Language of document : ECLI:EU:C:2009:776

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 10 de Dezembro de 2009 1(1)

Processo C‑578/08

Rhimou Chakroun

contra

Minister van Buitenlandse Zaken

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State (Países Baixos)]

«Direito ao reagrupamento familiar – Significado da expressão «recorrer ao sistema de assistência social» – Relevância da data da constituição dos laços familiares»





1.        A Directiva 2003/86/CE do Conselho (2) estabelece as condições em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros. Um dos requisitos que um Estado‑Membro pode impor quando um familiar de um residente apresente um pedido de reagrupamento é que esse residente disponha de recursos estáveis e regulares suficientes para a subsistência da sua família, «sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa».

2.        O processo principal diz respeito a um requerimento apresentado por uma nacional marroquina para se reunir ao seu marido, igualmente de nacionalidade marroquina, que reside legalmente nos Países Baixos desde 1970 e com quem casou em 1972. O marido possui recursos estáveis e regulares suficientes para fazer face aos custos gerais de subsistência mas não para o tornar inelegível para certos tipos de assistência especial. Neste contexto, o Raad van State (Conselho de Estado) pede orientações mais detalhadas sobre o critério «sem recorrer ao sistema de assistência social» e pergunta se a directiva permite que se estabeleça uma distinção consoante os laços familiares sejam anteriores ou posteriores à entrada do residente no Estado‑Membro.

 Quadro jurídico

 Directiva 2003/86

3.        No preâmbulo da directiva lê‑se, inter alia:

–        o segundo considerando salienta a obrigação da protecção da família e do respeito da vida familiar consagrada, designadamente, no artigo 8.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia;

–        o terceiro considerando refere as reuniões do Conselho Europeu, realizadas em Tampere, em Outubro de 1999, e em Laeken, em Dezembro de 2001, nas quais foi afirmado que a União Europeia deve assegurar um tratamento equitativo aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros e que deverá ter por objectivo proporcionar a estas pessoas direitos e deveres comparáveis aos dos cidadãos da União Europeia;

–        o quinto considerando afirma que os Estados‑Membros devem dar execução ao disposto na directiva sem discriminações com base no sexo, raça, cor, origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou crença, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual;

–        o sexto considerando refere‑se à protecção da família e à manutenção ou à criação da vida familiar segundo critérios comuns fixando as condições materiais necessárias ao exercício do direito ao reagrupamento familiar;

–        o oitavo considerando declara que devem ser previstas condições mais favoráveis para o exercício do direito dos refugiados ao reagrupamento, devido às razões que os obrigaram a abandonar os seus países e que os impedem de neles viverem normalmente com as respectivas famílias;

–        o décimo primeiro considerando afirma que o direito ao reagrupamento familiar deverá ser exercido na necessária observância dos valores e princípios reconhecidos pelos Estados‑Membros.

4.        Nos termos do artigo 2.°, alínea d), da directiva, por «reagrupamento familiar» entende‑se «a entrada e residência num Estado‑Membro dos familiares de um nacional de um país terceiro que resida legalmente nesse Estado, a fim de manter a unidade familiar, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente». Nestas situações, nos termos artigo 2.°, alínea c), o residente é designado por «requerente do reagrupamento».

5.        O artigo 3.°, n.° 5, declara que a directiva não afecta a possibilidade de os Estados‑Membros aprovarem disposições mais favoráveis.

6.        O artigo 4.°, n.° 1, dispõe:

«Em conformidade com a presente directiva e sob reserva do cumprimento das condições previstas no capítulo IV, bem como no artigo 16.°, os Estados‑Membros devem permitir a entrada e residência dos seguintes familiares:

a)      O cônjuge do requerente do reagrupamento;

[…]»

7.        O capítulo IV inclui os artigos 6.° a 8.° O artigo 6.°, que não está directamente em questão no presente processo, permite que os Estados‑Membros indefiram um pedido de entrada e residência de um familiar por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública, após terem em consideração os factores referidos no artigo 17.° e a gravidade ou o tipo de ofensa cometida ou os perigos.

8.        O artigo 7.°, n.° 1, dispõe que, quando seja apresentado um pedido de reagrupamento, o Estado‑Membro em causa pode exigir comprovativos de que o requerente do reagrupamento dispõe de a) alojamento considerado normal para a família, que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade b) um seguro de doença para toda a família, e

«c)      Recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa. Os Estados‑Membros devem avaliar esses recursos por referência à sua natureza e regularidade e podem ter em conta o nível do salário mínimo nacional e das pensões e o número de familiares».

9.        O artigo 7.°, n.° 2, permite que os Estados‑Membros exijam o respeito das medidas de integração, e o artigo 8.° permite‑lhes impor um período mínimo de residência ao requerente do reagrupamento. Estas disposições também não estão em causa neste processo.

10.      O capítulo V da directiva contém disposições específicas, e mais favoráveis, relativamente ao reagrupamento familiar de refugiados reconhecidos pelos Estados‑Membros, que são, indirectamente, pertinentes para este processo. Nos termos do artigo 9.°, n.° 2, os Estados‑Membros podem limitar a aplicação daquele capítulo aos refugiados cujos laços familiares sejam anteriores à sua entrada. Nos termos do artigo 12.°, n.° 1, os Estados‑Membros não podem exigir ao refugiado que apresente provas de que preenche os requisitos estabelecidos no artigo 7.°, embora possam exigir que satisfaça as condições referidas no artigo 7.°, n.° 1, se o pedido não for apresentado no prazo de três meses após a atribuição do estatuto de refugiado.

11.      O artigo 16.°, no capítulo VII (relativo a sanções e recursos), permite que um Estado‑Membro indefira, retire ou não renove a autorização de residência de um familiar quando ocorram determinadas circunstâncias, essencialmente, quando a relação familiar não seja genuína ou as condições estabelecidas na directiva não estejam, ou já não estejam, satisfeitas. Em especial, quanto a este último aspecto, o segundo travessão do artigo 16.°, n.° 1, alínea a), dispõe:

«Por ocasião da renovação da autorização de residência, quando o requerente do agrupamento não tiver recursos suficientes sem recorrer à assistência social do Estado‑Membro, como se refere no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), o Estado‑Membro deve ter em conta a contribuição dos familiares para o rendimento do agregado familiar».

12.      O artigo 17.°, no mesmo capítulo, dispõe:

«[…] Em caso de indeferimento de um pedido, de retirada ou não renovação de uma autorização de residência, bem como de decisão de afastamento do requerente do reagrupamento ou de familiares seus, os Estados‑Membros devem tomar em devida consideração a natureza e a solidez dos laços familiares da pessoa e o seu tempo de residência no Estado‑Membro, bem como a existência de laços familiares, culturais e sociais com o país de origem».

 Legislação dos Países Baixos

13.      Os direitos de residência dos estrangeiros nos Países Baixos estão regulados, em especial, na lei dos estrangeiros de 2000 (Vreemdelingenwet, a seguir «Vw 2000») e no seu regulamento de execução, o decreto relativo aos estrangeiros de 2000 (Vreemdelingenbesluit, a seguir «Vb 2000»). Ao contrário da legislação comunitária, a legislação dos Países Baixos distingue entre reagrupamento familiar e constituição da família.

14.      O capítulo 3 da Vw 2000 diz respeito às autorizações de residência. São emitidos diferentes tipos de autorização de residência, em especial por tempo determinado e por tempo indeterminado, para requerentes de asilo e outros. O artigo 14.°, n.° 2, especifica que a concessão de uma autorização de residência por tempo determinado está sujeita a restrições relacionadas com o motivo pelo qual é concedida, nos termos das disposições administrativas. De acordo com o artigo 15.°, os objectivos relevantes incluem o reagrupamento familiar e a constituição da família. Nos termos do artigo 16.°, n.° 1, alínea c), um pedido de autorização de residência por tempo determinado pode ser indeferido se o estrangeiro, ou a pessoa com quem este pretende residir, não dispuser, de forma autónoma e duradoura, de meios de subsistência suficientes.

15.      O Vb 2000, conforme alterado com efeito a partir de 3 de Outubro de 2005, a fim de o adaptar às exigências da directiva, contém as seguintes disposições pertinentes.

16.      Nos termos do artigo 1.1, alínea r), entende‑se por «constituição da família» o «reagrupamento familiar do cônjuge ou de parceiro de união de facto, registada ou não, desde que os laços familiares tenham sido constituídos num momento em que o requerente do reagrupamento (3) tinha a sua residência principal nos Países Baixos». A noção de «reagrupamento familiar» não é, em si mesma, objecto de definição.

17.      Nos termos dos artigos 3.13 e 3.14, a autorização de residência por tempo determinado a fim de constituição da família ou de reagrupamento deve ser concedida, sujeita a restrições relacionadas com esse objectivo, a determinados familiares especificamente designados do requerente do reagrupamento (incluindo o cônjuge) se as condições referidas nos artigos 3.16 a 3.22 estiverem satisfeitas. No presente processo está em causa o artigo 3.22.

18.      Nos termos do artigo 3.22, n.° 1, a autorização de residência só é concedida se o requerente do reagrupamento dispuser, de forma autónoma e duradoura, de um rendimento líquido nos termos do artigo 3.74, alínea a). Contudo, nos termos do artigo 3.22, n.° 2, no caso de constituição da família, «por derrogação do n.° 1», esse rendimento líquido deve ser equivalente a, pelo menos, 120% do salário mínimo previsto na lei, incluindo o subsídio de férias.

19.      Embora não seja directamente pertinente para a apreciação da situação de facto à data em que teve início o processo principal, pode salientar‑se que, o n.° 3 do artigo 3.22, dispõe, em derrogação dos n.os 1 e 2, que a autorização de residência deve ser igualmente concedida quando o requerente do reagrupamento tenha mais de 65 anos de idade, ou sofra de incapacidade total e permanente para o trabalho, sendo afastado, nestas circunstâncias, o requisito relativo ao rendimento (4). De acordo com o artigo 3.22, n.° 4, este requisito é igualmente afastado quando um pedido de reagrupamento familiar de um refugiado seja apresentado no prazo de três meses após a atribuição do estatuto de refugiado.

20.      Nos termos do artigo 3.74, que define o requisito relativo ao rendimento previsto no artigo 3.22, n.° 1, alínea a), os meios de subsistência referidos no artigo 16.°, n.° 1, alínea c), da Vw 2000 são suficientes se o rendimento líquido for equivalente, inter alia, a) ao valor‑padrão de assistência previsto na lei, incluindo o subsídio de férias, para as categorias de pessoas em causa (pessoas que vivam sós, famílias monoparentais ou casais) ou, b) no caso de constituição da família, a 120% do salário mínimo, incluindo o subsídio de férias.

21.      O valor‑padrão estabelecido pelas normas da assistência a que se refere o artigo 3.74, alínea a), é o do artigo 21.°, capítulo III, da lei do trabalho e da assistência (Wet werk en bijstand, a seguir «Wwb), relativo à «assistência geral». O artigo 21.° é uma das disposições que fixa «valores‑padrão de assistência» – níveis de rendimento abaixo dos quais a pessoa tem o direito de beneficiar de assistência geral. Além disso, o capítulo IV da Wwb, em especial o artigo 35.°, n.° 1, dispõe que pode ser atribuída pela administração local «assistência especial» temporária a requerentes que não disponham de meios para prover às «despesas indispensáveis à subsistência decorrentes de circunstâncias especiais».

22.      O pedido de decisão prejudicial afirma que o valor‑padrão de assistência previsto na lei à data dos factos correspondia ao montante mensal de 1 207,91 euros por mês, e o valor para constituição da família (120% do salário mínimo) era de 1 441,44 euros (5).

 Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

23.      R. Chakroun, recorrente no processo principal, nasceu em 1948 e tem nacionalidade marroquina. Em 1972, casou com o Sr. Chakroun, nascido em 1 de Julho de 1944 e, também ele, de nacionalidade marroquina.

24.      O senhor Chakroun reside nos Países Baixos desde 21 de Dezembro de 1970 e é titular de uma autorização de residência por tempo indeterminado desde 1975. Desde Julho de 2005, recebe um subsídio de desemprego que, se as circunstâncias não se alterarem, continuará a receber até Julho de 2010. É ponto assente que, no que diz respeito ao subsídio que o senhor Chakroun recebe porque contribuiu para o seguro de desemprego enquanto esteve empregado, não se trata de «assistência social», a qual, de acordo com a legislação dos Países Baixos, não permitiria que a sua mulher se lhe reunisse.

25.      Após o casamento, R. Chakroun continuou a viver em Marrocos mas, em 10 de Março de 2006, apresentou na embaixada dos Países Baixos de Rabat um pedido de autorização de residência provisória (6) para residir com o cônjuge.

26.      Por decisão de 17 de Julho de 2006 (contra a qual foi apresentada uma reclamação, indeferida em 21 de Fevereiro de 2007), o Ministro neerlandês dos Negócios Estrangeiros indeferiu o pedido com fundamento de que, à data da respectiva apresentação, o subsídio de desemprego do marido ascendia ao montante líquido mensal de 1 322,73 euros, incluindo o subsídio de férias, quando o padrão de rendimento aplicável para efeitos de constituição da família correspondia a um montante líquido mensal de 1 441,44 euros, incluindo o subsídio de férias.

27.      A decisão de indeferimento remetia para uma circular administrativa da qual constava que o artigo 7.°, n.° 1, da directiva não obrigava os Estados‑Membros a optar por uma avaliação com base nos valores‑padrão de assistência, no salário mínimo ou numa percentagem do salário mínimo. A margem de liberdade atribuída aos Estados‑Membros foi usada nos artigos 3.22 e 3.74, alínea d), do Vb 2000. E, embora a directiva fosse aplicável tanto a situações de reagrupamento familiar como de constituição da família, o critério da «residência principal» excluía o «reagrupamento familiar» sempre que a celebração do casamento ocorresse durante as férias no estrangeiro de uma pessoa residente nos Países Baixos.

28.      O Rechtbank ’s‑Gravenhage (Tribunal de Haia), reunido em Zutphen, em 15 de Outubro de 2007, negou provimento ao recurso de R. Chakroun contra as decisões do ministro. Está pendente recurso desta decisão no Raad van State.

29.      Uma questão que foi suscitada neste processo diz respeito à forma como é definido o critério do rendimento aplicável. R. Chakroun não nega que o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da directiva admite a aplicação desse critério, mas alega, essencialmente, que o mesmo se opõe ao estabelecimento de um limiar mais elevado que o geralmente utilizado para determinar o rendimento necessário para prover às despesas indispensáveis à subsistência – designadamente, nos Países Baixos, o salário mínimo legal para a categoria pertinente de pessoas e de situação familiar em causa, rendimento abaixo do qual a pessoa tem o direito de beneficiar de assistência geral. Contudo, como explica o órgão jurisdicional, podem ser, igualmente, atribuídos vários tipos de assistência especial (e reduções de impostos locais) pelas autoridades locais, não apenas às pessoas cujo rendimento seja inferior ao salário mínimo mas também às que, embora tenham recursos iguais ou superiores àquele salário, não conseguem fazer face às despesas indispensáveis à subsistência decorrentes de circunstâncias especiais. Tal assistência especial é concedida numa escala decrescente e deixa de ser concedida quando o rendimento atinge 120% a 130% do salário mínimo. Por conseguinte, a questão é saber se o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), permite que um Estado‑Membro estabeleça um limiar de rendimento a um nível que afaste qualquer possibilidade de recurso a assistência especial daquele tipo.

30.      Outra questão diz respeito à distinção, estabelecida nos Países Baixos, entre reagrupamento familiar e constituição da família. O limiar de 120% do salário mínimo aplica‑se apenas nesta última situação. Na opinião de R. Chakroun, o artigo 2.°, alínea d), da directiva exclui qualquer distinção consoante a relação familiar se tenha constituído antes ou depois da entrada do requerente do agrupamento no Estado‑Membro em causa. Por outro lado, o Ministro alega que tal distinção pode ser estabelecida no caso dos refugiados (artigo 9.°, n.° 2, da directiva) e é igualmente estabelecida no caso de nacionais de países terceiros que sejam residentes de longa duração na Comunidade e exerçam o seu direito de residência num segundo Estado‑Membro (7).

31.      Por conseguinte, o Raad van State submeteu as seguintes questões para decisão prejudicial:

1)      A expressão «recorrer ao sistema de assistência social» [do] artigo 7.°, n.° 1, alínea c), [da Directiva] deve ser interpretada no sentido de que permite a um Estado‑Membro adoptar um regime [nos termos do qual o] reagrupamento familiar não [é autorizado] a um requerente do reagrupamento que provou dispor de recursos estáveis e regulares para poder prover às [despesas] gerais indispensáveis [à] subsistência, mas que, tendo em conta o nível dos seus rendimentos, poderá recorrer à assistência especial para prover a necessidades especiais, individualizadas, de subsistência, bem como à [redução de impostos], em função dos rendimentos, [concedidos pelas autoridades locais] ou a medidas de apoio ao rendimento no âmbito da política municipal do rendimento mínimo?

(2)      [A directiva], em especial o seu artigo 2.°, alínea d), deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que, para efeitos de aplicação do requisito de rendimento previsto no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), distingue as situações consoante os laços familiares sejam anteriores ou posteriores à entrada do residente no Estado‑Membro?

32.      R. Chakroun, os Governos grego e neerlandês e a Comissão apresentaram observações escritas. Na audiência de 21 de Outubro de 2009, R. Chakroun, o Governo neerlandês e a Comissão apresentaram alegações.

 Apreciação

 Considerações preliminares

33.      Observe‑se que, desde a data de pronúncia do despacho de reenvio prejudicial, o Sr. Chakroun completou 65 anos de idade, pelo que, já não se pode aplicar qualquer limiar de rendimento na apreciação de um pedido de reagrupamento familiar (8). Contudo, o processo principal diz respeito a uma decisão tomada quando era aplicável um limiar, e não foi fornecida ao Tribunal de Justiça qualquer informação (nem mesmo após uma questão colocada na audiência) de que o processo seria afectado pela alteração da situação. Por conseguinte, prosseguirei a minha análise dando por assente que a aplicabilidade do limiar continua a ser pertinente para a resolução do litígio pendente no Raad van State.

34.      As duas questões colocadas por aquele órgão jurisdicional são autónomas mas interdependentes. Embora não exista qualquer razão imperativa para as apreciar numa qualquer ordem, entendo que é mais útil começar por analisar se é possível impor um requisito de rendimento diferenciado, antes de analisar o nível de rendimentos que pode ser exigido. Por conseguinte, começarei a minha análise pela segunda questão.

 Segunda questão

35.      O órgão jurisdicional nacional pretende saber, no essencial, se o artigo 2.°, alínea d), da directiva – nos termos do qual o «reagrupamento familiar» abrange todas as situações nas quais um familiar se reúne ao requerente do agrupamento, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à data em que o requerente do agrupamento fixou residência no Estado‑Membro (9) em causa – se opõe a uma legislação nacional que impõe um requisito de rendimento mais elevado neste último caso.

36.      A expressão «independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente» não estabelece, expressamente, uma distinção consoante o momento em que os laços familiares se constituíram. Na verdade, a interpretação mais óbvia é, porventura, tal como sustentam, no essencial, R. Chakroun, o Governo grego e a Comissão, que aquela expressão milita contra qualquer distinção sistemática com base nesse fundamento, que não seja permitida por alguma disposição mais específica (como o artigo 9.°, n.° 2, no que respeita aos refugiados).

37.      Contudo, o Governo dos Países Baixos alega que o artigo 2.°, alínea d), não se opõe, expressamente, a tal distinção. Apenas define um conceito geral, sem afastar a possibilidade de outras distinções dentro desse conceito.

38.      Este argumento não me convence.

39.      Quanto à directiva, em particular, o Tribunal de Justiça recordou a sua jurisprudência uniforme, de acordo com a qual as exigências que decorrem da protecção dos princípios gerais reconhecidos no ordenamento jurídico comunitário, que incluem os direitos fundamentais, também vinculam os Estados‑Membros aquando da implementação das regulamentações comunitárias e que, por conseguinte, estes são obrigados a, na medida do possível, aplicar estas regulamentações em condições que respeitem as referidas exigências (10).

40.      Um desses princípios gerais é o princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação, que tem sido consistentemente definido como exigindo que «situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objectivamente justificado» (11).

41.      Neste contexto, poderia parecer temerário afirmar que a diferença entre os laços familiares anteriores à entrada do requerente do agrupamento no Estado‑Membro e os que se constituíram mais tarde nunca pode justificar um tratamento diferente relativamente a qualquer aspecto.

42.      Contudo, como a Comissão realçou, não parece existirem motivos que justifiquem o estabelecimento de um requisito de rendimento mais elevado num caso do que no outro. O montante necessário para a subsistência do requerente do agrupamento e dos seus familiares sem recorrer ao sistema de assistência social – que é o que o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), autoriza os Estados‑Membros a exigir – pode, obviamente, ser afectado por vários factores, como o número e a idade dos membros da família, as suas necessidades de cuidados ou a sua capacidade para o trabalho. Mas, qualquer que seja o montante, não pode, em situações normais, ser afectado pelo facto de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à data em que o requerente do agrupamento se torna residente regular no Estado de acolhimento.

43.      Em consequência, se o princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação for respeitado na transposição da directiva, está excluída uma distinção como a que a legislação dos Países Baixos estabelece.

44.      O Governo dos Países Baixos apresenta contudo, ainda outro argumento. Afirma que o requisito do rendimento mais elevado é, de facto, a regra. O valor de 120% do salário mínimo corresponde, efectivamente, ao necessário para sustentar uma família sem recorrer ao sistema de assistência social. O requisito de um rendimento mais baixo é a excepção a esta regra. Trata‑se de uma disposição mais favorável, autorizada, expressamente, pelo artigo 3.°, n.° 5, da directiva, com a finalidade de respeitar as obrigações internacionais dos Países Baixos, em especial, o direito ao respeito pela vida familiar consagrado no artigo 8.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – e o Governo considera que as famílias que já estão constituídas quando o requerente do agrupamento entra no Estado‑Membro são mais merecedoras desse respeito do que as que ainda se vão constituir.

45.      Este argumento também não me convence.

46.      Em primeiro lugar – apesar de se tratar de uma questão de interpretação do direito nacional e, por isso, da competência dos órgãos jurisdicionais dos Países Baixos – parece ser posta em causa pela própria redacção da legislação. O artigo 3.22, n.° 1, do Vb 2000 estabelece um limiar de rendimento. O limiar mais elevado previsto no artigo 3.22, n.° 2, apenas para os casos de constituição da família, é expressamente fixado «em derrogação do n.° 1». Creio que é muito difícil interpretar aquelas duas disposições no sentido de que o n.° 2 estabelece um limiar de aplicação geral e o n.° 1 constitui uma excepção.

47.      Se, contudo, por alguma subtileza de interpretação, se provar que é esse o caso, ainda assim não aceito o argumento do Governo. Os Estados‑Membros podem aplicar disposições mais favoráveis do que as impostas ou autorizadas pela directiva (12), mas, ao fazê‑lo têm, ainda assim, de respeitar o princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação. Uma vez que questão de saber se os laços familiares são anteriores ou posteriores à data em que o requerente do agrupamento se torna residente regular no Estado de acolhimento constitui um fundamento objectivo para que se aplique limiares de rendimento diferentes em situações em tudo o mais comparáveis, o facto de o limiar mais elevado ser a excepção ou a regra é irrelevante.

48.      Este entendimento não afecta as demais derrogações (13) através das quais o Governo dos Países Baixos procura apoiar o seu argumento. Quer a idade quer a incapacidade para o trabalho são factores objectivos especialmente susceptíveis de afectar os recursos de uma pessoa e podem, por isso, justificar a redução ou o afastamento de qualquer limiar de rendimento. A ausência de qualquer limiar de rendimento quando os familiares de um refugiado apresentem um pedido para se lhe reunirem no prazo de três meses após a atribuição do estatuto de refugiado não só se baseia numa justificação objectiva (o receio fundado de ser perseguido, que define o estatuto de refugiado (14), é, em particular, susceptível de se estender à família próxima e, por isso, milita a favor do reagrupamento do mesmo antes de o refugiado poder garantir recursos estáveis e regulares no país de acolhimento) como exige expressamente o artigo 12.°, n.° 1, da Directiva.

49.      Aquele entendimento também não afecta qualquer adaptação do limiar que possa ser decidida, com base em fundamentos objectivos, em casos individuais. Na verdade, quando seja aplicado um requisito de rendimento, o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da directiva exige que os Estados‑Membros avaliem os recursos do requerente do agrupamento por referência à sua natureza e regularidade e permite que se tenha em conta o número de familiares. E o artigo 17.° exige que sejam tidas em conta várias circunstâncias individuais em caso de indeferimento de um pedido de reagrupamento familiar. Por conseguinte, a directiva exige uma apreciação individual de cada pedido, opondo‑se à aplicação automática de qualquer limiar abstracto sem consideração das circunstâncias do caso concreto (15).

50.      Um outro aspecto que deve ser referido é a afirmação, na decisão de indeferimento do pedido de R. Chakroun, que parece tentar justificar a distinção entre reagrupamento familiar e constituição da família com fundamento no facto de que é necessário impor um tratamento menos favorável quando um residente nos Países Baixos se case durante as férias. Mas, mesmo que se considere que se trata de uma premissa válida (porventura, com o objectivo de eliminar os casamentos de conveniência), ainda assim, é necessária uma apreciação individual.

51.      Considero que não se pode estabelecer, de forma sistemática, uma distinção objectiva entre dois nacionais de países terceiros que pretendam viver num Estado‑Membro para aí trabalhar e constituir família, um dos quais casa antes de emigrar enquanto o outro poupa para poder casar numa visita ao seu país de origem. A diferença entre os dois pode depender, por exemplo, apenas da vontade ou da reticência dos pais da noiva em aceitarem um genro que ainda não é financeiramente independente.

52.      Além disso, o Governo dos Países Baixos declara expressamente, nas suas observações escritas, que, mesmo que os laços familiares sejam posteriores à entrada do requerente do agrupamento e o requisito do rendimento não esteja cumprido, os familiares receberão autorizações de residência se o artigo 8.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem o exigir – o que significa que serão efectuadas apreciações individuais.

53.      Tais apreciações parecem suficientes para evitar adequadamente a imigração abusiva através de casamentos de conveniência.

54.      Contudo, o casamento de quase 34 anos (à data da apresentação do requerimento) dos Chakrouns dificilmente pode ser comparado com um casamento de conveniência ou com o que pode ser designado por «trazer uma noiva na mala». Uma referência a esta situação bem diferente na decisão de indeferimento do pedido de R. Chakroun parece indicar que o processo ficou aquém de devida apreciação das condições individuais, tal como é exigido quer pela directiva quer pelo artigo 8.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

55.      Tendo em conta as considerações que precedem, entendo que a directiva se opõe ao estabelecimento de uma distinção como a que está em causa, na medida em que não se fundamenta em qualquer factor objectivo relacionado com o nível de recursos exigido para prover às despesas indispensáveis à subsistência do requerente do agrupamento e sua família, e é aplicada sem ter em consideração as circunstâncias de cada caso.

 Primeira questão

56.      À luz da resposta que proponho para a segunda questão, qualquer apreciação da primeira questão deve basear‑se no pressuposto de que o Estado‑Membro aplica um único limiar de rendimento que «lev[a] a que o reagrupamento familiar não seja permitido a um requerente do reagrupamento que provou dispor de recursos estáveis e regulares para poder prover às necessidades gerais indispensáveis de subsistência, mas que, tendo em conta o nível dos seus rendimentos, poderá recorrer à assistência especial para prover a necessidades especiais, individualizadas, de subsistência, bem como à dispensa, em função dos rendimentos, do pagamento de impostos devidos à administração local ou a medidas de apoio ao rendimento no âmbito da política municipal do rendimento mínimo».

57.      Em primeiro lugar, parece‑me que o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da directiva não se opõe a que um Estado‑Membro estabeleça um determinado limiar de rendimento, desde que possa ser aplicado de forma a ter em conta as circunstâncias individuais de cada caso.

58.      Em segundo lugar, o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), declara que os Estados‑Membros «podem ter em conta o nível do salário mínimo nacional e das pensões». Claramente, esta disposição não exige que o limiar seja fixado nos 100% (ou em qualquer outra percentagem) do salário mínimo nacional – nem tal seria possível, uma vez que sete Estados‑Membros não têm qualquer legislação nacional que estabeleça um salário mínimo (16).

59.      Além disso, o critério que pode ser utilizado é a existência de recursos suficientes para a subsistência da família reunida sem recorrer ao sistema de assistência social. Embora o salário mínimo nacional, quando exista, pareça ser um parâmetro útil neste aspecto (uma vez que uma das suas funções pode ser assegurar que as necessidades de subsistência dos trabalhadores são satisfeitas pelos empregadores e não pelo Estado) não se pode presumir que coincide com o nível de rendimento a partir do qual a assistência social deixa de estar disponível. Por várias razões políticas ou económicas, o direito à assistência social pode cessar a um nível inferior ao salário mínimo ou manter‑se para além deste (17). Certo é, contudo, que o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), não autoriza os Estados‑Membros a exigir recursos mais elevados do que os necessários para assegurar a subsistência da família sem recorrer ao sistema de assistência social.

60.      Nas suas observações, R. Chakroun e o Governo dos Países Baixos sugeriram que o conceito de «sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa» deveria ser definido mais detalhadamente.

61.      R. Chakroun alega que, uma vez que se refere ao sistema de assistência social do Estado‑Membro, e ao nível do salário mínimo nacional e das pensões (18), o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), não autoriza a utilização de um critério assente na assistência, que varia de localidade para localidade, como é o caso de todos os tipos de assistência especial que aqui estão em causa.

62.      Esta alegação não me convence totalmente.

63.      Por um lado, embora possa argumentar‑se que o conceito de sistema de assistência social «de um Estado‑Membro» não inclui iniciativas exclusivamente locais, vários Estados‑Membros têm sistemas de governo federais ou quase‑federais nos quais a responsabilidade por áreas como a assistência social pode ser delegada em autoridades regionais ou equivalentes. No caso em apreço, os tipos de assistência social a que respeita a questão submetida pelo Raad van State estão previstos em legislação nacional, ainda que a sua aplicação em concreto seja da competência da administração local.

64.      Por outro lado, o Governo dos Países Baixos declarou, na audiência, que o limiar dos 120% foi escolhido como um valor médio nacional para além do qual deixa de ser possível requerer assistência social especial, mas aquele direito pode, de facto, cessar, dependendo da autoridade local competente, nos 110% ou nos 130% do salário mínimo. Consequentemente, parece que o limiar uniforme de 120% impede o reagrupamento de determinadas famílias que não tenham direito a assistência social especial e permiti‑lo‑á a outras famílias que tenham esse direito. Tal não parece coadunar‑se com o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da directiva ou com a necessidade de apreciação individual de cada caso.

65.      Por seu lado, o Governo dos Países Baixos considera que a directiva respeita a variedade de tipos e de níveis de assistência nos diferentes Estados‑Membros mas que, de qualquer forma, se pode extrair essa orientação da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à distinção entre «vantagem social» e «assistência social» no contexto do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho (19).

66.      A sugestão parece, prima facie, razoável, embora, como a Comissão salientou na audiência, a razão de ser da distinção no contexto do Regulamento n.° 1408/71 (que diz respeito à exportabilidade das prestações) possa não ser transponível para outros contextos. Contudo, na minha opinião, não é necessário que o Tribunal de Justiça adopte uma posição definitiva, uma vez que não se discute – nem parece ser discutível – que as medidas referidas na questão submetida pelo Raad van State constituem, efectivamente, assistência social na acepção da directiva.

67.      O que me parece ser muito mais significativo é o facto de os tipos de assistência em causa só estarem disponíveis em circunstâncias excepcionais. Embora seja dado assente que podem estar disponíveis para pessoas cujos recursos estejam entre os 100% e os 120% do salário mínimo, é, igualmente, claro que não estão disponíveis para todas essas pessoas. Na verdade, a utilização da palavra «excepcional» na legislação implica, necessariamente, que estão disponíveis apenas para uma minoria da população em causa e, portanto, apenas ocasionalmente.

68.      Na audiência, o Governo dos Países Baixos declarou que, em 2007, os pagamentos totais para a assistência social especial ascenderam a 243 milhões de euros, com um valor médio de 150 euros por cada pagamento. Se cada pagamento tiver sido efectuado a uma pessoa diferente, tal representa, aproximadamente, um décimo da população dos Países Baixos, embora um pagamento anual de 150 euros não tenha, claramente, relação com a diferença, em rendimento líquido anual, entre 100% e 120% do salário mínimo, que, de acordo com os valores fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, se situaria, à época dos factos, um pouco acima dos 2 800 euros. Obviamente, é impossível o Tribunal de Justiça retirar qualquer conclusão segura destes valores, mas pode parecer plausível que, de facto, o grosso desses pagamentos tenha beneficiado um número muito mais reduzido de pessoas, das quais uma parte significativa aufere provavelmente menos do que o salário mínimo nacional.

69.      Contudo, seja como for, parece‑me que os valores do Governo não sustentam, de forma credível, a sua alegação de que é necessário um limiar de rendimento uniforme de 120% do salário mínimo nacional para garantir que o reagrupamento familiar não implicará um «recurso ao sistema de assistência social» – uma alegação que é dificilmente compatível com a declaração do próprio Governo, igualmente na audiência, de que os pedidos de assistência social especial eram apreciadas caso a caso.

70.      Tendo em conta a necessidade, que perpassem toda a Directiva, de uma apreciação casuística, parece‑me que a mera possibilidade de recorrer a determinados tipos de assistência social em circunstâncias excepcionais (elas próprias apreciadas caso a caso) não pode ser motivo para indeferir, sistematicamente, um pedido de reagrupamento familiar. Tal contrasta com a existência de um nível de recursos que significa que um indivíduo ou uma família receberá, automaticamente, assistência social – situação que está claramente abrangida pelo âmbito da condição autorizada pelo artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da directiva.

71.      Por conseguinte, considero que o Tribunal de Justiça deve responder à primeira questão no sentido de que a directiva não permite que seja definido um requisito de rendimento como o que está em causa.

 Conclusão

72.      Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça dê as seguintes respostas às questões submetidas pelo Raad van State:

(1)      Os artigos 2.°, alínea d), e 7.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar, conjugadamente, opõem‑se a uma legislação nacional que, para efeitos de aplicação do requisito do rendimento previsto no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), distingue as situações consoante os laços familiares sejam anteriores ou posteriores à entrada do residente no Estado‑Membro, na medida em que tal distinção não se fundamenta em qualquer factor objectivo relacionado com o nível de recursos exigido para prover às despesas indispensáveis à subsistência do requerente do agrupamento e da sua família e se aplica sem ter em consideração as circunstâncias de cada caso;

(2)      O artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2003/86/CE do Conselho não permite que um Estado‑Membro estabeleça um requisito de rendimento que leve a um indeferimento sistemático de um pedido de reagrupamento familiar nos casos em que a família reagrupada não teria qualquer direito automático a assistência social, mas apenas um direito potencial em circunstâncias excepcionais.


1 – Língua original: inglês.


2 – Directiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2003 L 251, p. 12, a seguir «directiva»). Não se aplica à Dinamarca, à Irlanda nem ao Reino Unido (v., décimo sétimo e décimo oitavo considerandos do preâmbulo).


3 – Quer dizer, a «pessoa com quem o estrangeiro pretende residir», a que se refere o artigo 16.°, n.° 1, alínea c), da Vw 2000. Nos termos do artigo 3.15 do Vb 2000, essa pessoa pode ser um nacional dos Países Baixos ou um estrangeiro com autorização de residência regular. Este último corresponde ao conceito de «requerente do reagrupamento» da Directiva.


4 – V. igualmente artigo 3.28, n.° 4, nos termos do qual um requerimento não pode ser indeferido com base no artigo 16.°, n.° 1, alínea c), da Vw 2000 se a pessoa com quem o estrangeiro pretende viver tiver mais de 65 anos de idade, ou estiver incapacitada para o trabalho.


5 – Resulta da análise da legislação neerlandesa pertinente que estes valores se referem ao rendimento líquido e que o valor‑padrão de assistência previsto na lei corresponde ao salário mínimo líquido, o qual é definido em termos brutos na lei sobre o salário mínimo e o subsídio de férias mínimo (Wet minimumloon en minimumvakantiebijslag).


6 – A posse de tal autorização é, em princípio, um requisito para requerer uma autorização de residência por tempo determinado (v. «Family reunification and family formation in the Netherlands during the period 2002–2006», European Migration Network, 2007, pp. 7 e 22).


7 – O artigo 16.°, n.os 1 e 5, da Directiva 2003/109/CE do Conselho da União Europeia, de 25 de Novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004 L 16, p. 44) apenas permite que tais pessoas sejam acompanhadas pelos seus familiares no caso de a família já estar constituída no primeiro Estado‑Membro.


8 – V. n.° 19 supra.


9 – Pode observar‑se que a definição constante do artigo 2.°, alínea d), inclui apenas as situações em que a relação familiar se constituiu antes de o familiar pedir para se reunir ao requerente do agrupamento, e a definição neerlandesa de «constituição da família» contém a mesma limitação. Nenhuma delas abrange a situação de um nacional de um país terceiro que pretenda viajar para um Estado‑Membro para aí contrair matrimónio com o requerente do agrupamento. A proposta de directiva original da Comissão (COM(1999) 638 final) abrangia tal situação [artigo 2.°, alínea e), pp. 12 e 25]. Contudo, em Janeiro de 2001, as palavras «constituir ou» foram apagadas da frase «a fim de constituir ou manter a unidade familiar» (documento do Conselho 5682/01, de 31 Janeiro de 2001).


10 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Junho de 2006, Parlamento/Conselho, (C‑540/03, Colect., p. I‑5769, n.° 105).


11 – V., mais recentemente, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 2009, S.P.C.M. e o. (C‑558/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 74). O princípio da não discriminação é igualmente referido no quinto considerando do preâmbulo da directiva e faz parte dos valores e princípios reconhecidos pelos Estados‑Membros, a que alude o décimo primeiro considerando.


12 – Artigo 3.°, n.° 5; v. n.° 5 supra.


13 – V. n.° 19 supra.


14 – V. artigo 2.°, alínea c), da Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da protecção concedida (JO 2004 L 304, p. 12).


15 – V. igualmente artigo 6.° da directiva (n.° 7 supra) e artigo 16.° (n.° 11 supra), o último dos quais exige que seja tida em conta a contribuição dos familiares para o rendimento do agregado familiar por ocasião da renovação da autorização de residência. Além disso, observo que todas as partes, incluindo o Governo dos Países Baixos, aceitam que o artigo 8.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem exige uma apreciação caso a caso.


16 – Áustria, Chipre, Dinamarca (que não está vinculada à directiva), Finlândia, Alemanha, Itália e Suécia não têm salário mínimo nacional: v. Minimum wages in January, 2009, Eurostat Data in focus, 29/2009, p. 1.


17 – Na verdade, na audiência, o Governo dos Países Baixos declarou que o seu salário mínimo nacional só permitia fazer face às necessidades mais básicas do dia‑a‑dia, e que a assistência social especial é um complemento necessário para garantir um nível de vida mínimo – declaração essa que pode parecer surpreendente atendendo à sua opção de estabelecer o salário mínimo líquido como limiar de rendimento nos casos de reagrupamento familiar, e ainda mais quando se tem em conta que o salário mínimo dos Países Baixos é o segundo mais alto da União Europeia em termos de nível de poder de compra (V., «Minimum wages in January 2009», já referido na nota 16, p. 3).


18 – De igual modo, no artigo 7.°, n.° 1, alínea b) da Directiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros (JO 2004 L 158, p. 77) e, anteriormente, no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 90/364/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa ao direito de residência (JO 1990 L 180, p. 26).


19 – Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 28 de 30.1.1997; EE 05 F1 p. 98). V., em especial, acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Julho de 1992, Hughes (C‑78/91, Colect., p. I‑4839, n.os 17 e 18).