Language of document : ECLI:EU:C:2015:77

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

11 de fevereiro de 2015 (*)

«Reenvio prejudicial ― Serviços postais ― Diretiva 97/67/CE ― Artigo 12.° ― Prestador do serviço universal ― Reduções quantitativas ― Aplicação aos intermediários que agrupam os envios postais ― Obrigação de não discriminação»

No processo C‑340/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela cour d’appel de Bruxelles (Bélgica), por decisão de 12 de junho de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de junho de 2013, no processo

bpost SA

contra

Institut belge des services postaux et des télécommunications (IBPT),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Segunda Secção, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev e J. L. da Cruz Vilaça (relator), juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de junho de 2014,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da bpost SA, por H. Gilliams, J. Bocken e T. Baumé, avocats,

¾        em representação do Governo belga, por M. Jacobs, na qualidade de agente, assistida por S. Depré e P. Vernet, avocats,

¾        em representação do Governo francês, por D. Colas e F. Gloaguen, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

¾        em representação do Governo sueco, por E. Karlsson e A. Falk, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por H. Tserepa‑Lacombe e F. W. Bulst, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 16 de outubro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 12.° da Diretiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço (JO 1998, L 15, p. 14), conforme alterada pela Diretiva 2008/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008 (JO L 52, p. 3, a seguir «Diretiva 97/67»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a bpost SA (a seguir «bpost»), prestadora do serviço postal universal na Bélgica, ao Institut belge des services postaux et des télécommunications (IBPT) (Instituto belga dos serviços postais e das telecomunicações), a propósito de uma decisão deste último de aplicar à bpost uma coima por violação do princípio da não discriminação na aplicação das tarifas convencionadas para o ano de 2010.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Através das sucessivas alterações introduzidas pelas Diretivas 2002/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de junho de 2002 (JO L 176, p. 21), e 2008/6, a Diretiva 97/67 prossegue o processo, iniciado em 1998, de liberalização gradual do mercado dos serviços postais.

4        O considerando 8 da Diretiva 97/67 tem a seguinte redação:

«Considerando que são necessárias medidas destinadas a garantir a liberalização gradual e controlada do mercado e a assegurar um justo equilíbrio na sua aplicação para garantir em toda a Comunidade, no respeito das obrigações e direitos dos prestadores do serviço universal, a livre prestação de serviços no próprio setor postal;».

5        O artigo 2.° desta diretiva dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)      ‘Serviços postais’: os serviços que consistem na recolha, triagem, transporte e entrega dos envios postais;

[...]

16)      ‘Remetente’: a pessoa singular ou coletiva que está na origem dos envios postais;

[...]»

6        O artigo 12.° da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros devem procurar assegurar que, ao serem fixadas as tarifas para cada serviço compreendido na prestação do serviço universal, sejam observados os seguintes princípios:

¾        os preços devem ser acessíveis e permitir o acesso de todos os utilizadores, independentemente da localização geográfica e tendo em conta as condições nacionais específicas, aos serviços prestados. Os Estados‑Membros podem manter ou criar disposições que garantam a prestação de serviços postais gratuitos, destinados a serem utilizados por cegos e amblíopes,

¾        os preços devem ser fixados em função dos custos e dar incentivos para uma prestação eficiente de serviço universal. Sempre que necessário por motivos de interesse público, os Estados‑Membros podem aplicar uma tarifa única no seu território nacional e/ou além‑fronteiras aos serviços de tarifa avulso e a outros envios postais,

¾        a aplicação de uma tarifa única não exclui o direito de o prestador ou prestadores do serviço universal celebrarem acordos individuais em matéria de preços com os utilizadores,

¾        as tarifas devem ser transparentes e não discriminatórias,

¾        sempre que os prestadores do serviço universal aplicarem tarifas especiais, por exemplo para os serviços às empresas, para os remetentes de envios em quantidade ou para os intermediários responsáveis pelo agrupamento de envios de vários utilizadores, devem aplicar os princípios da transparência e da não discriminação no que se refere tanto às tarifas como às condições a elas associadas. As tarifas e as condições a elas associadas devem ser aplicadas de igual modo, tanto na relação entre terceiros como na relação entre terceiros e os prestadores do serviço universal que ofereçam serviços equivalentes. Também devem beneficiar dessas tarifas os utilizadores que efetuem envios em condições similares, especialmente os utilizadores individuais e as pequenas e médias empresas.»

7        De acordo com o artigo 2.° da Diretiva 2008/6, até 31 de dezembro de 2010, os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento a esta diretiva.

 Direito belga

8        O artigo 12.° da Diretiva 97/67, alterada pela Diretiva 2002/39, foi transposto para a ordem jurídica belga pelo artigo 144.° ter da Lei de 21 de março de 1991 que reforma certas empresas públicas económicas (Moniteur belge de 27 de março de 1991, p. 6155), alterado pelo Decreto Real de 7 de outubro de 2002 (Moniteur belge de 25 de outubro de 2002, p. 49053) e pela Lei de 13 de dezembro de 2010 (Moniteur belge de 31 de dezembro de 2010, p. 83267).

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9        Na Bélgica, a bpost é o prestador histórico de serviços postais, essencialmente responsável pela distribuição postal, que compreende nomeadamente a recolha, a triagem, o transporte e a entrega dos envios postais aos destinatários.

10      A bpost oferece serviços de distribuição postal não só ao grande público mas também a duas categorias especiais de clientes, a saber, os remetentes de envios em quantidade (a seguir «remetentes») e os intermediários.

11      Os remetentes são consumidores finais de serviços de distribuição postal. Definem a mensagem que deve ser enviada e estão na origem do pedido de envio postal. Por seu turno, os intermediários prestam aos remetentes serviços de encaminhamento a montante do serviço de distribuição postal. Esses serviços podem incluir a preparação do correio antes de ser remetido à bpost (a triagem, a impressão, a envelopagem, a rotulagem, o endereçamento e a selagem) bem como o depósito dos envios (recolha junto dos remetentes, agrupamento e acondicionamento dos envios em sacos postais, transporte e depósito nos locais designados pelo operador postal).

12      São aplicados vários tipos de tarifas pela bpost, nomeadamente as tarifas convencionadas, que são tarifas especiais relativamente à tarifa standard paga pelo grande público. Estas tarifas especiais resultam de uma convenção entre a bpost e os clientes em causa, que pode prever descontos para certos clientes que geram um determinado volume de negócios a favor do operador. Os descontos convencionados mais frequentes são as reduções quantitativas, concedidas em função do volume de envios postais gerado num período de referência, e as reduções operacionais, que visam retribuir certas operações de encaminhamento e constituem a contrapartida dos custos evitados pela bpost.

13      O IBPT é a autoridade reguladora nacional do setor dos serviços postais, na aceção da Diretiva 97/67.

14      Relativamente a 2010, a bpost informou o IBPT de uma alteração do seu sistema de descontos para as tarifas convencionadas relativas aos serviços de distribuição de envios publicitários endereçados e de envios administrativos. Estes envios representavam cerca de 20% do volume de negócios da bpost no setor postal.

15      Esse novo sistema de descontos compreendia uma redução quantitativa calculada com base no volume de envios depositado, que era concedida quer aos remetentes quer aos intermediários. Todavia, o desconto concedido a estes últimos já não era calculado com base no volume total de envios provenientes da totalidade dos remetentes aos quais prestavam os seus serviços, mas sim com base no volume de envios gerado individualmente por cada um dos seus clientes (a seguir «redução quantitativa por remetente»).

16      A par da redução quantitativa por remetente, o novo sistema incluía também um desconto operacional, denominado «Indirect Channel Rebate». Esse desconto correspondia à contrapartida dos custos evitados pela bpost mediante a realização, pelos intermediários, de certas operações que fazem parte do serviço de distribuição postal.

17      Por decisão de 20 de julho de 2011, o IBPT considerou que a bpost tinha violado, nomeadamente, a obrigação de não discriminação respeitante às reduções quantitativas das tarifas convencionadas para o ano de 2010.

18      Nessa decisão, o IBPT acusava a bpost de privar os intermediários das reduções mais elevadas sobre as quantidades de envios depositados, quando estes depositam volumes de envios agrupados comparáveis aos volumes depositados pelos maiores remetentes. Consequentemente, esse sistema operava uma discriminação em detrimento dos intermediários.

19      Em 23 de setembro de 2011, a bpost pediu à cour d’appel de Bruxelles que anulasse a decisão do IBPT.

20      Decorre da decisão de reenvio que as partes no processo principal não estão de acordo quanto ao alcance do artigo 12.°, quinto travessão, da Diretiva 97/67 e quanto à interpretação desta disposição feita pelo Tribunal de Justiça no acórdão Deutsche Post e o. (C‑287/06 a C‑292/06, EU:C:2008:141).

21      Apesar de admitir que o alcance do artigo 12.°, quinto travessão, da Diretiva 97/67 não parece ter mudado após a alteração pela Diretiva 2008/6, esse órgão jurisdicional tem dúvidas sobre a questão de saber se esta disposição diz indistintamente respeito às reduções operacionais e às reduções quantitativas, ou se, pelo contrário, o seu âmbito de aplicação exclui as reduções quantitativas.

22      Nestas condições, a cour d’appel de Bruxelles decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 12.°, quinto travessão, da Diretiva [97/67] […] ser interpretado no sentido de que impõe uma obrigação de não […] discriminação, designadamente nas relações entre o prestador do serviço universal e os intermediários, no que diz respeito aos descontos operacionais concedidos por este prestador, ficando os descontos exclusivamente quantitativos sujeitos à aplicação do artigo 12.°, quarto travessão[, desta diretiva]?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o desconto exclusivamente quantitativo respeita a obrigação de não […] discriminação prevista no artigo 12.°, quarto travessão, [da referida diretiva,] quando a diferença de preço por ele estabelecida se baseia num fator objetivo, tendo em consideração o mercado geográfico e de serviços pertinente e não tem um efeito de exclusão ou de indução de fidelidade?

3)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, o desconto quantitativo concedido ao intermediário viola o princípio da não […] discriminação previsto pelo artigo 12.°, quinto travessão, [da mesma diretiva,] quando o seu valor não é igual ao desconto concedido a um remetente que deposite um número de envios equivalente, mas sim à totalidade dos descontos concedidos à totalidade dos remetentes de envios, com base no número de envios que agrupou de cada um destes remetentes?»

 Quanto às questões prejudiciais

23      A título preliminar, há que assinalar que o litígio no processo principal se prende com um recurso de anulação, interposto pela bpost, da decisão do IBPT de lhe aplicar uma coima por violação do princípio da não discriminação na aplicação da redução quantitativa por remetente.

24      A questão de saber se essa redução cai no âmbito de aplicação do artigo 12.°, quarto travessão, da Diretiva 97/67, ou antes do quinto travessão deste mesmo artigo, não é determinante para efeitos da fiscalização da legalidade da decisão, que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar.

25      Com efeito, decorre do artigo 12.° da Diretiva 97/67 que as tarifas de cada um dos serviços compreendidos no serviço universal devem respeitar, nomeadamente, o princípio da não discriminação no que toca quer às «tarifas» (quarto travessão) quer às «tarifas especiais» (quinto travessão).

26      Daí resulta que a apreciação da natureza alegadamente discriminatória das reduções quantitativas praticadas pela bpost no ano de 2010 não é influenciada pelo facto de essas reduções caírem no âmbito do quarto travessão e não no do quinto travessão do artigo 12.° da Diretiva 97/67, ou inversamente.

27      No âmbito desta apreciação, deve verificar‑se apenas se a prática em causa respeita a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual o princípio geral da igualdade de tratamento, que faz parte dos princípios fundamentais do direito da União, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objetivamente justificado (acórdãos Ruckdeschel e o., 117/76 e 16/77, EU:C:1977:160, n.° 7, e Almer Beheer e Daedalus Holding, C‑441/12, EU:C:2014:2226, n.° 47).

28      Nestas circunstâncias, deve entender‑se que, com as questões prejudiciais, globalmente consideradas, se pretende saber, no essencial, se o princípio da não discriminação das tarifas postais previsto no artigo 12.° da Diretiva 97/67 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um sistema de redução quantitativa por remetente, como o que está em causa no processo principal.

29      A este respeito, há que salientar que as reduções quantitativas são reduções de tarifas cujo montante progride em função do volume de envios postais gerado num período de referência.

30      Segundo a bpost, a redução quantitativa por remetente foi introduzida nas suas tarifas convencionadas para o ano de 2010, com o propósito de acabar com a prática de um número limitado de intermediários que se limitavam a agrupar os envios de vários remetentes para beneficiarem dos descontos quantitativos mais elevados, sem efetuarem nenhuma intervenção operacional.

31      Como se referiu no n.° 18 do presente acórdão, decorre da decisão do IBPT de 20 de julho de 2011 que esta autoridade considerou que a redução quantitativa por remetente opera uma discriminação entre, por um lado, os grandes remetentes, que podem beneficiar de reduções mais elevadas sobre os volumes de envios confiados à bpost, e, por outro, os intermediários que lhe confiam volumes de envios comparáveis, mas mediante o agrupamento dos mesmos junto de várias empresas ou Administrações.

32      É pacífico que, sendo as reduções quantitativas calculadas com base no volume de negócios gerado individualmente por cada remetente, o remetente que confiar à bpost um volume considerável de envios beneficia de um desconto superior ao obtido pelo intermediário que depositar naquele um volume de envios equivalente, resultante do agrupamento de envios provenientes de vários remetentes.

33      Embora, é certo, esta constatação permita concluir que a redução quantitativa por remetente introduz um tratamento diferenciado entre os remetentes e os intermediários, a verdade é que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.° 27 do presente acórdão, este tratamento diferenciado só poderá constituir uma discriminação proibida pelo artigo 12.° da Diretiva 97/67 se, por um lado, os remetentes e os intermediários estiverem numa situação comparável no mercado da distribuição postal e, por outro, nenhum objetivo legítimo puder justificar o referido tratamento diferenciado.

34      Para determinar com que base deve ser efetuada a comparação das situações respetivas dos remetentes e dos intermediários, importa ter em consideração que o sistema introduzido pela bpost para o ano de 2010 contém tanto reduções quantitativas como reduções operacionais.

35      Ora, para poder determinar uma eventual discriminação em detrimento dos intermediários no âmbito da concessão da redução quantitativa por remetente, importa limitar a comparação da situação dos remetentes à dos intermediários, quando estes últimos se limitam a agrupar os envios junto de um certo número de remetentes e a faturar‑lhes novamente o serviço de distribuição postal prestado pela bpost, não se tomando assim em consideração os serviços de encaminhamento que lhes permitem beneficiar de reduções operacionais.

36      Nas suas observações, a bpost e o Governo francês observam que o objetivo das reduções quantitativas consiste em incentivar a procura no domínio dos serviços postais que, atualmente, se deparam com uma oferta crescente de vias de expedição concorrentes, em especial a do correio eletrónico.

37      A este respeito, há que observar que os remetentes são os únicos a poder aumentar essa procura, por estarem «na origem dos envios postais», como precisa a definição do conceito de «remetente», que figura no artigo 2.°, ponto 16, da Diretiva 97/67.

38      Pelo contrário, quando os intermediários confiam à bpost o correio que previamente recolheram junto de diferentes remetentes, isso não tem por efeito aumentar o volume global de correio a favor da bpost. Daqui resulta que, salvo nas poucas situações em que esses intermediários são os próprios remetentes, a sua atividade não contribui, por si mesma, para o aumento do volume de correio confiado à bpost.

39      Além disso, a aplicação do regime de reduções quantitativas que vigorava antes de 2010, segundo o qual o desconto concedido aos intermediários era calculado com base no volume total de envios provenientes da totalidade dos remetentes aos quais prestavam os seus serviços, pode comprometer o objetivo de aumentar a procura de serviços postais.

40      Com efeito, como a advogada‑geral referiu nos n.os 69 e 72 das suas conclusões, o remetente que não gera correio suficiente para poder beneficiar de uma redução quantitativa não beneficiará de descontos a título da redução quantitativa por remetente, isto quer decida entregar ele próprio os seus envios à bpost ou confiar essa tarefa a um intermediário. Em contrapartida, no âmbito do regime de reduções quantitativas aplicável antes de 2010, esse mesmo remetente podia, indiretamente, conseguir essa redução, para o mesmo volume de correio, se decidisse recorrer aos serviços de um intermediário, dado que o seu volume de correio juntar‑se‑ia ao dos outros remetentes que utilizavam os serviços do mesmo intermediário.

41      Nesta última hipótese, o remetente em causa beneficiava indiretamente de um desconto sem ter aumentado o seu volume de correio, o que não o incentivava a gerar mais correio no futuro. Uma situação deste tipo, nitidamente contrária ao objetivo prosseguido pela bpost ao instituir um regime de reduções quantitativas, poderia conduzir este operador a restringir, ou mesmo suprimir, o referido regime para salvaguardar o seu equilíbrio financeiro. Ora, tal decisão, por sua vez, não deixaria de ter impacto negativo na procura de serviços postais em geral e, por conseguinte, no equilíbrio financeiro da bpost.

42      É certo que, no acórdão Deutsche Post e o. (EU:C:2008:141, n.° 44), o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 12.° da Diretiva 97/67 se opõe a que seja recusado aos intermediários que agrupam os envios postais de vários remetentes o benefício das tarifas especiais que o prestador nacional do serviço postal universal concede aos próprios remetentes.

43      Ora, no âmbito do raciocínio subjacente a essa decisão, o Tribunal de Justiça afastou, nomeadamente, o argumento da Deutsche Post AG e do Governo alemão segundo o qual permitir que os intermediários beneficiem de certas reduções ameaça o equilíbrio financeiro da Deutsche Post AG (acórdão Deutsche Post e o., EU:C:2008:141, n.° 36).

44      Contrariamente ao que os Governos belga, italiano e sueco e a Comissão Europeia sustentam, a referida jurisprudência não é, contudo, aplicável ao processo principal.

45      Com efeito, o processo que deu origem ao acórdão Deutsche Post e o. (EU:C:2008:141) não era relativo a reduções quantitativas, mas a reduções operacionais. A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou, no n.° 37 desse acórdão, que, já que as tarifas especiais que têm em conta os custos evitados em relação aos serviços tradicionais podem ser concebidas de tal modo que apenas se distinguem das tarifas normais pelo facto de só os custos efetivamente evitados pelo operador serem deduzidos a estas últimas tarifas, a concessão dessas tarifas aos intermediários não afetava a estabilidade financeira da Deutsche Post AG, enquanto prestadora do serviço postal universal.

46      O Tribunal de Justiça concluiu daí que, caso se viesse a verificar que a concessão aos intermediários das reduções atualmente apenas concedidas aos clientes profissionais da Deutsche Post AG tinha por efeito que as ditas reduções eram excessivas em relação aos custos evitados, seria legítimo a essa sociedade, na medida do necessário, reduzi‑las em relação a todos os beneficiários das mesmas (acórdão Deutsche Post e o., EU:C:2008:141, n.° 38).

47      Assim, embora os remetentes e os intermediários pudessem estar numa situação comparável no que toca às reduções operacionais, como decorre do acórdão Deutsche Post e o. (EU:C:2008:141), não é necessariamente o que sucede no caso das reduções quantitativas, como as que estão em causa no processo principal. Com efeito, as reduções quantitativas por remetente incentivam estes últimos a confiarem mais correio à bpost, permitindo‑lhe assim realizar economias de escala. Em contrapartida, a atividade exercida pelos intermediários não contribui, por si mesma, como referido no n.° 38 do presente acórdão, para o aumento do correio confiado à bpost e, por conseguinte, para esta realizar essas economias.

48      Resulta das considerações expostas que os remetentes e os intermediários não estão numa situação comparável à luz do objetivo prosseguido pelo sistema de redução quantitativa por remetente, isto é, o incentivo à procura no domínio dos serviços postais, já que só os remetentes poderão ser incentivados, por efeito deste sistema, a aumentar o respetivo volume de envios confiados à bpost e, por conseguinte, o volume de negócios deste operador. Consequentemente, a diferença de tratamento entre estas duas categorias de clientes decorrente da aplicação do sistema de redução quantitativa por remetente não constitui uma discriminação proibida pelo artigo 12.° da Diretiva 97/67.

49      Por conseguinte, há que responder à questão submetida que o princípio da não discriminação das tarifas previsto no artigo 12.° da Diretiva 97/67 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a um sistema de redução quantitativa por remetente, como o que está em causa no processo principal.

 Quanto às despesas

50      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O princípio da não discriminação das tarifas previsto no artigo 12.° da Diretiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço, conforme alterada pela Diretiva 2008/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a um sistema de redução quantitativa por remetente, como o que está em causa no processo principal.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.