No âmbito da presente parte do fundamento, as recorrentes alegam que a Comissão, ao adotar a decisão impugnada, aplicou ultra vires o artigo 82.° CE.

288    Quanto à admissibilidade da presente parte, contestada pela Comissão, há que salientar que resulta do texto da petição que os argumentos das recorrentes invocados no âmbito da presente parte, se destinam a demonstrar que a Comissão aplicou o artigo 82.° CE para além das competências que lhe foram atribuídas no domínio do direito da concorrência. Além disso, na réplica, as recorrentes afirmam que, contrariamente ao que sugere a Comissão, as recorrentes não invocam nenhum desvio de poder. Uma vez que esta parte visa demonstrar que a Comissão, no caso vertente, excedeu as suas competências, deve ser declarada admissível.

289    Quanto ao seu mérito, em primeiro lugar, há que rejeitar o argumento das recorrentes, baseado nas observações que apresentaram no âmbito do seu quarto fundamento, segundo o qual a Comissão desrespeitou os critérios jurídicos aplicáveis ao artigo 82.° CE, na medida em que esse argumento, que, de qualquer modo, não se destina a demonstrar que a Comissão excedeu as suas competências, é improcedente (v. n.os 169 a 184, supra). Além disso, o facto de o comportamento abusivo se ter produzido num mercado qualificado pelas recorrentes de «instrumental», isto é, um mercado «criado para fins de regulação», é irrelevante para a aplicação do artigo 82.° CE, uma vez que o direito da concorrência se aplica igualmente a esses mercados (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de novembro de 1975, General Motors continental/Comissão, 26/75, Recueil, p. 1367, Colet., p. 467, n.° 10, e de 11 de novembro de 1986, British Leyland/Comissão, 226/84, Colet., p. 3263, n.° 5).

290    Em segundo lugar, no que diz respeito ao argumento das recorrentes segundo o qual a Comissão, na sua apreciação do comportamento da Telefónica na decisão impugnada, desrespeitou as competências das ARN e se baseou em conceitos de caráter regulamentar, como o de «escala dos investimentos», refira‑se que as recorrentes se limitam a afirmar que o referido conceito, cuja utilização no âmbito da aplicação do artigo 82.° CE é desprovida de qualquer fundamento, não reflete a evolução do mercado espanhol nem a evolução da estratégia concorrencial dos operadores alternativos. Ora, embora as recorrentes afirmem que esse conceito de natureza regulamentar não pertence ao direito da concorrência, não explicam por que razão a utilização desse conceito económico pela Comissão, para descrever a evolução do mercado espanhol da banda larga a partir da liberalização do setor das telecomunicações, demonstra que a Comissão excedeu as suas competências ou aplicou o artigo 82.° CE «para fins regulamentares», pelo que a sua afirmação não pode ser acolhida. Por outro lado, como resulta do considerando 180 da decisão impugnada, a própria Telefónica, numa carta à Comissão de 2 de março de 2005, baseou‑se no conceito de «escala dos investimentos» para descrever a evolução do mercado espanhol da Internet desde 2001 e confirmou que «o mercado espanhol da alta velocidade evolu[ía] segundo o calendário esperado na ‘escala dos investimentos’». Se as recorrentes sustentam que o recurso a esse conceito teria levado a Comissão a ignorar que os operadores alternativos utilizariam uma combinação ótima dos produtos grossistas ou que, como demonstra o exemplo da Jazztel, podiam e podem realizar investimentos consideráveis sem dispor de uma base significativa de clientes, tal argumento, que também não visa demonstrar que a Comissão excedeu as suas competências, deve ser rejeitado pelas razões acima referidas nos n.os 120 e 201 a 211.

291    Em terceiro lugar, quanto ao argumento, suscitado na réplica, segundo o qual a Comissão dispunha de um instrumento formal ad hoc de intervenção resultante do artigo 7.° da Diretiva‑quadro que lhe permitia intervir numa situação como a que está aqui em causa e sem que seja necessário conhecer da sua admissibilidade, contestada pela Comissão, há que concluir que é improcedente.

292    Importa sublinhar que, nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, a Diretiva‑quadro «estabelece um quadro harmonizado para a regulamentação dos serviços de comunicações eletrónicas, das redes de comunicações eletrónicas e dos recursos e serviços conexos[, d]efine as funções das [ARN] e fixa um conjunto de procedimentos para assegurar a aplicação harmonizada do quadro regulamentar em toda a Comunidade». Há que salientar igualmente que o legislador da União pretendeu atribuir um papel central às ARN para atingir os objetivos da Diretiva‑quadro, como comprovam o recurso ao instrumento jurídico da Diretiva, de que os Estados‑Membros são os únicos destinatários, a estrutura da mesma, que contém dois capítulos, intitulados, respetivamente, «[ARN]» (capítulo 2: Artigos 3.° a 7.°) e «Funções das [ARN]» (capítulo 3: Artigos 8.° a 13.°), e as competências específicas atribuídas às ARN. A este respeito, o artigo 7.° da Diretiva‑quadro descreve a participação da Comissão e das ARN no processo de consolidação do mercado interno das comunicações eletrónicas e visa, de acordo com o considerando 15 da referida diretiva, garantir que «as decisões a nível nacional não tenham efeitos negativos no mercado interno ou noutros objetivos do Tratado».

293    A existência desse instrumento em nada afeta a competência conferida diretamente à Comissão pelo artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 e, a partir de 1 de maio de 2004, pelo artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003, para declarar as infrações aos artigos 81.° CE e 82.° CE (v., neste sentido, acórdão de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 69, supra, n.° 263). Assim, as regras relativas à concorrência previstas no Tratado CE completam, através do exercício de um controlo ex post, o quadro regulamentar adotado pelo legislador da União para regular ex ante os mercados das telecomunicações (acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 170, supra, n.° 92).

294    Além disso, as recorrentes não podem alegar que cabia à Comissão, nos termos do artigo 7.° da Diretiva‑quadro, fiscalizar as medidas regulamentares adotadas pela CMT. Com efeito, como referiu a Comissão nos seus articulados, apenas as medidas adotadas em junho de 2006, na sequência da implementação da CMT da Diretiva‑quadro e das Orientações da Comissão relativas à análise e avaliação de poder de mercado significativo no âmbito do quadro regulamentar comunitário para as redes e os serviços de comunicações eletrónicas (JO 2002, C 165, p. 6) (a seguir, conjuntamente, «quadro regulamentar de 2002»), foram notificadas à Comissão, através do procedimento previsto no referido artigo.

295    Daqui resulta que improcede a primeira parte do sexto fundamento.

 Quanto à segunda parte do sexto fundamento, relativa a uma violação dos princípios da subsidiariedade, da proporcionalidade e da segurança jurídica

296    No âmbito da segunda parte do presente fundamento, as recorrentes alegam que, mesmo admitindo que a Comissão pudesse utilizar o artigo 82.° CE com fins regulamentares, quod non, a sua intervenção no presente processo é contrária aos princípios da subsidiariedade, da proporcionalidade e da segurança jurídica, uma vez que interfere sem motivo no exercício das competências da CMT.

297    Há que recordar que o princípio da subsidiariedade está enunciado no artigo 5.°, segundo parágrafo, CE e é concretizado pelo Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, anexo ao Tratado, nos termos do qual, nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva, a Comunidade só intervém se e na medida em que os objetivos da ação prevista não possam ser suficientemente realizados pelos Estados‑Membros e possam, portanto, em razão da dimensão ou dos efeitos da ação prevista, ser mais adequadamente realizados ao nível comunitário. Este protocolo, no seu n.° 5, aprova igualmente diretrizes para determinar se essas condições se encontram preenchidas.

298    Além disso, precisa, no seu n.° 3, que o princípio da subsidiariedade não põe em causa as competências conferidas à Comunidade pelo Tratado, tal como interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Assim, este princípio não põe em causa as competências que foram conferidas à Comissão pelo Tratado CE, entre as quais a aplicação das normas da concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno [artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE] enunciadas nos artigos 81.° CE e 82.° CE e executadas pelo Regulamento n.° 17 e, a partir de 1 de maio de 2004, pelo Regulamento n.° 1/2003 (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 8 de março de 2007, France Télécom/Comissão, T‑339/04, Colet., p. II‑521, n.os 88 e 89).

299    Tendo em conta os desenvolvimentos que acima constam do n.° 293, a Telefónica não podia ignorar que o respeito da regulamentação espanhola em matéria de telecomunicações não a protegia de uma intervenção da Comissão ao abrigo do artigo 82.° CE, tanto mais que vários instrumentos jurídicos do quadro regulamentar de 2002 refletem a possibilidade de processos paralelos nas ARN e nas autoridades da concorrência (v., a este propósito, artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva‑quadro e n.os 28, 31 e 70 das Orientações da Comissão relativas à análise e avaliação de poder de mercado significativo no âmbito do quadro regulamentar comunitário para as redes e serviços de comunicações eletrónicas).

300    Daí resulta que as decisões tomadas pelas ARN com base no quadro regulamentar de 2002 não privam a Comissão da sua competência para intervir numa fase posterior para aplicar o artigo 82.° CE ao abrigo do Regulamento n.° 17 e, a partir de 1 de maio de 2004, do Regulamento n.° 1/2003. Além disso, nenhuma disposição do referido quadro impõe à Comissão que demonstre a existência de circunstâncias excecionais para justificar a sua intervenção nesses casos, como alegam as recorrentes. Portanto, há que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual, no essencial, nem a Comissão nem as autoridades nacionais da concorrência devem analisar, para efeitos de direito da concorrência, os comportamentos sujeitos a medidas regulamentares com objetivos semelhantes.

301    Em todo o caso, antes de mais, a CMT não é uma autoridade da concorrência, mas sim uma autoridade reguladora, e nunca interveio para fazer respeitar o artigo 82.° CE nem adotou decisões relativas às práticas punidas na decisão impugnada (considerandos 678 e 683 da decisão impugnada). Mesmo admitindo que a CMT tivesse sido obrigada a analisar a compatibilidade das práticas da Telefónica com o artigo 82.° CE, essa circunstância não impede que uma infração imputada à mesma possa ser declarada pela Comissão. Com efeito, a Comissão não pode ficar vinculada a uma decisão proferida por uma autoridade nacional em aplicação do artigo 82.° CE (v., neste sentido, acórdão de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 69, supra, n.° 120).

302    Seguidamente, a CMT afirmou, em várias ocasiões, que não dispunha de certas informações necessárias para proceder à análise da compressão tarifária das margens relativa aos preços da Telefónica para o acesso grossista e de retalho à banda larga ao nível regional (v., nomeadamente, considerandos 494, 495, 509 e 511 da decisão impugnada).

303    Por último, segundo o considerando 494 da decisão impugnada, o modelo de custos utilizados pela CMT nas suas decisões ex ante que tinha por objetivo comprovar a inexistência de uma compressão tarifária das margens também não era adequado, para efeitos de aplicação do artigo 82.° CE, uma vez que, por um lado, não se baseava em estimativas recentes no respeitante aos custos históricos da Telefónica, mas sim em estimativas realizadas por consultores externos com base em informações prestadas pela sociedade em outubro de 2001, e, por outro, o modelo de custos dos referidos consultores tinha subestimado os custos adicionais da rede a jusante da Telefónica e não teve em conta as despesas de promoção desta última. Os argumentos segundo os quais a CMT se mostrou particularmente ativa relativamente à política de preços da Telefónica e agiu ex post várias vezes regulamentando e controlando a política de preços da Telefónica desde as primeiras fases de desenvolvimento do mercado espanhol da banda larga devem, por isso, ser igualmente rejeitados.

304    Nesse contexto, o argumento das recorrentes de que a Comissão não era competente para examinar a ação das ARN nos termos do artigo 82.° CE se não tiver ficado demonstrado que estas não atuaram no âmbito das suas competências ou atuaram de forma manifestamente errada deve também ser rejeitado. Com efeito, na decisão impugnada, a Comissão não examinou a ação da CMT à luz do artigo 82.° CE mas sim a ação da Telefónica.

305    Por conseguinte, não se demonstrou que o princípio da subsidiariedade foi violado.

306    Quanto às alegadas violações dos princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica, as recorrentes não demonstram como foram estes princípios violados. Com efeito, limitam‑se a invocar a violação do princípio da segurança jurídica resultante da intervenção da Comissão ao abrigo do artigo 82.° CE, mesmo apesar de não ter posto em causa a atuação da CMT. Assim, a Telefónica poderia ter a convicção de que, se cumprisse o quadro regulamentar em vigor, o seu comportamento estaria em conformidade com o direito da União. Todavia, tal argumento deve ser rejeitado, pelos motivos acima expostos nos n.os 299 a 304.

307    Por último, no que respeita ao argumento das recorrentes de que a Comissão devia ter proposto uma ação por incumprimento contra o Reino de Espanha, nos termos do artigo 226.° CE, se tivesse chegado à conclusão de que as decisões da CMT, enquanto órgão de um Estado‑Membro, não permitiam evitar uma compressão tarifária das margens e, portanto, não respeitavam o quadro regulamentar de 2002, há que referir que, na decisão impugnada, a Comissão não fez essa consideração. Por outro lado, mesmo admitindo que a CMT tivesse violado uma norma da União e a Comissão tivesse podido, com esse fundamento, iniciar um processo por incumprimento contra o Reino de Espanha, essas eventualidades de modo nenhum seriam suscetíveis de afetar a legalidade da decisão impugnada. Com efeito, nessa decisão, a Comissão limitou‑se a declarar que a Telefónica tinha cometido uma infração ao artigo 82.° CE, disposição que se aplica não aos Estados‑Membros, mas apenas aos operadores económicos (v., neste sentido, acórdão de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 69, supra, n.° 271). Acresce que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, no sistema instituído pelo artigo 226.° CE, a Comissão dispõe de um poder discricionário para intentar uma ação por incumprimento, não competindo aos tribunais da União apreciar a oportunidade do seu exercício (acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 170, supra, n.° 47).

308    Daí resulta que improcede a segunda parte do sexto fundamento.

 Quanto à terceira parte do sexto fundamento, relativa a uma violação dos princípios da cooperação leal e da boa administração

309    A título preliminar, há que lembrar que o princípio da cooperação leal consagrado no artigo 10.° CE se impõe a todas as autoridades dos Estados‑Membros que atuem no âmbito das suas competências e às instituições da União, que são obrigadas a deveres recíprocos de cooperação leal com os Estados‑Membros (despacho do Tribunal de Justiça de 13 de julho de 1990, Zwartveld e o., C‑2/88 IMM, Colet., p. I‑3365, n.° 17; acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de outubro de 2002, Roquette Frères, C‑94/00, Colet., p. I‑9011, n.° 31 e jurisprudência aí referida). Quando, como no caso em apreço, as autoridades da União e as autoridades nacionais são chamadas a contribuir para a realização dos objetivos do Tratado, através de um exercício coordenado das respetivas competências, essa cooperação reveste um caráter particularmente essencial (acórdão Roquette Frères, já referido, n.° 32).

310    Contrariamente ao que alegam as recorrentes, a CMT foi efetivamente associada ao procedimento administrativo que conduziu à decisão impugnada. Em primeiro lugar, a Comissão enviou‑lhe três pedidos de informações datados, respetivamente, de 18 de novembro e de 17 de dezembro de 2004 e de 17 de janeiro de 2005. Em segundo lugar, a Comissão comunicou à CMT, em 24 de maio de 2006, uma versão não confidencial da comunicação de acusações. Informou‑a também de que poderia eventualmente apresentar comentários escritos sobre a comunicação de acusações ou ainda formular observações ou questões orais na audição. Ora, a CMT não apresentou qualquer observação escrita. Em terceiro lugar, vários representantes da CMT estavam presentes na audição de 12 e 13 de junho de 2006, na qual a CMT também interveio oralmente. Em quarto lugar, em 26 de junho de 2006, a CMT também respondeu por escrito a uma série de questões colocadas pela autora da denúncia na audição. Em quinto lugar, as recorrentes não contestam a afirmação da Comissão de que os membros da equipa responsável pelo processo se reuniram com a CMT por várias vezes para discutir o inquérito. Em sexto lugar, as recorrentes não contestam as afirmações da Comissão de que, em 14 de junho de 2007, vários representantes da CMT se encontraram com esta e formularam observações quanto ao teor de alguns considerandos da decisão recorrida, que foram tidas em conta para a segunda reunião do Comité consultivo referido no artigo 14.° do Regulamento n.° 1/2003. A CMT não apresentou comentários adicionais a este respeito. De resto, um perito da CMT participou numa reunião desse Comité consultivo, realizada em 15 de junho de 2007.

311    A este respeito, não pode ser acolhido o argumento das recorrentes de que os pedidos de informações enviados pela Comissão à CMT tinham caráter técnico e não afetavam as acusações dirigidas à Telefónica, a realidade dos mercados alegadamente afetados, a metodologia seguida para efetuar os testes de compressão tarifária das margens ou ainda a eventual existência de tal compressão. Com efeito, apesar de ter sido convidada a fazê‑lo pela Comissão, a CMT não formulou observações escritas à Comissão sobre a comunicação de acusações nem, em especial, sobre as apreciações preliminares da Comissão relativas aos elementos acima mencionados, tal como figuravam nos n.os 142 a 250 e 358 a 469 da referida comunicação.

312    Por outro lado, há que lembrar, quanto às relações que se estabelecem no âmbito dos processos conduzidos pela Comissão ao abrigo dos artigos 81.° CE e 82.° CE, que as modalidades de aplicação do princípio da cooperação leal que decorre do artigo 10.° CE e à qual a Comissão está obrigada nas suas relações com os Estados‑Membros foram nomeadamente indicadas nos artigos 11.° a 16.° do Regulamento n.° 1/2003, no seu capítulo IV, intitulado «Cooperação». Ora, estas disposições não preveem expressamente a obrigação de a Comissão consultar as ARN.

313    As recorrentes também não podem, neste contexto, alegar que o envio da comunicação de acusações à CMT e o seu convite na audição ocorreram tardiamente, embora a Comissão tivesse formado uma opinião quanto à alegada ilegalidade do comportamento da Telefónica. Com efeito, além de a comunicação de acusações ser um documento preparatório cujas apreciações são de caráter puramente provisório e destinadas a circunscrever o objeto do procedimento administrativo para as empresas objeto desse processo (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 14; Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 69, supra, n.° 67, e Prym e Prym Consumer/Comissão, n.° 83, supra, n.° 40), já acima se referiu no n.° 310 que a Comissão tinha enviado à CMT uma cópia dessa comunicação em 24 de maio de 2006, ou seja, mais de um ano antes da adoção da decisão impugnada.

314    Em face destas considerações, não se pode portanto considerar que, no caso presente, a Comissão violou o seu dever de cooperação leal. Uma vez que o argumento das recorrentes relativo à violação do princípio da boa administração se baseia exclusivamente na violação desse dever, deve também ser julgado improcedente.

315    Por conseguinte, há que julgar improcedente a terceira parte do presente fundamento.

316    Por conseguinte, o sexto fundamento deve ser julgado improcedente na íntegra e, com ele, todo o pedido principal de anulação da decisão impugnada.

2.     Quanto aos pedidos subsidiários de anulação ou redução do montante da coima

317    As recorrentes invocam dois fundamentos de anulação ou de redução do montante da coima. O primeiro fundamento é relativo a erros de facto, de apreciação dos factos e de direito, à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 e dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima. O segundo fundamento, formulado a título subsidiário, é relativo a erros de facto e de direito e a uma violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento, da individualização das penas, bem como do dever de fundamentação na determinação do montante da coima.

a)     Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de facto e de apreciação dos factos e de direito, à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 e dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima.

318    Com o presente fundamento, as recorrentes põem em causa as conclusões da Comissão segundo as quais, por um lado, o comportamento da Telefónica, durante o período da infração, foi intencionalmente ilícito ou, pelo menos, gravemente negligente e, por outro, a infração cometida pela Telefónica constitui um «abuso caracterizado», relativamente ao qual existem precedentes (considerandos 720 a 736 da decisão impugnada).

319    Em primeiro lugar, quanto à questão de saber se a infração foi cometida dolosamente ou por negligência e é, por esse facto, passível de coima, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 17 e, a partir de 1 de maio de 2004, nos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, resulta da jurisprudência que esse pressuposto está preenchido quando a empresa em causa não pode ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento, quer tenha tomado ou não consciência de infringir as normas da concorrência do Tratado (v. acórdãos do Tribunal Geral de 14 de dezembro de 2006, Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, T‑259/02 a T‑264/02 e T‑271/02, Colet., p. II‑5169, n.° 205, e de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 69, supra, n.° 295, e jurisprudência aí referida; v. igualmente, neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de novembro de 1983, IAZ International Belgium e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, n.° 45; Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, referido no n.° 111, supra, n.° 107, e de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 170, supra, n.° 124).

320    Segundo a jurisprudência, uma empresa está ciente do caráter anticoncorrencial do seu comportamento quando tem conhecimento dos elementos de facto materiais que justificam que se considere provada uma posição dominante no mercado em causa e que a Comissão considere existir um abuso dessa posição (v., neste sentido, acórdão Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, referido no n.° 111, supra, n.° 107, e acórdão Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, n.° 319, supra, n.os 207 e 210; v., igualmente, conclusões do advogado‑geral J. Mazák no processo que deu origem ao acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 170, supra, n.° 39).

321    Em primeiro lugar, para contestar a conclusão da Comissão de que o comportamento da Telefónica foi intencionalmente ilícito ou, pelo menos, gravemente negligente, as recorrentes alegam que a Telefónica não podia razoavelmente prever que o seu comportamento seria suscetível de constituir um abuso de posição dominante contrário ao artigo 82.° CE, tendo em conta a definição dos mercados de produtos efetuada anteriormente pelas autoridades da concorrência espanholas e pela CMT, diferente da seguida na decisão impugnada, o controlo exercido pela CMT sobre os preços e sobre o comportamento da Telefónica durante o período da infração e a inexistência de margem de manobra suficiente da Telefónica para determinar a sua política de preços durante esse período.

322    Primeiro, há que rejeitar o argumento das recorrentes de que a Telefónica não podia prever que a Comissão adotaria uma definição de mercado diferente da adotada pelas autoridades espanholas.

323    Com efeito, enquanto operador económico diligente, a Telefónica deveria estar familiarizada com os princípios que regem a definição dos mercados nos casos de concorrência e, sendo caso disso, recorrer a aconselhamento especializado a fim de avaliar, com um grau razoável tendo em conta as circunstâncias do caso, as consequências que podem resultar de um ato determinado. É o que acontece especialmente com os profissionais habituados a ter de fazer prova de grande prudência no exercício da sua profissão. Por conseguinte, pode esperar‑se que avaliem com particular cuidado os riscos que esta comporta (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 59, supra, n.° 219).

324    Além disso, para um operador económico prudente não existem dúvidas de que a detenção de grandes quotas de mercado, embora não seja necessariamente e em todos os casos o único indício determinante da existência de uma posição dominante, não deixa de ter uma importância considerável que ele terá de necessariamente tomar em consideração no que respeita ao seu eventual comportamento no mercado (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 76, supra, n.° 133).

325    A este respeito, como a Comissão observou com razão no considerando 721 da decisão impugnada, a Telefónica, operador histórico e proprietário da única infraestrutura significativa para o fornecimento dos produtos grossistas regional e nacional, não podia ignorar que detinha uma posição dominante nos mercados em causa. Portanto, a dimensão das quotas de mercado detidas pela Telefónica (v. n.os 153 e 159, supra) nos mercados grossistas nacional e regional, implica que a sua convicção de que não ocupava uma posição dominante nesses mercados só podia ser o fruto de um exame insuficiente da estrutura dos mercados em que operava ou de recusa em tomar essas estruturas em consideração (v., neste sentido, acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido no n.° 76, supra, n.° 139). Não colhe, portanto, o argumento de que a Telefónica não podia prever que a Comissão adotaria uma definição de mercado diferente da adotada pelas autoridades espanholas.

326    Tendo em conta estas considerações e o facto de acima ter sido referido nos n.os 110 a 144 que foi com razão que a Comissão considerou que o lacete local, o produto grossista nacional e o produto grossista regional não pertenciam ao mesmo mercado de produtos, não podem proceder os argumentos das recorrentes segundo os quais as decisões adotadas pelas autoridades de regulação nacional em França e no Reino Unido que concluem que os produtos grossistas nacional e regional não eram substituíveis não lhes teriam permitido prever as definições de mercado que viriam a ser aprovadas no caso em apreço. O mesmo sucede com o argumento das recorrentes relativo à apreciação formulada pela CMT na sua decisão de 6 de abril de 2006, segundo a qual os produtos grossistas nacional e regional pertenciam ao mesmo mercado em causa, que, de resto, foi acima expressamente rejeitado no n.° 142.

327    Segundo, o argumento das recorrentes segundo o qual, contrariamente à afirmação que consta do considerando 724 da decisão impugnada, a Telefónica não dispunha de suficiente margem de manobra para fixar a sua política de preços, em virtude da regulação setorial aplicável, também não pode ser acolhido.

328    Há que lembrar que o artigo 82.° CE se refere apenas a comportamentos anticoncorrenciais adotados pelas empresas por sua própria iniciativa. Se uma legislação nacional impõe às empresas um comportamento anticoncorrencial ou cria um quadro jurídico que, por si só, elimina qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte, o artigo 82.° CE não é aplicável. Em tal situação, a limitação da concorrência não está, como exige essa disposição, dentro dos comportamentos autónomos das empresas (v. acórdão TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.° 49 e jurisprudência aí referida).

329    Em contrapartida, o artigo 82.° CE pode ser aplicável se se verificar que a lei nacional deixa subsistir a possibilidade de uma concorrência suscetível de ser impedida, restringida ou falseada por comportamentos autónomos das empresas (v. acórdão TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.° 50 e jurisprudência aí referida).

330    Assim, o Tribunal de Justiça precisou que, não obstante essa lei, se uma empresa em posição dominante verticalmente integrada dispuser de margem de manobra para modificar mesmo apenas os seus preços de retalho, a compressão de margens pode, só por isso, ser‑lhe imputada (acórdãos de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 170, supra, n.° 85, e TeliaSonera Sverige, n.° 146, supra, n.° 51).

331    No caso em apreço, refira‑se desde logo que, relativamente ao produto grossista nacional, as recorrentes não contestam a afirmação feita nos considerandos 109 a 110 e 671 da decisão impugnada, de que, por um lado, os preços do produto grossista nacional nunca foram regulados durante o período da infração e, por outro, a Telefónica teve a liberdade, desde setembro de 2001, de os reduzir.

332    Em seguida, no que respeita ao produto grossista regional, as recorrentes alegam que os preços aplicados pela CMT em aplicação do mecanismo retail minus eram de facto preços fixos, pelo menos entre março de 2004 e dezembro de 2006.

333    Há que lembrar que, como resulta do considerando 113 da decisão impugnada, um despacho de 29 de dezembro de 2000 do Ministério da Presidência espanhol determinou o caráter máximo dos preços para o produto grossista regional. Por outro lado, como resulta dos autos, a CMT, por carta de 2 de fevereiro de 2005, confirmou expressamente que os preços do produto grossista regional eram preços máximos e que a Telefónica tinha a liberdade de pedir uma redução dos seus preços (v. considerandos 116 a 118 e 673 da decisão impugnada).

334    A esse propósito, o argumento das recorrentes, relativo, por um lado, à decisão da CMT de 31 de março de 2004, na qual esta tinha afirmado que seria razoável que o preço do produto grossista regional fosse capaz de contribuir para manter os investimentos dos operadores de cabo e que o preço do produto grossista regional devia ser fixado a partir de um montante absoluto, calculado segundo o método retail minus, pelo que «a CMT nunca teria autorizado uma diminuição do preço do produto [grossista] regional, uma vez que isso teria posto em perigo a viabilidade do cabo», e, por outro lado, às decisões da CMT de 29 de abril de 2002 e de 22 de julho de 2004, nas quais a CMT declarou opor‑se a grandes reduções dos preços por grosso para evitar desencorajar os investimentos em infraestruturas e na inovação, baseia‑se na premissa hipotética de que a CMT nunca teria autorizado uma redução do preço dos produtos grossistas. Deve, portanto, ser rejeitado.

335    De qualquer modo, este argumento é desmentido pelo facto de os preços do produto grossista regional terem sido reduzidos pela CMT por sua própria iniciativa, mesmo apesar de a Telefónica não ter proposto qualquer alteração dos seus preços, por decisões de 22 de julho de 2004 [decisão da CMT de 22 de julho de 2004, sobre o pedido de alteração da proposta de acesso ao lacete local (OBA) da TESAU para a adaptar à alteração das velocidades ADSL ao nível retalhista] e de 19 de maio de 2005 [decisão da CMT de 19 de maio de 2005 quanto ao pedido de alteração da proposta de acesso ao lacete local (OBA) da TESAU para a adaptar ao aumento das velocidades ADSL ao nível retalhista]. O argumento aduzido pelas recorrentes na réplica, segundo o qual as referidas decisões demonstram que a redução dos preços do produto grossista regional necessitava da intervenção da CMT e não podia ser livremente decidido pela Telefónica deve igualmente ser rejeitado, pois cabia à Telefónica, no âmbito da responsabilidade especial que lhe incumbe enquanto empresa que ocupa uma posição dominante no mercado do produto grossista regional, apresentar à CMT pedidos de alteração das suas tarifas quando estas tivessem como efeito lesar uma concorrência efetiva e não falseada no mercado comum (v., neste sentido, acórdão de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 69, supra, n.° 122).

336    Por último, relativamente aos preços de retalho da Telefónica, há que observar, à semelhança da Comissão, que as recorrentes não impugnam a afirmação da Comissão, que figura no considerando 724 da decisão impugnada, segundo a qual a Telefónica tinha a liberdade de aumentar os seus preços de retalho a qualquer momento. Também não impugnam as conclusões que figuram nos considerandos 104 a 108 da decisão impugnada, segundo as quais enquanto os preços a retalho da TESAU foram objeto de um regime de autorização administrativa por parte da Comisión del Gobierno delegada para Assuntos económicos (Comissão delegada dos Assuntos económicos espanhola, a seguir «CDGAE») de 3 de agosto de 2001 a 1 de novembro de 2003, os preços de retalho das outras filiais da Telefónica não foram sujeitos a uma regulação, e também segundo as quais os preços de retalho aprovados em 3 de agosto de 2001 pela CDGAE como preços fixos foram propostos pela TESAU e ainda segundo as quais os preços cobrados aos utilizadores finais pelos serviços de acesso ADSL da TESAU foram liberalizados por uma decisão da CDGAE de 25 de setembro de 2003, que pôs termo ao regime de autorização administrativa para os preços de retalho dos serviços de acesso ADSL da TESAU, mantendo, porém, a obrigação de esta comunicar qualquer alteração dos referidos preços dez dias antes da sua introdução no mercado. Há que considerar, portanto, que a Telefónica tinha a possibilidade de aumentar os seus preços de retalho, o que não fez.

337    As recorrentes alegam a este propósito que o raciocínio da Comissão está viciado por uma contradição, pois a Comissão não poderia, por um lado, acusar a Telefónica de ter dado execução a práticas de compressão tarifária das margens que provocaram em Espanha preços de retalho muito superiores aos dos outros países europeus e, por outro, acusar a Telefónica de não ter aumentado os seus preços cobrados aos utilizadores finais a fim de evitar uma compressão tarifária das margens. Esse argumento deve ser rejeitado. Com efeito, o juiz da União já considerou, no passado, que podia ser necessário aumentar os preços de produtos de retalho a fim de evitar um efeito de compressão tarifária das margens (acórdão de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 69, supra, n.os 141 a 151; v., ainda, acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, n.° 170, supra, n.os 88 e 89).

338    Terceiro, há que rejeitar o argumento das recorrentes de que a Telefónica não podia razoavelmente prever que a sua política de preços, previamente aprovada pela CMT, poderia constituir uma infração ao artigo 82.° CE.

339    Antes de mais, importa recordar que o facto de a decisão impugnada dizer respeito a produtos e serviços regulamentados não é relevante. Com efeito, não existindo uma exceção expressa nesse sentido, o direito da concorrência é aplicável aos setores regulamentados (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colet., p. 563, n.os 65 a 72, e de 11 de abril de 1989, Saeed Flugreisen e Silver Line Reisebüro, 66/86, Colet., p. 803). Assim, a aplicabilidade das regras da concorrência não está excluída, uma vez que as disposições setoriais em causa deixam subsistir a possibilidade de uma concorrência que possa ser impedida, restringida ou falseada por comportamentos autónomos das empresas (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de novembro de 1997, Comissão e França/Ladbroke Racing, C‑359/95 P e C‑379/95 P, Colet., p. I‑6265, n.os 33 e 34, e jurisprudência aí referida), o que sucede no caso em apreço (v. n.os 327 a 337, supra).

340    Como acima se refere no n.° 299, a Telefónica não podia, por conseguinte, ignorar que o respeito da regulamentação espanhola em matéria de telecomunicações não a protegia de uma intervenção da Comissão nos termos do artigo 82.° CE.

341    Em seguida, embora seja certo que, por decisão de 26 de julho de 2001, a CMT considerou que os preços do produto grossista regional da Telefónica eram fixados com base num sistema de preços retail minus, por força do qual o preço de cada modalidade do produto grossista regional não era superior a uma dada percentagem da taxa mensal correspondente ao preço de retalho da TESAU (considerandos 114, 290 e nota de rodapé n.º 258 da decisão recorrida), as recorrentes não impugnam que a CMT não examinou a existência de uma compressão tarifária das margens entre o produto do mercado grossista regional da Telefónica e os seus produtos de retalho com base nos seus custos históricos reais, mas sim com base em estimativas ex ante. Também não impugnam que a CMT não analisou a eventual existência de uma compressão tarifária das margens entre o produto do mercado grossista nacional da Telefónica e os seus produtos de retalho. Ora, como indica a Comissão nos considerandos 725 a 728 da decisão impugnada, a Telefónica, que possuía informações detalhadas sobre os seus custos reais e os seus rendimentos, não podia ignorar que as estimativas realizadas ex ante pela CMT não tinham sido confirmadas na realidade pelos desenvolvimentos do mercado, que estava em condições de observar.

342    Em face destas considerações, há que julgar improcedentes todos os argumentos das recorrentes destinados a demonstrar que a Telefónica não estava razoavelmente em condições de prever o caráter anticoncorrencial do seu comportamento.

343    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que a Telefónica podia ter uma confiança legítima nas ações e nas decisões da CMT. Sustentam igualmente que as divergências entre os custos reais ex post e as estimativas utilizadas pela CMT na sua análise ex ante da existência de uma compressão tarifária das margens, sublinhadas pela Comissão nos considerandos 728 e 729 da decisão impugnada (v. igualmente quadro 59 da decisão impugnada), não eram suficientemente evidentes para que a Telefónica pudesse duvidar da intervenção da CMT.

344    Há que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual a Telefónica não podia pôr em causa o acerto do método utilizado pela CMT para determinar a existência de uma compressão tarifária das margens nem a relevância dos pedidos de informação da CMT, face à inexistência de intervenção da Comissão a respeito da ação do regulador espanhol.

345    Com efeito, esse argumento assenta na premissa errada de que a Comissão considerara que o método utilizado pela CMT para determinar a existência de uma compressão tarifária das margens é inadequado, uma vez que a ação regulamentar da CMT não é objeto da decisão impugnada. Pelo contrário, como a Comissão salientou no considerando 733 da decisão impugnada, o método utilizado para determinar a existência de uma compressão tarifária das margens na decisão impugnada não está em contradição com o método retail minus utilizado pela CMT.

346    A falta de intervenção da Comissão a respeito do regulador espanhol, por conseguinte, não podia dar à Telefónica qualquer confiança legítima em que não cometia uma violação do artigo 82.° CE.

347    Quanto ao argumento de que, atendendo à intervenção da CMT, a Telefónica podia ter confiança legítima em que a relação entre as suas tarifas grossistas e os seus preços de retalho não causava quaisquer efeitos de compressão tarifária das margens, antes de mais, há que salientar que as recorrentes não contestam os factos que constam do considerando 726 da decisão impugnada, segundo os quais, por um lado, a CMT nunca analisou a existência de uma compressão tarifária das margens entre o produto grossista nacional e o produto de retalho da Telefónica durante o período em causa e, por outro, o produto grossista nacional tinha uma importância maior do que o produto grossista regional durante esse período.

348    Em seguida, no que respeita ao produto grossista regional, embora seja certo que a CMT analisou a existência de um efeito de compressão tarifária das margens resultante das tarifas da Telefónica relativas ao produto grossista regional em diversas decisões adotadas durante o período da infração, nunca analisou a existência de um tal efeito com base nos custos históricos reais da Telefónica.

349    A este respeito, o argumento das recorrentes segundo o qual as divergências entre os custos reais ex post e as estimativas ex ante utilizadas pela CMT não eram suficientemente claras para levar a Telefónica a pôr em causa o acerto da ação da CMT deve ser rejeitado. Com efeito, para o sustentar, as recorrentes sustentam na petição que as alegadas incoerências entre as informações fornecidas pela Telefónica à CMT e as contidas nos seus planos de negócios ou nos seus painéis resultam de uma errada interpretação da Comissão sobre as informações postas à sua disposição sobre as previsões da procura e respeitantes aos custos relativos a uma rede de [confidencial] linhas ADSL. Ora, mesmo admitindo que esse argumento fosse fundado, não é, por si só, suscetível de pôr em causa o conjunto dos elementos probatórios que constam nomeadamente do quadro 59 da decisão impugnada, que demonstram que a Telefónica não podia deixar de saber que os custos utilizados no modelo retail minus da CMT não correspondiam à realidade. Pelo contrário, os outros argumentos das recorrentes segundo os quais, por um lado, o consultor ARCOME não tinha utilizado as informações fornecidas pela Telefónica, mas sim, como referência para elaborar o modelo retail minus, uma rede de mais de [confidencial] linhas ADSL e, por outro, a CMT não tinha utilizado a contabilidade dos custos da Telefónica, considerando que não tinha sido demonstrada de forma suficientemente pormenorizada, esses argumentos tendem a confirmar que a Telefónica sabia, ou devia saber, que os custos utilizados no modelo retail minus da CMT não correspondiam aos custos reais.

350    Além disso, há que rejeitar os argumentos das recorrentes segundo os quais não resulta nem dos planos de negócios nem dos painéis que a Telefónica sofria prejuízos no mercado retalhista. Primeiro, as recorrentes alegam que, [confidencial]. Todavia, tal argumento não tem qualquer apoio. Segundo, as recorrentes afirmam que o plano de negócios de 18 de abril de 2002 não permite tirar essa conclusão, dado que [confidencial]. Contudo, resulta das previsões constantes desse documento que [confidencial]. O seu argumento não pode, pois, proceder. Terceiro, no que respeita aos painéis da Telefónica, as próprias recorrentes afirmam que esses documentos, que contêm dados mensais sobre as receitas e as despesas, permitem garantir o funcionamento correto do plano de negócios e a evolução da atividade. Uma vez que o plano de negócios previa que [confidencial], cabia às recorrentes assegurarem‑se de que [confidencial].

351    Finalmente, como refere a Comissão, a Telefónica não nega que os custos incrementais reais de infraestrutura de rede e de acesso tivessem sido muito superiores aos que figuram no modelo retail minus da CMT. Uma vez que esses custos reais constavam de diferentes documentos internos da Telefónica, esta não podia ignorar que o modelo da CMT subestimava os seus custos reais.

352    Em face do exposto, há que concluir que as ações e decisões da CMT não podiam fundar uma confiança legítima no espírito das recorrentes de que as suas práticas respeitavam o artigo 82.° CE. Improcede, por conseguinte, a primeira alegação, relativa à inexistência de uma infração cometida deliberadamente ou por negligência.

353    Em segundo lugar, as recorrentes acusam a Comissão de não ter indicado, na decisão impugnada, qualquer fundamento material ou jurídico que permita considerar que a infração constitui um «abuso caracterizado», relativamente ao qual existem precedentes (considerandos 731 de 736 da decisão impugnada).

354    A título preliminar, importa sublinhar que, como acima resulta dos n.os 319 a 352, foi com razão que a Comissão considerou que a infração declarada na decisão impugnada tinha sido cometida deliberadamente ou por negligência. Ora, como acima se refere no n.° 319, essa infração é passível de coima, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 17 e, desde 1 de maio de 2004, nos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

355    No âmbito da presente alegação, as recorrentes afirmam, contudo, que o princípio da segurança jurídica se opõe a que a Comissão aplique uma coima por comportamentos anticoncorrenciais quando o caráter ilegal desses atos não decorra de precedentes claros e previsíveis. A este respeito, a tese da Comissão, que figura nos considerandos 731 a 736 da decisão impugnada, está viciada por erros de facto e erros de apreciação dos factos.

356    Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que a compressão tarifária das margens imputada à Telefónica no caso em apreço não se baseia em precedentes claros.

357    Antes de mais, há que rejeitar o argumento das recorrentes baseado na prática decisória da Comissão de a inexistência de precedentes claros que demonstrem o caráter ilegal do comportamento poder justificar a não aplicação de uma coima. A este respeito, há que lembrar que a decisão da Comissão de não aplicar uma coima em determinadas decisões devido à natureza relativamente nova das infrações verificadas não concede uma «imunidade» às empresas que cometam posteriormente o mesmo tipo de infrações. No entanto, é no contexto específico de cada processo que a Comissão, no exercício do seu poder de apreciação, decide da oportunidade de aplicar uma coima para punir a infração cometida e preservar a eficácia do direito da concorrência (acórdão do Tribunal Geral de 22 de outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T‑213/95 e T‑18/96, Colet., p. II‑1739, n.° 239).

358    Seguidamente, há que rejeitar o argumento relativo à alegada contradição no raciocínio da Comissão entre, por um lado, a afirmação, constante do considerando 733 da decisão impugnada, de que, no caso, o cálculo da compressão tarifária das margens resulta claramente de decisões e da jurisprudência anterior à adoção da decisão Deutsche Telekom e, por outro, a afirmação, que figura no considerando 744 da decisão impugnada, segundo a qual o método de cálculo utilizado na decisão Deutsche Telekom não foi utilizado anteriormente em nenhuma decisão formal da Comissão.

359    Com efeito, a Comissão tem razão ao afirmar, no essencial, que decorre do considerando 206 da decisão Deutsche Telekom que o método de cálculo aplicado pela referida decisão, para a qual remete o considerando 744 da decisão impugnada, resulta da sua prática decisória anterior, mesmo embora, é certo, integre um elemento novo, a saber, a utilização de um critério ponderado. O referido considerando dispõe, assim, que «o método utilizado para determinar a existência de uma compressão das margens é parte integrante da prática decisória da Comissão, sendo que o elemento novo é a abordagem ponderada. Houve que utilizar este método no caso em apreço, a fim de ter em conta que na Alemanha se tinha fixado uma tarifa única pelos serviços de acesso desagregado ao lacete local, enquanto que o montante das tarifas para os respetivos serviços prestados aos utilizadores finais a nível das linhas analógicas, RDIS e ADSL é variável».

360    Além disso, quanto à afirmação das recorrentes de que os precedentes referidos pela Comissão no considerando 733 da decisão impugnada são demasiado gerais e imprecisos para permitir à Telefónica prever que o seu comportamento poderia ter um caráter ilegal, há que observar, independentemente da pertinência do acórdão Industrie des Poudres Sphériques/Comissão, no n.° 185, supra, no âmbito do presente processo, que, na sua Decisão 88/518/CEE, de 18 de julho de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo [82.° CE] (IV/30.178 – Napier Brown – British Sugar) (JO L 284, p. 41), a Comissão já tinha afirmado, no considerando 66, que «[a] manutenção, por uma empresa em posição dominante simultaneamente no mercado das matérias‑primas e no do correspondente produtor derivado, de uma margem entre o preço cobrado pela matéria‑prima às empresas que com ela competem no fabrico do produto derivado e o preço cobrado pelo produto derivado, insuficiente para refletir os próprios custos de transformação da empresa dominante […] e que produz o resultado de restringir a concorrência relativamente ao produto derivado, constitui um abuso de posição dominante».

361    Por último, como a Comissão refere no considerando 735 da decisão impugnada, a decisão Deutsche Telekom constitui também um precedente que clarifica as condições de aplicação do artigo 82.° CE à luz de uma atividade económica sujeita à regulação setorial específica ex ante. Os argumentos das recorrentes destinados a demonstrar que essa decisão não teria permitido à Telefónica determinar com precisão em que condições a Comissão e o juiz da União consideravam que a existência de uma compressão das margens podia constituir uma violação do artigo 82.° CE, não podem proceder. Primeiro, há que rejeitar o argumento de que a decisão Deutsche Telekom foi objeto de recurso pendente em juízo da União, uma vez que a presunção da legalidade dos atos das instituições da União implica que estes produzem efeitos jurídicos enquanto não forem revogados, anulados no âmbito de um recurso de anulação ou declarados inválidos na sequência de um reenvio prejudicial ou de uma exceção de ilegalidade (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de outubro de 2004, Comissão/Grécia, C‑475/01, Colet., p. I‑8923, n.° 18 e jurisprudência aí referida). Segundo, a falta de previsibilidade da definição dos mercados de produtos deve ser rejeitada pelos motivos acima expostos no n.° 323. Terceiro, no tocante ao argumento de que o mercado estava em forte crescimento, basta lembrar que isso não pode excluir a aplicação das normas da concorrência, nomeadamente as do artigo 82.° CE (acórdão de 30 de janeiro de 2007, France Télécom/Comissão, referido no n.° 60, supra, n.° 107). Quarto, quanto ao facto de o presente processo dizer respeito a um input não essencial, basta lembrar que a verificação da existência de um efeito de compressão não exige que o produto grossista em causa seja indispensável (v. n.os 180 a 182, supra). Quinto, o argumento relativo ao caráter estrito do controlo sectorial em Espanha também não pode ser aceite, pelos motivos acima expostos nos n.os 339 a 342.

362    Daqui resulta que a Telefónica não podia ignorar que a sua conduta era suscetível de restringir a concorrência. Além disso, as recorrentes não podem afirmar que, mesmo após a comunicação de acusações, não tinham a possibilidade de prever o modelo de custos e de receitas que a Comissão viria a adotar na decisão impugnada, na medida em que este se baseia em elementos de prova suplementares que não foram mencionados nesta nem no ofício relativo à descrição dos factos. Com efeito, como já se indicou no âmbito da análise do primeiro fundamento dos pedidos principais das recorrentes, nenhuma violação dos seus direitos de defesa foi apurada a este respeito.

363    Em segundo lugar, as recorrentes avançam que a Telefónica nunca poderia ter previsto, nem antes nem depois de outubro de 2003, data da publicação da decisão Deutsche Telekom, a nova metodologia utilizada pela Comissão na decisão para determinar a existência de uma compressão tarifária das margens.

364    A este propósito, primeiro, há que rejeitar os argumentos das recorrentes segundo os quais a Telefónica não podia prever as fontes, o método e os cálculos utilizados pela Comissão na decisão impugnada. Com efeito, as fontes utilizadas no âmbito do cálculo da compressão tarifária das margens são as receitas e os custos históricos da Telefónica, que provêm das próprias recorrentes. Além disso, atendendo às anteriores decisões acima mencionadas nos n.os 360 e 361, a Telefónica podia razoavelmente prever que o seu comportamento no mercado era suscetível de restringir a concorrência.

365    Segundo, o argumento de que a definição dos mercados em causa feita pela Comissão, na decisão impugnada, não era previsível para a Telefónica já foi acima rejeitado nos n.os 323 a 326.

366    Terceiro, quanto ao argumento de que o teste da compressão tarifária das margens foi aplicado pela primeira vez na decisão impugnada a um mercado em forte crescimento, já acima se lembrou no n.° 361 que o facto de um mercado estar em forte crescimento não pode excluir a aplicação das normas da concorrência.

367    Quarto, os argumentos relativos à necessidade de demonstrar o caráter indispensável do produto a montante no âmbito do teste da compressão tarifária das margens já foram acima rejeitados no n.° 182.

368    Quinto, a alegação das recorrentes de que a lei espanhola era mais estrita no período de infração do que a regulamentação em causa na decisão Deutsche Telekom não é pertinente e, de qualquer forma, é improcedente, como resulta do considerando 748 da decisão impugnada.

369    A segunda alegação do primeiro fundamento deve, portanto, ser julgada improcedente, tal como o próprio fundamento na íntegra.

b)     Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de facto e de direito e a uma violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento, da individualização das penas, bem como do dever de fundamentação na determinação do montante da coima

370    O segundo fundamento divide‑se em cinco partes. A primeira parte baseia‑se em erros de facto e de direito e numa violação do dever de fundamentação no que diz respeito à qualificação da infração de «muito grave» e à fixação do montante de partida da coima em 90 milhões de euros. A segunda parte é relativa a uma violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da individualização das penas, bem como do dever de fundamentação na fixação do montante de partida da coima em 90 milhões de euros. A terceira parte é relativa a erros de facto e de direito e a falta de fundamentação, cometidos na majoração do montante inicial da coima para garantir um efeito dissuasivo. A quarta parte é relativa a erros de facto e de direito cometidos na qualificação da infração como sendo de «longa duração». A quinta parte do fundamento é relativa a erros de direito e de facto cometidos na consideração de circunstâncias atenuantes.

 Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à existência de erros de facto e de direito, bem como a uma violação do dever de fundamentação no que se refere à qualificação da infração de «muito grave» e a fixação do montante de partida da coima em 90 milhões de euros

371    Com a primeira parte do segundo fundamento dos seus pedidos subsidiários, as recorrentes contestam a gravidade da infração declarada na decisão impugnada e, por conseguinte, a fixação do montante de partida da coima que foi aplicada à Telefónica (v. n.os 25 a 29, supra).

372    A título preliminar, há que recordar que decorre de jurisprudência assente que a Comissão beneficia de um amplo poder de apreciação quanto ao método de cálculo das coimas. Este método, circunscrito pelas orientações de 1998, contém diferentes elementos de flexibilidade que permitem à Comissão exercer o seu poder de apreciação em conformidade com o disposto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 (v., neste sentido, acórdão Papierfabrik August Koehler/Comissão, n.° 76, supra, n.° 112 e jurisprudência aí referida).

373    A gravidade das infrações ao direito da concorrência da União deve ser determinada em função de um grande número de elementos, tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o caráter dissuasivo das coimas, sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tidos em conta (acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de março de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, C‑510/06 P, Colet., p. I‑1843, n.° 72; e Prym e Prym Consumer/Comissão, n.° 83, supra, n.° 54).

374    Como já acima se referiu no n.° 25, a Comissão, no caso presente, determinou o montante das coimas pela aplicação do método definido nas orientações de 1998.

375    Embora as orientações de 1998 não possam ser qualificadas de regra jurídica que, de qualquer forma, a administração esteja obrigada a observar, não deixam de enunciar uma norma de conduta indicativa da prática a seguir de que a administração não se pode afastar, num caso específico, sem apresentar razões compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento (v. acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 59, supra, n.° 209 e jurisprudência aí referida; acórdão do Tribunal Geral de 8 de outubro de 2008, Carbone‑Lorraine/Comissão, T‑73/04, Colet., p. II‑2661, n.° 70).

376    Ao adotar essas regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras digam respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode afastar‑se dessas regras sob pena de poder ser sancionada, se for caso disso, por violação de princípios gerais do direito, como os da igualdade de tratamento ou da proteção da confiança legítima (v. acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 59, supra, n.° 211 e jurisprudência aí referida; acórdão Carbone‑Lorraine/Comissão, n.° 375, supra, n.° 71).

377    Além disso, as orientações de 1998, determinam, de forma geral e abstrata, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas e garantem, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 59, supra, n.os 211 e 213).

378    Há que recordar que, no que respeita à apreciação da gravidade da infração, as orientações de 1998, no n.° 1, ponto A, primeiro e segundo parágrafos, indicam:

«[a] avaliação do grau de gravidade da infração deve ter em consideração o caráter da própria infração, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico de referência. As infrações são assim classificadas em três categorias que correspondem às infrações pouco graves, às infrações graves e às infrações muito graves.»

379    Resulta das orientações de 1998 que as infrações pouco graves poderão consistir, por exemplo, em «restrições frequentemente de caráter vertical, destinadas a limitar o comércio, mas cujo impacto no mercado é limitado, afetando, por outro lado, apenas uma parte substancial mas relativamente reduzida do mercado comunitário» (n.° 1, ponto A, segundo parágrafo, primeiro travessão). Quanto às infrações graves, a Comissão precisa que se «trata[…]frequentemente de restrições horizontais ou verticais da mesma natureza que [nas infrações pouco graves], mas cuja aplicação é mais rigorosa, sendo maior o seu impacto no mercado e suscetíveis de produzirem efeitos em amplas zonas do mercado comum». Indica igualmente poder «tratar‑se de comportamentos que se traduzem num abuso de posição dominante» (n.° 1, ponto A, segundo parágrafo, segundo travessão). Relativamente às infrações muito graves, a Comissão indica que se trata, «essencialmente, de restrições horizontais de tipo cartel de preços e quotas de repartição dos mercados, ou de outras práticas que afetam o bom funcionamento do mercado interno, tais como as destinadas a compartimentar os mercados nacionais, ou ainda de abusos qualificados de posição dominante por parte de empresas em situação de quase monopólio» (n.° 1, ponto A, segundo parágrafo, terceiro travessão).

380    A Comissão precisa igualmente, por um lado, que no interior de cada uma destas categorias, nomeadamente nas categorias graves e muito graves, a escala das sanções permitirá diferenciar o tratamento a aplicar às empresas em função da natureza das infrações cometidas e, por outro, que é necessário tomar em consideração a capacidade económica efetiva dos autores da infração de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, e determinar o montante da coima num nível que lhe assegure um caráter suficientemente dissuasivo (n.° 1, ponto A, terceiro e quarto parágrafos).

381    Segundo as orientações de 1998, para as infrações «muito graves», o montante de partida das coimas previsto ultrapassa os 20 milhões de euros; para as infrações «graves», este pode variar entre 1 milhão e 20 milhões de euros; por último, para as infrações «pouco graves», o montante de partida das coimas previsto está compreendido entre 1 000 e 1 milhão de euros (n.° 1, ponto A, segundo parágrafo, primeiro a terceiro travessões).

382    Em primeiro lugar, há que analisar os argumentos das recorrentes destinados a demonstrar que a Comissão não deveria ter qualificado a infração de «muito grave» e que, por conseguinte, o montante de partida da coima deveria ter sido fixado num nível consideravelmente inferior a 90 milhões de euros.

383    A este respeito, primeiro, há que rejeitar o argumento segundo o qual a infração não constitui um abuso caracterizado, pelas razões acima expostas nos n.os 353 a 368.

384    Em segundo lugar, quanto aos argumentos das recorrentes segundo os quais a Telefónica não estava em situação de monopólio virtual nos mercados por grosso, já foi acima recordado, no n.° 155, que a Telefónica não contesta ter sido o único operador a apresentar o produto do mercado grossista regional em Espanha desde 1999, dispondo, portanto, de um monopólio de facto nesse mercado. Além disso, como já acima foi referido no n.° 163, quanto ao produto grossista nacional, a quota de mercado da Telefónica foi superior a 84% durante toda a duração da infração. O argumento das recorrentes de que está excluída a existência de um quase‑monopólio quando os produtos abrangidos pela infração não são «infraestruturas essenciais» ou são objeto de regulação setorial não tem fundamento nas orientações de 1998 nem na jurisprudência e não pode ser aceite.

385    Em terceiro lugar, o argumento relativo às alegadas contradições entre os considerandos 744 e 746 da decisão impugnada (este último remetendo para o considerando 733) deve ser julgado improcedente pelas razões acima expostas nos n.os 358 e 359. Assim, o método de cálculo utilizado na decisão Deutsche Telekom, para a qual remete o considerando 744 da decisão impugnada, resulta da prática decisória anterior da Comissão, mesmo embora seja certo que integra um elemento novo, a saber, a utilização de um critério ponderado.

386    Em quarto lugar, as recorrentes alegam que a Telefónica, mesmo após a publicação em 14 de outubro de 2003 da decisão Deutsche Telekom no Jornal Oficial da União Europeia, não tinha qualquer razão para pensar que o seu comportamento era suscetível de constituir uma violação do artigo 82.° CE, na medida em que a sua situação é nitidamente diferente da situação analisada nesse processo, esse argumento não pode ser aceite, pelos motivos acima expostos no n.° 361. No que toca ao argumento das recorrentes baseado na prática decisória da Comissão, segundo o qual a infração devia ter sido qualificada de «grave», pelo menos antes de 2003, deve ser rejeitado, visto que, como resulta de jurisprudência assente, a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência, que é unicamente constituído pelo Regulamento n.° 17 e, desde 1 de maio de 2004, pelo Regulamento n.° 1/2003. As decisões referentes a outros processos só revestem caráter indicativo no que respeita à eventual existência de discriminação, pois é pouco provável que as circunstâncias específicas dessas decisões, como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, sejam idênticos (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de junho de 2007, Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, C‑76/06 P, Colet., p. I‑4405, n.° 60 e jurisprudência aí referida). Os outros argumentos invocados pelas recorrentes para demonstrar que a Telefónica não podia prever que o seu comportamento era suscetível de constituir uma violação do artigo 82.° CE, já foram acima rejeitados nos n.os 322 a 352.

387    Em face destas considerações, a primeira alegação das recorrentes, como acima exposta no n.° 382, não pode proceder.

388    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que o montante de partida da coima é excessivo face à inexistência de impacto concreto ou ao impacto limitado das práticas controvertidas.

389    Há que lembrar que, em conformidade com o n.° 1, ponto A, primeiro parágrafo, das orientações de 1998, a Comissão só pode, no âmbito da apreciação da gravidade da infração, proceder a uma análise do impacto concreto no mercado quando se verificar que esse impacto é quantificável (v., neste sentido, acórdão Prym e Prym Consumer/Comissão, n.° 83, supra, n.° 74 e jurisprudência aí referida).

390    Além disso, quando a Comissão considerar oportuno para o cálculo da coima ter em conta esse elemento facultativo que é o impacto concreto da infração no mercado, não se pode limitar a apresentar uma mera presunção, antes devendo apresentar indícios concretos, credíveis e suficientes que permitam apreciar a influência efetiva que a infração possa ter tido na concorrência no referido mercado (acórdão Prym e Prym Consumer/Comissão, n.° 83, supra, n.° 82).

391    No caso em apreço, resulta da decisão impugnada que a Comissão quis ter em conta esse elemento facultativo que é o impacto concreto da infração, o que, questionada sobre este ponto, confirmou expressamente na audiência. Com efeito, como resulta dos considerandos 751 e 752 da decisão impugnada, a Comissão considerou que «o impacto do abuso da Telefónica no mercado [tinha sido] significativo». Assim, indica, por um lado, que, na avaliação da gravidade da infração, teve em conta o facto de os contratos em causa terem um valor económico considerável e desempenharem um papel crucial na organização da sociedade da informação e, por outro, referindo‑se à secção da decisão impugnada relativa aos efeitos do abuso, que considerou que a compressão dos preços aplicados pela Telefónica teve um efeito de exclusão direto no mercado a retalho e que o facto de o comportamento da Telefónica ter limitado a capacidade de os operadores ADSL crescerem de forma sustentada no mercado retalhista parecia ter sido um fator importante no facto de os preços de retalho em Espanha serem dos mais altos da Europa.

392    Uma vez que a Comissão, na decisão impugnada, para determinar o impacto concreto da infração no mercado, se baseia não só no valor económico considerável e no papel crucial dos mercados em causa na implementação da sociedade da informação, mas também nos efeitos do abuso, importa, no âmbito do presente fundamento, analisar os argumentos das recorrentes, suscitados no âmbito da segunda parte do quinto fundamento do seu pedido principal, destinada a demonstrar que a Comissão não fez prova bastante dos efeitos concretos do abuso da Telefónica.

393    Relativamente aos alegados efeitos concretos de exclusão no mercado de retalho, na decisão impugnada, a Comissão afirmou que existiam provas empíricas de que, primeiro, o crescimento da Telefónica tinha ultrapassado de longe o dos seus concorrentes (considerandos 567 a 570 da decisão impugnada); segundo, a Telefónica ficou de longe o primeiro fornecedor ADSL no mercado retalhista de massa durante todo o período de investigação (considerandos 571 a 573 da decisão impugnada); terceiro, contrariamente aos seus concorrentes ADSL, a Telefónica tinha adquirido uma quota do mercado de retalho de alta velocidade superior àquela de que dispunha para os serviços de baixa velocidade (considerandos 574 a 578 da decisão impugnada); e quarto, o comportamento da Telefónica tinha limitado a concorrência no mercado grossista nacional (considerandos 579 a 584 da decisão impugnada). A Comissão afirma igualmente que a concorrência limitada subsistente no mercado de retalho não era suficiente para desmentir o facto de a compressão dos preços ter tido efeitos concretos de exclusão (considerandos 585 a 591 da decisão impugnada).

394    Em primeiro lugar, segundo as recorrentes, a quota de mercado da Telefónica no mercado retalhista tinha diminuído significativamente durante o período em causa, o que era incompatível com o desenvolvimento de uma estratégia de exclusão. A taxa de aquisição dos clientes dos serviços de retalho da Telefónica (considerandos 568 a 570 da decisão impugnada) tinha sido sempre inferior à quota da Telefónica nesse mercado. Além disso, os dados em que a Comissão se baseia apenas dizem respeito ao segmento retalhista de ADSL e excluem os produtos baseados noutros produtos de alta velocidade, os quais fazem parte do mercado de retalho tal como definido na decisão impugnada.

395    A este respeito, em primeiro lugar, há que observar que as recorrentes não contestam os dados apresentados pela Comissão nos considerandos 568 a 570 da decisão impugnada. Afirmam que a Telefónica se desenvolveu a um ritmo quatro vezes mais rápido no mercado retalhista do que todos os seus concorrentes ADSL em conjunto e, respetivamente, seis e catorze vezes mais rápido do que os seus dois principais concorrentes entre janeiro de 2002 e outubro de 2004. Por outro lado, no último trimestre de 2004 e no primeiro semestre de 2005, a Telefónica absorveu quase 70% do crescimento do mercado ADSL. Por último, o reforço progressivo das ofertas a retalho dos concorrentes baseadas na desagregação do lacete local não impediu a Telefónica de ficar com mais de 70% dos novos assinantes no segmento ADSL entre abril de 2005 e julho de 2006.

396    Em seguida, ao contrário do que alegam as recorrentes, refira‑se que a quota de mercado da Telefónica no segmento ADSL do mercado de retalho se manteve relativamente estável durante o período da infração (esquema 13 da decisão recorrida), tendo esta, após uma diminuição de [confidencial] entre dezembro de 2001 e julho de 2002, passado de 58% em julho de 2002 (ou seja, seis meses após o início do período da infração) a 56% no final do período de infração, em dezembro de 2006. As recorrentes não podem, portanto, alegar que a sua quota de mercado no segmento ADSL de retalho diminuiu de forma sensível.

397    A este propósito, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a Comissão não pode ser criticada por ter analisado mais particularmente os efeitos da compressão tarifária das margens no segmento ADSL do mercado de retalho. Com efeito, este segmento representava entre 72% e 78,7% das linhas de alta velocidade em Espanha entre 2002 e 2006 (considerandos 39, 555 e quadro 1 da decisão impugnada). Por outro lado, foi diretamente atingido pela compressão tarifária das margens, tendo esta sido exercida sobre os produtos grossistas nacional e regional, que permitiam aos operadores ADSL alternativos propor os seus produtos no mercado retalhista.

398    Por fim, como foi já acima referido no n.° 281, a Comissão tomou em consideração a existência dos operadores de cabo. Considerou que estes não tinham sido diretamente afetados pela compressão tarifária das margens e não tinham exercido uma pressão concorrencial suficiente sobre a Telefónica no mercado de retalho (considerandos 559 e 560 da decisão impugnada).

399    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que a Comissão não fundamentou a sua afirmação de que a compressão tarifária das margens esgotou financeiramente os concorrentes da Telefónica (considerandos 587 a 591 da decisão impugnada). Todavia, esta afirmação apenas visava refutar o argumento da Telefónica, formulado na sua resposta à comunicação de acusações, de que tinha tido de enfrentar uma forte concorrência por parte de um grande número de concorrentes eficazes (considerando 585 da decisão impugnada), o que desmentia, segundo ela, que a compressão tarifária das margens tivesse produzido efeitos concretos de exclusão. Ora, uma vez que as recorrentes não contestam a conclusão que figura no considerando 588 da decisão impugnada, segundo a qual nenhum operador ADSL atingiu uma quota de mercado superior a 1% até 2005, o seu argumento não colhe. Além disso, contrariamente ao que alegam as recorrentes e como a Comissão referiu no considerando 590 da decisão impugnada, a Jazztel não foi capaz de atingir uma quota de mercado superior a 1% com base nos produtos grossistas nacional e regional da Telefónica. Por último, no tocante ao argumento das recorrentes segundo o qual as inúmeras aquisições de operadores alternativos por outros operadores, por valores elevados, refletiam as grandes perspetivas de crescimento dos operadores alternativos, não demonstra a inexistência de efeitos de exclusão do comportamento da Telefónica durante o período da infração. Além disso, a aquisição da Ya.com pela France Telecom, à qual se referem especificamente as recorrentes, data de junho de 2007. É, portanto, posterior a esse período.

400    Em terceiro lugar, entendem que a Comissão desvirtuou os dados, do mesmo modo que a taxa de crescimento no mercado a retalho, para efeitos de demonstrar que o comportamento da Telefónica tinha tido como efeito restringir a concorrência no mercado grossista (considerandos 579 a 584 da decisão impugnada). Interrogadas na audiência sobre o sentido e o alcance da sua argumentação, as recorrentes afirmaram que essa Diretiva não visava as taxas de crescimento no mercado retalhista. Em contrapartida, a Comissão faz referência à taxa de adição de linhas por grosso, sem ter em conta o autoconsumo, que seria realizado por numerosos operadores que se integram verticalmente. Contudo, este argumento, que não foi fundamentado, não pode ser acolhido, uma vez que resulta da nota de rodapé n.º 654 da decisão impugnada, relativa ao esquema 18 do considerando 579 da decisão impugnada, que «[o]s lucros líquidos são calculados com base na evolução das linhas (incluindo o autoconsumo) no mercado nacional grossista». Assim, a Comissão teve efetivamente em conta esse autoconsumo.

401    De qualquer modo, refira‑se que, apesar de a Telefónica ter perdido algumas quotas de mercado ao nível do produto grossista nacional (esquema 18 da decisão recorrida), as recorrentes não contestam as considerações da Comissão segundo as quais o crescimento da Telefónica ao nível do produto grossista nacional entre janeiro de 2001 e outubro de 2004 teve lugar a um ritmo que era seis vezes superior ao dos seus concorrentes ADSL no seu conjunto, dez vezes superior ao do principal concorrente ADSL ONO e 30 vezes superior ao do seu segundo concorrente ADSL France Telecom (considerando 580 da decisão impugnada). Além disso, resulta da decisão impugnada que a partir de outubro de 2004 a Telefónica continuou a crescer ao nível do produto grossista nacional a um ritmo que era três vezes superior ao dos seus concorrentes ADSL no seu conjunto, sete vezes superior ao do principal concorrente ADSL France Telecom e dez vezes superior ao do seu segundo concorrente ADSL Jazztel. Aliás, a Auna, o principal concorrente da Telefónica no mercado grossista nacional, viu os seus volumes descer durante este último período (considerando 581 da decisão impugnada). Ora, o crescimento da Telefónica no mercado das linhas ADSL ao nível do produto grossista nacional e a diminuição dos volumes da Auna no mercado grossista nacional devem ser consideradas indícios dos efeitos concretos de exclusão dos seus concorrentes.

402    Em face do exposto, e sem que haja que analisar os argumentos das recorrentes destinados a contestar a comparação entre os serviços de baixa velocidade e os serviços de alta velocidade efetuada pela Comissão nos considerandos 574 a 578 da decisão impugnada, deve considerar‑se que a Comissão apresentou suficientes indícios concretos, credíveis e suficientes para demonstrar que o comportamento da Telefónica teve efeitos concretos de exclusão no mercado.

403    Em quarto lugar, as recorrentes contestam o alegado prejuízo sofrido pelos consumidores. Contestam a afirmação da Comissão de que o comportamento da Telefónica levou os seus preços de retalho a um nível que figura entre os mais altos, ou mesmo ao mais alto, da União, quando esta era composta por quinze Estados‑Membros, ou levou‑os mesmo acima dos preços de retalho mais altos desses Estados‑Membros.

404    A este respeito, há que assinalar que, nos considerandos 592 a 602 da decisão impugnada, a Comissão declarou o seguinte:

¾        a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), num estudo de 18 de junho de 2004, tinha concluído que a taxa mensal média de uma ligação Internet de alta velocidade em Espanha era uma das mais caras da Europa em termos de relação qualidade‑preço, o que tinha sido confirmado por um estudo realizado por uma associação de consumidores espanhola, a Organización de consumidores y Usuarios (OCU) (considerando 594 da decisão impugnada);

¾        as análises realizadas pela CMT entre 2004 e 2006 mostravam que os preços de retalho do acesso à Internet de alta velocidade em Espanha eram altos e claramente superiores à média europeia (considerando 595 da decisão impugnada);

¾        um estudo de dezembro de 2006 (a seguir «estudo de 2006»), pedido pela ARN irlandesa, a Commission for Communications Regulation (ComReg) e efetuado pelo gabinete Teligen, tinha concluído que os preços de retalho da Telefónica eram superiores em 85% à média europeia (considerandos 596 a 601 da decisão impugnada);

¾        a Telefónica tinha calculado, com base nos seus próprios dados, que o preço de retalho médio em Espanha era superior em 20% ao preço médio da União, quando esta era composta por quinze Estados‑Membros (considerando 602 da decisão impugnada).

405    Por um lado, na sua petição, as recorrentes alegaram que a Comissão, na decisão impugnada, não demonstrou que os preços de retalho em Espanha figuravam entre os mais altos da Europa. Contudo, para esse efeito, apenas impugnaram os resultados do estudo de 2006, alegando que as ofertas objeto da comparação eram heterogéneas, que esse estudo não tinha em conta as promoções nem o preço dos produtos mais populares, e que a amostra selecionada apenas dizia respeito à situação de quinze países num determinado momento. Contudo, não impugnaram os outros estudos citados pela Comissão que comprovam o alto nível dos preços do produto a retalho em Espanha, de modo que o seu argumento não pode ser acolhido. De qualquer modo, como a Comissão sublinhou no considerando 602 da decisão impugnada, a própria Telefónica, na sua resposta à comunicação de acusações, reconheceu que uma simples comparação dos preços de retalho nos Estados‑Membros levava à conclusão de que os preços de retalho em Espanha eram os mais altos da União, quando esta era composta por quinze Estados‑Membros, «no período 1999‑2005».

406    Por outro lado, na réplica e na audiência, as recorrentes alegaram que nenhum dos estudos citados pela Comissão respondia à questão de saber se os consumidores espanhóis tinham suportado preços de retalho de acesso à Internet de banda larga mais altos devido ao efeito anticoncorrencial da compressão tarifária das margens.

407    Contudo, já acima se recordou no n.° 390 que a Comissão tem que fornecer indícios concretos, credíveis e suficientes que permitam apreciar a influência concreta que a infração possa ter tido na concorrência no mercado em causa. Ora, há que considerar que a Comissão podia justificadamente considerar que o nível elevado dos preços de retalho em Espanha constituía esse indício do impacto concreto do comportamento da Telefónica no mercado espanhol.

408    Em quinto lugar, as recorrentes sustentam que a afirmação da Comissão, que consta do considerando 603 da decisão impugnada, segundo a qual a taxa de penetração da banda larga em Espanha se situava abaixo da média europeia, é errada. Para esse efeito, alegam que Espanha apenas se situa «ligeiramente» abaixo da média europeia, que essa evolução teria já sido objeto de previsões em 2001 em razão do desenvolvimento tardio do acesso à Internet de alta velocidade em Espanha ou ainda que esse facto se explica por fatores sociodemográficos.

409    Assim, embora seja certo que as recorrentes apresentam certos argumentos que poderiam explicar o facto de a referida taxa ser inferior à média europeia, não contestam que essa taxa era efetivamente inferior a essa média. Ora, há que considerar que foi sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação que a Comissão considerou que a taxa de penetração da banda larga mais baixa em Espanha do que nos outros Estados‑Membros constituía também um indício do impacto concreto do comportamento da Telefónica no mercado espanhol.

410    Em face do exposto, a segunda alegação das recorrentes, como acima exposto no n.° 388, também não colhe.

411    Em terceiro lugar, as recorrentes sustentam que o montante de partida da coima é excessivo, atendendo à dimensão geográfica dos mercados alegadamente afetados.

412    Em primeiro lugar, há que rejeitar os argumentos relativos à prática decisória da Comissão, segundo os quais, nas decisões tomadas em matéria de abuso de posição dominante no setor das telecomunicações, a Comissão considerou sempre que as infrações eram «graves» quando os mercados em causa apresentavam características comparáveis às do mercado espanhol do acesso à Internet de alta velocidade. Com efeito, como acima se refere no n.° 386, a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência.

413    Em segundo lugar, há que rejeitar o argumento das recorrentes de que a infração devia ser qualificada de «grave», uma vez que «o mercado em causa se limita (no máximo) ao território de um Estado‑Membro». Com efeito, como a Comissão sublinhou com razão no considerando 755 da decisão impugnada, além de que, embora os casos de compressão tarifária das margens sejam necessariamente circunscritos a um único Estado‑Membro, impedem os operadores dos outros Estados‑Membros de entrar num mercado em forte crescimento, o mercado espanhol da alta velocidade é o quinto maior mercado nacional da alta velocidade na União. Além disso, como a Comissão sublinhou no considerando 742 da decisão impugnada, o abuso da Telefónica constitui um abuso caracterizado por parte de uma empresa que detém virtualmente uma posição de monopólio. Por outro lado, como acima resulta dos n.os 388 a 410, foi com razão que a Comissão considerou que o comportamento da Telefónica tinha tido um impacto significativo no mercado retalhista. Por último, resulta da jurisprudência que a extensão do mercado geográfico constitui apenas um dos três critérios relevantes, segundo as orientações de 1998, para efeitos da apreciação global da gravidade da infração. Entre esses critérios interdependentes, a natureza da infração assume um papel primordial. Em contrapartida, a extensão do mercado geográfico não é um critério autónomo, no sentido de que só as infrações que envolvam vários Estados‑Membros são suscetíveis de receber a qualificação de «muito graves». Nem o Tratado CE, nem o Regulamento n.° 17 nem o Regulamento n.° 1/2003, nem as orientações de 1998, nem a jurisprudência permitem considerar que só as restrições muito extensas geograficamente podem ser assim qualificadas (v., neste sentido, acórdão Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, n.° 319, supra, n.° 311, e a jurisprudência aí referida). Tendo em conta estes elementos, foi com razão que a Comissão, no caso em apreço, qualificou a infração de «muito grave», mesmo apesar de a dimensão do mercado geográfico em causa estar limitada ao território espanhol.

414    A terceira alegação das recorrentes, como acima se expõe no n.° 411, deve portanto ser rejeitada.

415    Em quarto lugar, as recorrentes sustentam que a Comissão violou o dever de fundamentação e cometeu um erro de direito ao não tomar em consideração o nível variável de gravidade da infração durante o período da infração.

416    Em primeiro lugar, quanto à violação do dever de fundamentação, resulta de jurisprudência assente que, na fixação do montante da coima por infração às normas da concorrência, os requisitos da formalidade essencial que o dever de fundamentação constitui estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infração (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de novembro de 2000, Sarrió/Comissão, C‑291/98 P, Colet., p. I‑9991, n.° 73, e acórdão Atlantic Container Line e o./Comissão, já referido no n.° 150, supra, n.° 1521). Essas exigências não impõem que a Comissão indique na decisão os números relativos ao modo de cálculo das coimas (v. acórdão Microsoft/Comissão, n.° 58, supra, n.° 1361, e a jurisprudência aí referida).

417    Neste caso, a Comissão entendeu, no considerando 750 da decisão impugnada, que «a infração devia ser considerada muito grave». Além disso, no considerando 756 da decisão impugnada, a Comissão indicou, por um lado, que a infração «[devia], a título principal, ser qualificada de muito grave, mesmo embora não tivesse sido de uma gravidade uniforme durante todo o período considerado» e, por outro lado, que «o montante inicial da coima toma[va] em conta o facto de que a gravidade do abuso da Telefónica [se tinha] tornado de qualquer forma mais clara, nomeadamente após a decisão Deutsche Telekom».

418    A este respeito, há que rejeitar o argumento das recorrentes baseado numa alegada contradição da fundamentação, que resultaria do facto de a Comissão ter considerado que a infração era «muito grave», quando poderia ter sido menos grave antes de outubro de 2003, data da publicação da decisão Deutsche Telekom. Com efeito, como resulta dos considerandos 738 a 758 da decisão impugnada, a Comissão considerou que a infração tinha sido «muito grave» ao longo de todo o período em causa, mesmo apesar de essa gravidade não ter sido uniforme durante esse período. Por outro lado, o argumento de falta total de fundamentação no que respeita ao «método de cálculo específico do ‘montante de base’», deve, à luz da jurisprudência acima referida no n.° 416, ser igualmente rejeitado.

419    Em segundo lugar, há que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual a Comissão não extraiu as devidas consequências das considerações acima recordadas no n.° 417, em termos de qualificação da infração ou em termos de fixação do montante de partida da coima, na medida em que podia ter, no máximo, qualificado a infração de «grave» e fixado o montante de partida num nível consideravelmente inferior. Com efeito, esse argumento assenta numa premissa errada, uma vez que, por um lado, resulta das anteriores apreciações (v. n.os 371 a 414, supra) que a Comissão considerou acertadamente que a infração devia ser qualificada de «muito grave», relativamente a todo o período em causa, e, por outro, como resulta expressamente dos considerandos 750 e 760 da decisão impugnada que, apesar da qualificação de «muito grave» por todo esse período, a Comissão teve efetivamente em conta a intensidade variável da infração na fixação do montante de base da coima (v. n.os 27 e 417, supra).

420    A quarta alegação das recorrentes, como acima se expõe no n.° 388, não pode, portanto, ser acolhida.

421    Resulta do exposto que a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente na íntegra.

 Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa a uma violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da individualização das penas, bem como do dever de fundamentação, na fixação do montante de partida da coima

422    No âmbito do presente fundamento, as recorrentes alegam que a Comissão violou os princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da individualização das penas e o dever de fundamentação na fixação do montante de partida da coima.

423    Em primeiro lugar, há que analisar a alegação das recorrentes relativa à violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da individualização das penas.

424    Primeiro, há que recordar que o princípio da igualdade de tratamento se opõe, designadamente, a que situações comparáveis sejam tratadas de modo diferente, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C‑344/04, Colet., p. I‑403, n.° 95; de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão, C‑413/08 P, Colet., p. I‑5361, n.° 40, e acórdão do Tribunal Geral de 1 de julho de 2008, Compagnie Maritime Belge/Comissão, T‑276/04, Colet., p. II‑1277, n.° 92, e jurisprudência aí referida).

425    No caso vertente, para demonstrar que o princípio da igualdade de tratamento foi violado, as recorrentes sublinham as diferenças na fixação do montante de partida da coima entre, por um lado, a decisão impugnada e, por outro, um conjunto de decisões anteriores da Comissão. Todavia, como foi acima recordado no n.° 386, a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência.

426    Além disso, segundo jurisprudência assente, o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a certos tipos de infrações não a pode privar da possibilidade de aumentar esse nível, dentro dos limites fixados no Regulamento n.° 17 e no Regulamento n.° 1/2003, se isso for necessário para assegurar a execução da política da concorrência da União (v. acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 59, supra, n.° 169 e jurisprudência aí referida).

427    Pelo contrário, a aplicação eficaz das normas da concorrência da União exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política. Tal comportamento não pode caracterizar uma violação do princípio da igualdade de tratamento pela Comissão em relação à sua prática anterior (v. acórdão Groupe Danone/Comissão, n.° 6,7 supra, n.° 154, e jurisprudência aí referida). Assim, nenhuma violação do princípio da igualdade de tratamento pode ser declarada no caso presente.

428    Segundo, há que lembrar que, segundo jurisprudência assente, o princípio da proporcionalidade, que é um dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e necessário à realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, sendo que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de julho de 2001, Jippes e o., C‑189/01, Colet., p. I‑5689, n.° 81, e jurisprudência aí referida).

429    No contexto do cálculo das coimas, o princípio da proporcionalidade implica que a Comissão deve fixar a coima proporcionalmente aos elementos tidos em conta para apreciar a gravidade da infração e que deve aplicar esses elementos de forma coerente e objetivamente justificada (v. acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, Jungbunzlauer/Comissão, T‑43/02, Colet., p. II‑3435, n.° 228, e jurisprudência aí referida).

430    A este respeito, há que salientar antes de mais que, no quadro do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das normas da concorrência (v. acórdão Groupe Danone/Comissão, n.° 67, supra, n.° 134, e a jurisprudência aí referida).

431    Há que recordar ainda que a metodologia exposta no n.° 1, ponto A, das orientações de 1998 responde a uma lógica de montante fixo, segundo a qual o montante de partida da coima, determinado em função da gravidade da infração, é calculado em função da natureza da infração, do seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e da dimensão do mercado geográfico em causa (acórdão do Tribunal Geral de 6 de maio de 2009, Wieland‑Werke/Comissão, T‑116/04, Colet., p. II‑1087, n.° 62).

432    No caso, como acima resulta dos n.os 371 a 421, foi com razão que a Comissão qualificou a infração de «muito grave». Tendo em conta que, por um lado, o abuso da Telefónica deve ser considerado um abuso caracterizado relativamente ao qual existem precedentes, que compromete o objetivo de conclusão de um mercado interno para as redes e serviços de telecomunicações e, por outro, que esse abuso teve um impacto significativo no mercado de retalho espanhol (considerandos 738 a 757 da decisão impugnada), um montante de partida da coima de 90 milhões de euros não pode ser considerado desproporcionado.

433    Terceiro, as recorrentes não podem alegar que o princípio da individualização das penas foi violado. Com efeito, para apreciar a gravidade de uma infração com vista a determinar o montante da coima, a Comissão deve atender ao caráter dissuasivo da sua ação, sobretudo nos tipos de infrações particularmente prejudiciais à realização dos objetivos da União (v. acórdão Groupe Danone/Comissão, n.° 67, supra, n.° 169 e jurisprudência aí referida). A dissuasão deve ser simultaneamente específica e geral. Não deixando de reprimir uma infração individual, a coima inscreve‑se igualmente no âmbito de uma política geral de respeito das normas da concorrência pelas empresas (v., neste sentido, acórdão Musique Diffusion Française e o./Comissão, referido no n.° 313, supra, n.° 106). Ora, embora seja certo que a coima pode ter um efeito dissuasor geral relativamente às outras empresas que sejam tentadas a violar as normas da concorrência, resulta da decisão impugnada que, no caso, foi calculada tendo em conta a situação específica da Telefónica, a saber, a gravidade da infração tendo em conta a sua natureza, os seus efeitos no mercado e a extensão do mercado geográfico em causa, a sua duração e a presença de uma circunstância atenuante. Assim, as recorrentes não podem alegar que o efeito dissuasor geral da coima foi o «objetivo principal e último da coima».

434    Em segundo lugar, no que respeita à alegação de violação do dever de fundamentação, há que recordar, como foi acima referido no n.° 416, que os requisitos da formalidade essencial que o dever de fundamentação constitui estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infração, sem dela ter que fazer constar uma exposição mais detalhada ou os números relativos ao modo de cálculo da coima. Ora, tais elementos figuram nos considerandos 713 a 767 da decisão impugnada. Acresce que a lógica de montante fixo inerente ao cálculo do montante de partida da coima foi acima recordada no n.° 431. O argumento das recorrentes de que a Comissão deveria ter explicado mais detalhadamente, na decisão impugnada, de que forma a Comissão fixou o montante de partida da coima em 90 milhões de euros deve, portanto, ser rejeitado.

435    Além disso, uma vez que, como acima recordado no n.° 386, a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência, as recorrentes não podem criticar a Comissão por não ter indicado, na decisão impugnada, as razões pelas quais o montante de partida da coima aplicada à Telefónica foi significativamente superior ao montante de partida aplicado na decisão Wanadoo Interactive, nem mesmo por não ter também esclarecido mais as razões pelas quais, no caso em apreço, se justificava aplicar à Telefónica uma coima de montante superior ao fixado na decisão Deutsche Telekom (v., neste sentido, acórdão Michelin/Comissão, n.° 268, supra, n.° 255).

436    Tendo em conta estas considerações, a alegação de violação do dever de fundamentação deve ser julgada improcedente e com ela toda a segunda parte do segundo fundamento.

 Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa à existência de erros de facto e de direito e à falta de fundamentação na majoração do montante de partida da coima para efeitos de dissuasão

437    No âmbito da presente parte, as recorrentes alegam que a Comissão cometeu erros de facto e de direito na majoração do montante inicial da coima para efeitos de dissuasão.

438    A título liminar, há que recordar que, de acordo com o n.° 1, ponto A, quarto parágrafo, das orientações de 1998, no quadro da determinação do montante de partida da coima, é «necessário tomar em consideração a capacidade económica efetiva dos autores da infração de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, e determinar um montante que assegure que a coima apresenta um caráter suficientemente dissuasivo». Por outro lado, segundo o n.° 1, ponto A, quinto parágrafo, a Comissão pode ter em conta o facto «de as empresas de grandes dimensões disporem geralmente dos conhecimentos e das infraestruturas jurídico‑económicas que lhes permitem melhor apreciar o caráter de infração do seu comportamento e respetivas consequências do ponto de vista do direito da concorrência».

439    Em primeiro lugar, no que se refere ao argumento das recorrentes relativo à falta de fundamentação da majoração para efeitos de dissuasão, refira‑se que, no considerando 758 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que, «[c]onsiderando o poder económico significativo da Telefónica e para assegurar à coima um efeito dissuasivo suficiente, o montante inicial [devia] ser ajustado em alta por um fator de 1,25». Na nota de rodapé n.º 791 da decisão impugnada, a Comissão esclareceu que a Telefónica era o maior operador histórico de telecomunicações da Europa, em termos de capitalização bolsista e que as receitas e os lucros da Telefónica eram significativos. Indicou igualmente que, segundo a sua declaração à United States Securities and Exchange Commission (Comissão de títulos e bolsa dos Estados Unidos) relativa ao ano fiscal de 2006, a Telefónica possuía uma reserva de tesouraria e de investimentos financeiros a curto prazo de 5 472 milhões de euros em 31 de dezembro de 2006 e que os seus lucros tinham atingido 6 579 milhões de euros no ano fiscal de 2006 sobre rendimentos de 52 901 milhões de euros. Daí resulta que a majoração do montante da coima para efeitos de dissuasão foi suficientemente fundamentada.

440    Em segundo lugar, há que rejeitar os argumentos segundo os quais, por um lado, a Comissão devia ter verificado se o montante de partida da coima de 90 milhões de euros já era só por si suficientemente dissuasivo, mesmo sem agravamento e, por outro, a necessidade de aumentar uma coima a título dissuasivo devia ser determinada após o cálculo do seu montante final. A este propósito, refira‑se que as recorrentes não contestam a legalidade das orientações de 1998, nos termos das quais o efeito dissuasor de uma coima constitui um dos fatores que entram em linha de conta para fixar o montante de partida da coima. Ora, há que reconhecer que a Comissão podia acertadamente considerar que o poder económico significativo da Telefónica, que era, no momento da adoção da decisão impugnada, o maior operador histórico das telecomunicações em termos de capitalização bolsista (considerando 758 e nota de rodapé n.º 791 da decisão impugnada), justificava a aplicação de um fator de dissuasão, tanto mais que as recorrentes não contestam que, no caso, o montante de partida da coima apenas representa 0,17% do volume de negócios da Telefónica.

441    Em terceiro lugar, as recorrentes baseiam‑se na prática decisória da Comissão para demonstrar que esta violou os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento ao aumentar o montante de partida da coima para efeitos de dissuasão. Assim, a capacidade financeira da Telefónica não justifica que ela seja tratada diferentemente das empresas Wanadoo Interactive e Deutsche Telekom, às quais a Comissão não aplicou qualquer majoração a título de dissuasão. Tal argumento deve, todavia, ser rejeitado, dado que, como acima referido no n.° 386, a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico para as coimas em matéria de concorrência. O simples facto de a Comissão ter majorado o montante da coima aplicada à Telefónica com fins dissuasivos no presente processo, quando não aplicou qualquer majoração para esses efeitos nas decisões Wanadoo Interactive e Deutsche Telekom, não pode, portanto, ser causa de violação dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade. O argumento das recorrentes deve portanto ser rejeitado.

442    Em quarto lugar, quanto ao argumento relativo à violação do princípio da individualização das penas, basta remeter para as considerações que acima figuram no n.° 433.

443    Resulta do exposto que os argumentos das recorrentes, segundo as quais a Comissão cometeu vários erros ao aumentar o montante de partida da coima aplicada à Telefónica a título de efeito dissuasor não são procedentes, pelo que há que julgar improcedente a terceira parte do segundo fundamento.

 Quanto à quarta parte do segundo fundamento, relativa a erros de direito e a erros de apreciação manifestos cometidos na qualificação da infração como sendo de «longa duração»

444    No âmbito da presente parte do fundamento, as recorrentes alegam que a Comissão cometeu erros de direito e erros manifestos de apreciação dos factos ao determinar o montante de base e a data final da infração.

445    Há que lembrar que, nos termos do artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, a duração da infração constitui um dos elementos a tomar em consideração para determinar o montante da coima a aplicar às empresas culpadas de infrações às normas da concorrência.

446    No que respeita ao fator relativo à duração da infração, as orientações estabelecem uma distinção entre as infrações de curta duração (em geral inferiores a um ano), pelas quais o montante de partida aplicado para ter em conta a gravidade da infração não deve ser majorado, as infrações de duração média (em geral de um a cinco anos), pelas quais esse montante pode ser majorado em 50%, e as infrações de longa duração (em geral mais de cinco anos), pelas quais esse montante pode ser majorado em 10% por cada ano (n.° 1, ponto B, primeiro parágrafo, primeiro a terceiro travessões das orientações de 1998).

447    Em primeiro lugar, as recorrentes contestam a fixação, no considerando 759 da decisão impugnada, da data do início da infração.

448    Primeiro, pelas razões acima expostas nos n.os 356 a 369, há que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual a Telefónica não podia, antes de outubro de 2003, saber que o seu comportamento era suscetível de constituir uma violação do artigo 82.° CE.

449    Segundo, importa recordar que já acima no n.° 419 foram rejeitados os argumentos apresentados pelas recorrentes relativos ao facto de, na fixação do montante de partida da coima, não ter sido tida em conta a intensidade variável da infração.

450    Terceiro, os argumentos das recorrentes segundo os quais a variação da gravidade de infração justifica uma redução adicional na duração da infração levam a confundir os critérios da gravidade e da duração da infração previstos no artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 e nas orientações de 1998. Com efeito, com a sua argumentação, põem em causa o aumento do montante de partida da coima de 10% por ano com base em elementos ligados à apreciação da gravidade da infração, que, de resto, não demonstraram (v. n.° 419, supra). Uma vez que a majoração com base na duração é feita mediante a aplicação de uma determinada percentagem ao montante de partida determinado em função da gravidade da infração no seu todo, que já reflete as diferentes intensidades da infração, não há que ter em conta, no aumento desse montante em razão da duração, uma variação na intensidade da infração durante o período em causa (acórdão do Tribunal Geral de 28 de abril de 2010, Gütermann e Zwicky/Comissão, T‑456/05 e T‑457/05, Colet., p. II‑1443, n.° 159). Por identidade de razões, há que rejeitar igualmente o argumento relativo ao facto de, entre 26 de julho de 2001 e 21 de dezembro de 2005, a CMT ter exercido um controlo sobre as margens da Telefónica bem como o argumento baseado no caráter emergente do mercado espanhol e nos investimentos significativos da Telefónica nesse mercado.

451    Em segundo lugar, no que se refere à determinação da data do termo da infração, refira‑se que o único argumento das recorrentes tem por base o facto de, para demonstrar a compressão tarifária das margens, a Comissão não se ter baseado unicamente em dados que abrangessem o período compreendido entre 2001 e junho de 2006. No entanto, as recorrentes não contestam a afirmação da Comissão, feita no considerando 124 da decisão impugnada, segundo a qual o nível de preços dos produtos grossistas nacional e regional não foi afetado entre a decisão da CMT de 1 de junho de 2006, data em que a CMT alterou a regulação dos preços aplicável aos produtos grossistas regional e nacional, que impunha à Telefónica que os orientasse para os custos (considerando 123 da decisão impugnada), e 21 de dezembro de 2006, data em que a CMT adotou medidas provisórias que previam reduções substanciais dos preços dos referidos produtos, tendo os preços do produto grossista regional sido reduzidos numa proporção entre 22% e 54% e os preços do produto grossista nacional (ADSL‑IP) numa proporção entre 24% e 61%. Além disso, não contestam a conclusão que figura no considerando 62 da decisão impugnada, de que, na data da adoção da decisão impugnada, os preços de retalho da TESAU não se tinham alterado desde setembro de 2001. Também não alegam qualquer alteração dos custos, que foram tomados em consideração pela Comissão no presente processo. Pode, portanto, considerar‑se que a infração terminou em 21 de dezembro de 2006 (v. também considerando 747 da decisão impugnada).

452    Nestas condições, não podendo as recorrentes invocar a duração da infração controvertida para pedir uma redução de 20% no mínimo do montante da coima aplicada à Telefónica, há que rejeitar a quarta parte do segundo fundamento.

 Quanto à quinta parte do segundo fundamento, relativa a erros de direito e a erros de facto cometidos na ponderação das circunstâncias atenuantes

453    A título preliminar, há que lembrar que resulta das orientações de 1998 que o montante de base da coima pode ser reduzido quando a infração tenha sido cometida por negligência e não de forma deliberada (ponto 3, primeiro parágrafo, quinto travessão).

454    Há que observar igualmente que, de acordo com a jurisprudência, o caráter adequado de uma eventual redução da coima por força de circunstâncias atenuantes deve ser apreciado de um ponto de vista global tendo em conta o conjunto das circunstâncias relevantes (acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2004, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, T‑44/00, Colet., p. II‑2223, n.° 274).

455    Ora, a adoção das referidas orientações não retirou pertinência à jurisprudência anterior segundo a qual a Comissão dispõe de um poder de apreciação que lhe permite ter ou não em consideração determinados elementos quando fixa o montante das coimas que tenciona aplicar, nomeadamente em função das circunstâncias específicas do caso. Deste modo, na falta de indicação de natureza imperativa nas orientações sobre as circunstâncias atenuantes que podem ser tidas em conta, a Comissão conservou uma certa margem para apreciar de uma forma global a importância de uma eventual redução do montante das coimas com base em circunstâncias atenuantes (v. acórdão Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, n.° 319, supra, n.° 473).

456    No caso, no considerando 765 da decisão impugnada, a Comissão considerou, no tocante à intervenção regulamentar da CMT a respeito dos preços do produto grossista regional, que a Telefónica agiu de modo negligente, uma vez que, mesmo na hipótese favorável de ter podido acreditar, à partida, que o modelo da CMT assentava em pressupostos realistas, devia ter‑se apercebido rapidamente de que os custos efetivos não correspondiam às estimativas utilizadas pela CMT na sua análise ex ante (v., igualmente, considerandos 727 a 730 da decisão impugnada). Por esta razão, a Comissão concedeu uma redução de 10% à Telefónica a título de circunstâncias atenuantes (considerando 766 da decisão impugnada).

457    Em primeiro lugar, os recorrentes sustentam que a Comissão não teve suficientemente em conta o facto de a infração poder ter sido cometida parcialmente por negligência.

458    Primeiro, a este respeito, há que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual a Comissão cometeu um erro de apreciação ao considerar que a negligência da Telefónica dizia apenas respeito ao produto grossista regional. Com efeito, como acima resulta dos n.os 110 a 143, foi com razão que a Comissão concluiu que os produtos grossistas nacional e regional não pertenciam ao mesmo mercado. Além disso, uma vez que os preços do produto grossista nacional nunca foram regulados durante o período da infração, foi com razão que a Comissão considerou que a circunstância atenuante relativa à negligência da Telefónica dizia apenas respeito ao produto grossista regional. O facto de ter existido uma regulação setorial que teria permitido à CMT intervir relativamente ao produto grossista nacional da Telefónica é irrelevante, uma vez que, como resulta da jurisprudência, embora não se possa excluir que, em certas circunstâncias, um quadro jurídico nacional ou um comportamento das autoridades nacionais possam constituir circunstâncias atenuantes, a aprovação ou a tolerância da infração por parte das autoridades nacionais não pode ser tomada em consideração para esse efeito quando as empresas em causa dispõem de meios necessários para obter informações jurídicas precisas e corretas (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de setembro de 2009, ERSTE Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, Colet., p. I‑8681, n.os 228 e 230).

459    Segundo, pelos motivos acima expostos nos n.os 343 a 352, há que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual a Comissão cometeu um erro ao considerar que a negligência da Telefónica era extremamente grave, atendendo à sua confiança legítima na ação da CMT e à complexidade do processo.

460    Terceiro, não colhe a alegação das recorrentes de que a redução de 10% a título de circunstâncias atenuantes, que foi concedida à empresa em causa na decisão Deutsche Telekom, é insuficiente no caso em apreço, por um lado, devido ao montante de base superior fixado para a Telefónica e, por outro, devido à diferente regulação setorial em Espanha. Antes de mais, como foi acima referido no n.° 386, a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico para as coimas em matéria de concorrência. Seguidamente, o juiz da União já salientou que o simples facto de a Comissão ter aplicado, na sua prática decisória anterior, uma certa taxa de redução para um comportamento determinado não implica que seja obrigada a conceder a mesma redução proporcional na apreciação de um comportamento semelhante num procedimento administrativo posterior (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 59, supra, n.° 192). Assim, há que considerar, no presente caso, que o simples facto de a Comissão ter concedido, na decisão Deutsche Telekom, uma certa taxa de redução por uma circunstância determinada não implica que seja obrigada a conceder a mesma redução, nem mesmo uma redução proporcionalmente maior, na apreciação das circunstâncias atenuantes no âmbito do presente processo. São, portanto, desprovidos de pertinência os argumentos das recorrentes baseados na taxa de redução concedida na decisão Deutsche Telekom para efeitos de demonstrar que a Telefónica deveria ter beneficiado de uma taxa de redução superior a título de circunstâncias atenuantes. Por último, de qualquer forma, há que lembrar que o montante de base da coima foi fixado, de acordo com as orientações de 1998, em função da gravidade e da duração da infração. Por conseguinte, a Comissão não pode ser obrigada a tomá‑lo em consideração na determinação da taxa de redução do montante da coima concedida a uma empresa a título de circunstância atenuante.

461    Em segundo lugar, quanto ao alegado caráter novo do presente processo, basta remeter para os n.os 356 a 368, supra.

462    Resulta das considerações acima referidas que improcede a quinta parte do segundo fundamento e com ela o fundamento no seu conjunto.

463    Daí resulta que improcedem os pedidos subsidiários bem como o recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

464    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

465    Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas respetivas despesas e nas despesas da Comissão, da France Telecom, da Ausbanc e da ECTA, em conformidade com os pedidos destas últimas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Telefónica, SA e a Telefónica de España, SA são condenadas a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas da Comissão Europeia, da France Telecom España, SA, da Asociación de Usuarios de Servicios Bancarios (Ausbanc consumo) e da European Competitive Telecommunications Association, em conformidade com os pedidos destas últimas.

Truchot

Martins Ribeiro

Kanninen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de março de 2012.

Assinaturas

Índice


Apresentação das recorrentes

Procedimento administrativo

Decisão impugnada

Tramitação do processo e pedidos das partes

Questão de direito

A ―  Quanto ΰ admissibilidade dos argumentos das recorrentes alegadamente contidos nos anexos

B ―  Quanto ao mιrito

1.  Quanto ao pedido principal, a anulação da decisão recorrida

a)  Quanto ao alcance da fiscalização do juiz da União e ao ónus da prova

b)  Quanto ao primeiro fundamento, relativo a uma violação dos direitos de defesa.

c)  Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de facto e de direito na definição dos mercados grossistas em causa.

d)  Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erros de facto e de direito na determinação da alegada posição dominante da Telefónica nos mercados em causa

e)  Quanto ao quarto fundamento, relativo a erros de direito na aplicação do artigo 82.° CE, no que diz respeito ao comportamento abusivo da Telefónica.

f)  Quanto ao quinto fundamento, relativo a erros de facto e/ou erros na apreciação dos factos e a erros de direito no que diz respeito ao comportamento alegadamente abusivo da Telefónica e ao seu impacto alegadamente anticoncorrencial

Quanto à primeira parte do quinto fundamento, relativa à existência de erros de facto e/ou erros de apreciação dos factos na aplicação do teste da compressão tarifária das margens

―  Quanto ΰ primeira alegaηγo da primeira parte do quinto fundamento, relativa a um erro na escolha dos inputs grossistas,

―  Quanto ΰ segunda alegaηγo da primeira parte do quinto fundamento, baseada em erros e omissυes alegadamente cometidos na execuηγo da anαlise dos FTA

―  Quanto ΰ terceira alegaηγo da primeira parte do quinto fundamento, relativa a erros cometidos na anαlise «perνodo a perνodo»

Quanto à segunda parte do quinto fundamento, relativa ao facto de a Comissão não ter feito prova bastante dos efeitos prováveis ou concretos do comportamento em causa

g)  Quanto ao sexto fundamento, relativo a uma aplicação ultra vires do artigo 82.° CE e à violação dos princípios da subsidiariedade, da proporcionalidade, da segurança jurídica, da cooperação leal e da boa administração

Quanto à primeira parte do sexto fundamento, relativa a uma aplicação ultra vires do artigo 82.° CE

Quanto à segunda parte do sexto fundamento, relativa a uma violação dos princípios da subsidiariedade, da proporcionalidade e da segurança jurídica

Quanto à terceira parte do sexto fundamento, relativa a uma violação dos princípios da cooperação leal e da boa administração

2.  Quanto aos pedidos subsidiários de anulação ou redução do montante da coima

a)  Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de facto e de apreciação dos factos e de direito, à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 e dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima.

b)  Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de facto e de direito e a uma violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento, da individualização das penas, bem como do dever de fundamentação na determinação do montante da coima

Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à existência de erros de facto e de direito, bem como a uma violação do dever de fundamentação no que se refere à qualificação da infração de «muito grave» e a fixação do montante de partida da coima em 90 milhões de euros

Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa a uma violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da individualização das penas, bem como do dever de fundamentação, na fixação do montante de partida da coima

Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa à existência de erros de facto e de direito e à falta de fundamentação na majoração do montante de partida da coima para efeitos de dissuasão

Quanto à quarta parte do segundo fundamento, relativa a erros de direito e a erros de apreciação manifestos cometidos na qualificação da infração como sendo de «longa duração»

Quanto à quinta parte do segundo fundamento, relativa a erros de direito e a erros de facto cometidos na ponderação das circunstâncias atenuantes

Quanto às despesas


* Língua do processo: espanhol.


1 Dados confidenciais ocultados.