Language of document : ECLI:EU:C:2010:662

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

9 de Novembro de 2010 (*)

«Protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais – Publicação de informação sobre os beneficiários de ajudas agrícolas – Validade das disposições do direito da União que determinam essa publicação e definem as suas modalidades – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Artigos 7.° e 8.° – Directiva 95/46/CE – Interpretação dos artigos 18.° e 20.°»

Nos processos apensos C‑92/09 e C‑93/09,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE apresentados pelo Verwaltungsgericht Wiesbaden (Alemanha), por decisões de 27 de Fevereiro de 2009, entrados no Tribunal de Justiça em 6 de Março de 2009, nos processos

Volker und Markus Schecke GbR (C‑92/09),

Hartmut Eifert (C‑93/09)

contra

Land Hessen,

sendo interveniente:

Bundesanstalt für Landwirtschaft und Ernährung,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts (relator), J.‑C. Bonichot, K. Schiemann, A. Arabadjiev e J.‑J. Kasel, presidentes de secção, E. Juhász, C. Toader e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 2 de Fevereiro de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Volker und Markus Schecke GbR, por R. Seimetz, P. Breyer, Rechtsanwälte, e V. Schecke,

–        em representação de H. Eifert, por R. Seimetz e P. Breyer, Rechtsanwälte,

–        em representação do Land Hessen, por H.‑G. Kamann, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo helénico, por V. Kontolaimos, I. Chalkias, K. Marinou e V. Karra, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e Y. de Vries, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo sueco, por A. Falk e C. Meyer‑Seitz, na qualidade de agentes,

–        em representação do Conselho da União Europeia, por E. Sitbon e Z. Kupčová, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por B. Smulders, F. Erlbacher e P. Costa de Oliveira, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 17 de Junho de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a validade, por um lado, dos artigos 42.°, n.° 8‑B, e 44.°‑A do Regulamento (CE) n.° 1290/2005 do Conselho, de 21 de Junho de 2005, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 209, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1437/2007 do Conselho, de 26 de Novembro de 2007 (JO L 322, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1290/2005»), bem como, por outro, do Regulamento (CE) n.° 259/2008 da Comissão, de 18 de Março de 2008, que estabelece as regras de execução do Regulamento n.° 1290/2005 no que respeita à publicação de informação sobre os beneficiários de fundos provenientes do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader) (JO L 76, p. 28), e da Directiva 2006/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, e que altera a Directiva 2002/58/CE (JO L 105, p. 54). Para o caso de o Tribunal considerar que a regulamentação da União anteriormente referida não é inválida, os pedidos de decisão prejudicial também têm por objecto a interpretação dos artigos 7.°, 18.°, n.° 2, segundo travessão, e 20.° da Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO L 281, p. 31).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem a Volker und Markus Schecke GbR e H. Eifert (a seguir «recorrentes nos processos principais») ao Land Hessen a propósito da publicação no sítio Internet da Bundesanstalt für Landwirtschaft und Ernährung (Serviço federal da agricultura e alimentação, a seguir «Bundesanstalt») de dados pessoais que lhes digam respeito enquanto beneficiários de fundos provenientes do FEAGA ou do Feader.

I –  Quadro jurídico

A –  Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

3        Sob a epígrafe «Direito ao respeito pela vida privada e familiar», o artigo 8.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), prevê:

«1.      Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.

2.      Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem‑estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros.»

B –  Direito da União

1.     Directiva 95/46

4        Decorre do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 95/46 que o objectivo deste diploma é assegurar a protecção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente do direito à vida privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais. Nos termos do seu artigo 2.°, alínea a), consideram‑se dados pessoais «qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável».

5        Nos termos do artigo 7.° da dita directiva, «[o]s Estados‑Membros estabelecerão que o tratamento de dados pessoais só poderá ser efectuado se:

a)      A pessoa em causa tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento; ou

[…]

c)      O tratamento for necessário para cumprir uma obrigação legal à qual o responsável pelo tratamento esteja sujeito; ou

[…]

e)      O tratamento for necessário para a execução de uma missão de interesse público ou o exercício da autoridade pública de que é investido o responsável pelo tratamento ou um terceiro a quem os dados sejam comunicados[…]

[…]»

6        Nos termos do artigo 18.°, n.° 1, da Directiva 95/46, «[o]s Estados‑Membros estabelecerão que o responsável pelo tratamento ou, eventualmente, o seu representante deve notificar a autoridade de controlo referida no artigo 28.° antes da realização de um tratamento ou conjunto de tratamentos, total ou parcialmente automatizados».

7        O artigo 18.°, n.° 2, segundo travessão, da Directiva 95/46 determina que os Estados‑Membros poderão estabelecer a simplificação ou a isenção da notificação no seguinte caso:

«se o responsável pelo tratamento nomear, nos termos do direito nacional a que está sujeito, um encarregado da protecção dos dados pessoais, responsável nomeadamente por:

–        garantir, de modo independente, a aplicação, a nível interno, das disposições nacionais tomadas nos termos da presente directiva,

–        manter um registo dos tratamentos efectuados pelo responsável do tratamento, contendo as informações referidas no n.° 2 do artigo 21.°,

assegurando assim que os tratamentos não são susceptíveis de prejudicar os direitos e liberdades das pessoas em causa».

8        O artigo 19.°, n.° 1, da Directiva 95/46 dispõe:

«Os Estados‑Membros especificarão as informações que devem constar da notificação. Essas informações devem incluir, pelo menos:

a)      O nome e o endereço do responsável pelo tratamento e, eventualmente, do seu representante;

b)      A ou as finalidades do tratamento;

c)      Uma descrição da ou das categorias de pessoas em causa e dos dados ou categorias de dados que lhes respeitem;

d)      Os destinatários ou categorias de destinatários a quem os dados poderão ser comunicados;

e)      As transferências de dados previstas para países terceiros;

[…]»

9        O artigo 20.° da Directiva 95/46, sob a epígrafe «Controlo prévio», determina, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Os Estados‑Membros especificarão os tratamentos que possam representar riscos específicos para os direitos e liberdades das pessoas em causa e zelarão por que sejam controlados antes da sua aplicação.

2.      Esse controlo prévio será efectuado pela autoridade de controlo referida no artigo 28.° após recepção de uma notificação do responsável pelo tratamento ou pelo encarregado da protecção de dados que, em caso de dúvida, deverá consultar a autoridade de controlo.»

10      Nos termos do primeiro e segundo parágrafos do n.° 2 do artigo 21.° da Directiva 95/46, «[o]s Estados‑Membros estabelecerão que a autoridade de controlo […] manterá um registo dos tratamentos notificados por força do artigo 18.° […] [que] conte[nha], pelo menos, as informações enumeradas no n.° 1, alíneas a) a e), do artigo 19.°».

11      Por força do artigo 28.° da Directiva 95/46, cada Estado‑Membro designará uma ou mais autoridades públicas (a seguir «autoridade de controlo») que ficarão incumbidas de, com toda a independência, fiscalizar a aplicação no seu território das disposições nacionais adoptadas nos termos desta mesma directiva.

2.     Regulamento (CE) n.° 45/2001

12      O Regulamento (CE) n.° 45/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Dezembro de 2000, relativo à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados (JO 2001, L 8, p. 1), determina, no artigo 27.°, n.os 1 e 2:

«1.      As operações de tratamento que possam apresentar riscos específicos para os direitos e liberdades das pessoas em causa, devido à sua natureza, âmbito ou finalidade, são sujeitas a controlo prévio pela Autoridade Europeia para a [P]rotecção de [D]ados.

2.      As operações de tratamento susceptíveis de apresentar esses riscos são as seguintes:

a)      Tratamento de dados relativos à saúde e tratamento de dados relativos a suspeitas, infracções, condenações penais ou medidas de segurança;

b)      Tratamento de dados destinado a apreciar a personalidade das pessoas em causa, nomeadamente a sua competência, eficácia ou comportamento;

c)      Tratamento de dados que permitam interconexões, não previstas pela legislação nacional ou comunitária, entre os dados tratados para finalidades distintas;

d)      Tratamento de dados destinado a excluir pessoas do benefício de um direito, de uma prestação ou de um contrato.»

3.     Directiva 2006/24

13      A Directiva 2006/24 obriga os Estados‑Membros a conservar, durante um determinado período, os dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações.

4.     Regulamento n.° 1290/2005

14      O Regulamento n.° 1290/2005 determina as condições e regras específicas aplicáveis ao financiamento das despesas relativas à política agrícola comum (a seguir «PAC»).

15      O artigo 42.° do Regulamento n.° 1290/2005 estabelece que as regras de execução deste regulamento serão adoptadas pela Comissão Europeia. Por força do artigo 42.°, n.° 8‑B do mesmo regulamento, a Comissão fixará, designadamente:

«As regras aplicáveis à publicação de informações sobre os beneficiários a que se refere o artigo 44.°‑A e aos aspectos relacionados com a protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais, de acordo com os princípios estabelecidos na legislação comunitária sobre protecção de dados. Tais regras devem, em especial, garantir que os beneficiários de fundos sejam informados de que esses dados podem ser tornados públicos e podem ser tratados por organismos de auditoria e investigação para efeitos de salvaguarda dos interesses financeiros das Comunidades, incluindo o momento em que essa informação será prestada».

16      O artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005, intitulado «Publicação da lista dos beneficiários», enuncia:

«[…] os Estados‑Membros asseguram a publicação anual ex post da lista dos beneficiários do FEAGA e do [Feader] e dos montantes recebidos por beneficiário ao abrigo de cada um destes fundos.

A publicação contém, pelo menos:

a)      Relativamente ao FEAGA, o montante subdividido em pagamentos directos, na acepção da alínea d) do artigo 2.° do Regulamento (CE) n.° 1782/2003, e outras despesas;

b)      Relativamente ao [Feader], o montante total do financiamento público por beneficiário.»

17      A este respeito, o décimo terceiro e décimo quarto considerandos do Regulamento n.° 1437/2007, que altera o Regulamento n.° 1290/2005, estão redigidos nos seguintes termos:

«(13) No quadro da revisão do Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho, de 25 de Junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias [JO L 248, p. 1], e a fim de aplicar a Iniciativa Europeia em matéria de Transparência, foram inseridos naquele regulamento disposições relativas à publicação anual ex post da lista dos beneficiários de fundos provenientes do orçamento. Tal publicação far‑se‑á por meio de regulamentos sectoriais. Tanto o FEAGA como o [Feader] fazem parte do orçamento geral das Comunidades Europeias e financiam despesas num contexto de gestão partilhada entre os Estados‑Membros e a Comunidade. Por conseguinte, deverão ser estabelecidas as regras de publicação das informações relativas aos beneficiários desses fundos. Para o efeito, os Estados‑Membros deverão assegurar a publicação anual ex post da lista dos beneficiários e dos montantes recebidos por beneficiário ao abrigo de cada um desses fundos.

(14)      O acesso público a estas informações aumenta a transparência da utilização dos fundos comunitários no âmbito da [PAC] e melhora a gestão financeira destes fundos, nomeadamente reforçando o controlo público das quantias utilizadas. Dada a importância fundamental dos objectivos prosseguidos, justifica‑se prever a publicação geral das informações pertinentes, tendo em conta o princípio da proporcionalidade e a exigência de protecção dos dados pessoais, não indo além do que é necessário numa sociedade democrática para a prevenção de irregularidades. Tendo em conta o parecer da Autoridade Europeia para a Protecção de Dados de 10 de Abril de 2007 [JO C 134, p. 1], é conveniente prever que os beneficiários de fundos sejam informados de que esses dados podem ser tornados públicos e podem ser tratados por organismos de auditoria e investigação.»

5.     Regulamento n.° 259/2008

18      Com base no artigo 42.°, n.° 8‑B, do Regulamento n.° 1290/2005, a Comissão adoptou o Regulamento n.° 259/2008.

19      O sexto considerando do referido regulamento está redigido nos seguintes termos:

«O acesso público [à] informação [relativa aos beneficiários de fundos provenientes do FEAGA e do Feader] aumenta a transparência da utilização dos fundos comunitários no âmbito da [PAC] e melhora a gestão financeira destes fundos, nomeadamente reforçando o controlo público das quantias utilizadas. Atendendo à importância primordial dos objectivos a alcançar, justifica‑se, à luz do princípio da proporcionalidade e das regras em matéria de protecção de dados pessoais, prever a publicação geral das informações pertinentes, que não vai além do que é necessário numa sociedade democrática para a prevenção de irregularidades.»

20      No sétimo considerando do mesmo regulamento, especifica‑se que, «[a] fim de dar cumprimento às regras em matéria de protecção de dados pessoais, os beneficiários dos fundos devem ser informados da publicação dos dados que lhes digam respeito, antes dessa publicação ter lugar».

21      O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 259/2008 define o conteúdo da publicação a que se refere o artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 e determina que esta deve incluir as seguintes informações:

«a)      Nome e apelido, quando os beneficiários forem pessoas singulares;

b)      Denominação social completa, tal como registada, quando os beneficiários forem pessoas colectivas;

c)      Denominação completa da associação, tal como registada ou por outro meio reconhecida oficialmente, quando os beneficiários forem associações de pessoas singulares ou colectivas, não possuindo personalidade jurídica própria;

d)      O município onde reside ou está registado o beneficiário e, quando disponível, o respectivo código postal ou a parte do código postal que identifica esse município;

e)      Relativamente ao [FEAGA], o montante dos pagamentos directos, na acepção da alínea d) do artigo 2.° do Regulamento (CE) n.° 1782/2003, recebido por cada beneficiário durante o exercício financeiro em causa;

f)      Relativamente ao FEAGA, o montante dos outros pagamentos, que não os referidos na alínea e), recebidos por cada beneficiário durante o exercício financeiro em causa;

g)      Relativamente ao [Feader], o montante total do financiamento público recebido por cada beneficiário durante o exercício financeiro em causa, incluindo tanto a contribuição comunitária quanto a nacional;

h)      A soma dos montantes referidos nas alíneas e), f) e g) recebidos por cada beneficiário durante o exercício financeiro em causa;

i)      A moeda em que estão expressos esses montantes.»

22      Nos termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 259/2008, «[a] informação referida no artigo 1.° deve ser disponibilizada num sítio web único por cada Estado‑Membro, através de uma ferramenta de busca que permita aos utilizadores procurarem um determinado beneficiário pelo seu nome, município, pelos montantes que tenha recebido em conformidade com as alíneas e), f), g) e h) do artigo 1.° ou por uma combinação desses elementos e extraírem toda a informação correspondente sob a forma de um único conjunto de dados.»

23      O artigo 3.°, n.° 3, do dito regulamento especifica que «[a] informação fica disponível no sítio [Internet] por um período de dois anos a contar da data da sua publicação inicial».

24      O artigo 4.° do Regulamento n.° 259/2008 dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros informam os beneficiários de que os seus dados serão tornados públicos em conformidade com o Regulamento […] n.° 1290/2005 e com o presente regulamento, podendo também ser tratados por organismos de auditoria e investigação das Comunidades e dos Estados‑Membros com vista à salvaguarda dos interesses financeiros das Comunidades.

2.      Quando estiverem em causa dados pessoais, a informação referida no n.° 1 é prestada em conformidade com as exigências da Directiva 95/46[…] e os beneficiários são informados dos seus direitos ao abrigo dessa directiva, na qualidade de titulares dos dados, bem como dos procedimentos aplicáveis para o exercício desses direitos.

3.      A informação referida nos n.os 1 e 2 é prestada aos beneficiários através da respectiva inclusão nos formulários dos pedidos de fundos do FEAGA ou do Feader ou por outra forma, no momento da recolha dos dados.

[…]»

II –  Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

25      Os recorrentes nos processos principais são, respectivamente, uma empresa agrícola constituída sob a forma jurídica de sociedade de direito civil estabelecida no Land Hessen (processo C‑92/09) e um agricultor a tempo inteiro residente no mesmo Land (processo C‑93/09). Para o exercício de 2008, apresentaram à autoridade local competente pedidos de fundos provenientes do FEAGA ou do Feader, que foram deferidos por decisões de 5 (processo C‑93/09) e 31 de Dezembro de 2008 (processo C‑92/09).

26      Em ambos os casos, o formulário do pedido incluía a seguinte menção:

«Tenho conhecimento de que o artigo 44.°‑A do Regulamento […] n.° 1290/2005 impõe a publicação de informações sobre os beneficiários de fundos [provenientes] do FEAGA e do Feader, bem como sobre os montantes recebidos pelos beneficiários. A publicação diz respeito a todas as medidas que são objecto de candidatura no quadro do pedido comum, que constitui o pedido único a que se refere o artigo 11.° do Regulamento (CE) n.° 796/2004, e é efectuada anualmente o mais tardar até 31 de Março do ano seguinte.»

27      O órgão jurisdicional de reenvio explica que o sítio Internet da Bundesanstalt coloca à disposição do público os nomes dos beneficiários das ajudas do FEAGA e do Feader, a localidade onde estão estabelecidos ou residem e o respectivo código postal, bem como os montantes anuais recebidos. Esse sítio dispõe de um motor de busca.

28      Em 26 de Setembro (processo C‑92/09) e 18 de Dezembro de 2008 (processo C‑93/09), os recorrentes nos processos principais interpuseram recursos com vista a impedir a publicação dos dados que lhes digam respeito. Segundo afirmam, a publicação dos montantes recebidos do FEAGA ou do Feader não é justificada por interesses públicos preponderantes. Além disso, as regras relativas ao Fundo Social Europeu não prevêem que os beneficiários sejam nominalmente designados. Nos seus recursos, pedem que seja ordenado ao Land Hessen que se abstenha ou se recuse a transmitir ou publicar esses dados para efeitos da publicação geral de informações relativas aos recursos financeiros provenientes do FEAGA e do Feader que lhes foram atribuídos.

29      O Land Hessen, que considera que a obrigação de publicação dos dados relativos aos recorrentes nos processos principais decorre dos Regulamentos n.os 1290/2005 e 259/2008, comprometeu‑se, no entanto, a não publicar os montantes que os mesmos receberam como beneficiários de ajudas do FEAGA ou do Feader enquanto não fosse tomada uma decisão definitiva nos processos principais.

30      O órgão jurisdicional de reenvio considera que a obrigação de publicação resultante do artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 constitui uma violação injustificada do direito fundamental à protecção dos dados pessoais. Entende que essa disposição, que tem por objectivo aumentar a transparência na utilização dos fundos europeus, não melhora a prevenção das irregularidades, já que existem mecanismos de controlo alargados para efeitos dessa prevenção. O órgão jurisdicional de reenvio, fundando‑se no acórdão de 20 de Maio de 2003, Österreichischer Rundfunk e o. (C‑465/00, C‑138/01 e C‑139/01, Colect., p. I‑4989), considera que, de qualquer modo, a referida obrigação de publicação não é proporcional ao objectivo prosseguido. Além disso, segundo esse mesmo órgão jurisdicional, o artigo 42.°, n.° 8‑B, do Regulamento n.° 1290/2005 reconhece à Comissão um poder de apreciação demasiado amplo no que respeita tanto à determinação dos dados a publicar como relativamente à forma de publicação e, portanto, é incompatível com os artigos 202.°, terceiro travessão, CE e 211.°, quarto travessão, CE.

31      Independentemente da questão da validade dos artigos 42.°, n.° 8‑B, e 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o Regulamento n.° 259/2008, que determina a publicação das informações relativas aos beneficiários de ajudas do FEAGA e do Feader apenas na Internet, viola o direito fundamental à protecção dos dados de carácter pessoal. Salienta o facto de que este último regulamento não limita o acesso ao sítio Internet em causa aos endereços da «Internet Protocol» (a seguir «endereços IP») localizados no território da União Europeia. Acresce que é impossível retirar os dados da Internet após o termo do prazo de dois anos previsto no artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 259/2008. Segundo esse órgão jurisdicional, o facto de os dados só serem publicados na Internet teria, além disso, um efeito dissuasivo. Por um lado, os cidadãos que pretendam informar‑se têm de ter acesso à Internet. Por outro, esses cidadãos expõem‑se ao risco de armazenamento dos seus dados ao abrigo da Directiva 2006/24. É paradoxal, por um lado, reforçar o controlo das telecomunicações e, por outro, determinar que as informações destinadas a permitir a participação dos cidadãos nos assuntos públicos só sejam acessíveis por via electrónica.

32      Para o caso de o Tribunal considerar que as disposições referidas nos n.os 30 e 31 do presente acórdão não são inválidas, o órgão jurisdicional de reenvio pretende ainda obter uma interpretação de diversas disposições da Directiva 95/46. Considera que a publicação de dados pessoais só pode ocorrer se as medidas previstas no artigo 18.°, n.° 2, segundo travessão, desta directiva tiverem sido tomadas. Segundo as informações prestadas pelo órgão jurisdicional nacional, o legislador alemão, em especial o do Land Hessen, utilizou a possibilidade oferecida pela dita disposição. Todavia, segundo o mesmo órgão jurisdicional, a notificação do Ministério do Ambiente, do Espaço Rural e da Protecção dos Consumidores do Land Hessen ao encarregado da protecção dos dados pessoais processou‑se de forma incompleta. Com efeito, houve informações que não lhe foram transmitidas, tais como o facto de o tratamento de dados ser efectuado pela Bundesanstalt por conta do referido Land e, eventualmente, com recurso a um terceiro privado, informações concretas sobre os prazos de destruição assim como sobre o fornecedor de acesso e dados sobre o registo dos endereços IP.

33      Além disso, a publicação de informação sobre os beneficiários de ajudas agrícolas devia ter sido precedida de um controlo prévio, como previsto no artigo 20.° da Directiva 95/46. Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o controlo prévio foi realizado, no presente caso, não por uma autoridade de controlo central, mas pelo encarregado da protecção dos dados da empresa ou da administração responsável e com base em notificações incompletas.

34      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a licitude, em relação ao artigo 7.°, alínea e), da Directiva 95/46, do registo dos endereços IP dos utilizadores que consultam as informações relativas aos beneficiários de ajudas do FEAGA e do Feader no sítio Internet da Bundesanstalt.

35      Nestas condições, o Verwaltungsgericht Wiesbaden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, que estão identicamente redigidas em ambos os processos C‑92/09 e C‑93/09:

«1)      Os artigos [42].°, n.° 8‑B, e 44.°‑A do Regulamento […] n.° 1290/2005 […?, introduzidos pelo Regulamento […] n.° 1437/2007 […?, são inválidos?

2)      O Regulamento […] n.° 259/2008 […]

a)      é inválido,

b)      ou apenas é válido porque a Directiva 2006/24 […? é inválida?

No caso de as disposições referidas na primeira e […] segunda questões serem válidas:

3)      O artigo 18.°, n.° 2, segundo travessão, da Directiva 95/46[…? deve ser interpretado no sentido de que a publicação nos termos do Regulamento […] n.° 259/2008 […? só pode ser efectuada se tiver sido seguido o procedimento previsto neste artigo, que substitui a notificação à autoridade de controlo?

4)      O artigo 20.° da Directiva 95/46[…? deve ser interpretado no sentido de que a publicação nos termos do Regulamento ?…] n.° 259/2008 […? só pode ter lugar se tiver sido efectuado o controlo prévio previsto para esse caso pela legislação nacional?

5)      Em caso de resposta afirmativa à quarta questão: o artigo 20.° da Directiva 95/46?…? deve ser interpretado no sentido de que não há um controlo prévio eficaz se este tiver sido efectuado com base num registo elaborado nos termos do artigo 18.°, n.° 2, segundo travessão, desta directiva, que não contém uma informação obrigatória?

6)      O artigo 7.°, em especial a alínea e), da Directiva 95/46?…? deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática de armazenamento de endereços IP dos utilizadores de uma homepage sem o seu consentimento expresso?»

36      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 2009, os processos C‑92/09 e C‑93/09 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

III –  Quanto às questões prejudiciais

37      As decisões de reenvio incluem, por um lado, questões relativas à validade dos Regulamentos n.os 1290/2005 e 259/2008, concretamente, a primeira e segunda questões, e, por outro, questões relativas à interpretação da Directiva 95/46, a saber, a terceira a sexta questões. Antes de nos debruçarmos sobre o mérito, importa apreciar a admissibilidade da segunda parte da segunda questão e da sexta questão.

A –  Quanto à admissibilidade

38      Na segunda parte da segunda questão e na sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre, respectivamente, a validade da Directiva 2006/24 e a interpretação do artigo 7.°, alínea e), da Directiva 95/46, para poder apreciar se a conservação de determinados dados relativos aos utilizadores dos sítios Internet prevista na legislação da União e na legislação alemã é legal.

39      A este propósito, recorde‑se antes de mais que, embora, tendo em conta a repartição das competências no âmbito do processo prejudicial, incumba em exclusivo ao órgão jurisdicional nacional definir o objecto das questões que decide submeter ao Tribunal de Justiça, este considerou que, em circunstâncias excepcionais, lhe compete examinar as condições em que é chamado a pronunciar‑se pelo juiz nacional a fim de verificar a sua própria competência (acórdão de 1 de Outubro de 2009, Woningstichting Sint Servatius, C‑567/07, Colect., p. I‑9021, n.° 42).

40      É o que acontece, nomeadamente, quando o problema submetido ao Tribunal de Justiça é puramente hipotético ou quando a interpretação de uma regra da União ou a apreciação da sua validade, solicitada pelo órgão jurisdicional nacional, não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal (v., neste sentido, acórdãos de 15 de Dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, Colect., p. I‑4921, n.° 61; de 15 de Junho de 2006, Acedera Herrera, C‑466/04, Colect., p. I‑5341, n.° 48; de 31 de Janeiro de 2008, Centro Europa 7, C‑380/05, Colect., p. I‑349, n.° 53; e Woningstichting Sint Servatius, já referido, n.° 43).

41      Resulta das decisões de reenvio que ambos os recorrentes nos processos principais interpuseram um recurso no órgão jurisdicional de reenvio contra a publicação, ao abrigo do disposto nos Regulamentos n.os 1290/2005 e 259/2008, de dados que lhes digam respeito. Com esses recursos pretendem obter que o Land Hessen se abstenha ou se recuse a transmitir ou publicar as informações relativas às ajudas que receberam do FEAGA e do Feader.

42      A segunda parte da segunda questão e a sexta questão não têm nenhuma relação com o objecto dos litígios nos processos principais. Com efeito, não versam sobre a publicação de dados relativos aos beneficiários de ajudas dos referidos fundos, como os recorrentes nos processos principais, mas sobre a conservação dos dados referentes às pessoas que consultam sítios Internet. Como o exame da segunda parte da segunda questão e da sexta questão não têm nenhuma utilidade para a solução dos litígios nos processos principais, não há que lhes responder.

B –  Quanto ao mérito

1.     Quanto à primeira questão e à primeira parte da segunda questão

a)     Observações preliminares

43      Na primeira questão e na primeira parte da segunda, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que examine a validade, por um lado, do artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 e do Regulamento n.° 259/2008, que estabelece as regras de execução da obrigação de publicação instituída no referido artigo 44.°‑A, e, por outro, do artigo 42.°, n.° 8‑B, do Regulamento n.° 1290/2005, disposição que constitui a base jurídica do Regulamento n.° 259/2008.

44      O órgão jurisdicional de reenvio considera que a obrigação de publicação de dados relativos aos beneficiários de ajudas do FEAGA e do Feader, que resulta das disposições mencionadas no número anterior, constitui uma violação injustificada do direito fundamental à protecção dos dados pessoais. A este propósito, remete, no essencial, para o artigo 8.° da CEDH.

45      Recorde‑se que, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, TUE, a União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), «que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados».

46      Assim, a validade dos artigos 42.°, n.° 8‑B, e 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 e do Regulamento n.° 259/2008 deve ser analisada à luz das disposições da Carta.

47      A este respeito, sublinhe‑se que o artigo 8.°, n.° 1, da Carta estabelece que «[t]odas as pessoas têm direito à protecção dos dados de carácter pessoal que lhes digam respeito». Este direito fundamental está indissociavelmente relacionado com o direito ao respeito da vida privada consagrado no artigo 7.° desta mesma Carta.

48      Todavia, o direito à protecção dos dados pessoais não é uma prerrogativa absoluta, mas deve ser tomado em consideração relativamente à sua função na sociedade (v., neste sentido, acórdão de 12 de Junho de 2003, Schmidberger, C‑112/00, Colect., p. I‑5659, n.° 80 e jurisprudência aí referida).

49      Assim, o artigo 8.°, n.° 2, da Carta autoriza o tratamento de dados pessoais desde que estejam preenchidas determinadas condições. A esse respeito, a dita disposição determina que os dados pessoais «devem ser objecto de um tratamento leal, para fins específicos e com o consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legítimo previsto por lei».

50      Além disso, o artigo 52.°, n.° 1, da Carta admite a introdução de restrições ao exercício de direitos como os consagrados nos seus artigos 7.° e 8.°, desde que essas restrições sejam previstas por lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e liberdades e, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efectivamente a objectivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de protecção dos direitos e liberdades de terceiros.

51      Por último, decorre do artigo 52.°, n.° 3, da Carta que, na medida em que esta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela CEDH, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. O artigo 53.° da Carta acrescenta, para o efeito, que nenhuma sua disposição deve ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos reconhecidos, nomeadamente, pela CEDH.

52      Assim, importa declarar, por um lado, que o respeito pelo direito à vida privada relativamente ao tratamento de dados pessoais, reconhecido pelos artigos 7.° e 8.° da Carta, abrange todas as informações relativas a qualquer pessoa singular identificada ou identificável (v., designadamente, TEDH, acórdãos Amann c. Suíça de 16 de Fevereiro de 2000, Colectânea dos acórdãos e decisões 2000‑II, § 65, e Rotaru c. Roménia de 4 de Maio de 2000, Colectânea dos acórdãos e decisões 2000‑V, § 43) e, por outro, que as restrições que podem ser legitimamente impostas ao direito à protecção dos dados pessoais correspondem às permitidas no quadro do artigo 8.° da CEDH.

b)     Quanto à validade do artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 e do Regulamento n.° 259/2008

53      Em primeiro lugar, recorde-se que a publicação imposta pelo artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 e pelo Regulamento n.° 259/2008, que dá execução a esse artigo, identifica nominalmente todos os beneficiários de ajudas do FEAGA e do Feader, entre os quais se encontram pessoas singulares e colectivas. Ora, tendo em conta o que se afirmou no n.° 52 do presente acórdão, as pessoas colectivas só podem invocar a protecção dos artigos 7.° e 8.° da Carta a respeito de tal identificação desde que a denominação legal da pessoa colectiva identifique uma ou mais pessoas singulares.

54      É o que se passa com a recorrente na causa principal no processo C‑92/09. Com efeito, a denominação legal da sociedade identifica directamente pessoas singulares, que são sócios dessa sociedade.

55      Em segundo lugar, importa verificar se o artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 e o Regulamento n.° 259/2008, relativamente aos beneficiários de ajudas do FEAGA e do Feader que sejam pessoas singulares identificadas ou identificáveis (a seguir «beneficiários em causa»), restringem os direitos que os artigos 7.° e 8.° da Carta lhes reconhecem e, eventualmente, se essa restrição se justifica à luz do artigo 52.° desta última.

i)     Quanto à existência de uma restrição aos direitos reconhecidos pelos artigos 7.° e 8.° da Carta

56      O artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 obriga os Estados‑Membros a assegurar a publicação anual a posteriori dos nomes dos beneficiários de ajudas do FEAGA e do Feader e dos montantes recebidos por cada beneficiário de cada um desses fundos. Resulta do décimo quarto considerando do Regulamento n.° 1437/2007, que altera o Regulamento n.° 1290/2005, que essas informações devem ser objecto de uma «publicação geral».

57      O Regulamento n.° 259/2008 define, no seu artigo 1.°, n.° 1, alínea d), o conteúdo da publicação e determina que devem ser publicados, para além dos elementos referidos no número anterior e outras informações relativas às ajudas recebidas, «[o] município onde reside ou está registado o beneficiário e, quando disponível, o respectivo código postal ou a parte do código postal que identifica esse município». O seu artigo 2.° estabelece que a informação deve ser disponibilizada num sítio web único por cada Estado‑Membro, podendo ser consultada através de uma ferramenta de busca.

58      É facto assente que os montantes que os beneficiários em causa recebem do FEAGA e do Feader representam uma parte, muitas vezes considerável, das suas receitas. A publicação num sítio Internet de dados nominativos relativos aos beneficiários em causa e aos montantes exactos que receberam constitui, portanto, pelo facto de esses dados passarem a ser acessíveis a terceiros, uma ingerência na respectiva vida privada na acepção do artigo 7.° da Carta (v., neste sentido, acórdão Österreichischer Rundfunk e o., já referido, n.os 73 e 74).

59      A este respeito, é irrelevante que os dados publicados sejam relativos a actividades profissionais (v. acórdão Österreichischer Rundfunk e o., já referido, n.os 73 e 74). O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou, a este propósito, relativamente à interpretação do artigo 8.° da CEDH, que a expressão «vida privada» não devia ser interpretada de forma restritiva e que «nenhuma razão de princípio permite excluir as actividades profissionais [...] do conceito de ‘vida privada’» (v., designadamente, TEDH, acórdãos, já referidos, Amann c. Suíça, § 65, e Rotaru c. Roménia, § 43).

60      Além disso, a publicação imposta pelo artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 e pelo Regulamento n.° 259/2008 constitui um tratamento de dados pessoais que integra o âmbito do artigo 8.°, n.° 2, da Carta.

61      Porém, o Land Hessen põe em causa a própria existência de uma ingerência na vida privada dos recorrentes nos processos principais porquanto estes, no formulário em que requereram a concessão das ajudas, haviam sido informados da publicação obrigatória dos dados que lhes digam respeito e, em conformidade com o disposto no artigo 8.°, n.° 2, da Carta, tinham consentido nessa publicação ao apresentaram o respectivo pedido.

62      A este propósito, refira‑se que o artigo 42.°, n.° 8‑B, do Regulamento n.° 1290/2005 apenas determina que «os beneficiários de fundos sejam informados de que esses dados [que lhes digam respeito, ou seja, os seus nomes e os montantes recebidos de cada um dos fundos] podem ser tornados públicos». O artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 259/2008 contém uma disposição idêntica ao prever que «[o]s Estados‑Membros informam os beneficiários de que os seus dados serão tornados públicos».

63      A regulamentação em causa da União, que se limita a prever que os beneficiários de ajudas serão informados antes da publicação dos dados que lhes digam respeito, não procura, pois, fundamentar o tratamento de dados pessoais que institui no consentimento dos beneficiários em causa. Além disso, deve observar‑se que, nos processos principais, os recorrentes, nos formulários em que requereram a concessão das ajudas, apenas «[tomaram] conhecimento de que o artigo 44.°‑A do Regulamento […] n.° 1290/2005 impõe a publicação de informações sobre os beneficiários de fundos [provenientes] do FEAGA e do Feader».

64      Uma vez que, por um lado, a publicação de dados nominativos relativos aos beneficiários em causa e aos montantes exactos provenientes do FEAGA e do Feader que estes receberam constitui uma violação dos direitos que lhes são reconhecidos pelos artigos 7.° e 8.° da Carta e que, por outro, esse tratamento de dados pessoais não é fundado no consentimento dos referidos beneficiários, há que examinar se a violação desses direitos se justifica à luz do artigo 52.°, n.° 1, da Carta.

ii)  Quanto à justificação da restrição aos direitos consagrados nos artigos 7.° e 8.° da Carta

65      Cumpre recordar que o artigo 52.°, n.° 1, da Carta admite a introdução de restrições ao exercício de direitos como os consagrados nos seus artigos 7.° e 8.°, desde que essas restrições sejam previstas por lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e liberdades e, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efectivamente a objectivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de protecção dos direitos e liberdades de terceiros.

66      Em primeiro lugar, é pacífico que a ingerência resultante da publicação num sítio Internet de dados nominativos relativos aos beneficiários em causa deve ser considerada «prevista por lei», na acepção do artigo 52.°, n.° 1, da Carta. Com efeito, os artigos 1.°, n.° 1, e 2.° do Regulamento n.° 259/2008 prevêem expressamente essa publicação.

67      Em segundo lugar, quanto à questão de saber se a referida ingerência corresponde a um objectivo de interesse geral reconhecido pela União, na acepção do artigo 52.°, n.° 1, da Carta, resulta do décimo quarto considerando do Regulamento n.° 1437/2007, que altera o Regulamento n.° 1290/2005, e do sexto considerando do Regulamento n.° 259/2008 que a publicação dos nomes dos beneficiários das ajudas do FEAGA e do Feader e dos montantes que recebem desses fundos se destina a «aumenta[r] a transparência da utilização dos fundos comunitários no âmbito da [PAC] e [a] melhora[r] a gestão financeira destes fundos, nomeadamente reforçando o controlo público das quantias utilizadas».

68      Recorde‑se que o princípio da transparência se encontra consagrado nos artigos 1.° TUE e 10.° TUE e no artigo 15.° TFUE. Este princípio permite assegurar uma melhor participação dos cidadãos no processo decisório e garantir uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da Administração perante os cidadãos num sistema democrático (v. acórdãos de 6 de Março de 2003, Interporc/Comissão, C‑41/00 P, Colect., p. I‑2125, n.° 39, e de 29 de Junho de 2010, Comissão/Bavarian Lager, C‑28/08 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 54).

69      Ora, ao reforçar o controlo público da utilização das quantias pagas pelo FEAGA e pelo Feader, a publicação imposta pelas disposições cuja validade é contestada contribui para a adequada utilização dos fundos públicos pela Administração (v., neste sentido, acórdão Österreichischer Rundfunk e o., já referido, n.° 81).

70      Acresce que a referida publicação relativa à utilização das quantias pagas pelos fundos agrícolas em causa permitirá aos cidadãos uma maior participação na discussão pública em torno das decisões referentes às orientações da PAC.

71      Por conseguinte, ao pretender aumentar a transparência da utilização dos fundos no âmbito da PAC, o artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 e o Regulamento n.° 259/2008 prosseguem um objectivo de interesse geral reconhecido pela União.

72      Em terceiro lugar, importa também verificar se a restrição aos direitos consagrados nos artigos 7.° e 8.° da Carta é proporcionada ao objectivo legítimo prosseguido (v., designadamente, TEDH, acórdão Gillow de 24 de Novembro de 1986, série A, n.° 109, § 55, e acórdão Österreichischer Rundfunk e o., já referido, n.° 83).

73      Para esse efeito, os recorrentes nos processos principais sublinham que os dados cuja publicação se encontra prevista no artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 e no Regulamento n.° 259/2008 permitem a terceiros proceder a deduções acerca dos seus rendimentos. Explicam que essas ajudas representam entre 30% e 70% das receitas totais dos beneficiários em causa. Os interesses legítimos do público ficariam satisfeitos com a publicação de dados estatísticos anónimos.

74      Segundo jurisprudência assente, o princípio da proporcionalidade faz parte dos princípios gerais do direito da União e exige que os meios postos em prática por um acto da União sejam aptos a realizar o objectivo prosseguido e não vão além do que é necessário para o alcançar (acórdão de 8 de Junho de 2010, Vodafone e o., C‑58/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 51 e jurisprudência aí referida).

75      Não se contesta que a publicação, via Internet, dos dados relativos aos beneficiários em causa e aos montantes exactos que lhes foram entregues pelo FEAGA e pelo Feader é adequada para aumentar a transparência no que respeita à utilização das ajudas agrícolas em causa. A colocação deste tipo de informação à disposição dos cidadãos reforça o controlo público sobre a utilização das quantias em questão e contribui para uma optimização da utilização dos fundos públicos.

76      Quanto à necessidade da medida, recorde‑se que o objectivo da publicação em causa não pode ser prosseguido sem levar em conta o facto de dever ser conciliado com os direitos fundamentais consagrados nos artigos 7.° e 8.° da Carta (v., neste sentido, acórdão de 16 de Dezembro de 2008, Satakunnan Markkinapörssi e Satamedia, C‑73/07, Colect., p. I‑9831, n.° 53).

77      Importa pois verificar se o Conselho da União Europeia e a Comissão procederam a uma ponderação equilibrada entre o interesse da União em garantir a transparência das suas acções e uma utilização óptima dos fundos públicos, por um lado, e a restrição ao direito dos beneficiários em causa ao respeito da sua vida privada, em geral, e à protecção dos seus dados pessoais, em particular, por outro. A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que as derrogações à protecção dos dados pessoais e as suas limitações devem ocorrer na estrita medida do necessário (acórdão Satakunnan Markkinapörssi e Satamedia, já referido, n.° 56).

78      Os Estados‑Membros que apresentaram observações escritas ao Tribunal, o Conselho e a Comissão alegam que o objectivo prosseguido com a publicação imposta pelo artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 e pelo Regulamento n.° 259/2008 não pode ser alcançado através de medidas menos restritivas do direito dos beneficiários em causa ao respeito da sua vida privada, em geral, e à protecção dos seus dados pessoais, em particular. Em sua opinião, se fossem dadas informações apenas sobre os beneficiários em causa cujas ajudas recebidas excedem determinado limite, os contribuintes não obteriam uma imagem fiel da PAC. Efectivamente, embora existam muitos «pequenos» beneficiários, o contribuinte ficaria com a impressão de que só existem «grandes» beneficiários de ajudas provenientes dos fundos agrícolas em causa. Limitar a publicação às pessoas colectivas também não seria satisfatório. A Comissão alega, a este propósito, que entre os maiores beneficiários das ajudas agrícolas há pessoas singulares.

79      Embora, efectivamente, nas sociedades democráticas, os contribuintes tenham o direito de ser informados da utilização dos fundos públicos (acórdão Österreichischer Rundfunk e o., já referido, n.° 85), também é verdade que uma ponderação equilibrada dos interesses em presença implica, antes da adopção das disposições cuja validade é contestada, a análise, pelas instituições em causa, da questão de saber se a publicação, através de um sítio Internet único pelo Estado‑Membro, livremente consultável, dos dados nominativos relativos a todos os beneficiários em causa e aos montantes exactos que cada um deles recebeu do FEAGA e do Feader – e isto sem distinção em função da duração, da frequência, do tipo ou da importância das ajudas recebidas – não vai além do que é necessário para a realização dos objectivos legítimos prosseguidos, tendo especialmente em conta o facto de que essa publicação prejudica os direitos consagrados nos artigos 7.° e 8.° da Carta.

80      Ora, relativamente às pessoas singulares beneficiárias de ajudas do FEAGA e do Feader, não se afigura que o Conselho e a Comissão tenham efectuado essa ponderação equilibrada entre o interesse da União em garantir a transparência das suas acções e uma utilização óptima dos fundos públicos, por um lado, e os direitos fundamentais consagrados nos artigos 7.° e 8.° da Carta, por outro.

81      Com efeito, nada indica que o Conselho e a Comissão tenham tomado em consideração, quando da adopção do artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 e do Regulamento n.° 259/2008, outras formas de publicação de informações relativas aos beneficiários em causa conformes com o objectivo dessa publicação e que fossem ao mesmo tempo menos lesivas do direito desses beneficiários ao respeito da sua vida privada, em geral, e à protecção dos seus dados pessoais, em particular, tais como a limitação da publicação de dados nominativos relativos aos referidos beneficiários em função dos períodos em que receberam ajudas, da sua frequência ou ainda do seu tipo ou importância.

82      Uma publicação nominativa com estas limitações poderia, eventualmente, ser acompanhada de explicações pertinentes sobre as outras pessoas singulares beneficiárias de ajudas provenientes dos referidos fundos e sobre os montantes recebidos por estas.

83      Assim, as instituições deveriam ter examinado, no quadro de uma ponderação equilibrada dos interesses em causa, se uma publicação de dados nominativos limitada, tal como indicada no n.° 81 do presente acórdão, não teria sido suficiente para alcançar os objectivos da regulamentação em causa da União nos processos principais. Em especial, não parece que uma limitação desse tipo, que preservaria alguns dos beneficiários em causa de ingerências na sua vida privada, privaria o cidadão de uma imagem suficientemente fiel das ajudas pagas pelo FEAGA e pelo Feader que permite alcançar os objectivos da referida regulamentação.

84      Os Estados‑Membros que apresentaram observações escritas ao Tribunal, bem como o Conselho e a Comissão, também se referem à importante fatia do orçamento da União que corresponde à PAC para justificarem a necessidade da publicação imposta pelo artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 e pelo Regulamento n.° 259/2008.

85      Este argumento deve ser rejeitado. Recorde‑se que as instituições, antes de divulgarem informações sobre uma pessoa singular, são obrigadas a ponderar, por um lado, o interesse da União em garantir a transparência das suas acções e, por outro, a lesão dos direitos reconhecidos pelos artigos 7.° e 8.° da Carta. Ora, não é possível reconhecer que o objectivo de transparência prima automaticamente sobre o direito à protecção dos dados pessoais (v., neste sentido, acórdão Comissão/Bavarian Lager, já referido, n.os 75 a 79), mesmo que estejam em jogo interesses económicos importantes.

86      Resulta do que precede que não se afigura que as instituições tenham procedido a uma ponderação equilibrada entre, por um lado, os objectivos do artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 e do Regulamento n.° 259/2008 e, por outro, os direitos que os artigos 7.° e 8.° da Carta reconhecem às pessoas singulares. Dado que as derrogações à protecção dos dados pessoais e as suas limitações devem ocorrer na estrita medida do necessário (acórdão Satakunnan Markkinapörssi e Satamedia, já referido, n.° 56) e que são admissíveis medidas que restrinjam menos o referido direito fundamental das pessoas singulares desde que contribuam eficazmente para a consecução dos objectivos da regulamentação em causa da União, deve observar‑se que o Conselho e a Comissão, ao imporem a publicação dos nomes de todos as pessoas singulares beneficiárias de ajudas da FEAGA e do Feader e dos montantes exactos que receberam, excederam os limites impostos pelo respeito do princípio da proporcionalidade.

87      Por último, relativamente às pessoas colectivas beneficiárias de ajudas do FEAGA e do Feader, e na medida em que podem invocar os direitos consagrados nos artigos 7.° e 8.° da Carta (v. n.° 53 do presente acórdão), deve considerar‑se que a obrigação de publicação resultante das disposições da regulamentação da União cuja validade é contestada não excede os limites impostos pelo respeito do princípio da proporcionalidade. Com efeito, a gravidade da violação do direito à protecção dos dados pessoais difere consoante estejam em causa pessoas singulares ou colectivas. Sublinhe‑se, a este respeito, que as pessoas colectivas já estão sujeitas a uma obrigação mais gravosa de publicação de dados que lhes digam respeito. Além disso, a obrigação de as autoridades nacionais competentes verificarem, antes da publicação dos dados em causa, relativamente a cada pessoa colectiva beneficiária de ajudas do FEAGA ou do Feader, se a sua designação identifica pessoas singulares acarreta para essas autoridades um enorme encargo administrativo (v., neste sentido, TEDH, acórdão K.U. c. Finlândia de 2 de Março de 2009, petição n.° 2872/02, ainda não publicado, § 48).

88      Nestas condições, deve considerar‑se que as disposições do direito da União cuja validade é colocada em causa pelo órgão jurisdicional de reenvio respeitam, na medida em que têm a ver com a publicação de dados relativos às pessoas colectivas, o requisito da necessidade de um equilíbrio justo relativamente à tomada em consideração dos respectivos interesses em presença.

89      Com base em todas as considerações precedentes, o artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 e o Regulamento n.° 259/2008 devem ser declarados inválidos porquanto, relativamente às pessoas singulares beneficiárias de ajudas do FEAGA e do Feader, essas disposições impõem a publicação de dados pessoais relativos a qualquer beneficiário, sem distinções em função de critérios pertinentes, como os períodos durante os quais receberam essas ajudas, a sua frequência ou ainda o tipo ou a importância das mesmas.

c)     Quanto à validade do artigo 42.°, n.° 8‑B, do Regulamento n.° 1290/2005

90      Recorde‑se que o artigo 42.°, n.° 8‑B, do Regulamento n.° 1290/2005 apenas habilita a Comissão a fixar as regras de execução do artigo 44.°‑A deste regulamento.

91      Ora, como o artigo 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005 deve ser declarado inválido pelos motivos acima evocados, o artigo 42.°, n.° 8‑B, do dito regulamento também deve ser declarado inválido pelas mesmas razões.

92      Por conseguinte, há que responder à primeira questão e à primeira parte da segunda questão que os artigos 42.°, n.° 8‑B, e 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005, bem como o Regulamento n.° 259/2008, são inválidos porquanto, relativamente às pessoas singulares beneficiárias de ajudas do FEAGA e do Feader, essas disposições impõem a publicação de dados pessoais relativos a qualquer beneficiário, sem distinções em função de critérios pertinentes, como os períodos durante os quais receberam essas ajudas, a sua frequência ou ainda o tipo ou a importância das mesmas.

d)     Quanto aos efeitos no tempo da invalidade constatada

93      Cabe recordar que, sempre que considerações imperiosas de segurança jurídica o justifiquem, o Tribunal de Justiça dispõe, por força do artigo 264.°, segundo parágrafo, TFUE, também aplicável, por analogia, no quadro de uma questão prejudicial destinada a apreciar a validade dos actos da União, ao abrigo do artigo 267.° TFUE, de um poder de apreciação para determinar, em cada caso concreto, quais os efeitos do acto que devem ser considerados definitivos (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 22 de Dezembro de 2008, Regie Networks, C‑333/07, Colect., p. I‑10807, n.° 121 e jurisprudência aí referida).

94      Tendo em conta o elevado número de publicações ocorridas nos Estados‑Membros com base numa regulamentação considerada válida, há que reconhecer que a invalidade das disposições mencionadas no n.° 92 do presente acórdão não permite pôr em causa os efeitos da publicação das listas dos beneficiários de ajudas do FEAGA e do Feader efectuada pelas autoridades nacionais, com base nas referidas disposições, durante o período anterior à data da prolação do presente acórdão.

2.     Quanto à terceira questão

95      Através da terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 18.°, n.° 2, segundo travessão, da Directiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que a publicação das informações imposta pelos artigos 42.°, n.° 8‑B, e 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005, bem como pelo Regulamento n.° 259/2008, só pode ocorrer se o encarregado da protecção dos dados pessoais tiver mantido, anteriormente a essa publicação, um registo completo na acepção do referido artigo 18.°, n.° 2, segundo travessão.

96      A este respeito, recorde‑se que o artigo 18.°, n.° 1, da Directiva 95/46 consagra o princípio da notificação da autoridade de controlo antes da realização de um tratamento ou conjunto de tratamentos de dados pessoais, total ou parcialmente automatizados, que tenham a mesma finalidade ou finalidades conexas. Como explica o quadragésimo oitavo considerando da mesma directiva, «a notificação à autoridade de controlo tem por objectivo assegurar a publicidade das finalidades e principais características do tratamento, a fim de permitir verificar a sua conformidade com as disposições nacionais tomadas nos termos da [dita] directiva».

97      Contudo, o artigo 18.°, n.° 2, segundo travessão, da Directiva 95/46 determina que os Estados‑Membros poderão estabelecer a simplificação ou a isenção da notificação se o responsável pelo tratamento nomear um encarregado da protecção dos dados pessoais. Das decisões de reenvio decorre que essa nomeação teve lugar no Land Hessen relativamente à publicação dos dados imposta pelos artigos 42.°, n.° 8‑B, e 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005, bem como pelo Regulamento n.° 259/2008.

98      Segundo o artigo 18.°, n.° 2, segundo travessão, da Directiva 95/46, ao encarregado da protecção dos dados pessoais incumbem diversas tarefas destinadas a garantir que os tratamentos não prejudicarão os direitos e liberdades das pessoas em causa. Assim, o encarregado está incumbido, nomeadamente, de manter «um registo dos tratamentos efectuados pelo responsável do tratamento, contendo as informações referidas no n.° 2 do artigo 21.° [da Directiva 95/46]». Esta disposição remete para o artigo 19.°, n.° 1, alíneas a) a e), da mesma directiva.

99      Todavia, contrariamente ao que o órgão jurisdicional de reenvio entende, o artigo 18.°, n.° 2, segundo travessão, da Directiva 95/46 não impõe a esse encarregado da protecção dos dados pessoais nenhuma obrigação de manter um registo que inclua as informações a que se refere o artigo 21.°, n.° 2, da mesma directiva, conjugado com o artigo 19.°, n.° 1, alíneas a) a e), desta, antes da realização do tratamento de dados em causa. Com efeito, o registo referido no artigo 18.°, n.° 2, segundo travessão, da dita directiva só tem de incluir os «tratamentos efectuados».

100    Nestas condições, a inexistência, a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio, de um registo integral e anterior ao tratamento de dados não pode afectar a legalidade de uma publicação, tal como a regulada pelos artigos 42.°, n.° 8‑B, e 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005, bem como pelo Regulamento n.° 259/2008.

101    Assim, deve responder‑se à terceira questão que o artigo 18.°, n.° 2, segundo travessão, da Directiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que não sujeita o encarregado da protecção dos dados pessoais à obrigação de manter o registo previsto nessa disposição antes da realização de um tratamento de dados pessoais, tal como o resultante dos artigos 42.°, n.° 8‑B, e 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005, bem como do Regulamento n.° 259/2008.

3.     Quanto à quarta questão

102    Através da quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 20.° da Directiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que submete a publicação das informações imposta pelos artigos 42.°, n.° 8‑B, e 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005, bem como pelo Regulamento n.° 259/2008, ao controlo prévio previsto nesse mesmo artigo 20.°

103    Sublinhe‑se desde já que o artigo 20.°, n.° 1, da Directiva 95/46 determina que «[o]s Estados‑Membros especificarão os tratamentos que possam representar riscos específicos para os direitos e liberdades das pessoas em causa e zelarão por que sejam controlados antes da sua aplicação».

104    Daqui se conclui que a Directiva 95/46 não sujeita os tratamentos de dados pessoais a um controlo prévio generalizado. Com efeito, como resulta do quinquagésimo segundo considerando desta directiva, o legislador da União considerou que «a verificação a posteriori pelas autoridades competentes deve ser, em geral, considerada uma medida suficiente».

105    Quanto aos tratamentos sujeitos a controlo prévio, ou seja, os que podem ocasionar riscos particulares para os direitos e liberdades das pessoas em causa, o quinquagésimo terceiro considerando da Directiva 95/46 enuncia que certos tratamentos podem ocasionar esses riscos «em virtude da sua natureza, do seu âmbito ou da sua finalidade». Embora os Estados‑Membros possam especificar melhor na sua legislação os tratamentos que podem ocasionar riscos particulares para os direitos e liberdades das pessoas em causa, a dita directiva estabelece, como resulta do seu quinquagésimo quarto considerando, que o seu número «deverá ser muito restrito».

106    Sublinhe‑se ainda que, nos termos do artigo 27.°, n.° 1, do Regulamento n.° 45/2001, as operações de tratamento de dados pessoais que possam apresentar riscos específicos para os direitos e liberdades das pessoas em causa também são sujeitas a controlo prévio quando efectuadas por instituições ou órgãos da União. O n.° 2 do mesmo artigo precisa as operações de tratamento que podem apresentar esses riscos. Ora, dado o paralelismo entre as disposições da Directiva 95/46 e as do Regulamento n.° 45/2001 relativas ao controlo prévio, a enumeração, constante do artigo 27.°, n.° 2, deste regulamento, das operações de tratamento que podem apresentar riscos específicos para os direitos e liberdades das pessoas em causa deve ser considerada pertinente para efeitos da interpretação do artigo 20.° da Directiva 95/46.

107    Ora, não se afigura que a publicação de dados imposta pelos artigos 42.°, n.° 8‑B, e 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005, bem como pelo Regulamento n.° 259/2008, integra uma das categorias das operações de tratamento a que se refere o artigo 27.°, n.° 2, do Regulamento n.° 45/2001.

108    Assim, há que responder à quarta questão que o artigo 20.° da Directiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que não obriga os Estados‑Membros a sujeitar ao controlo prévio previsto nessa disposição a publicação das informações imposta pelos artigos 42.°, n.° 8‑B, e 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005, bem como pelo Regulamento n.° 259/2008.

109    Tendo em conta a resposta dada à quarta questão, não há que responder à quinta questão.

IV –  Quanto às despesas

110    Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      Os artigos 42.°, n.° 8‑B, e 44.°‑A do Regulamento (CE) n.° 1290/2005 do Conselho, de 21 de Junho de 2005, relativo ao financiamento da política agrícola comum, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1437/2007 do Conselho, de 26 de Novembro de 2007, bem como o Regulamento (CE) n.° 259/2008 da Comissão, de 18 de Março de 2008, que estabelece as regras de execução do Regulamento n.° 1290/2005 no que respeita à publicação de informação sobre os beneficiários de fundos provenientes do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader), são inválidos porquanto, relativamente às pessoas singulares beneficiárias de ajudas do FEAGA e do Feader, essas disposições impõem a publicação de dados pessoais relativos a qualquer beneficiário, sem distinções em função de critérios pertinentes, como os períodos durante os quais receberam essas ajudas, a sua frequência ou ainda o tipo ou a importância das mesmas.

2)      A invalidade das disposições do direito da União mencionadas no n.° 1 deste dispositivo não permite pôr em causa os efeitos da publicação das listas dos beneficiários de ajudas do FEAGA e do Feader efectuada pelas autoridades nacionais, com base nas referidas disposições, durante o período anterior à data da prolação do presente acórdão.

3)      O artigo 18.°, n.° 2, segundo travessão, da Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, deve ser interpretado no sentido de que não sujeita o encarregado da protecção dos dados pessoais à obrigação de manter o registo previsto nessa disposição antes da realização de um tratamento de dados pessoais, tal como o resultante dos artigos 42.°, n.° 8‑B, e 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005, conforme alterado pelo Regulamento n.° 1437/2007, bem como do Regulamento n.° 259/2008.

4)      O artigo 20.° da Directiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que não obriga os Estados‑Membros a sujeitar ao controlo prévio previsto nessa disposição a publicação das informações imposta pelos artigos 42.°, n.° 8‑B, e 44.°‑A do Regulamento n.° 1290/2005, conforme alterado pelo Regulamento n.° 1437/2007, bem como pelo Regulamento n.° 259/2008.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.