Language of document : ECLI:EU:C:2012:55

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JÁN MAZÁK

apresentadas em 2 de fevereiro de 2012 (1)

Processo C‑549/10 P

Tomra Systems ASA

Tomra Europe AS

Tomra Systems GmbH

Tomra Systems BV

Tomra Leergutsysteme GmbH

Tomra Systems AB

Tomra Butikksystemer AS

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral ― Concorrência ― Abuso de posição dominante ― Mercado das máquinas de recolha de vasilhame ― Acordos exclusivos, compromissos quantitativos e descontos de fidelização que fazem parte de uma estratégia de exclusão dos concorrentes do mercado»





1.        No presente processo, as recorrentes (a seguir, em conjunto «Tomra») pedem ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão de 14 de outubro de 2009, Tomra Systems e o., T‑155/06 (2). No referido acórdão, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso de anulação interposto pela Tomra da Decisão C (2006) 734 final da Comissão, de 29 de março de 2006, relativa a um processo nos termos do artigo 82.° CE, atual artigo 102.° TFUE, e do artigo 54.° do Acordo EEE (Processo COMP/E.‑1/38.113 ― Prokent‑Tomra) (3).

I ―    Factos na origem do litígio

2.        A matéria de facto, o procedimento administrativo e a decisão impugnada são descritos em pormenor nos n.os 1 a 20 do acórdão recorrido. Em síntese, o grupo Tomra (que inclui as sete sociedades que interpuseram o presente recurso e outras) produz máquinas automáticas para recolha de vasilhame usado ([«reverse vending machines»], a seguir «RVM»). Estas máquinas identificam a embalagem em função de determinados parâmetros, como a forma e/ou o código de barras, e calculam o montante do depósito que deve ser reembolsado ao cliente, normalmente imprimindo um recibo que é creditado na caixa da loja. O grupo fornece ainda serviços relacionados com as RVM no mundo inteiro. Em 2005, o grupo Tomra tinha um volume de negócios de aproximadamente 300 milhões de euros e 1900 empregados.

3.        Na sequência de uma denúncia da Prokent AG, uma sociedade alemã que também exercia atividade no setor das RVM, a Comissão, depois de realizar inspeções, dirigiu uma comunicação das acusações à Tomra Systems ASA, à Tomra Europe AS e às filiais do grupo Tomra em seis Estados que fazem parte do Espaço Económico Europeu (EEE). Em 29 de março de 2006, a Comissão adotou a decisão impugnada, na qual declarou verificado que a Tomra violou o artigo 102.° CE e o artigo 54.° do acordo EEE no decurso do período entre 1998 e 2002, aplicando uma estratégia de exclusão nos mercados alemão, neerlandês, austríaco, sueco e norueguês das RMV por meio de acordos exclusivos, de compromissos quantitativos individuais e de regimes de descontos individuais retroativos, restringindo assim a concorrência nos mercados.

4.        Nessa decisão, a Comissão considerou, nomeadamente, que as quotas de mercado da Tomra na Europa tinham sido permanentemente superiores a 70% nos anos anteriores a 1997, excedendo os 95% a partir desse ano, e que em qualquer dos mercados relevantes a quota de mercado da Tomra era várias vezes superior à dos seus concorrentes. Concluiu que o grupo Tomra era uma empresa que ocupava uma posição dominante, na aceção do artigo 102 TFUE e do artigo 54.° do acordo EEE. Em especial, a Comissão sustentou que a Tomra concebeu uma estratégia que tinha um objetivo ou um efeito anticoncorrencial, tanto na sua prática como no seio de discussões internas do grupo. Segundo a decisão impugnada, a Tomra pretendia preservar a sua posição dominante e as suas quotas de mercado por meios que consistiam, nomeadamente, em impedir a entrada de novos operadores no mercado, em atuar de modo a que os concorrentes se mantivessem em posição de fraqueza, limitando as suas possibilidades de crescimento, e em enfraquecer e eliminar concorrentes, por aquisição ou outros meios. Esta estratégia foi aplicada através da celebração, entre 1998 e 2002, de 49 acordos entre a Tomra e várias cadeias de supermercados. Aqueles foram celebrados sob forma de acordos exclusivos, de acordos individuais que continham compromissos quantitativos e de regimes individuais de descontos retroativos. A decisão impugnada precisa que, na apreciação da gravidade da infração cometida pela Tomra, deve ser tido em conta o facto de ela ter recorrido deliberadamente às práticas em questão no âmbito da sua política de exclusão, bem como o âmbito geográfico deste abuso. A Comissão concluiu que se tratava de uma infração «grave» e aplicou à Tomra, solidariamente responsável, uma coima de 24 milhões de euros.

II ― Acórdão recorrido

5.        Em apoio do seu recurso de anulação da decisão impugnada interposto no Tribunal Geral, a Tomra apresentou seis fundamentos. Alegou, essencialmente, que a Comissão: (i) utilizou provas manifestamente inexatas e pouco fiáveis para provar que o grupo concebeu uma estratégia para afastar a concorrência e que aplicou essa estratégia através de 49 acordos celebrados com os seus clientes entre 1998 e 2002; (ii) cometeu erros manifestos de apreciação quanto a saber se os acordos eram suscetíveis de afastar a concorrência, o que não fundamentou; (iii) cometeu erros manifestos de apreciação quanto a saber se esses acordos afastaram efetivamente a concorrência; (iv) cometeu um erro de direito manifesto ao decidir que os acordos exclusivos, os compromissos quantitativos individuais e os descontos individuais retroativos são per se ilegais por força do artigo 102.° TFUE; (v) cometeu um erro manifesto ao concluir que os compromissos quantitativos não vinculativos podiam violar o artigo 102.° TFUE; e (vi) violou os princípios da proporcionalidade e da não discriminação ao aplicar à Tomra a coima de 24 milhões de euros. No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedentes todos estes fundamentos.

III ― Recurso

6.        No presente processo, a Tomra invoca, ao todo, cinco fundamentos de recurso (4). A Comissão, por seu lado, considera que esses fundamentos são inadmissíveis, inoperantes ou improcedentes.

A ―    Primeiro fundamento de recurso: erro de direito na fiscalização a que procedeu o Tribunal Geral quando apreciou a declaração da Comissão Europeia a respeito da existência de uma estratégia anticoncorrencial de exclusão (n.os 33 a 41 do acórdão recorrido)

7.        Com o seu primeiro fundamento de recurso, a Tomra alega essencialmente que, quando analisou a questão de saber se a Comissão tinha estabelecido a existência de uma estratégia anticoncorrencial, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao recusar‑se a considerar provas que indicavam a vontade da Tomra de concorrer pelo seu mérito. A Tomra reitera o argumento já apresentado no Tribunal Geral de que a Comissão utilizou erradamente a correspondência interna da Tomra em apoio das alegadas vontade e estratégia anticoncorrenciais.

8.        Antes de mais, importa observar que o conceito de exploração abusiva é um conceito objetivo (5). De facto, na decisão impugnada, a Comissão não referiu, e bem, a vontade como um elemento necessário para concluir pela existência de abuso de posição dominante no presente processo. A este respeito, a Tomra alega que decorre dos considerandos 97 a 105 da decisão impugnada que a vontade anticoncorrencial foi um fator importante na declaração da existência de uma estratégia anticoncorrencial e que essa declaração teve um papel decisivo para considerar verificada a infração.

9.        A Tomra também referiu o considerando 111 da decisão impugnada. No entanto, como observou a Comissão, esse considerando é precedido pela observação contida no considerando 109 de que as práticas descritas na Secção III.B são apreciadas, nos termos do artigo 102.° TFUE, noutra parte da referida decisão. Para esse efeito, a Secção IV.B da decisão impugnada recordou, e bem, o caráter objetivo do artigo 102.° TFUE e concluiu, com base na análise dos acordos da Tomra com os seus clientes, e não nos seus motivos, que as práticas desta tendiam a restringir a concorrência. Como tal, a alegação da Tomra de que as apreciações feitas sobre a sua vontade tiveram uma influência decisiva na conclusão da existência da violação deve ser julgada improcedente.

10.      Não obstante, é verdade que a prova da vontade não é totalmente irrelevante, na medida em que pode efetivamente ser relevante para a apreciação do comportamento da empresa dominante, o que exige uma compreensão da justificação económica desse comportamento, dos seus aspetos estratégicos e dos seus efeitos prováveis. Tal como observou corretamente o Tribunal Geral, no n.° 35, esta prova pode indicar se a exclusão da concorrência estava prevista, ou, pelo contrário, sugerir uma explicação diferente das práticas examinadas. Com efeito, a prova permite à Comissão situar as práticas em questão no seu contexto. Por exemplo, se a Comissão (ou uma autoridade nacional da concorrência) decidir com base em provas dos autos que uma empresa concebeu sistemas de descontos e de abatimento (também) para o benefício dos consumidores ― suponhamos que a empresa previa ganhos de eficácia ― esse facto deverá levar as autoridades a aprofundar a sua investigação.

11.      Resulta dos autos que a Tomra não se encontrava em posição de explicar as suas práticas por referência a uma determinada lógica empresarial (6) ou não desejava fazê‑lo; considero que, no n.° 36, o Tribunal Geral concluiu corretamente que o exame da Comissão tinha de fazer prioritariamente referência ao comportamento anticoncorrencial. Em todo o caso, há que salientar que a Comissão procedeu seguidamente à averiguação oficiosa da questão de saber se a documentação interna da Tomra sugeria a existência de uma explicação das práticas em questão favorável à concorrência ou, pelo contrário, de uma explicação de exclusão. A este respeito, embora o recurso faça referência ao n.° 36 do acórdão recorrido, não identifica provas da vontade da Tomra concorrer pelo seu mérito que o Tribunal Geral teria alegadamente ignorado, nem indica como é que tais provas podiam viciar a análise das práticas exclusivas da Tomra.

12.      Também concordo com a Comissão que o facto de o acórdão recorrido ter reconhecido a existência de provas da intenção da Tomra de utilizar outros meios concorrenciais (legítimos) significa que, na realidade, a Tomra está agora a tentar pôr em causa a apreciação feita pelo Tribunal Geral da relevância e força probatória das provas, o que não pode ser impugnado em sede de recurso (7). A Tomra parece repetir a argumentação apresentada na primeira instância, sublinhando o seu desacordo quanto à apreciação dos factos realizada pelo Tribunal Geral. Porém, o n.° 35 do acórdão recorrido acrescenta corretamente que «as conclusões da Comissão constantes da decisão impugnada nunca se fundaram unicamente num ou noutro documento [da Tomra], tomado singularmente, mas sim sobre toda uma série de elementos diferentes».

13.      Finalmente, a Tomra critica especificamente a afirmação do Tribunal Geral, no n.° 36 do acórdão recorrido, de que a decisão impugnada «não oculta» documentos que indiquem que a Tomra também tencionava utilizar meios legítimos de respeitar o jogo da concorrência. Basta dizer que a referida afirmação contida no acórdão recorrido não se refere a provas relevantes. Pelo contrário, tal como a Comissão, considero que o Tribunal Geral quis claramente reconhecer que a decisão impugnada fazia referência a provas relativas a outros meios legítimos de concorrência ― apesar da sua falta de relevância para explicar o comportamento abusivo objeto dessa decisão.

14.      Resulta do que precede que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito na sua apreciação da conclusão da Comissão Europeia a respeito da existência de uma estratégia anticoncorrencial de exclusão do mercado. Consequentemente, o primeiro fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

B ―    Segundo fundamento de recurso: erro de direito e de não fornecimento de um raciocínio bastante a respeito da parte da procura total que os acordos tinham que cobrir para poderem ser considerados abusivos (n.os 238 a 246 do acórdão recorrido)

15.      A Tomra alegou no Tribunal Geral que a Comissão não averiguou se a parte suscetível de ser conquistada do mercado das RVM (8) era suficientemente importante para permitir que os concorrentes igualmente eficazes se mantivessem no mercado (9). Agora alega, no essencial, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito e não fundamentou suficientemente a sua conclusão de que os alegados acordos de exclusividade abrangiam uma porção suficiente da procura total para que fossem suscetíveis de restringir a concorrência. Em especial, a Tomra alega que o raciocínio seguido pelo Tribunal Geral para rejeitar o argumento sobre a procura comercial relevante se baseou principalmente em termos como «substancial» [substantial], «longe de ser pequena» [far from being small] e «muito elevada» [very high]. O Tribunal Geral devia ter insistido num método inequívoco de aferir se os contratos de exclusividade eram suscetíveis de encerrar o acesso da concorrência ao mercado, nomeadamente o cálculo da escala mínima de viabilidade exigida para operar de forma rentável no mercado em questão.

16.      A título preliminar, importa precisar que, como resulta de jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.° TFUE (ex‑artigo 253.° CE) deve ser adaptada à natureza do ato em causa (10). Por conseguinte, resta saber se o Tribunal Geral podia, neste contexto, utilizar termos tais como «significativo», ou se a Tomra tem razão ao alegar que o acórdão recorrido carece de fundamentação suficiente na medida em que não refere qual seja o significado exato de «significativo» (em termos quantitativos) no presente processo.

17.      No n.° 20 da petição, a Tomra alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.° 241, que «os concorrentes deveriam poder concorrer, pelo seu mérito, em todo o mercado e não apenas numa parte dele». Como salienta a Comissão, com a referida crítica, a Tomra apresenta um pedido não reconhecido de que o Tribunal de Justiça se volte a pronunciar sobre uma questão já decidida no acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão (11). Neste, o Tribunal de Justiça rejeitou a alegação de um «efeito sensível» ou limiar de minimis ao abrigo do artigo 102.° TFUE, sustentando que «no âmbito de aplicação do artigo [102.° TFUE] tratando‑se de comportamentos de uma empresa em posição dominante no mercado e que por essa razão a estrutura concorrencial já está enfraquecida, qualquer restrição suplementar dessa estrutura concorrencial é suscetível de constituir uma exploração abusiva de posição dominante».

18.      O Tribunal de Justiça seguiu a opinião do advogado‑geral Reischl (na pág. 298), que tinha distinguido os artigos 85.° CE e 86.° CE (atuais artigos 101.° e 102.° TFUE), afirmando que «a teoria da sensibilidade [perceptibility em inglês e sensibilité em francês] foi [alargada ao] artigo [101.°], isto é, [a] para um domínio em que, [por definição], a restrição de uma concorrência eficaz e existente se deve a convenções e outros métodos similares. Pelo contrário, [nas circunstâncias] mencionad[a]s no artigo [102.°], a concorrência é quase eliminada, na medida em que uma empresa dominante não está submetida a uma concorrência efetiva. Nesta hipótese, não parece efetivamente possível não tomar em consideração o comportamento de uma tal empresa, que deve ser considerado abusivo segundo os critérios do artigo [102.°], com o fundamento de que os seus efeitos não se sentem de uma forma sensível sobre as relações de concorrência. Ora, mesmo supondo que seja defensável negligenciar os abusos ou, pelo menos, deixá‑los impunes quando se trata apenas, por assim dizer, de ‘quantidades negligenciáveis’, não obstante, é necessário duvidar seriamente do facto de o presente processo se inserir nesta categoria».

19.      Seja como for, é evidente que a simples afirmação da Tomra, sem qualquer apoio na doutrina, num processo em que o Tribunal Geral confirmou, com base nos factos, que o encerramento do mercado pela Tomra excedeu todos os limiares mínimos concebíveis, não pode proceder no presente recurso.

20.      Considero que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral fez precisamente o que devia ter feito. De facto, só através de uma análise das circunstâncias do caso vertente, como a efetuada pela Comissão na decisão impugnada, é possível determinar se as práticas de uma empresa em posição dominante são suscetíveis de excluir a concorrência (no presente processo, a decisão impugnada refere mesmo que essas práticas «tiveram na realidade» um efeito de encerramento que se traduziu numa distorção do mercado). Seria no entanto artificial determinar a priori a porção subordinada do mercado para além da qual as práticas de uma empresa em posição dominante podem ter um efeito de exclusão dos concorrentes (v. n.° 242 do acórdão recorrido).

21.      Em todo o caso, não há dúvida de que as práticas da Tomra abrangeram uma parte «substancial» do Mercado, pelo que o fundamento de recurso apresentado parece ser meramente académico no presente processo (12). Na realidade, a própria Tomra parece aceitar que, em média e tendo em conta o conjunto dos cinco anos e dos cinco mercados, as práticas em questão vincularam cerca de 39% da procura.

22.      Nesse contexto, o n.° 243 do acórdão recorrido está correto: a proporção de dois quintos da procura total no decurso do período e nos países examinados é, de qualquer modo, considerável e, em todo o caso, não pode certamente ser considerada «pequena». O Tribunal Geral também salientou, corretamente, que as práticas da Tomra ocasionaram frequentemente uma proporção muito elevada da procura «vinculada» no decurso dos «anos cruciais» em que a procura foi a mais elevada e terá sido a mais suscetível de atrair entradas no mercado com êxito, nomeadamente no decurso dos anos de 1999 e 2000 na Áustria, de 2001 nos Países Baixos e de 1999 na Noruega (13). Finalmente, no n.° 245, o Tribunal Geral observa corretamente que «as práticas [da Tomra] vinculavam a procura do cliente final, e não a dos distribuidores. Os concorrentes não podiam assim beneficiar de métodos de distribuição diferentes que pudessem atenuar os efeitos das práticas [da Tomra]».

23.      Daí resulta que, seja qual for a interpretação razoável a dar a termos como «significativo» [significant], a sua utilização pelo Tribunal Geral no presente processo foi amplamente justificada pelos factos.

24.      No que diz respeito ao argumento final da Tomra de que a abordagem da Comissão e do Tribunal Geral é incompatível com a doutrina económica atual, basta observar que esse argumento não foi suscitado, nem foi suficientemente abordado na primeira instância, e não pode, por conseguinte, ser agora alegado no presente recurso.

25.      Resulta das considerações precedentes que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito no que diz respeito à parte da procura total que os acordos tinham que cobrir para poderem ser considerados abusivos, e também não violou o seu dever de apresentação de uma fundamentação suficiente a esse respeito. Portanto, o segundo fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

C ―    Terceiro fundamento de recurso: vício de forma e erro de direito no exame dos descontos retroativos (n.os 258 ao 272 do acórdão recorrido)

26.      A Tomra alega, essencialmente, que o Tribunal Geral cometeu um erro processual ao desvirtuar os argumentos apresentados sobre os descontos retroativos. O Tribunal Geral fez uma leitura e uma interpretação erradas dos seus argumentos, ao afirmar que a Tomra tinha defendido que os «preços negativos» constituíam uma base fundamental da decisão impugnada, e consequentemente, não teve esse argumento em consideração de uma forma legalmente correta. Se o Tribunal Geral tivesse adotado a abordagem correta dos sistemas de descontos, teria afetado de forma significativa a base da sua conclusão de que todos os acordos eram suscetíveis de afastar a concorrência do mercado das RVM. A Tomra observa que uma análise adequada dos argumentos apresentados teria envolvido um exame dos sistemas de descontos em conformidade com a abordagem baseada nos seus efeitos. Alega ainda que se deve presumir que os descontos retroativos que não conduzem à fixação dos preços abaixo do custo são insuscetíveis de excluírem concorrentes. Consequentemente, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não ter exigido que a Comissão demonstrasse que os descontos retroativos utilizados pela Tomra conduziram à fixação de preços abaixo do custo para que pudesse qualificar esses mesmos descontos de exclusivos.

27.      Importa observar, antes de mais, que este fundamento de recurso apenas diz respeito aos descontos retroativos. Ao contrário do alegado pela Tomra, os argumentos apresentados em seu apoio não podem, em todo o caso, afetar as conclusões relativas a outras práticas, em especial os compromissos quantitativos e os compromissos de exclusividade ou a exclusividade de facto.

28.      A Comissão sublinha, com razão, que a passagem da petição apresentada na primeira instância, citada no recurso, apesar de se referir a custos no âmbito da fixação de preços, deve ser apreciada no seu contexto. É certo que a passagem da petição que a Tomra cita agora no seu recurso se refere a custos no âmbito da fixação de preços exclusivos. Porém, essa referência a custos (14) é isolada (15), e parece ser meramente acessória à insistência da petição no argumento dos «preços negativos», que apresentava um critério segundo o qual os «preços negativos» eram uma condição necessária para concluir que os sistemas de descontos de fidelidade eram abusivos ao abrigo do artigo 102.° TFUE (16).

29.      Em especial, a redação integral do n.° 105 da petição apresentada na primeira instância era a seguinte: «Também é importante observar que a Comissão não examinou os custos da Tomra. Embora a Comissão refira, no [considerando] 165 [da] Decisão, descontos que conduzem a ‘preços muito baixos, e até possivelmente a preços negativos’, não examinou os custos da Tomra para estabelecer o nível abaixo do qual os preços seriam de exclusão ou predadores. O critério implícito contido na Decisão é o de que, se os descontos da Tomra obrigarem um concorrente a aplicar um preço negativo, isso terá um impacto de exclusão ― uma vez que o preço deve ser inferior ao custo variável médio da Tomra. Embora a Comissão se refira a preços ‘muito baixos’, a Tomra [alega] que a Decisão não contém quaisquer provas que sugiram que os descontos têm efeitos de exclusão quando permitem aos concorrentes aplicar preços positivos ou obter rendimentos positivos. Isto é importante porque será indicado a seguir que, em quase todos os exemplos apresentados pela Comissão, os preços nunca foram suscetíveis de ser negativos e que, em todos os casos, os concorrentes puderam obter rendimentos positivos das suas vendas.»

30.      O facto é que, excetuando a passagem acabada de citar, essa parte da petição (n.os 102 a 131) abordava a questão de saber se os descontos da Tomra obrigavam ou não os concorrentes a praticar preços negativos. Como observou a Comissão, a petição centrou‑se unicamente na demonstração de que os preços da Tomra só raramente exigiam que um concorrente oferecesse «preços negativos» para poder assegurar as vendas (17).

31.      Por conseguinte, discordo do alegado pela Tomra, na réplica, de que terá exposto «em termos muito claros, nos n.os 102 a 131 da petição» o argumento que questionava o facto de a Comissão não ter «em nenhum momento» comparado o «custo e preço das RVM». Pelo contrário, tal como utilizado na petição apresentada na primeira instância, o termo «rendimento positivo» é sinónimo de «preço positivo» ― por outras palavras, os custos são ignorados e não desempenham qualquer papel. Na realidade, na sua alegação na primeira instância, a Tomra parece nunca ter considerado decisivo o critério preço‑custo que agora alega ser o critério adequado.

32.      Além disso, como observou a Comissão, a petição apresentada na primeira instância centrou‑se inequivocamente na questão dos «preços negativos», o pedido centrou‑se nessa questão, e a Tomra dedicou‑lhe um grande número de páginas.

33.      Resulta das considerações precedentes que o Tribunal Geral não pode ser criticado por não ter abordado um argumento que não foi devidamente suscitado na petição. Com efeito, a «alegação mais sofisticada» que a Tomra deduz agora da sua petição exigia claramente uma argumentação desenvolvida e elementos de prova; contudo, não é possível encontrar na posição apresentada pela Tomra na primeira instância nada mais além do excerto que já se demonstrou ser inadequado para impugnar o acórdão recorrido.

34.      Consequentemente, considero que o presente fundamento de recurso deve ser declarado inadmissível.

35.      A título subsidiário, se o Tribunal de Justiça decidir, não obstante, que o terceiro fundamento de recurso é admissível, concordo com a Comissão que o recurso não contesta a conclusão do Tribunal Geral de que a questão de saber se um concorrente teria de oferecer um preço negativo (em vez de apenas um preço baixo) não era decisiva para a conclusão de que os sistemas de descontos retroativos da Tomra eram, de acordo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, abusivos. O Tribunal Geral declarou corretamente, no n.° 266, que a Comissão, na decisão impugnada, por um lado, de modo algum afirma que os sistemas de desconto conduziram sistematicamente a preços negativos e, por outro, também não sustenta que tal demonstração constitua uma condição prévia à constatação de que esses sistemas de desconto são abusivos. Além disso, a decisão impugnada não contém qualquer representação gráfica de cada um dos sistemas de desconto e de abatimento empregados pela Tomra. Contém apenas um ou dois diagramas por país, que servem para ilustrar o efeito de exclusão dos sistemas de desconto da Tomra.

36.      Em seguida, na sua resposta, a Tomra invoca a «Orientação sobre as prioridades da Comissão na aplicação do artigo [102.° TFUE] do Tratado CE a comportamentos de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante» (18), alegando que a Comissão subscreve nessa comunicação um critério do preço de custo.

37.      Todavia, essa comunicação, elaborada em 2009, não pode ser tida em conta na apreciação do presente recurso. É irrelevante saber como a Comissão pretende orientar no futuro a sua política de concorrência, na perspetiva do artigo 102.° TFUE. De facto, as novas orientações no que respeita a esta disposição só podem ser relevantes para as futuras decisões da Comissão e não relativamente à apreciação jurídica de uma decisão já tomada em 2006 (19).

38.      Além disso, no que diz respeito aos descontos retroativos, no n.° 46 da réplica na primeira instância, a Tomra alegou que: «a Decisão analisou (nos seus [considerandos] 165, 186, 224, 225, 235, 236 e 268) contratos que alegadamente continham descontos retroativos. Em especial, expôs uma análise pormenorizada de sete exemplos de acordos. A Decisão alegou que estes acordos tinham efeitos de exclusão porque: (a) os clientes não estariam dispostos a adquirir mais do que ‘um pequeno número’ de RVM ([considerando] 165); e (b) os concorrentes eram obrigados a aplicar ‘preços muito baixos, e até possivelmente preços negativos’ por este pequeno número de unidades ([considerando] 165)».

39.      Por outras palavras, é evidente que o argumento da Tomra, de que a Comissão concluiu indevidamente que os descontos retroativos eram exclusivos, se baseou num único número da decisão impugnada (i. é, o considerando 165) (20).

40.      No n.° 32 da petição de recurso, contudo, a Tomra chama a atenção para a referência feita nos n.os 260 a 263 do acórdão recorrido à secção da decisão impugnada onde é exposta a análise jurídica dos descontos realizada pela Comissão (ou seja, os considerandos 314 a 329) (21). A Tomra procura desvalorizar a importância dos aspetos aí analisados para a conclusão de que os descontos da Tomra violaram o artigo 102.° TFUE. No entanto, basta observar que esses considerandos não foram impugnados na primeira instância. Em todo o caso, mesmo que tivessem contestado alguns factos dados como provados na decisão impugnada, certo é que não contestaram a invocação, nessa decisão, dos acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão e Michelin II (22).

41.      Assim, a questão específica suscitada no recurso a respeito dos custos da Tomra e os de um concorrente eficaz não pode pôr em causa a improcedência das alegações apresentadas na primeira instância sobre os descontos controvertidos e a sua capacidade para enfraquecer a concorrência.

42.      Com efeito, tal como observou justamente o Tribunal Geral no n.° 214 do acórdão recorrido, «para apreciar o eventual caráter abusivo de um sistema de descontos pela quantidade, há que analisar, portanto, todas as circunstâncias, nomeadamente os critérios e as modalidades da concessão de descontos, e apurar se esses descontos se destinam, através de uma vantagem que não assenta em qualquer prestação económica que a justifique, a suprimir ou restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, impedir o acesso ao mercado dos concorrentes, aplicar a parceiros comerciais condições desiguais para prestações equivalentes ou reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada» (23).

43.      A decisão impugnada aplicou efetivamente esse critério. Não se limitou a considerar, em termos abstratos, se a exclusividade ou os descontos eram, «pela sua natureza», suscetíveis de ter um impacto negativo na concorrência. Pelo contrário, demonstrou que estas práticas tendiam a ter, ou eram suscetíveis de ter, tais efeitos em circunstâncias como as do caso vertente.

44.      Sublinho que esta é precisamente a abordagem correta. É evidente que a referência a efeitos negativos (anticoncorrenciais) não deve ser mecânica. A (provável) existência de tais efeitos de exclusão num determinado caso não deve ser apenas presumida, mas apreciada e demonstrada (24).

45.      A conclusão anterior é apoiada pelos recentes acórdãos do Tribunal de Justiça. No acórdão TeliaSonera (25), o Tribunal de Justiça declarou, no n.° 64, que «para determinar o caráter abusivo de tal prática, o efeito anticoncorrencial desta sobre o mercado deve existir, mas não tem necessariamente de ser concreto, sendo suficiente a demonstração de um efeito anticoncorrencial potencial, suscetível de eliminar os concorrentes pelo menos tão eficientes como a empresa em posição dominante». Essa afirmação deve ser lida em conjugação com o n.° 254 do acórdão Deutsche Telekom/Comissão (26), em que o Tribunal de Justiça considerou que «é certo que, quando uma empresa dominante segue efetivamente uma prática tarifária que leve à compressão das margens dos seus concorrentes pelo menos igualmente eficazes, com o objetivo de os expulsar do mercado em causa, o facto de afinal não ter sido atingido o resultado esperado não afasta a qualificação de abuso, na aceção do artigo [102.° TFUE]. Contudo, não havendo o menor efeito na situação concorrencial dos concorrentes, uma prática tarifária como a que está em causa não pode ser qualificada de prática de expulsão, quando a penetração daqueles no mercado em nada é dificultada por essa prática.»

46.      Seguidamente, importa realçar que, nos n.os 259 a 272, o acórdão recorrido teve devidamente em conta toda a série de considerações expostas na decisão impugnada. É por este motivo que o Tribunal Geral não necessitou de prosseguir a sua análise dos níveis de preços depois da sua observação, no n.° 267, de que «do sistema retroativo de descontos resulta, para o cliente, que o preço efetivo das últimas unidades é muito baixo em razão do efeito de aspiração» (27). Assim, o acórdão recorrido não abordou a questão de saber se os diagramas da decisão impugnada continham erros (v. n.° 268).

47.      Portanto, a Comissão tem razão quando sustenta que criticar o acórdão recorrido sobre a questão dos preços negativos é inoperante, porque, mesmo que o presente recurso estivesse correto em relação a esse aspeto, isso seria insuficiente para justificar o afastamento da conclusão a que chegou o Tribunal Geral depois de ter tido em conta considerações mais amplas (28) que não foram elas próprias contestadas no presente recurso. Por outras palavras, mesmo que a Tomra conseguisse demonstrar que a questão dos «preços negativos» não foi fundamental para o processo na primeira instância, não impugna, no seu recurso, a conclusão do Tribunal Geral de que a questão de saber se um concorrente teria de oferecer um preço negativo não era decisiva para a conclusão de que os sistemas de descontos retroativos da Tomra eram abusivos.

48.      Resulta das considerações precedentes que o terceiro fundamento de recurso é inoperante.

49.      Finalmente, considero que, em todo o caso, o terceiro fundamento deve ser declarado improcedente. Conforme resulta do acórdão recorrido, os factos relativos aos «preços negativos» foram amplamente discutidos na primeira instância. Como sublinhou a Comissão, a Tomra aceitou que em pelo menos dois de sete exemplos analisados na petição um concorrente teria de oferecer preços negativos. A Comissão forneceu muitos exemplos adicionais de preços negativos não contestados pela Tomra (29). Sobre esta questão, a Tomra fez uma leitura errada da decisão ao partir do princípio de que os preços negativos eram uma condição necessária para concluir pela existência de um sistema abusivo de preços de fidelização. Resulta claramente da leitura da decisão impugnada que esta referiu o «efeito de aspiração» produzido pelos sistemas retroativos de descontos (v. nota 27, supra).

50.      O critério alternativo referido pela Tomra como sendo o critério adequado baseia‑se numa comparação custo‑preço, em que o desconto é atribuído a uma unidade ou distribuído por uma «série» de unidades que um concorrente poderia oferecer, e o resultado seria considerado o «preço efetivo» dessa unidade ou unidades. Segundo a Tomra, deve‑se presumir que os descontos retroativos que não conduzem à fixação dos preços abaixo do custo são insuscetíveis de excluírem concorrentes.

51.      Contudo, este critério não é exigido pela jurisprudência.

52.      No acórdão Michelin II, n.° 240, foi lembrado que «o Tribunal de Justiça, após ter recordado o princípio reproduzido no n.° 238 [desse acórdão (30)], explicou que há que ‘analisar todas as circunstâncias e nomeadamente os critérios e as modalidades da concessão de descontos e apurar se esses descontos tendem, através de uma vantagem que não assenta em qualquer prestação económica que a justifique, suprimir ou restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, impedir o acesso ao mercado dos concorrentes, aplicar a parceiros comerciais condições desiguais para prestações equivalentes ou reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada’» (31).

53.      A este respeito, como referiu com razão a Comissão, a Tomra nem sequer alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na aplicação desses critérios.

54.      Em todo o caso, é evidente que, de acordo com a jurisprudência, a conclusão de que as práticas da Tomra tendiam a enfraquecer a concorrência no mercado ou a impedir, atrasar ou dificultar a sua emergência ou expansão não exige uma comparação preço‑custo. No entanto, tal análise pode ser útil na apreciação mais exata da extensão dos efeitos dessas práticas. Por exemplo, poderia ajudar a Comissão a determinar se as práticas só tornaram a entrada e a expansão mais difíceis ou se as tornaram economicamente impossíveis.

55.      Considero que o Tribunal Geral aplicou corretamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça quando recordou, no n.° 289, que «para fazer a demonstração de uma violação do artigo [102.° TFUE], não é necessário demonstrar que o abuso considerado teve um efeito concreto sobre os mercados em causa, bastando demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante tende a restringir a concorrência ou, por outras palavras, que o comportamento é passível ou suscetível de ter tal efeito» (32). Importa observar que a Tomra não contesta, no presente recurso, essa conclusão.

56.      Em todo o caso, é importante recordar as minhas considerações no n.° 42 e segs., supra: no presente processo a decisão impugnada não se limitou a considerar, em termos abstratos, se a exclusividade ou os descontos eram, «pela sua natureza», suscetíveis de ter um impacto negativo na concorrência. Pelo contrário, demonstrou que estas práticas tendiam a ter, ou eram suscetíveis de ter, tais efeitos em circunstâncias como as do caso vertente. Com efeito, esta é precisamente a abordagem correta. A referência a efeitos negativos (anticoncorrenciais) não deve ser mecânica. A (provável) existência de tais efeitos de exclusão num determinado caso não deve ser apenas presumida, mas deve ser apreciada e demonstrada.

57.      Resulta das considerações precedentes que o Tribunal Geral não cometeu nenhum vício de forma ou erro de direito no exame dos descontos retroativos. Consequentemente, o terceiro fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

D ―    Quarto fundamento de recurso: erro de direito e violação do dever de apresentar uma fundamentação adequada ao aferir se os acordos que designam a Tomra como «fornecedor preferido, principal ou primeiro fornecedor podem ser qualificados de exclusivos» (n.os 55 a 67 do acórdão recorrido)

58.      A Tomra alega, no essencial, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito e violou o dever de apresentar uma fundamentação adequada ao aferir se os acordos que designavam a Tomra como «fornecedor preferido, principal ou primeiro fornecedor» podiam ser qualificados de exclusivos e abusivos. Tendo rejeitado o argumento de que havia que tomar em conta na sua apreciação se os acordos eram acordos de exclusividade vinculativos nos termos do direito nacional, o Tribunal Geral não teve em consideração e não estabeleceu se todos os acordos em questão continham incentivos para o abastecimento exclusivo junto da Tomra, conforme exigido pelo acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão. A Tomra refere que o Tribunal Geral se limitou a invocar as intenções subjetivas da Tomra para concluir que todos os acordos em questão eram exclusivos.

59.      No n.° 57, o Tribunal Geral concluiu ― (i) genericamente ― que «foi com base nos elementos de prova disponíveis quanto à intenção das partes que a Comissão, na decisão impugnada, qualificou de exclusivos os contratos de ‘fornecedor preferido’. Estes elementos de prova mostram que os contratos visavam com efeito a exclusividade e eram entendidos como tais, independentemente da questão do seu caráter executório em direito nacional dos contratos». Além disso, mais adiante no acórdão recorrido (nos n.os 58 a 66), o Tribunal Geral também concluiu ― (ii) especificamente ― que as considerações precedentes foram consideradas verdadeiras para cada contrato.

60.      Daí decorre que o Tribunal Geral afirmou claramente que a questão de saber se estes acordos foram compreendidos pelas partes em causa como um compromisso de exclusividade era uma questão de facto, a decidir com base nas provas disponíveis e não com base no direito nacional que rege os diferentes contratos.

61.      Por conseguinte, a Tomra contesta um facto dado como provado (33) no acórdão recorrido.

62.      A Comissão tem razão quando alega que a Tomra podia ter optado por impugnar a fundamentação jurídica que está na base da decisão do Tribunal Geral e sustentado que a existência de um compromisso de exclusividade devia ser decidida apenas à luz do direito nacional dos contratos e, de facto, foi essa a posição da Tomra na primeira instância.

63.      Todavia, essa não é a sua posição no presente recurso. O n.° 39 da petição parece aceitar a rejeição deste fundamento pelo Tribunal Geral, mas seja como for não impugna esta rejeição, em sede de recurso. Importa realçar que a petição não impugna as conclusões no mesmo sentido constantes dos n.os 223 e 298 do acórdão recorrido.

64.      Considero que, ao contrário do alegado pela Tomra no presente recurso, o Tribunal Geral teve «em consideração se um acordo contém incentivos para o abastecimento exclusivo junto do fornecedor» ao aferir a determinação da existência da exclusividade. Examinou detalhadamente os argumentos específicos apresentados sobre essa questão e julgou‑os improcedentes com base nas provas que lhe foram apresentadas, nos n.os 88 a 197 do acórdão recorrido.

65.      De acordo com a jurisprudência, a apreciação das provas pelo Tribunal Geral não constitui uma questão de direito para efeito de recurso, salvo em caso de «desvirtuação desses elementos» (34).

66.      Assim, considero que, não tendo a Tomra demonstrado nem sequer alegado que o Tribunal Geral desvirtuou os factos e as provas, há que julgar inadmissível esta parte do quarto fundamento de recurso.

67.      A Tomra alega ainda que o Tribunal Geral não examinou se os contratos continham «outros incentivos» para o abastecimento exclusivo junto desta. A Tomra observa que o Tribunal Geral não examinou se havia quaisquer incentivos objetivos em todos os contratos, para que estes pudessem ser classificados como exclusivos. O Tribunal Geral deve ter em consideração se um acordo contém incentivos para o abastecimento exclusivo junto do fornecedor para poder concluir que este é exclusivo. Ao não apreciar dessa forma cada acordo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

68.      Concordo com a Comissão que o quarto fundamento de recurso parece refletir uma alteração importante na posição da Tomra.

69.      No n.° 36 da petição, a Tomra alega que o Tribunal Geral «não considerou nem demonstrou que todos os acordos em questão continham incentivos para o abastecimento exclusivo junto da [Tomra], após ter rejeitado o argumento [da Tomra] de que havia que tomar em conta na sua apreciação se os acordos eram acordos de exclusividade vinculativos nos termos do direito nacional».

70.      O recurso admite, efetivamente, que o fundamento foi julgado improcedente na primeira instância, contudo não impugna a decisão do Tribunal Geral a esse respeito. Pelo contrário, tendo o fundamento apresentado na primeira instância sido julgado improcedente, parece que a Tomra alterou a sua posição para o que é, nas suas próprias premissas, um fundamento muito diferente, alegando que o Tribunal Geral não teve em consideração se os acordos continham outros «incentivos» para o abastecimento exclusivo junto da Tomra.

71.      Assim, embora o Tribunal Geral não tenha sido chamado a apreciar o fundamento agora suscitado, este é apresentado como um fundamento de recurso do acórdão. Com efeito, tudo leva a crer que a alteração da posição da Tomra se terá inspirado na remissão feita no acórdão recorrido (n.° 59) para os n.os 89 e 90 do acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão.

72.      Daí resulta que o quarto fundamento de recurso constitui um novo fundamento. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, «permitir a uma parte invocar perante o Tribunal de Justiça, pela primeira vez, fundamentos não apresentados ao [Tribunal Geral] reconduzir‑se‑ia a permitir‑lhe apresentar ao Tribunal de Justiça, cuja competência para julgar recursos em segunda instância é limitada, litígios mais latos do que os presentes ao [Tribunal Geral]. Assim, no âmbito dos recursos em segunda instância, a competência do Tribunal de Justiça encontra‑se limitada à apreciação da solução legal dada aos fundamentos debatidos [no Tribunal Geral]» (35).

73.      Resulta das considerações precedentes que o quarto fundamento de recurso deve ser declarado integralmente inadmissível.

74.      Em todo o caso ― mesmo que o Tribunal de Justiça devesse decidir que o quarto fundamento de recurso não é um novo fundamento de direito e não constitui uma impugnação da apreciação das provas efetuada pelo Tribunal Geral ―, entendo que a Comissão conseguiu demonstrar que o quarto fundamento de recurso é improcedente.

75.      De facto, o argumento de que é necessário um incentivo adicional, além de uma cláusula de exclusividade, para preencher o critério referido nos n.os 89 e 90 do acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão acima analisado, baseia‑se numa leitura errada desse acórdão.

76.      Como foi recordado no n.° 296 do acórdão recorrido (que não foi impugnado em sede de recurso), «os compromissos de abastecimento exclusivo desta natureza, com ou sem a contrapartida de descontos ou a concessão de descontos de fidelidade destinados a incentivar o comprador a abastecer‑se exclusivamente junto da empresa em posição dominante, são incompatíveis com o objetivo de uma concorrência não falseada no mercado comum, porque não se baseiam numa prestação económica que justifique este encargo ou esta vantagem, mas destinam‑se a retirar ou restringir a possibilidade de escolha do comprador relativamente às fontes de abastecimento e a impedir a entrada dos outros produtores no mercado» (36). Resulta claramente do acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão e do contexto em que foi citado no n.° 59 do acórdão recorrido, que um compromisso de exclusividade, independentemente do seu estatuto e do seu caráter executório em direito nacional dos contratos, constitui em si mesmo um incentivo à exclusividade.

77.      Com efeito, foi esta a conclusão a que chegou o Tribunal Geral, em primeiro lugar, no n.° 223, de uma forma genérica em relação a todas as práticas da Tomra e, em segundo lugar, no n.° 298, especificamente em relação aos compromissos quantitativos.

78.      Segundo o n.° 223 do acórdão, «no que se refere ao facto de as cadeias de supermercados serem adquirentes profissionais que estavam em condições de comparar e de escolher entre as RVM [da TOMRA] e as dos concorrentes, há que realçar que o comportamento [da TOMRA] foi manifestamente concebido para introduzir dispositivos que incitavam os clientes a não se abastecerem junto de outros fornecedores e a manterem essa situação».

79.      O n.° 298 refere que «com efeito, os compromissos individuais sobre as quantidades, como aqueles a que a decisão impugnada faz referência no considerando 302, que vinculam de facto e/ou incitam o comprador a abastecer‑se, exclusivamente ou quanto a uma parte considerável das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante, e que não têm por base uma prestação económica que justifique esse encargo ou essa vantagem, antes tendendo a retirar ao comprador a possibilidade de escolha no que respeita às suas fontes de abastecimento, ou a restringi‑la, e a barrar aos produtores o acesso ao mercado, constituem, mesmo admitindo que não vinculam o comprador por uma obrigação formal, uma exploração abusiva de uma posição dominante, na aceção do artigo [102.° TFUE]» (37).

80.      Como realçou a Comissão, esta parte do acórdão recorrido não foi contestada pela Tomra. Daí decorre que esta parte do quarto fundamento de recurso é simultaneamente improcedente e inoperante.

81.      Além disso, o quarto fundamento não respeita as exigências resultantes do artigo 38.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo. A única passagem do presente recurso onde a Tomra se refere aos outros acordos que a designam como «fornecedor preferido, principal ou primeiro fornecedor», que se alega ter sido incorretamente apreciada pelo Tribunal Geral, não é mais do que uma nota que se limita a enunciar quatro acordos sem qualquer explicação. Este não pode ser considerado um fundamento suficientemente sustentado em conformidade com o artigo 38.°, n.° 1, alínea c).

82.      De facto, no n.° 38 da petição, a Tomra aceita que o acórdão recorrido refere alguns acordos «que continham compromissos quantitativos ou descontos retroativos progressivos». Contudo, o recurso sustenta que não é suficiente referir, com base nestes poucos exemplos, que todos os acordos contendo os termos «preferido», «principal» ou «primeiro» continham incentivos para o abastecimento exclusivo junto da Tomra. Na sua réplica, a Tomra alega que o «erro de direito» alegadamente cometido pelo Tribunal Geral consiste na «não realização […] para cada acordo» do tipo de análise que o Tribunal Geral efetuou em relação a alguns acordos, no n.° 60 do acórdão recorrido.

83.      Certo é que, no entanto, o recurso só enumera quatro acordos (incluídos numa nota de rodapé), alegadamente apreciados, a esse respeito, de forma incorreta sem fornecer qualquer explicação.

84.      A Comissão assinalou com razão que um desses quatro acordos (Royal Ahold) figura, na verdade, entre os acordos mencionados no n.° 60 do acórdão recorrido. Por conseguinte, será aparentemente um dos «poucos exemplos» em relação aos quais a Tomra admite que o Tribunal Geral examinou corretamente a existência de incentivos. Por outro lado, outros dois acordos (Edeka Baden‑Württemberg (2000) e COOP Schleswig‑Holstein (2000)) não são, com efeito, acordos «preferidos», «principais» ou de «primeiro fornecedor». São, de facto, acordos exclusivos expressos. Finalmente, no que diz respeito à Edeka Bayern‑Sachsen‑Thüringen (Kooperationsverbund Süd) (1998‑1999), as provas dos autos no Tribunal Geral incluíam os termos do acordo e documentos internos que descreviam os resultados das negociações (38); um e‑mail no âmbito da Tomra Germany, referindo contactos verbais anteriores e descrevendo os resultados das negociações, esclarece que o acordo foi compreendido como exclusivo (39), e o significado de uma cláusula que só permitia aquisições de RVM concorrentes «se estas oferecerem vantagens significativas» ou «para fins de ensaio», em condições muito estritas (40).

85.      Entendo, por conseguinte, que os argumentos da Tomra apresentados no âmbito do quarto fundamento de recurso em nada prejudicam as conclusões do acórdão recorrido acerca da natureza exclusiva dos acordos da Tomra.

86.      Resulta do que precede que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito, nem violou o dever de apresentar uma fundamentação adequada, ao determinar se os acordos que designam a Tomra como fornecedor «preferido, principal ou primeiro fornecedor» podem ser qualificados de exclusivos. Consequentemente, o quarto fundamento de recurso tem de ser julgado improcedente.

E ―    Quinto fundamento de recurso: o Tribunal Geral, na sua fiscalização da legalidade da coima, cometeu um erro de direito ao não aplicar corretamente o princípio da igualdade de tratamento (n.os 310 a 321 do acórdão recorrido)

87.      A Tomra alega, no essencial, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não aplicar corretamente o princípio da igualdade de tratamento na fiscalização da legalidade da coima aplicada pela Comissão. O referido princípio exige que a Comissão não imponha a uma empresa uma coima que seja substancialmente superior à aplicada a outras empresas numa situação comparável.

88.      A Comissão sustenta que a alegada infração era patente (41) e tinha sido cometida de forma deliberada. Na sua alegação, não havia circunstâncias que justificassem a redução da coima. A Comissão acrescenta que a coima aplicada no presente processo não é invulgar, nem particularmente dura.

89.      Considero que o argumento da Tomra é, enquanto questão de direito, improcedente.

90.      O recurso contesta o montante da coima, repetindo essencialmente alguns dos argumentos suscitados na primeira instância. Todavia, em meu entender, o Tribunal Geral aplicou corretamente a jurisprudência relevante e não cometeu nenhum erro de direito no seu acórdão.

91.      Remeto para a jurisprudência referida nos n.os 310 a 321 do acórdão recorrido e limito‑me a fazer as seguintes observações.

92.      Segundo a jurisprudência (42), a prática decisória anterior da Comissão não serve, em si mesma, de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência na medida em que este é unicamente definido pelo Regulamento n.° 1/2003 (43). Além disso, o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um determinado nível a determinados tipos de infrações não a pode privar da possibilidade de elevar esse nível, dentro dos limites indicados no Regulamento (CE) n.° 1/2003, se isso for necessário para garantir a aplicação da política comunitária de concorrência. A aplicação eficaz das regras comunitárias da concorrência exige, pelo contrário, que a Comissão possa, em qualquer altura, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (44). Além disso, constituindo as coimas um instrumento da política de concorrência da Comissão, esta deve poder dispor de uma margem de apreciação na fixação do seu montante, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do cumprimento das regras de concorrência (45).

93.      Além disso, a Comissão não pode ser criticada pelo facto de não assinalar infrações de gravidade comparável, em diferentes processos, com coimas que representem a mesma proporção do volume de negócios (46).

94.      Concordo com a Comissão que não há nenhuma boa razão pela qual a comparação da gravidade de uma coima, para os efeitos do princípio da igualdade de tratamento, se deva basear numa percentagem do volume de negócios global. A gravidade da coima podia ser avaliada em função do seu montante absoluto ou de acordo com outros parâmetros relativos, tais como as vendas afetadas ou os lucros obtidos. O volume de negócios global não tem nenhuma relevância especial para esse efeito. As coimas não são calculadas como uma proporção do volume de negócios global.

95.      O Tribunal de Justiça já decidiu que «a Comissão não é obrigada, quando determina o montante das coimas em função da gravidade e da duração da infração em questão, a efetuar o cálculo da coima a partir de montantes baseados no volume de negócios das empresas envolvidas» (47).

96.      Na realidade, nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, esse montante não deve exceder 10% do volume de negócios total da empresa realizado durante o exercício precedente. Não há dúvida de que esse limite absoluto sobre o montante da coima que pode ser aplicada não foi excedido no presente processo. A propósito, refira‑se que o limite de 10% foi efetivamente atingido em numerosos casos recentes: entre 1998 e 2009, nada mais nada menos do que vinte e quarto destinatários de decisões da Comissão viram as suas coimas reduzidas porque o montante final da coima excedia 10% do seu volume de negócios total ― portanto, globalmente, esse limite absoluto foi, na realidade, atingido em relação a aproximadamente 10% dos destinatários.

97.      Na minha opinião, na fiscalização da legalidade da coima no acórdão recorrido, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito no que diz respeito ao princípio da igualdade de tratamento, e aplicou corretamente a jurisprudência. O Tribunal Geral decidiu corretamente, no essencial, que a coima, no presente processo, estava em conformidade com as obrigações da Comissão ao abrigo das orientações aplicáveis sobre o método de fixação das coimas(48). Assim, o argumento da Tomra ― de que a única forma de o Tribunal Geral garantir que não houve discriminação foi apreciar o «nível» das coimas aplicadas pela Comissão à data da decisão impugnada, por referência a outros processos comparáveis ― deve ser rejeitado.

98.      Consequentemente, o quinto fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

99.      Resulta do que precede que deve ser negado provimento ao recurso na sua integralidade.

IV ― Conclusão

100. À luz das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que:

¾        Negue provimento ao recurso.

¾        Condene as sociedades Tomra Systems ASA, Tomra Europe AS, Tomra Systems GmbH, Tomra Systems BV, Tomra Leergutsysteme GmbH, Tomra Systems AB e Tomra Butikksystemer AS a suportar as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela Comissão Europeia.


1 ―      Língua original: inglês.


2 ―      Colet., p. I‑4361 (a seguir «acórdão recorrido»).


3 ―      A seguir «decisão impugnada»; um resumo desta decisão está publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 28 de agosto de 2008 (JO C 219, p. 11).


4 ―      Importa lembrar que, no contexto das presentes conclusões, só analisarei os argumentos que foram suscitados pelas partes e que preenchem as limitações estritas inerentes aos recursos e à competência restrita do Tribunal de Justiça. V. artigo 256.°, n.° 1, TFUE e artigo 58.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. V. também, por exemplo, acórdão de 1 de junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o. (C‑136/92 P, Colet., p. I‑1981, n.° 29).


5 ―      V. acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, Colet., p. 217, n.° 91.


6 ―      V. considerandos 349 a 357 da decisão impugnada (a propósito das alegações da Tomra relativas às economias de escala) em conjugação com o n.° 224 do acórdão recorrido.


7 ―      V., por exemplo, acórdão de 6 de abril de 2006, General Motors/Comissão (C‑551/03 P, Colet., p. I‑3173, n.os 52 a 54). No recurso também não foi alegado que o Tribunal Geral desvirtuou elementos de prova.


8 ―      Isto é, a parte da procura não vinculada pelas práticas das recorrentes.


9 ―      V., em especial, n.os 90 a 95 da petição do recurso interposto no Tribunal Geral e n.os 38 a 45 da réplica apresentada na primeira instância.


10 ―      V., por exemplo, acórdão de 1 de fevereiro de 2007, Sison/Conselho (C‑266/05 P, Colet., p. I‑1233, n.° 80 e jurisprudência aí referida).


11 ―      Já referido na nota 5, n.° 123.


12 ―      Tal como salientou a Comissão, em 1999, mais de 55% da totalidade da procura nos cinco países estava vinculada. Considerando os mercados individuais, a procura «insuscetível de ser conquistada» ou «vinculada» em 1999 e 2000 situava‑se entre 80% e 90% na Noruega e em cerca de 65% nos Países Baixos (quase 60% em 2001). Estes factos não foram contestados no Tribunal Geral. Assim, nos países e anos considerados para a determinação da existência da infração, a decisão impugnada concluiu que a parte da procura objeto de exclusão foi sempre significativa e, em alguns anos em cada um destes mercados (normalmente os «anos cruciais» de crescimento do mercado), representou uma proporção muito importante (v., designadamente, considerandos 392, e 160, 163, 183, 187, 218‑219 e 290 da decisão impugnada).


13 ―      V. n.° 244 do acórdão recorrido. V., por exemplo, considerandos 163, 219 e 237 da decisão impugnada.


14 ―      Tal como salientou a Comissão, apesar das implicações técnicas óbvias da alegação, esse argumento não é apoiado por nenhum dos inúmeros anexos da petição. De facto, o quadro de anexos da petição não indica que tivesse sido invocada qualquer prova em apoio do argumento a que é dada tal importância no recurso.


15 ―      Com efeito, noutras partes da petição na primeira instância, a Tomra refere‑se a «rendimentos positivos». É só no n.° 128 que a petição refere que se podia esperar que um concorrente igualmente eficaz obtivesse o mesmo nível de lucros.


16 ―      Com efeito, o principal argumento da petição era o de que os sistemas de descontos da Tomra não exigiam, ou só raramente exigiam, a aplicação de «preços negativos» para que um concorrente pudesse assegurar as vendas.


17 ―      V., designadamente, n.os 105, 106, 108, 110, 111, 116, 117, 118, 122, 127 e 128 da petição.


18 ―      Comunicação da Comissão ― Orientação sobre as prioridades da Comissão na aplicação do artigo [102 TFUE] do Tratado CE a comportamentos de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante (JO C 45, p. 7).


19 ―      Concordo, neste ponto, com a advogada‑geral Juliane Kokott. V. as suas conclusões apresentadas em 23 de fevereiro de 2006, no processo British Airways/Comissão (C‑95/04 P, Colet., p. I‑2331, n.° 28), e em 14 de abril de 2011, no processo Solvay/Comissão (C‑109/10 P, Colet., p. I‑10329, n.° 21).


20 ―      Esse considerando encontra‑se na subsecção da decisão impugnada relativa ao «Impacto» (considerandos 159 a 166), na secção relativa às práticas da Tomra nos «Países Baixos» (considerandos 134 a 166).


21 ―      A Comissão observa que é manifesto que os considerandos 314 a 329 não contêm qualquer referência a «preços negativos». Pelo contrário, registam o «efeito de aspiração» dos descontos e, conforme mencionado no considerando 354, não havia qualquer correlação entre o mecanismo de desconto e os custos da Tomra (i. é, os descontos não se baseavam em qualquer «prestação económica»).


22 ―      Nos considerandos 314 a 329. V. acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido na nota 5, e acórdão de 30 de setembro de 2003, Michelin/Comissão (a seguir «Michelin II», T‑203/01, Colet., p. II‑4071).


23 ―      V. acórdão Michelin II, já referido na nota 22, n.° 60.


24 ―      V., por exemplo, processo COMP/39.451 ― Velux, no qual a investigação realizada pela Comissão demonstrou que a Velux tinha concebido um regime de descontos condicional, sem quaisquer efeitos de encerramento anticoncorrenciais, isto é, sem que o mercado tivesse sido encerrado aos concorrentes de uma forma que pudesse causar um eventual prejuízo aos consumidores. V. também a decisão de 29 de julho de 2003 do United Kingdom Office of Fair Trading (autoridade da concorrência do Reino Unido, a seguir «OFT»), ao abrigo do artigo 47.° do Competition Act (lei britânica da concorrência), tendo por objeto a Decisão CA98/20/2002, no processo BSkyB (n.os 170 e 178 a 181), no âmbito do qual os requerentes tinham sugerido que qualquer abatimento ou desconto oferecido por uma empresa dominante tende a restringir a opção do comprador relativamente às fontes de abastecimento e constitui, portanto, prima facie, um abuso que exige uma justificação objetiva. Contudo, esta abordagem foi rejeitada pelo OFT. V. também Decisão da Comissão C(2009) 3726 final, de 13 de maio de 2009, no processo COMP/C‑3/37.990 ― Intel, que declara que a Intel cometeu uma infração única e continuada do artigo [102.° TFUE] e do artigo 54.° do Acordo EEE, ao aplicar uma estratégia destinada a excluir os concorrentes do mercado das unidades centrais de processamento x86 (v. processo T‑286/09 Intel/Comissão, pendente no Tribunal Geral).


25 ―      Acórdão de 17 de fevereiro de 2011 (C‑52/09, Colet., p. I‑527). V. também as minhas conclusões apresentadas nesse processo.


26 ―      Acórdão de 14 de outubro de 2010 (C‑280/08 P, Colet., p. I‑9555). V. também as minhas conclusões apresentadas nesse processo.


27 ―      Isto é, quanto mais próximo estiver um cliente de atingir um limiar que lhe dá direito a obter (ou manter) um desconto sobre todas as unidades previamente adquiridas, mais dispendioso será para um concorrente efetuar quaisquer vendas a este cliente. Para competir relativamente a unidades aquém do limiar, o concorrente tem de oferecer um preço muito inferior. Por conseguinte, os regimes de desconto constituíram um fator de dissuasão da entrada no mercado pelo facto de a tornarem estruturalmente pouco atrativa e mais dispendiosa do que seria na ausência dos descontos, sem um benefício para os clientes, uma vez que esta estratégia permitia à Tomra manter um preço médio elevado e as rendas do seu monopólio.


28 ―      V., em especial, n.° 41 e segs., supra, e nota 23.


29 ―      A Comissão refere exemplos de descontos que conduzem a preços negativos em relação aos clientes Rimi Svenska, KB Exonen, Netto, Norgesgruppen, HakonGruppen e Rema 1000 (v. n.os 68 e 69 da tréplica apresentada na primeira instância).


30 ―      Isto é, que «o conceito de exploração abusiva é um conceito objetivo que visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante suscetíveis de influenciar a estrutura de um mercado, no qual, precisamente em consequência da presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido e que têm por efeito impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal de produtos ou de serviços com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência» (v., entre outros, acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido na nota 5, n.° 91).


31 ―      O referido acórdão Michelin II (referido na nota 22) remete para o acórdão de 9 de novembro de 1983, Michelin/Comissão (a seguir «Michelin I», 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 73).


32 ―      V. acórdãos Michelin II, já referido na nota 22, n.° 239, e British Airways/Comissão, já referido na nota 19, n.° 293.


33 ―      De que os contratos que designam a Tomra como «fornecedor preferido, principal ou primeiro fornecedor» implicava um compromisso de exclusividade.


34 ―      V., por exemplo, despacho do Presidente do Tribunal de Justiça de 11 de abril de 2002, NDC Health/IMS Health e Comissão [C‑481/01 P(R), Colet., p. I‑3401, n.° 88]. V. também acórdão de 14 de julho de 2005, ThyssenKrupp/Comissão (C‑65/02 P e C‑73/02 P, Colet., p. I‑6773, n.os 80 a 87; a seguir «Sobretaxa de liga metálica»), e acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.os 48 e 49; a seguir «Cimento»).


35 ―      V. acórdão Comissão/Brazzelli Lualdi e o., já referido na nota 4, n.° 59.


36 ―      O acórdão remete, neste ponto, para o acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido na nota 5, n.° 90.


37 ―      Itálico meu. O acórdão remete aqui, nesse sentido, para o acórdão do Tribunal Geral de 23 de outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão (T‑65/98, Colet., p. II‑4653, n.os 84 e 160).


38 ―      É feita referência aos considerandos 192 a 194 da decisão impugnada, bem como à nota 415.


39 ―      «Es wird einen Exklusivvertrag mit Tomra zu den Bedingungen vom 20.03.98 geben» (Haverá um contrato exclusivo com a Tomra sujeito às condições de 20.03.98). Anexo B.1 da contestação, página 6686 do processo da Comissão.


40 ―      A cláusula 4 tem o seguinte teor: «Die Kooperationspartner sowie deren Regiebetriebe haben die Möglichkeit, jeweils einen Testmarkt innerhalb des Zeitraums mit Wettbewerbserzeugnissen auszustatten» (O Parceiro de Cooperação e os seus outlets poderão ter um mercado de ensaio para produtos concorrentes durante este período de tempo). Petição, Anexo A‑21, página 892.


41 ―      Com efeito, este tipo de infração tinha sido objeto de diversas decisões e acórdãos no passado. Refira‑se, designadamente: Acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão (40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colet., p. 563, n.° 517 e segs.); acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido na nota 5, n.° 90 e segs.; acórdão Michelin I, já referido na nota 31, n.° 62 e segs.; acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de março de 2001, Portugal/Comissão (C‑163/99, Colet., p. I‑2613, n.° 50 e segs.); acórdão British Airways/Comissão, já referido na nota 19; acórdãos do Tribunal Geral de 12 de dezembro de 1991, Hilti/Comissão (T‑30/89, Colet., p. II‑1439, n.° 101); acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 1 de abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão (T‑65/89, Colet., p. II‑389, n.os 71 e 120); e acórdão de 7 de outubro de 1999, Irish Sugar/Comissão (T‑228/97, Colet., p. II‑2969, n.os 198, 201 e 213; acórdão Michelin II, já referido na nota 22, n.° 53 e segs.; e acórdão Solvay/Comissão, já referido na nota 19.


42 ―      V. acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425, n.° 205). V. também, por exemplo, acórdão do Tribunal Geral de 29 de novembro de 2005, SNCZ/Comissão (T‑52/02, Colet., p. II‑5005, n.° 77). A Comissão é livre de alterar o peso que atribui a determinados fatores, na sua apreciação da gravidade: Acórdãos do Tribunal Geral de 14 de maio de 1998, Mayr‑Melnhof/Comissão (T‑347/94, Colet., p. II‑1751, n.° 368), e de 18 de julho de 2005, Scandinavian Airlines System/Comissão (T‑241/01, Colet., p. II‑2917, n.° 132; o facto de a Comissão ter considerado, no passado, que as infrações do tipo em causa tinham uma menor gravidade é irrelevante).


43 ―      Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101 TFUE] e [102 TFUE] (JO L 1, p. 1).


44 ―      Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão (100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 109).


45 ―      Acórdão do Tribunal Geral de 11 de dezembro de 1996, Van Megen Sports/Comissão (T‑49/95, Colet., p. II‑1799, n.° 53).


46 ―      V., nesse sentido, acórdão SNCZ/Comissão, já referido na nota 42, n.° 79, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Janeiro de 2004, JCB Service/Comissão (T‑67/01, Colet., p. II‑49, n.os 187 a 189).


47 ―      V., designadamente, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido na nota 42, n.° 255.


48 ―      A título de exemplo, tal como salientou a Comissão em relação aos argumentos da Tomra de que a coima representava 8% do volume de negócios da Tomra, parece que o montante final da coima corresponde a aproximadamente 7,14% do volume de negócios da Tomra. Tendo em conta a duração da infração (i. é, cinco anos, facto que não foi contestado), a coima foi de aproximadamente 1,6% do volume de negócios total da Tomra durante o período da infração.