Language of document : ECLI:EU:C:2011:189

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

29 de Março de 2011 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral – Marca comunitária – Regulamento (CE) n.° 40/94 – Artigo 8.°, n.° 4 – Pedido de registo da marca nominativa e figurativa BUD – Oposição – Indicação de proveniência geográfica ‘bud’ – Protecção ao abrigo do Acordo de Lisboa e de tratados bilaterais que vinculam dois Estados‑Membros – Utilização na vida comercial – Sinal cujo alcance não é apenas local»

No processo C‑96/09 P,

que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, interposto ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 4 de Março de 2009,

Anheuser‑Busch Inc., com sede em Saint Louis (Estados Unidos), representada por V. von Bomhard e B. Goebel, Rechtsanwälte,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Budějovický Budvar, národní podnik, com sede em České Budĕjovice (República Checa), representada por F. Fajgenbaum, T. Lachacinski, C. Petsch e S. Sculy‑Logotheti, avocats,

recorrente em primeira instância,

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por A. Folliard‑Monguiral, na qualidade de agente,

recorrido em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot (relator), K. Schiemann e D. Šváby, presidentes de secção, A. Rosas, R. Silva de Lapuerta, E. Levits, U. Lõhmus, M. Safjan e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 2 de Junho de 2010,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de Setembro de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a Anheuser‑Busch Inc. (a seguir «Anheuser‑Busch») pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância (actualmente Tribunal Geral) das Comunidades Europeias de 16 de Dezembro de 2008, Budějovický Budvar/IHMI – Anheuser‑Busch (BUD) (T‑225/06, T‑255/06, T‑257/06 e T‑309/06, Colect., p. II‑3555, a seguir «acórdão recorrido»), que deu provimento aos recursos interpostos pela Budějovický Budvar, národní podnik (a seguir «Budvar»), das decisões da Segunda Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) de 14 de Junho de 2006 (processo R 234/2005‑2), 28 de Junho de 2006 (processos R 241/2005‑2 e R 802/2004‑2) e 1 de Setembro de 2006 (processo R 305/2005‑2) (a seguir «decisões controvertidas») relativas a processos de oposição respeitantes a pedidos de registo como marca comunitária do sinal «BUD» apresentados pela Anheuser‑Busch.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

2        Os artigos 1.° a 5.° do Acordo de Lisboa para a Protecção das Denominações de Origem e seu Registo Internacional, de 31 de Outubro de 1958, revisto em Estocolmo em 14 de Julho de 1967 e alterado em 28 de Setembro de 1979 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 828, n.° 13172, p. 205, a seguir «Acordo de Lisboa»), dispõem:

«Artigo 1.°

1)      Os países a que se aplica o presente Acordo constituem‑se em União Particular no âmbito da União para a Protecção da Propriedade Industrial.

2)      Obrigam‑se a proteger nos seus territórios, nos termos do presente Acordo, as denominações de origem dos produtos de outros países da União Particular, reconhecidas e protegidas como tal no país de origem e registadas na Secretaria Internacional da propriedade intelectual […], visada na Convenção que institui a Organização Mundial da Propriedade Intelectual [OMPI].

Artigo 2.°

1)      Entende‑se por denominação de origem, no sentido do presente Acordo, a denominação geográfica de um país, de uma região ou de uma localidade que serve para designar um produto dele originário cuja qualidade ou características são devidas exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo os factores naturais e os factores humanos.

2)      O país de origem é aquele cujo nome, ou no qual está situada a região ou a localidade cujo nome constitui a denominação de origem que deu ao produto a sua notoriedade.

Artigo 3.°

A protecção será assegurada contra qualquer usurpação ou imitação, ainda que se indique a verdadeira origem do produto ou que a denominação seja usada em tradução ou acompanhada de expressões como ‘género’, ‘tipo’, ‘maneira’, ‘imitação’ ou outras semelhantes.

Artigo 4.°

As disposições do presente [A]cordo não excluem de modo algum a protecção já existente a favor das denominações de origem em cada um dos países da União Particular, em virtude de outros instrumentos internacionais, tais como a Convenção de Paris para a protecção da propriedade industrial de 20 de Março de 1883 e suas revisões subsequentes e o Acordo de Madrid de 14 de Abril de 1891 relativo à repressão das indicações de proveniência falsas ou falaciosas sobre os produtos e suas revisões subsequentes, ou em virtude da legislação nacional ou da jurisprudência.

Artigo 5.°

1)      O registo das denominações de origem será efectuado na Secretaria Internacional, a requerimento das Administrações dos países da União Particular, em nome das pessoas físicas ou morais, públicas ou privadas, titulares do direito de usar essas denominações segundo a sua legislação nacional.

2)      A Secretaria Internacional notificará sem demora os registos às Administrações dos diversos países da União Particular e publicá‑los‑á num compêndio periódico.

3)      As Administrações dos países poderão declarar que não podem assegurar a protecção de uma denominação de origem cujo registo lhes tenha sido notificado, mas apenas quando a sua declaração for notificada à Secretaria Internacional, com indicação dos motivos dentro do prazo de um ano a contar da data da recepção da notificação do registo, e sem que esta declaração possa prejudicar, no país em causa, outras formas de protecção da denominação a que o seu titular possa pretender, de harmonia com o artigo 4.° anterior.

[…]»

3        As regras 9 e 16 do Regulamento de execução do Acordo de Lisboa, entrado em vigor em 1 de Abril de 2002, prevêem o seguinte:

«Regra 9

Declaração de recusa

1)      As declarações de recusa serão notificadas à Secretaria Internacional pela administração competente do país contratante em relação ao qual a recusa é emitida, devendo ser assinadas por essa administração.

[…]

Regra 16

Invalidação

1)      Quando os efeitos de um registo internacional forem declarados nulos ou anulados num país contratante e a declaração de nulidade ou anulação não puder ser objecto de recurso, a administração competente desse país deverá notificar essa invalidação à Secretaria Internacional. […]

[…]»

4        Em 10 de Março de 1975, a denominação de origem «Bud» foi registada na OMPI sob o n.° 598, para cerveja, ao abrigo do Acordo de Lisboa.

 Tratados bilaterais

 Convenção bilateral

5        Em 11 de Junho de 1976, a República da Áustria e a República Socialista da Checoslováquia celebraram um tratado relativo à protecção das indicações de proveniência, denominações de origem e outras denominações relativas à proveniência de produtos agrícolas e industriais (a seguir «convenção bilateral»).

6        Após a sua aprovação e ratificação, a convenção bilateral foi publicada no Bundesgesetzblatt für die Republik Österreich de 19 de Fevereiro de 1981 (BGBl. 75/1981). Nos termos do seu artigo 16.°, n.° 2, a convenção bilateral entrou em vigor em 26 de Fevereiro de 1981 por tempo indeterminado.

7        O artigo 1.° da convenção bilateral prevê:

«Cada um dos Estados contratantes obriga‑se a adoptar todas as medidas necessárias para proteger eficazmente contra a concorrência desleal na vida comercial as indicações de proveniência, denominações de origem e outras denominações relativas à proveniência de produtos agrícolas e industriais incluídos nas categorias previstas no artigo 5.° e especificadas no acordo previsto no artigo 6.°, bem como os nomes e as ilustrações mencionadas nos artigos 3.°, 4.° e 8.°, n.° 2.»

8        Nos termos do artigo 2.° da convenção bilateral:

«Consideram‑se indicações de proveniência, denominações de origem e demais denominações relativas à proveniência, na acepção do presente Tratado, todas as indicações que directa ou indirectamente se referem à proveniência dos produtos. Trata‑se, de modo geral, de uma designação geográfica. Pode, porém, tratar‑se também de menções de outro tipo que, nos meios interessados do país de origem, sejam entendidas, em conexão com o produto assim designado, como referência ao país de proveniência. As referidas denominações podem conter, além da referência à origem do produto numa determinada área geográfica, também informações sobre a qualidade do produto. Tais propriedades particulares dos produtos serão exclusiva ou predominantemente a consequência de influências geográficas ou humanas.»

9        O artigo 3.°, n.° 1, da convenção bilateral dispõe:

«[...] as denominações checoslovacas enumeradas no acordo celebrado nos termos do artigo 6.° serão reservadas, na República da Áustria, exclusivamente aos produtos checoslovacos.»

10      O artigo 5.°, n.° 1, B, ponto 2, da convenção bilateral inclui as cervejas nas categorias de produtos checos abrangidos pela protecção assegurada por esta convenção.

11      Nos termos do artigo 6.° da convenção bilateral:

«As denominações relativas aos produtos, a que se aplicam as condições dos artigos 2.° e 5.°, que beneficiam da protecção do Tratado e que não são denominações genéricas são enumeradas num acordo que deverá ser concluído entre os governos dos dois Estados contratantes.»

 Acordo bilateral

12      Nos termos do artigo 6.° da convenção bilateral, foi celebrado em 7 de Junho de 1979 um acordo relativo à aplicação da mesma (a seguir «acordo bilateral» e, conjuntamente com a convenção bilateral, «tratados bilaterais em causa»).

13      O anexo B do acordo bilateral enuncia:

«Denominações checoslovacas para produtos agrícolas e industriais

[...]

B      Alimentação e agricultura (excepto o vinho)

[...]

2.      Cerveja

República Socialista Checa

[...]

Bud

[...]»

 Direito da União

14      O Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), foi revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1). Contudo, continua a ser aplicável ao presente litígio o Regulamento n.° 40/94, na sua versão resultante do Regulamento (CE) n.° 422/2004 do Conselho, de 19 de Fevereiro de 2004 (JO L 70, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 40/94»).

15      O artigo 8.° do Regulamento n.° 40/94, sob a epígrafe «Motivos relativos de recusa», dispõe no seu n.° 4:

«Após oposição do titular de uma marca não registada ou de outro sinal utilizado na vida comercial cujo alcance não seja apenas local, será recusado o pedido de registo da marca quando e na medida em que, segundo a legislação comunitária ou o direito do Estado‑Membro aplicável a esse sinal:

a)      Tenham sido adquiridos direitos sobre esse sinal antes da data de depósito do pedido de marca comunitária ou, se for caso disso, antes da data de prioridade invocada em apoio do pedido de marca comunitária;

b)      Esse sinal confira ao seu titular o direito de proibir a utilização de uma marca posterior.»

16      O artigo 43.°, n.os 2 e 3, do mesmo regulamento prevê:

«2.      A pedido do requerente, o titular de uma marca comunitária anterior que tenha deduzido oposição, provará que, nos cinco anos anteriores à publicação do pedido de marca comunitária, a marca comunitária anterior foi objecto de uma utilização séria na Comunidade em relação aos produtos ou serviços para que foi registada e em que se baseia a oposição, ou que existem motivos justificados para a sua não utilização, desde que, nessa data, a marca anterior esteja registada há, pelo menos, cinco anos. Na falta dessa prova, a oposição será rejeitada. Se a marca comunitária anterior tiver sido utilizada apenas para uma parte dos produtos ou serviços para que foi registada, só se considera registada, para efeitos de análise da oposição, em relação a essa parte dos produtos ou serviços.

3.      O n.° 2 é aplicável às marcas nacionais anteriores referidas no n.° 2, alínea a), do artigo 8.°, partindo‑se do princípio de que a utilização na Comunidade é substituída pela utilização no Estado‑Membro em que a marca nacional anterior se encontre protegida.»

17      Nos termos do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94:

«No decurso do processo, o Instituto procederá ao exame oficioso dos factos; contudo, num processo respeitante a motivos relativos de recusa do registo, o exame limitar‑se‑á às alegações de facto e aos pedidos apresentados pelas partes.»

 Antecedentes do litígio

18      Os antecedentes do litígio submetido ao Tribunal de Primeira Instância, conforme foram descritos no acórdão recorrido, podem ser resumidos da forma seguinte.

19      Em 1 de Abril de 1996, 28 de Julho de 1999, 11 de Abril de 2000 e 4 de Julho de 2000, a Anheuser‑Busch depositou no IHMI quatro pedidos de registo como marca comunitária da marca figurativa e denominativa BUD para determinados tipos de produtos, entre os quais a cerveja, das classes 16, 21, 25, 32, 33, 35, 38, 41 e 42 do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, conforme revisto e alterado.

20      Em 5 de Março de 1999, 1 de Agosto de 2000, 22 de Maio e 5 de Junho de 2001, a Budvar apresentou oposições nos termos do artigo 42.° do Regulamento n.° 40/94 em relação a todos os produtos especificados nos pedidos de registo.

21      Em apoio das oposições, a Budvar invoca, em primeiro lugar, com fundamento no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, a existência de uma marca anterior, ou seja, a marca figurativa internacional Bud (n.° 361 566), registada para cerveja, com efeitos na Áustria, no Benelux e em Itália.

22      A Budvar invoca, em segundo lugar, com fundamento no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, a existência da denominação «bud» conforme está protegida, por um lado, em França, em Itália e em Portugal ao abrigo do Acordo de Lisboa e, por outro, na Áustria nos termos dos tratados bilaterais em causa.

23      Por decisão de 16 de Julho de 2004, a Divisão de Oposição do IHMI deferiu a oposição deduzida ao registo da marca pedida no que respeita aos «serviços de restaurante, bar e pub» (classe 42), visados pelo pedido de registo de 4 de Julho de 2000, considerando, designadamente, que a Budvar demonstrou que possuía um direito sobre a denominação de origem «bud» em França, Itália e Portugal.

24      Por decisões de 23 de Dezembro de 2004 e 26 de Janeiro de 2005, a Divisão de Oposição indeferiu as oposições deduzidas ao registo das marcas que são objecto dos três outros pedidos de registo, considerando, no essencial, que não tinha sido feita prova de que a denominação de origem «bud», no que respeita à França, à Itália, à Áustria e a Portugal, era um sinal utilizado na vida comercial cujo alcance não era apenas local.

25      Para chegar a esta conclusão, a Divisão de Oposição considerou que deviam ser aplicados os mesmos critérios que os previstos no artigo 43.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, interpretado à luz da regra 22, n.os 2 e 3, do Regulamento (CE) n.° 2868/95 da Comissão, de 13 de Dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento n.° 40/94 (JO L 303, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1041/2005 da Comissão, de 29 de Junho de 2005 (JO L 172, p. 4, a seguir «Regulamento n.° 2868/95», sendo estes critérios relativos à prova da «utilização séria» das marcas anteriores em que se baseia a oposição.

26      A Budvar interpôs então três recursos das decisões da Divisão de Oposição do IHMI de 23 de Dezembro de 2004 e 26 de Janeiro de 2005 e ainda da decisão de 16 de Julho de 2004 desta mesma Divisão, na medida em que indeferiu a oposição no que respeita aos outros serviços incluídos nas classes 35, 38, 41 e 42.

27      Quanto à Anheuser‑Busch, a mesma interpôs recurso da decisão da Divisão de Oposição do IHMI de 16 de Julho de 2004, na medida em que deferiu parcialmente a oposição deduzida pela Budvar.

28      Pelas decisões de 14 de Junho, 28 de Junho e 1 de Setembro de 2006, a Segunda Câmara de Recurso do IHMI negou provimento aos recursos interpostos pela Budvar das decisões da Divisão de Oposição do IHMI de 23 de Dezembro de 2004 e 26 de Janeiro de 2005. Por decisão proferida em 28 de Junho de 2006, a mesma Câmara deu provimento ao recurso interposto pela Anheuser‑Busch da decisão da Divisão de Oposição do IHMI de 16 de Julho de 2004 e julgou improcedente na íntegra a oposição deduzida pela Budvar.

29      Nas decisões controvertidas, a Câmara de Recurso salientou, em primeiro lugar, que a Budvar parecia já não se referir à marca figurativa internacional n.° 361 566 como base das suas oposições, mas apenas à denominação de origem «bud».

30      Em segundo lugar, a Câmara de Recurso considerou, no essencial, que era difícil admitir que o sinal «BUD» pudesse ser considerado como denominação de origem ou uma indicação indirecta de proveniência geográfica. Daqui concluiu que uma oposição não poderia ter êxito, nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, com base num direito apresentado como uma denominação de origem, mas que de facto o não era.

31      Em terceiro lugar, a Câmara de Recurso, aplicando por analogia as disposições do artigo 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 40/94 e a regra 22 do Regulamento n.° 2868/95, considerou que as provas apresentadas pela Budvar da utilização da denominação de origem «bud» em França, em Itália, na Áustria e em Portugal eram insuficientes.

32      Por último, a Câmara de Recurso considerou que a oposição deveria igualmente ser rejeitada pelo facto de a Budvar não ter demonstrado que a denominação de origem em causa lhe conferia o direito de proibir a utilização, como marca, do termo «bud», em França ou na Áustria.

 Tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

33      Por petições entregues na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 26 de Agosto (processo T‑225/06), 15 de Setembro (processos T‑255/06 e T‑257/06) e 14 de Novembro de 2006 (processo T‑309/06), a Budvar interpôs recursos de anulação das decisões controvertidas.

34      A Budvar invoca, no essencial, um único fundamento, baseado na violação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, e que se divide em duas partes.

35      Na primeira parte, a Budvar põe em causa a conclusão da Câmara de Recurso segundo a qual não se podia considerar que o sinal «BUD» constituía uma denominação de origem. Na segunda parte, a Budvar contesta a apreciação da mesma Câmara nos termos da qual as condições enunciadas no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 não estavam reunidas no caso concreto.

36      No que respeita à primeira parte do referido fundamento, o Tribunal de Primeira Instância salientou, no n.° 82 do acórdão recorrido, que havia que fazer uma distinção, para efeitos da análise das decisões controvertidas, entre a denominação de origem «bud» registada ao abrigo do Acordo de Lisboa e a denominação «bud» protegida nos termos da convenção bilateral.

37      No que se refere, em primeiro lugar, à denominação de origem «bud» registada ao abrigo do Acordo de Lisboa, o Tribunal de Primeira Instância pronunciou‑se, desde logo, nos termos seguintes no n.° 87 do acórdão recorrido:

«No caso presente, a denominação de origem ‘bud’ (n.° 598) foi registada em 10 de Março de 1970. A França não declarou, no prazo de um ano a contar da recepção da notificação do registo, que não podia assegurar a protecção da referida denominação de origem. Por outro lado, no momento da adopção das decisões [controvertidas], os efeitos da denominação de origem em causa tinham sido invalidados por uma decisão do tribunal de grande instance de Strasbourg [França] de 30 de Junho de 2004. Todavia, como resulta dos documentos juntos aos autos, a Budvar interpôs desta decisão um recurso que tem efeito suspensivo. Daí decorre que, no momento da adopção das decisões [controvertidas], os efeitos da denominação de origem em causa não tinham sido declarados nulos ou anulados, em França, por uma decisão irrecorrível.»

38      Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 88 do acórdão recorrido, recordou sua jurisprudência segundo a qual, uma vez que o direito das marcas da União não substitui os direitos das marcas dos Estados‑Membros, a validade de uma marca nacional não pode ser posta em causa no âmbito de um processo de registo de uma marca comunitária.

39      No n.° 89 do mesmo acórdão, o Tribunal de Primeira Instância deduziu que o sistema instituído pelo Regulamento n.° 40/94 pressupõe a tomada em consideração pelo IHMI da existência de direitos anteriores protegidos a nível nacional.

40      No n.° 90 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância extraiu a seguinte conclusão:

«Uma vez que, em França, os efeitos da denominação de origem ‘bud’ não foram definitivamente invalidados, a Câmara de Recurso devia ter em conta, nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, o direito nacional pertinente e o registo efectuado ao abrigo do Acordo de Lisboa, sem poder pôr em causa o facto de o direito anterior invocado constituir uma ‘denominação de origem’.»

41      Por último, no n.° 91 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância acrescentou que, se a Câmara de Recurso tinha dúvidas sérias quanto à qualificação de «denominação de origem» do direito anterior e, portanto, quanto à protecção que devia ser concedida a essa denominação ao abrigo do direito nacional invocado, quando essa questão era justamente objecto de um processo judicial em França, tinha a possibilidade, nos termos da regra 20, n.° 7, alínea c), do Regulamento n.° 2868/95, de suspender a instância no processo de oposição aguardando uma decisão final a esse respeito.

42      Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância entendeu, no n.° 92 do acórdão recorrido, que a Câmara de Recurso violou o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 ao considerar, antes de mais, que o direito anterior invocado, registado ao abrigo do Acordo de Lisboa, não era uma «denominação de origem» e, além disso, que a questão de saber se o sinal «BUD» era considerado uma denominação de origem protegida, designadamente em França, revestia uma «importância secundária» e, por último, ao concluir que uma oposição não poderia proceder nessa base.

43      No que respeita, em segundo lugar, à denominação «bud» protegida ao abrigo dos tratados bilaterais em causa, o Tribunal de Primeira Instância salientou, no n.° 93 do acórdão recorrido, que não resulta dos referidos tratados que a indicação «BUD» tenha sido designada especificamente como uma «denominação de origem».

44      No n.° 94 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou que decorria do artigo 2.° da convenção bilateral que esta se baseia numa definição mais ampla que a adoptada pela Câmara de Recurso, uma vez que basta que as indicações ou denominações em causa se refiram directa ou indirectamente à proveniência de um produto para poderem ser enumeradas no acordo bilateral e beneficiar a este título da protecção conferida pela referida convenção.

45      A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 95 do acórdão recorrido, que a Câmara de Recurso tinha cometido dois erros, o primeiro, ao considerar erradamente que a denominação «BUD» era especificamente protegida como «denominação de origem» ao abrigo dos tratados bilaterais em causa e, o segundo, na medida em que, em qualquer caso, tinha aplicado uma definição de «denominação de origem» que não corresponde à definição das indicações protegidas nos termos daqueles tratados.

46      Além disso, no n.° 96 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que o facto de a Budvar ter podido apresentar o direito invocado como sendo uma «denominação de origem» não impedia a Câmara de Recurso de proceder a uma apreciação completa dos factos e dos documentos apresentados, uma vez que a limitação da base factual da análise efectuada pelo IHMI não exclui que este tome em consideração, para além dos factos avançados expressamente pelas partes no processo de oposição, factos notórios, ou seja, factos que são susceptíveis de serem conhecidos por qualquer pessoa ou que podem ser conhecidos por meio de fontes geralmente acessíveis.

47      No n.° 97 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância concluiu daí que a Câmara de Recurso violou o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 ao considerar, antes de mais, que o direito anterior invocado, protegido ao abrigo da convenção bilateral, não era uma «denominação de origem», de acordo com a definição acolhida pela Câmara de Recurso, em seguida, que a questão de saber se o sinal «BUD» era considerado uma denominação de origem protegida, designadamente na Áustria, revestia uma «importância secundária» e, por último, ao concluir que a oposição não podia proceder nesta base.

48      No n.° 98 do referido acórdão, o Tribunal de Primeira Instância salientou que, além disso, os tratados bilaterais em causa produzem ainda os seus efeitos na Áustria para proteger a denominação «bud», baseando‑se, designadamente, no facto de os litígios em curso na Áustria não terem terminado por uma decisão judicial definitiva. Além disso, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que a Câmara de Recurso devia ter em conta, nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, o direito anterior invocado pela Budvar sem poder pôr em causa a própria qualificação do dito direito.

49      Consequentemente, no n.° 99 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância julgou procedente a primeira parte do fundamento único, baseada na violação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

50      No que se refere à segunda parte do mesmo fundamento, relativa à aplicação das condições enunciadas no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, o Tribunal de Primeira Instância analisou a alegação relativa às condições da utilização na vida comercial de um sinal cujo alcance não é apenas local.

51      No que se refere, em primeiro lugar, à condição relativa à utilização do sinal «BUD» na vida comercial, o Tribunal de Primeira Instância recordou em primeiro lugar, no n.° 160 do acórdão recorrido, que, nas decisões controvertidas, a Câmara de Recurso aplicou por analogia o artigo 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 40/94 e a exigência da prova de uma utilização «séria» do direito anterior prevista nesse n.° 2.

52      No n.° 163 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância entendeu, em seguida, que as finalidades e as condições ligadas à prova da utilização séria da marca anterior diferem das relativas à prova da utilização, na vida comercial, do sinal referido no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, em especial quando se trata, como no presente caso, de uma denominação de origem registada ao abrigo do Acordo de Lisboa ou de uma denominação protegida ao abrigo dos tratados bilaterais em causa.

53      A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância constatou, nos n.os 164 a 167 do acórdão recorrido, que:

–        o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 não se refere à utilização «séria» do sinal invocado em apoio da oposição;

–        no âmbito do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 e dos artigos 5.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância consideraram reiteradamente que o uso de um sinal tem lugar na «vida comercial» quando tal uso se situa no contexto de uma actividade comercial destinada à obtenção de um proveito económico e não no domínio privado (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 2002, Arsenal Football Club, C‑206/01, Colect., p. I‑10273, n.° 40);

–        a aplicação por analogia das disposições do artigo 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 40/94 equivale a fazer incidir sobre os sinais a que se refere o artigo 8.°, n.° 4, condições especificamente ligadas às marcas e ao âmbito da sua protecção. Esta última disposição implica, por outro lado, a exigência suplementar, não prevista no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do mesmo regulamento, que respeita à prova de que o sinal confere o direito, nos termos da legislação do Estado‑Membro em causa, de proibir a utilização de uma marca mais recente;

–        esta aplicação por analogia do referido artigo 43.°, n.os 2 e 3, levou a Câmara de Recurso a examinar apenas a utilização do sinal em causa em França, em Itália, na Áustria e em Portugal, de forma separada, ou seja, em cada um dos territórios em que, segundo a Budvar, está protegida a denominação «bud» e, consequentemente, a não tomar em consideração elementos de prova apresentados pela Budvar relativos à utilização das denominações em causa no Benelux, em Espanha e no Reino Unido. Ora, segundo o Tribunal de Primeira Instância, uma vez que não resulta dos termos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 que sinais como os que estão em causa devam ser objecto de utilização no território cujo direito é invocado em apoio da protecção do referido sinal, estes podem ser objecto de protecção num território específico apesar de não terem sido objecto de utilização nesse território.

54      Por último, tendo em conta estes elementos, o Tribunal de Primeira Instância entendeu, no n.° 168 do acórdão recorrido, que a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito ao decidir aplicar por analogia as disposições do direito da União relativas à utilização «séria» da marca anterior. No entender do Tribunal de Primeira Instância, a Câmara de Recurso deveria ter verificado se os elementos apresentados pela Budvar durante a fase administrativa do processo reflectiam a utilização dos sinais em causa no âmbito de uma actividade comercial destinada à obtenção de proventos económicos, e não no domínio privado, independentemente do território afectado por esta utilização.

55      Contudo, no mesmo n.° 168, o Tribunal de Primeira Instância acrescentou que, nessa medida, o erro de metodologia cometido pela Câmara de Recurso só poderia justificar a anulação das decisões controvertidas se a Budvar tivesse demonstrado que os sinais em causa eram utilizados na vida comercial.

56      A este respeito, no n.° 169 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou que não resulta do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 que o opositor deva demonstrar que o sinal em causa foi utilizado anteriormente ao pedido de marca comunitária, mas que pode quando muito ser exigido, à semelhança do que é requerido quanto às marcas anteriores, para evitar utilizações do direito anterior provocadas unicamente por um processo de oposição, que o sinal em causa tenha sido utilizado antes da publicação do pedido de marca no Boletim de Marcas Comunitárias.

57      Nos n.os 170 a 172 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância analisou os documentos apresentados pela Budvar e, após ter verificado que os mesmos se referiam a uma utilização do sinal anterior à publicação do pedido de registo da marca em causa, concluiu, no n.° 173 do mesmo acórdão, que estes documentos eram susceptíveis de demonstrar, sob reserva do seu valor probatório, que o sinal em causa era «utilizado» na vida comercial.

58      Quanto ao mérito, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 175 do acórdão recorrido, que uma menção que vise indicar a proveniência geográfica de um produto pode ser utilizada, à semelhança de uma marca, na vida comercial, sem que isso signifique que a denominação em causa seja utilizada «como uma marca» e perca, assim, a sua função principal.

59      Além disso, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 176 do acórdão recorrido, que o valor probatório de documentos referentes a entregas feitas a título gratuito não podia ser posto em causa, uma vez que estas podiam ser realizadas no contexto de uma actividade comercial destinada a obter um benefício económico, designadamente a conquista de novos mercados.

60      Consequentemente, no n.° 178 do acórdão recorrido, Tribunal de Primeira Instância admitiu a alegação da Budvar relativa à condição da utilização do sinal em causa na vida comercial, conforme prevista no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

61      No que diz respeito, em segundo lugar, à condição relativa ao alcance do sinal em causa, o Tribunal de Primeira Instância recordou, no n.° 179 do acórdão recorrido, que a Câmara de Recurso considerou que a prova da utilização em França deste sinal era insuficiente para demonstrar a existência de um direito cujo alcance não é apenas local.

62      A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou, nos n.os 180 e 181 do acórdão recorrido, que a Câmara de Recurso tinha também cometido um erro de direito uma vez que a referida condição visa o alcance do sinal em causa, ou seja, o âmbito geográfico da sua protecção, e não o alcance da sua utilização. Quanto a este aspecto, o Tribunal de Primeira Instância considerou que os direitos anteriores em causa têm um alcance que não é apenas local, tendo em conta o facto de a sua protecção ao abrigo do Acordo de Lisboa e dos tratados bilaterais em causa se estender para além do seu território de origem.

63      O Tribunal de Primeira Instância concluiu daí, no n.° 182 do acórdão recorrido, pela procedência da primeira alegação da segunda parte do fundamento único.

64      Quanto à segunda alegação da segunda parte do fundamento único, relativa à questão de saber se a Budvar fez prova de que os sinais em causa lhe conferiam o direito de proibir a utilização de uma marca posterior na acepção do artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, no n.° 185 do mesmo acórdão, que, tendo também em conta o artigo 74.° do mesmo regulamento, o ónus da prova incumbe ao opositor.

65      No que respeita aos direitos nacionais invocados pela Budvar em apoio da sua oposição e a fim de demonstrar a existência de um direito de proibir a utilização do termo «BUD», como marca, em França ou na Áustria, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 192 do acórdão recorrido, considerou, em primeiro lugar, que a Câmara de Recurso não se podia basear unicamente em determinadas decisões judiciais proferidas nesses Estados‑Membros para concluir que a Budvar não tinha feito prova de que o sinal em causa lhe conferia o direito de proibir a utilização de uma marca posterior, uma vez que nenhuma dessas decisões tinha adquirido força de caso julgado.

66      No mesmo n.° 192, o Tribunal de Primeira Instância acrescentou que, para verificar se foi feita a referida prova, a Câmara de Recurso deveria igualmente ter tido em conta as disposições do direito nacional invocadas pela Budvar, incluindo o Acordo de Lisboa e a convenção bilateral, e, em especial, no que respeita à França, várias disposições do code rural, do code de la consommation e do code de la propriété intelecutelle e, no que respeita à Áustria, o fundamento jurídico conforme consta dos recursos interpostos pela Budvar ao abrigo do direito nacional invocado, ou seja, o artigo 9.° da convenção bilateral e as disposições da regulamentação austríaca relativa às marcas e à concorrência desleal.

67      Em segundo lugar, no que respeita à Áustria, o Tribunal de Primeira Instância recordou, no n.° 193 do acórdão recorrido, que a Câmara de Recurso indicou que o acórdão do Oberlandesgericht Wien (Áustria) de 21 de Abril de 2005 considerou que o termo «bud» não é o nome de um local e não é entendido pelos consumidores checos como designando uma cerveja da cidade de České Budějovice e que, no entender da referida Câmara, esse acórdão assenta em constatações de facto cuja revisão por um órgão jurisdicional de última instância seria pouco provável.

68      Ora, no mesmo n.° 193, o Tribunal de Primeira Instância observou que resultava dos documentos juntos nos debates que o referido acórdão do Oberlandesgericht Wien foi precisamente anulado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria) por acórdão proferido em 29 de Novembro de 2005, ou seja, antes da adopção das decisões controvertidas, pelo facto de ter sido unicamente constatado que a denominação «BUD» não era associada na República Checa a nenhuma região ou localidade específica, quando deveria ter sido verificado se os consumidores checos interpretam essa denominação, no que se refere à cerveja, como indicando um lugar ou uma região.

69      A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou, nesse mesmo n.° 193, que, tendo em conta que, na sua réplica na Câmara de Recurso, a Budvar apresentou uma cópia do recurso que interpôs para o Oberster Gerichtshof, a referida Câmara se podia informar junto das partes ou por qualquer outro meio sobre o desfecho do processo intentado naquele órgão jurisdicional nacional.

70      Quanto a este aspecto, o Tribunal de Primeira Instância recordou, também no n.° 193 do acórdão recorrido, que o IHMI se deve informar oficiosamente, através dos meios que entender úteis para o efeito, sobre o direito nacional do Estado‑Membro em causa se essas informações forem necessárias para apreciar as condições de aplicação de um motivo de recusa de registo e, designadamente, no que respeita à materialidade dos factos apresentados ou à força probatória dos documentos oferecidos. No entender do Tribunal de Primeira Instância, a limitação da base factual da apreciação feita pelo IHMI não exclui, com efeito, que este tome em consideração, para além dos factos apresentados expressamente pelas partes no processo de oposição, factos notórios, quer dizer, factos que são susceptíveis de serem conhecidos por qualquer pessoa ou que podem ser conhecidos por meio de fontes geralmente acessíveis.

71      Em terceiro lugar, no que respeita à França, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 195 do acórdão recorrido, que, ao contrário do que decidira a Câmara de Recurso, não resulta dos termos do artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 que o opositor deva demonstrar que já pôde efectivamente proibir a utilização de uma marca posterior, o que a Budvar não foi capaz de fazer, mas deve apenas demonstrar que dispõe de tal direito.

72      No n.° 196 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância acrescentou que, ao contrário do que indicou a Câmara de Recurso, a denominação de origem «bud», registada ao abrigo do Acordo de Lisboa, não foi invalidada por decisão do tribunal de grande instance de Strasbourg de 30 de Junho de 2004, uma vez que este indica claramente que apenas os «efeitos» no território francês da denominação de origem «bud» foram invalidados, em conformidade com as disposições pertinentes do referido acordo. O Tribunal de Primeira Instância recordou igualmente que essa decisão foi objecto de recurso e que este tem efeito suspensivo.

73      No n.° 199 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que a Câmara de Recurso cometeu um erro ao não ter em conta todos os elementos factuais e jurídicos relevantes para determinar se, nos termos do artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, a legislação do Estado‑Membro em causa conferia à Budvar o direito de proibir a utilização de uma marca posterior.

74      O Tribunal de Primeira Instância concluiu daí, no n.° 201 do acórdão recorrido, que a segunda parte do fundamento único devia ser julgada procedente e, consequentemente, julgou procedente o fundamento único do recurso e deu‑lhe provimento na íntegra.

75      Consequentemente, no n.° 202 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância anulou as decisões controvertidas.

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

76      No seu recurso, a Anheuser‑Busch pede que o Tribunal se digne:

–        anular o acórdão recorrido, com excepção do n.° 1 da parte decisória;

–        a título principal, decidir definitivamente o litígio, negando provimento ao recurso interposto em primeira instância ou, a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral; e

–        condenar a Budvar nas despesas.

77      A Budvar pede que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao presente recurso; e

–        condenar a Anheuser‑Busch nas despesas.

78      O IHMI pede que o Tribunal se digne:

–        anular o acórdão recorrido; e

–        condenar a Budvar nas despesas.

 Quanto ao presente recurso

79      Em apoio do presente recurso, a Anheuser‑Busch invoca dois fundamentos. O primeiro fundamento, que se divide em três partes, é relativo à violação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94. O segundo fundamento é relativo à violação das disposições conjugadas dos artigos 8.°, n.° 4, e 74.°, n.° 1, deste mesmo regulamento.

80      O IHMI declara apoiar o recurso e invoca dois fundamentos, relativos à violação dos artigos, respectivamente, 8.°, n.° 4, e 74.°, n.° 1, do referido regulamento.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94

 Quanto à primeira parte do primeiro fundamento

–       Argumentos das partes

81      Na primeira parte do seu primeiro fundamento, a Anheuser‑Busch afirma que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar que a Câmara de Recurso não era competente para determinar se a Budvar tinha demonstrado a validade dos direitos anteriores que invocava nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, apesar de esta poder ser seriamente posta em dúvida.

82      No âmbito de um processo de oposição tendo por base «direitos» na acepção do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, o IHMI deve determinar se esses direitos existem realmente, se são aplicáveis e se podem ser invocados contra o pedido de registo da marca em causa, o que fez correctamente a Câmara de Recurso.

83      O ónus da prova de que essas condições estão reunidas incumbe, aliás, ao opositor, como é confirmado pelos artigos 43.°, n.° 5, e 45.° do Regulamento n.° 40/94.

84      No presente caso, a Câmara de Recurso baseou‑se em várias decisões judiciais, definitivas no que respeita à República Italiana e à República Portuguesa e ainda não definitivas no que diz respeito à República Francesa e à República da Áustria, das quais decorre, quanto aos dois primeiros Estados‑Membros acima referidos, que a denominação em causa foi anulada e, quanto aos outros dois Estados‑Membros, que o direito anterior em questão não era aplicável.

85      No que se refere às decisões proferidas nesses dois últimos Estados‑Membros, a Anheuser‑Busch apresentou numerosos elementos que demonstram que se não podia considerar que a denominação em causa constituía uma denominação de origem ou uma indicação geográfica, desvirtuando assim a presunção da existência desse direito anterior decorrente do registo. Por consequência, incumbia à Budvar demonstrar a existência dos direitos nacionais que invocava. Ora, a Câmara de Recurso, após examinar os elementos de prova apresentados pela Budvar, considerou que esta última não tinha feito essa prova.

86      Por último, a Anheuser‑Busch afirma que o Tribunal de Primeira Instância se baseou numa analogia entre o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 e o n.° 1 do mesmo artigo, que diz respeito à oposição baseada numa marca anterior e no quadro do qual resulta da jurisprudência assente do Tribunal Geral que o IHMI não verifica a validade da marca anterior.

87      Ora, esta analogia não tem fundamento. Ambas as disposições em causa contêm, com efeito, motivos relativos de recusa independentes e diferentes. Uma marca nacional constitui um motivo de recusa devido apenas ao seu registo, uma vez que as legislações dos Estados‑Membros sobre a marca estão harmonizadas pela Directiva 89/104. Em contrapartida, tal não sucede no que respeita aos «direitos» visados no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, uma vez que estes não foram objecto de nenhuma medida de harmonização.

88      A Budvar recorda que o Regulamento n.° 40/94 não atribui ao IHMI, enquanto organismo da União Europeia, o poder de registar ou de invalidar marcas nacionais. Ora, como refere igualmente o décimo primeiro considerando deste regulamento, não podem ser reconhecidas competências ao IHMI sem atribuição expressa prevista pelo direito derivado e na condição de essa atribuição ser permitida pelo Tratado CE.

89      O Tribunal de Primeira Instância recusou, por isso, correctamente, reconhecer ao IHMI competência para se pronunciar sobre a validade de uma marca nacional invocada em apoio de uma oposição. Este princípio, igualmente consagrado no quinto considerando do Regulamento n.° 40/94, é inteiramente aplicável aos direitos invocados por um opositor ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, deste regulamento.

–       Apreciação do Tribunal

90      A Anheuser‑Busch afirma, no essencial, que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar que a Câmara de Recurso violou o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 na medida em que considerou que a indicação de proveniência geográfica «Bud», conforme é protegida ao abrigo do Acordo de Lisboa e dos tratados bilaterais em causa em causa, não podia ser qualificada de denominação de origem ou mesmo de indicação indirecta de proveniência geográfica, e que a oposição só poderia ter êxito, ao abrigo da referida disposição, com base nestes direitos anteriores apresentados como uma denominação de origem, mas que de facto o não eram.

91      A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância observou, nos n.os 87 e 98 do acórdão recorrido, que, à data da adopção das decisões controvertidas, os processos judiciais em curso em França e na Áustria sobre a validade, respectivamente, da denominação de origem «bud», tal como protegida em França pelo Acordo de Lisboa, e da denominação «bud», conforme protegida na Áustria pelos tratados bilaterais em causa, não tinham conduzido à adopção de uma decisão definitiva e insusceptível de recurso.

92      Tendo assim constatado que os efeitos dos direitos anteriores invocados não tinham sido definitivamente invalidados nesses dois Estados‑Membros e que esses direitos continuavam válidos quando da adopção das decisões controvertidas, o Tribunal de Primeira Instância concluiu daí, nos n.os 90 e 98 do acórdão recorrido, que a Câmara de Recurso deveria ter em conta os direitos anteriores invocados sem poder pôr em causa a própria qualificação desses direitos.

93      Ao decidir assim, o Tribunal de Primeira Instância não viciou o seu acórdão de nenhum erro de direito.

94      Com efeito, para que um opositor possa, com fundamento no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, obstar ao registo de uma marca comunitária, é necessário e suficiente que, à data em que o IHMI verifica que todos os requisitos da oposição estão preenchidos, possa ser invocada a existência de um direito anterior que não tenha sido invalidado por uma decisão judicial definitiva.

95      Nestas condições, embora incumba ao IHMI, quando se pronuncia sobre uma oposição baseada no referido artigo 8.°, n.° 4, tomar em consideração as decisões dos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros em causa sobre a validade ou a classificação dos direitos anteriores reivindicados a fim de assegurar que estes continuam a produzir todos os efeitos exigidos por esta disposição, não lhe compete substituir pela sua a apreciação dos órgãos jurisdicionais competentes, poder esse, aliás, que o Regulamento n.° 40/94 não lhe confere.

96      No presente caso, como entendeu o Tribunal de Primeira Instância, a Câmara de Recurso, quando decidiu sobre as oposições apresentadas pela Budvar, podia constatar que os direitos anteriores invocados nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 não tinham sido invalidados por decisões judiciais definitivas.

97      A existência dos direitos anteriores invocados pela Budvar, relativos à denominação «BUD», podia, por outro lado, ser facilmente constatada pela Câmara de Recurso na data em que esta se pronunciou sobre as referidas oposições, uma vez que era atestada pelo registo desta denominação ao abrigo do Acordo de Lisboa com efeitos, designadamente, em França, e pela inclusão da mesma na lista das denominações com efeitos na Áustria que constam do acordo bilateral. Como salientou o advogado‑geral no n.° 58 das suas conclusões, o facto de este registo e de esta inclusão subsistirem nessa data bastava para demonstrar a validade dos direitos anteriores em causa para efeitos do processo na Câmara de Recurso.

98      Quanto à questão de saber se os direitos anteriores assim invocados, ou seja, os relativos à denominação de origem «bud», protegida ao abrigo do Acordo de Lisboa com efeitos em França, e a esta mesma denominação protegida nos termos dos tratados bilaterais em causa com efeitos na Áustria, constituem sinais que são susceptíveis de ser invocados em apoio de uma oposição ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, tendo em conta o que foi decidido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 8 de Setembro 2009, Budějovický Budvar (C‑478/07, Colect., p. I‑7721), no qual declarou que o regime de protecção previsto pelo Regulamento (CE) n.° 510/2006 do Conselho, de 20 de Março de 2006, relativo à protecção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO L 93, p. 12), tem carácter exaustivo, há que observar que a referida questão não foi debatida no Tribunal de Primeira Instância.

99      Consequentemente, há que rejeitar a primeira parte do primeiro fundamento.

 Quanto à segunda e terceira partes do primeiro fundamento

–       Argumentos das partes

100    Na segunda parte do seu primeiro fundamento, a Anheuser‑Busch critica o Tribunal de Primeira Instância por ter considerado, em primeiro lugar, no que respeita à quantidade e qualidade da utilização de um sinal, que a condição prevista no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, nos termos da qual o «outro sinal» na acepção desta disposição deve ser «utilizado na vida comercial», deve ser entendida no sentido de que visa toda e qualquer utilização comercial, mesmo limitada, desde que não se situe no domínio puramente privado, incluindo a utilização de uma indicação geográfica como marca, e mesmo a utilização no quadro de entregas a título gratuito.

101    A Anheuser‑Busch afirma que a Câmara de Recurso considerou, correctamente, que convinha pelo menos considerar a referida condição como equivalente à da utilização séria prevista nos artigos 15.° e 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 40/94, entendida como exigindo a utilização efectiva de uma marca no mercado para os produtos e serviços para os quais está protegida, bem como a sua efectiva exploração comercial, por oposição a uma simples utilização interna ou simbólica visando apenas manter os direitos correspondentes à marca, dado que esta utilização séria deve ser efectuada dentro do respeito da função essencial de uma marca, que é garantir a identidade de origem dos produtos e dos serviços ao consumidor ou ao utilizador final.

102    Se esta condição não se aplicasse no quadro do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, em virtude da condição autónoma do direito da União relativa à «utilização na vida comercial», este regulamento imporia exigências de utilização para que uma marca comunitária anterior pudesse bloquear um pedido de marca apresentado nos termos do artigo 8.°, n.° 1, do referido regulamento mais rigorosas do que as previstas para um direito anterior abrangido pelo n.° 4 do mesmo artigo, quando, contrariamente ao direito das marcas, esse direito não foi objecto de qualquer harmonização.

103    Contrariamente à Câmara de Recurso, o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta a finalidade do requisito legal de utilização. Ora, para dar como provada uma infracção ao abrigo do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, as exigências de utilização devem ser menores do que para a manutenção de uma marca visada nos artigos 15.° e 43.°, n.os 2 e 3, do mesmo regulamento. As exigências mais rigorosas devem contudo aplicar‑se à constituição de um direito como o direito de oposição previsto no artigo 8.°, n.° 4, do mesmo regulamento, dado que este pode justificar a recusa do registo de uma marca comunitária.

104    A Anheuser‑Busch critica igualmente o Tribunal de Primeira Instância de ter em conta as entregas feitas pela Budvar de quantidades extremamente limitadas e a título gratuito durante um período de quatro anos. Estas não podem ser consideradas como uma utilização séria à luz da jurisprudência relativa a este requisito de utilização (v. acórdão de 15 de Janeiro de 2009, Silberquelle, C‑495/07, Colect., p. I‑137).

105    A Anheuser‑Busch afirma igualmente que o Tribunal de Primeira Instância considerou que não é relevante saber se, para efeitos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, a utilização do sinal é feita como marca ou como denominação de origem, ou mesmo como indicação geográfica.

106    Do mesmo modo que a utilização de uma marca deve ser feita em conformidade com a sua função essencial para ser qualificada de séria, a utilização de uma denominação de origem ou de uma indicação geográfica invocada como direito anterior, ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, deve ser feita em conformidade com a função essencial destes sinais, ou seja, a de garantir aos consumidores a origem geográfica dos produtos e as qualidades particulares intrínsecas aos mesmos.

107    A Budvar afirma, pelo contrário, que o conceito de utilização na vida comercial, na acepção do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, não implica nenhuma referência a uma utilização séria e deve ser entendido como um critério qualitativo e não quantitativo, uma vez que este conceito, conforme figura igualmente nos artigos 9.° e 12.° do referido regulamento e nos artigos 5.° e 6.° da Directiva 89/104, determina as actividades para as quais uma marca está protegida e aquelas para que o não está.

108    Ora, no n.° 165 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância adoptou correctamente a interpretação deste conceito de utilização que foi consagrada por jurisprudência assente do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, ou seja, a interpretação segundo a qual a utilização deve apenas situar‑se «no contexto de uma actividade comercial destinada à obtenção de um proveito económico e não no domínio privado». Por razões de segurança jurídica, um mesmo conceito que consta em diferentes disposições deve receber a mesma interpretação.

109    Os direitos anteriores diferentes das marcas, referidos no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 e, em termos muito semelhantes, no artigo 4.°, n.° 4, alínea b), da Directiva 89/104, são a tal ponto diversos que não é possível determinar as características mínimas a que estes direitos devem obedecer para poderem ser invocados como fundamento de oposição a uma marca posterior. É esta a razão pela qual, nas referidas disposições, é imposto um requisito suplementar, que exige que o titular da marca não registada ou do sinal demonstre que pode proibir a utilização de uma marca posterior por força do direito que invoca.

110    No que respeita, além disso, às entregas de cerveja a título gratuito em França sob a denominação «BUD», a Budvar afirma que o acórdão Silberquelle, já referido, não pode ser transposto para um caso como o do presente processo, uma vez que esse acórdão se referia a um requisito relativo não à utilização do sinal «na vida comercial», mas a uma «utilização séria» na acepção dos artigos 10.°, n.° 1, e 12.°, n.° 1, da Directiva 89/104.

111    No que respeita ao argumento segundo o qual o Tribunal de Primeira Instância deveria ter averiguado se a Budvar tinha demonstrado uma utilização do sinal em causa como denominação de origem ou indicação geográfica e não como marca, a Budvar considera que o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 não impõe essa condição para que o direito anterior possa ser validamente invocado e requer a esse título a confirmação dos n.os 174 e 175 do acórdão recorrido. Em qualquer caso, a questão de saber se, no presente processo, a Budvar utilizou este sinal como denominação de origem ou como marca constitui uma questão de facto que depende apenas da apreciação do Tribunal de Primeira Instância.

112    No quadro da segunda parte do seu primeiro fundamento, a Anheuser‑Busch afirma, em segundo lugar, no que se refere ao território relevante para a prova da utilização do sinal em causa na vida comercial, que o Tribunal de Primeira Instância violou o princípio da territorialidade e interpretou erradamente o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 ao afirmar, no n.° 167 do acórdão recorrido, que podiam ser tidas em conta provas relativas aos territórios de Estados‑Membros diferentes daquele em que o direito é invocado ao abrigo desta disposição para efeitos de determinar a existência de uma utilização na vida comercial.

113    Esta condição só pode referir‑se à utilização do sinal no território em que a protecção do mesmo é invocada.

114    Isto decorre designadamente do princípio da territorialidade, que é um princípio fundamental dos direitos de propriedade intelectual. Consequentemente, os actos que demonstrem a utilização do sinal anterior devem respeitar aos órgãos jurisdicionais específicos em causa, no caso concreto da República Francesa ou da República da Áustria, e devem ser examinados separadamente em relação a cada um desses órgãos jurisdicionais.

115    Se assim não fosse, os direitos não harmonizados referidos no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 teriam um tratamento mais favorável do que os direitos que foram objecto de harmonização, uma vez que é incontestável que estes últimos só permitem bloquear um pedido de marca comunitária se forem objecto de uma utilização séria no território do Estado‑Membro em que estão protegidos, não podendo ser tida em conta a utilização noutro Estado‑Membro.

116    Quanto a este aspecto, o IHMI defende a mesma tese, ou seja, a de que o território relevante para a prova de uma utilização do sinal em causa na vida comercial na acepção da referida disposição é exclusivamente aquele em que é reivindicada a protecção, ou seja, no presente processo, em França e na Áustria. Isso resulta da própria redacção do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, uma vez que, na mesma frase, este faz referência ao «sinal utilizado na vida comercial» e ao «direito [...] aplicável a esse sinal».

117    A abordagem correcta foi adoptada no n.° 40 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Março de 2009, Moreira da Fonseca/IHMI – General Óptica (GENERAL OPTICA) (T‑318/06 a T‑321/06, Colect., p. II‑649), ou seja, a abordagem segundo a qual o território relevante para examinar o alcance dos direitos exclusivos é aquele onde se aplica cada uma das normas jurídicas em que estes têm a sua origem.

118    A Budvar afirma, em contrapartida, que o Tribunal de Primeira Instância entendeu correctamente que, no quadro do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, não é necessário demonstrar a utilização efectiva de um direito anterior no território do Estado‑Membro no qual beneficia de protecção, na medida em que os direitos visados por esta disposição podem ser protegidos neste território sem nunca aí terem sido utilizados.

119    A referida disposição não obriga a demonstrar uma utilização séria do sinal em causa nem a provar a utilização do mesmo no território em que beneficia de protecção.

120    No quadro da segunda parte do seu primeiro fundamento, a Anheuser‑Busch afirma, em terceiro lugar, no que respeita ao período relativamente ao qual deve ser feita a prova de utilização de direitos anteriores, que o Tribunal de Primeira Instância interpretou erradamente o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 ao recusar‑se a ter em conta a data de depósito dos pedidos de registo da marca como sendo a data relevante em que deve ser demonstrada a utilização na vida comercial e ao ter entendido, no n.° 169 do acórdão recorrido, que basta que a utilização seja provada antes da data da publicação do pedido da marca no Boletim de Marcas Comunitárias.

121    A este respeito, a Anheuser‑Busch afirma que todas as condições exigidas para que um direito anterior possa ser invocado nos termos de um dos motivos relativos de recusa previstos no artigo 8.° do Regulamento n.° 40/94 devem estar preenchidas na data de depósito do pedido de registo que é objecto de oposição, incluindo, no que toca ao n.° 4 do mesmo artigo, a condição da utilização na vida comercial. Consequentemente, toda e qualquer prova apresentada com o objectivo de demonstrar essa utilização deve ser anterior ao depósito do pedido em causa ou à data de prioridade deste pedido.

122    Esta interpretação é confirmada, num contexto semelhante, pela jurisprudência segundo a qual o prestígio da marca anterior invocado pelo opositor ao abrigo do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94 deve ter existido à data do depósito do pedido da marca comunitária que é objecto da oposição ou na data de prioridade invocada (v., designadamente, acórdão de 17 de Abril de 2008, Ferrero Deutschland/IHMI, C‑108/07 P, n.° 35), mesmo apesar de esta disposição se referir apenas à anterioridade da marca e não exigir expressamente que o prestígio seja igualmente anterior.

123    Esta jurisprudência baseia‑se no princípio da prioridade, que é um princípio fundamental dos direitos de propriedade intelectual universalmente reconhecido, incluindo nos tratados fundamentais em matéria de propriedade intelectual, que consagra o primado do direito exclusivo anterior sobre os direitos constituídos ulteriormente e que estabelece que um pedido de marca só pode ser contestado com base em direitos anteriores.

124    A Anheuser‑Busch afirma que o Tribunal de Primeira Instância fez uma aplicação por analogia incorrecta do artigo 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 40/94, ligando a anterioridade à data da publicação do pedido de marca no Boletim de Marcas Comunitárias. Isto está, aliás, em contradição com o n.° 166 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal de Primeira Instância rejeitou essa aplicação por analogia.

125    Por outro lado, o artigo 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 40/94 contém uma regra de prioridade excepcional relativa especificamente à manutenção de uma marca anterior, que não pode ser aplicada num contexto diferente, como é o do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

126    Por último, o conceito de utilização de um sinal «cujo alcance não seja apenas local» é um requisito autónomo do direito da União que deve ser preenchido, tal como os restantes requisitos visados no artigo 8.°, n.° 4, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 40/94 assim como, de modo mais genérico, todos os enunciados no referido artigo 8.°, «antes da data de depósito do pedido de marca comunitária ou, se for caso disso, antes da data de prioridade invocada em apoio do pedido de marca comunitária».

127    Do mesmo modo, segundo o IHMI, há que considerar a data de depósito dos pedidos de registo da marca como a data relevante em que deve ser demonstrada a utilização na vida comercial. Este princípio foi correctamente aplicado no n.° 44 do acórdão Moreira da Fonseca/IHMI – General Óptica (GENERAL OPTICA), já referido.

128    A Budvar afirma, em contrapartida, que a análise do Tribunal de Primeira Instância deve ser confirmada.

129    Em primeiro lugar, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94 não é transponível para o n.° 4 do mesmo artigo. Esta jurisprudência justifica‑se pela natureza específica das marcas com prestígio, uma vez que é muito provável que o prestígio seja conhecido pelo requerente quando do depósito de um pedido de marca posterior. Em contrapartida, no que respeita aos outros tipos de oposição referidos no artigo 8.°, só pela publicação do pedido é que este se torna público e passível de oposição por terceiros.

130    Em segundo lugar, o acórdão recorrido não é contrário ao princípio da prioridade quanto a este ponto. Este princípio, enunciado no artigo 8.°, n.° 4, alínea a), do Regulamento n.° 40/94, impõe que o opositor satisfaça um requisito suplementar, isto é, o de provar que o direito invocado em apoio da oposição existia anteriormente à data de depósito do pedido de marca. Contudo, este princípio não obriga o opositor a fazer prova de que esse direito era utilizado na vida comercial antes dessa data.

131    Na terceira parte do seu primeiro fundamento, a Anheuser‑Busch afirma que o Tribunal de Primeira Instância violou também o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 ao interpretar erradamente, nos n.os 179 a 183 do acórdão recorrido, os termos «cujo alcance não seja apenas local» constantes desta disposição.

132    A Anheuser‑Busch afirma, em especial, que o «alcance» de um sinal na acepção do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 deve ser apreciado tendo em conta o seu território de protecção, no caso concreto, o da República Francesa e da República da Áustria.

133    Um sinal só pode, aliás, ter alcance na acepção da referida disposição se for utilizado nos mercados dos Estados‑Membros por cujas legislações é protegido. Em contrapartida, esse alcance não pode decorrer do simples facto de o sinal ser protegido nos termos da legislação de dois ou mais Estados‑Membros.

134    A Anheuser‑Busch conclui daqui que a expressão «cujo alcance não seja apenas local» deve ser interpretada como constituindo uma condição autónoma do direito da União que não pode estar sujeita ao direito nacional, mas deve resultar da utilização do sinal em causa no mercado dos Estados‑Membros no território dos quais está protegido.

135    O IHMI afirma que, ao estabelecer uma ligação, no n.° 180 do acórdão recorrido, entre o «alcance» do sinal e o âmbito geográfico da protecção reconhecida pelo direito nacional invocado, o Tribunal de Primeira Instância ignorou que o requisito previsto no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, segundo o qual o alcance do sinal não deve ser apenas local, constitui une exigência do direito da União e que não pode ser apreciada com referência ao direito nacional.

136    O Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar, no n.° 181 do acórdão recorrido, que os direitos anteriores têm um alcance que não é apenas local na acepção do referido artigo 8.°, n.° 4, unicamente porque a sua protecção vai além do seu território de origem.

137    Ora, segundo o IHMI, o critério do «alcance» visa fixar um limite efectivo a todos os sinais potenciais diferentes das marcas susceptíveis de serem invocados para contestar o carácter passível de registo de uma marca comunitária. Consequentemente, este conceito só pode dizer respeito à importância económica e ao âmbito geográfico da «utilização na vida comercial».

138    A este respeito, o IHMI remete para os n.os 36 a 39 do acórdão Moreira da Fonseca/IHMI – General Óptica (GENERAL OPTICA), já referido, nos quais foi adoptada esta última interpretação.

139    Em contrapartida, a Budvar salienta que a expressão «cujo alcance não seja apenas local», na acepção do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, se refere ao âmbito geográfico da protecção do sinal em causa, ou seja, o território no qual o opositor pode reivindicar o seu direito anterior, no caso concreto a totalidade dos territórios francês e austríaco em que os direitos invocados estão protegidos, respectivamente, ao abrigo do Acordo de Lisboa e dos tratados bilaterais em causa.

140    A referida expressão visa, por isso, o território onde o sinal está protegido e não aquele onde é utilizado. A interpretação contrária não está de acordo com a redacção do próprio artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 e equivale, além, disso, a impor ao opositor uma condição suplementar, que aliás também não é coerente com o artigo 107.° do mesmo regulamento, que prevê como critério de aplicação de um direito anterior o território onde este direito está protegido e não aquele onde é utilizado.

–       Apreciação do Tribunal

141    Na segunda e terceira partes do seu primeiro fundamento, que devem ser analisadas conjuntamente, a Anheuser‑Busch afirma que o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 pelo facto de ter adoptado uma interpretação errada da condição segundo a qual o direito anterior invocado em apoio da oposição deve respeitar a um «sinal utilizado na vida comercial cujo alcance não seja apenas local».

142    No que respeita ao primeiro aspecto, que se refere à questão de saber se a expressão «utilizado na vida comercial» deve ser lida como referindo‑se, conforme entendeu o Tribunal de Primeira Instância, a uma utilização do direito anterior no contexto de uma actividade comercial destinada a obter um benefício económico e não no domínio privado, ou no sentido de que se refere a uma utilização séria, por analogia com a que está prevista no artigo 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 40/94 para as marcas anteriores invocadas em apoio de uma oposição, o acórdão recorrido não está viciado de nenhum erro de direito.

143    Com efeito, o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 não visa a utilização «séria» do sinal invocado em apoio da oposição e nada na redacção do artigo 43.°, n.os 2 e 3, do mesmo regulamento indica que a condição da prova da utilização séria se aplica a esse sinal.

144    Por outro lado, embora seja verdade que a expressão «utilizado na vida comercial» constante do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 não deve necessariamente ter a mesma interpretação que a adoptada no quadro do artigo 9.°, n.° 1, deste regulamento ou dos artigos 5.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, da Directiva 89/104, uma vez que há que ter em conta a finalidade respectiva destas disposições, não é menos certo que uma interpretação desta expressão como significando, no essencial, que o sinal deve apenas ser objecto de uma utilização comercial corresponde à acepção habitual da mesma.

145    Foi igualmente com razão que, no n.° 166 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou que, se a condição de uma utilização séria fosse imposta aos sinais visados no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 em condições idênticas às enunciadas no artigo 43.°, n.os 2 e 3, deste regulamento, tal interpretação equivaleria a fazer incidir sobre esses sinais requisitos próprios das oposições baseadas em marcas anteriores e que, ao contrário destas oposições, no quadro do referido artigo 8.°, n.° 4, o opositor deve também demonstrar que o sinal em causa lhe confere o direito, segundo a legislação do Estado‑Membro em causa, de proibir a utilização de uma marca posterior.

146    Por outro lado, uma aplicação por analogia da condição relativa à utilização séria prevista para as marcas anteriores aos direitos anteriores referidos no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 iria igualmente contra o carácter em princípio autónomo deste motivo relativo de recusa de registo que, como sublinhou o advogado‑geral nos n.os 69 a 71 das suas conclusões, se manifesta por requisitos específicos e que deve igualmente ser entendido à luz da grande heterogeneidade dos direitos anteriores susceptíveis de serem abrangidos por esse motivo.

147    No que respeita, em segundo lugar, à questão de saber se a expressão «utilizado na vida comercial» implica que a utilização de uma indicação geográfica invocada ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 deva ser feita em conformidade com a função essencial desse sinal, ou seja, garantir aos consumidores a origem geográfica dos produtos e as qualidades particulares que lhes são intrínsecas, ao passo que, no presente processo, o sinal invocado foi utilizado como marca, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância também não contém qualquer erro de direito.

148    No n.° 175 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou que, para a aplicação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, basta constatar que o sinal invocado em apoio da oposição é utilizado na vida comercial e que o facto de esse sinal ser idêntico a uma marca não significa com isso que não seja utilizado para esse efeito.

149    No que respeita a função à qual se deve destinar a utilização do sinal, este deve ser utilizado como elemento distintivo no sentido de que deve servir para identificar uma actividade económica exercida pelo seu titular, o que, no caso concreto, é pacífico.

150    Em especial, o Tribunal de Primeira Instância acrescentou no referido n.° 175 que não lhe foi precisada com clareza a razão pela qual o sinal «BUD» fora utilizado «como uma marca» e que nada indicava que a menção, aposta nos produtos em causa, remeta em maior medida para a origem comercial do que para a origem geográfica do produto.

151    Daqui resulta que a alegação só pode ser rejeitada, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu, a este respeito, nenhum erro de direito no seu acórdão e que, por outro lado, não compete ao Tribunal de Justiça, em sede de recurso, fiscalizar a apreciação da matéria de facto feita pelo Tribunal de Primeira Instância, dado que não foi alegada pela Anheuser‑Busch perante o Tribunal de Justiça nenhuma desvirtuação dos factos.

152    Em terceiro lugar, ao invés do que afirma a Anheuser‑Busch, o Tribunal de Primeira Instância pôde correctamente considerar, no n.° 176 do acórdão recorrido, que as entregas feita à título gratuito podiam ser tomadas em conta para verificar o requisito da utilização na vida comercial do direito anterior invocado, uma vez que tais entregas puderam ser realizadas no âmbito de uma actividade comercial com o objectivo de obter um beneficio económico, ou seja, conquistar novos mercados.

153    Antes de analisar as outras alegações formuladas pela Anheuser‑Busch, no quadro da segunda parte do seu primeiro fundamento, e pelo IHMI, no quadro do seu primeiro fundamento, quanto ao período e ao território relevantes para apreciar a condição da utilização da vida comercial, há que analisar previamente a terceira parte do primeiro fundamento invocado pela Anheuser‑Busch e o primeiro fundamento articulado pelo IHMI na medida em que se referem à exigência de que o alcance do sinal invocado não seja apenas local, outro requisito enunciado no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

154    No n.° 180 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou, por um lado, que resulta da própria redacção do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 que esta disposição visa o alcance do sinal em causa e não o da sua utilização e que, por outro, o alcance deste sinal deve ser entendido como o âmbito geográfico da sua protecção, que não deve ser apenas local.

155    Neste ponto, o acórdão recorrido contém um erro de direito.

156    Um sinal cujo âmbito geográfico de protecção seja apenas local deve, evidentemente, ser considerado como tendo alcance apenas local. Contudo, daqui não resulta que a condição prevista no artigo 8.°, n.° 4, esteja preenchida em todos os casos pelo simples facto de a protecção do sinal em causa incidir sobre um território que não pode ser considerado como sendo apenas local, no caso concreto porque o território de protecção se estende para além do território de origem.

157    Com efeito, o objecto comum dos dois requisitos previstos no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 é limitar os conflitos entre os sinais impedindo que um direito anterior que não seja suficientemente caracterizado, isto é, importante e significativo na vida comercial, possa obstar ao registo de uma nova marca comunitária. Esta faculdade de oposição deve ser reservada aos sinais que estejam efectiva e realmente presentes no seu mercado relevante.

158    Consequentemente, o alcance de um sinal não pode ser função apenas do âmbito geográfico da sua protecção, uma vez que, se assim fosse, um sinal cujo âmbito de protecção não fosse meramente local poderia, por esse simples facto, obstar ao registo de uma marca comunitária, e isto mesmo que fosse utilizado na vida comercial apenas de modo marginal.

159    Daqui decorre que, para poder obstar ao registo de um novo sinal, o sinal invocado em apoio da oposição deve ser efectivamente utilizado de modo suficientemente significativo na vida comercial e ter um âmbito geográfico que não seja apenas local, o que implica, quando o território de protecção deste sinal possa ser considerado não local, que essa utilização tenha lugar numa parte importante desse território.

160    Para determinar se é esse o caso, há que ter em conta o período de tempo e a intensidade da utilização deste sinal como elemento distintivo para os seus destinatários que são tanto os compradores e os consumidores como os fornecedores e os concorrentes. A este respeito, são designadamente relevantes as utilizações do sinal feitas na publicidade e na correspondência comercial.

161    Uma vez que, como foi referido no n.° 159 do presente acórdão, há que analisar a utilização do sinal em causa na vida comercial numa parte não puramente local do território de protecção deste, o Tribunal de Primeira Instância cometeu igualmente um erro de direito, como afirma tanto a Anheuser‑Busch, no quadro da segunda parte do seu primeiro fundamento, como o IHMI, no quadro do seu primeiro fundamento, ao considerar, no n.° 167 do acórdão recorrido, que o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 não exige que o sinal em causa seja objecto de uma utilização no seu território de protecção e que a utilização num território diferente daquele onde é protegido pode bastar, incluindo a inexistência de qualquer utilização no território de protecção.

162    Com efeito, apenas no território de protecção do sinal, quer se trate da totalidade ou apenas de uma parte do mesmo, é que o direito aplicável confere ao sinal direitos exclusivos que podem entrar em conflito com uma marca comunitária.

163    Por outro lado, a apreciação do requisito da utilização na vida comercial deve ser efectuada de modo separado em relação a cada um dos territórios onde é protegido o direito invocado em apoio da oposição. O alcance do sinal não pode, por isso, no caso concreto, ser deduzido de uma apreciação cumulativa da utilização do sinal em ambos os territórios relevantes, ou seja, o território austríaco no que se refere à protecção ao abrigo dos tratados bilaterais em causa e o território francês no que se refere à protecção ao abrigo do Acordo de Lisboa.

164    Do mesmo modo, como alegam a Anheuser‑Busch e o IHMI, ao considerar, no n.° 169 de do acórdão recorrido, que a utilização do sinal em causa na vida comercial apenas deve ser demonstrada antes da publicação do pedido de registo da marca e não, o mais tardar, na data de depósito desse pedido, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito no seu acórdão.

165    A este respeito, o acórdão recorrido contém pelo menos uma discordância uma vez que, no n.° 169, o Tribunal de Primeira Instância se refere por analogia ao que é pedido para as marcas anteriores invocadas em apoio de uma oposição, enquanto, no n.° 166 do acórdão, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou correctamente, conforme o que foi referido no n.° 142 do presente acórdão, uma aplicação por analogia aos direitos anteriores invocados nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 da condição da utilização séria imposta às marcas anteriores.

166    Por outro lado, como referiu o advogado‑geral no n.° 120 das conclusões, há que aplicar à condição da utilização na vida comercial do sinal invocado em apoio da oposição o mesmo critério temporal que foi expressamente previsto no artigo 8.°, n.° 4, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 no que se refere à aquisição do direito ao referido sinal, ou seja, o da data de depósito do pedido de registo da marca comunitária.

167    Com efeito, tendo em conta, designadamente, o prazo significativo que pode decorrer entre o depósito do pedido de registo e a publicação do mesmo, a aplicação deste critério é susceptível de melhor garantir que a utilização invocada do sinal em causa seja uma utilização real e não uma prática que tenha apenas por objecto impedir o registo de uma nova marca.

168    Além disso, em regra geral, uma utilização do sinal em causa efectuada exclusivamente ou em grande parte no decurso do período entre o depósito do pedido de registo de uma marca comunitária e a publicação desse pedido não será suficiente para evidenciar que esse sinal foi objecto de uma utilização na vida comercial que demonstre que o mesmo tem um alcance suficiente.

169    Resulta do exposto que, embora as alegações formuladas pela Anheuser‑Busch relativas aos conceito de uso sério, de utilização na vida comercial e de entregas a título gratuito devam ser postas de parte, a segunda e terceira partes do primeiro fundamento invocado por esta última e o primeiro fundamento invocado pelo IHMI são procedentes dado que o acórdão recorrido está viciado de erros de direito na apreciação dos requisitos enunciados no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente, em primeiro lugar, que o alcance do referido sinal, que não pode ser apenas local, deve ser apreciado exclusivamente em função da amplitude do território de protecção do sinal em causa, sem ter em conta a sua utilização nesse território, a seguir, que o território relevante para apreciar a utilização deste sinal não é necessariamente o território de protecção do mesmo e, por último, que a utilização do mesmo sinal não deve necessariamente situar‑se antes da data do depósito do pedido de registo da marca comunitária.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação das disposições conjugadas dos artigos 8.°, n.° 4, e 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94

–       Argumentos das partes

170    No seu segundo fundamento, a Anheuser‑Busch afirma que o Tribunal de Primeira Instância violou as disposições conjugadas dos artigos 8.°, n.° 4, e 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 ao decidir, no n.° 199 do acórdão recorrido, que a Câmara de Recurso cometeu um erro por não ter tomado em conta todos os elementos factuais e jurídicos relevantes para determinar se o direito de Estado‑Membro em causa, invocado nos termos do referido artigo 8.°, n.° 4, conferia à Budvar o direito de proibir a utilização de uma marca posterior.

171    A Anheuser‑Busch afirma que o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 ao considerar, no n.° 193 do acórdão recorrido, que a Câmara de Recurso tinha a obrigação de se informar oficiosamente, pelos meios que lhe parecessem úteis para o efeito, sobre o direito nacional, incluindo a jurisprudência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em causa, uma vez que este direito pode ser considerado como um facto notório ou do conhecimento geral e que, para além das provas apresentadas sobre este ponto pelas partes, se deveria ter informado junto destas, ou por qualquer outro meio, sobre a decisão final dos processos pendentes nos referidos órgãos jurisdicionais.

172    Ao pronunciar‑se daquela forma, o Tribunal de Primeira Instância violou o princípio da igualdade das armas nos processos de oposição, na medida em que a posição que adoptou implica que o autor de um pedido de registo de uma marca comunitária deva, perante uma simples afirmação do opositor que invoca um direito nacional ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, efectuar investigações sobre o direito e a jurisprudência nacionais.

173    Em especial, o acórdão recorrido contraria neste ponto o princípio, enunciado no artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94, segundo o qual é ao opositor que incumbe o ónus da prova no quadro de uma oposição com base no artigo 8.°, n.° 4, do mesmo regulamento, designadamente o de demonstrar que o sinal em causa confere a esse opositor o direito de proibir a utilização de uma marca posterior.

174    Resulta do referido artigo 74.°, n.° 1, que, num processo de oposição, a análise do IHMI está limitada aos factos apresentados pelas partes e que o Instituto não é obrigado a informar‑se oficiosamente sobre esses factos.

175    Ora, o direito nacional, incluindo a jurisprudência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em causa, no caso concreto a jurisprudência relativa à questão de saber se uma indicação geográfica é susceptível de protecção judicial, constituem elementos de facto, não podendo esses elementos ser qualificados de factos notórios a respeito dos quais o IHMI seja obrigado a proceder oficiosamente a uma averiguação.

176    A Anheuser‑Busch afirma que o Tribunal de Primeira Instância adoptou, no n.° 195 do acórdão recorrido, um critério errado para apreciar se o opositor demonstrou de forma bastante que o sinal invocado confere ao seu titular o direito de proibir a utilização de uma marca posterior, ou seja, a demonstração da existência abstracta de disposições nacionais que podem constituir a base de um direito que permita proibir a utilização de um sinal posterior.

177    Numa situação como a do presente processo, a Câmara de Recurso, segundo a Anheuser‑Busch, tinha competência para decidir, com base nas numerosas provas apresentadas por esta última que indicavam que o sinal em causa não era susceptível de protecção judicial em França nem na Áustria, que, contrariamente ao princípio segundo o qual o ónus da prova incumbe ao opositor, a Budvar não fez prova de que tinha o direito de proibir a utilização de uma marca posterior. Esta decisão não prejudicaria, aliás, definitivamente o opositor, uma vez que este sempre poderia contestar a marca a partir do seu registo através de um pedido de anulação.

178    No seu segundo fundamento, o IHMI afirma que o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94. Considera que o n.° 193 do acórdão recorrido contém a este respeito um erro de direito.

179    O IHMI salienta que, na sua jurisprudência anterior ao acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou que as decisões judiciais nacionais não constituem «factos notórios» que o IHMI possa analisar oficiosamente.

180    O IHMI considera que, no contexto específico do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, as decisões judiciais nacionais constituem elementos susceptíveis de provar o «âmbito de protecção» deste direito, na acepção da regra 19, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 2868/95, prova essa que deve ser feita pelo opositor nos termos desta mesma regra.

181    Pelo menos, se, como fez a Anheuser‑Busch, o requerente da marca comunitária apresentar decisões judiciais nacionais que indiquem que a oposição a uma marca posterior com fundamento em direitos invocados nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 não foi admitida, caberá então ao opositor fazer a prova contrária mostrando que essas decisões foram anuladas a fim de demonstrar o âmbito efectivo da protecção dos direitos que invoca.

182    O IHMI afirma que, nessa situação, o Tribunal de Primeira Instância não podia exigir que o Instituto analisasse oficiosamente este elemento de prova, como fez no n.° 193 do acórdão recorrido, sem quebrar o equilíbrio dos deveres e direitos processuais entre as partes conforme estabelecido pelo artigo 76.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94.

183    A Budvar considera que o Tribunal de Primeira Instância não violou os artigos 8.°, n.° 4, alínea b), e 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 ao impor ao IHMI a obrigação de se informar oficiosamente sobre o direito nacional do Estado‑Membro em causa.

184    Esta obrigação apresenta um carácter moderado e, além disso, está em conformidade com o artigo 76.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, o qual confere ao IHMI a possibilidade de adoptar determinadas medidas de instrução.

185    A Budvar alega igualmente que a análise desenvolvida pela Anheuser‑Busch no quadro do seu segundo fundamento está de facto ligada ao primeiro fundamento por esta invocada, segundo o qual o IHMI tem competência para apreciar a validade de direitos anteriores invocados em apoio de uma oposição. Pelos mesmos motivos adiantados em resposta ao primeiro fundamento, a Budvar considera que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

–       Apreciação do Tribunal

186    No seu segundo fundamento, que respeita aos n.os 184 a 199 do acórdão recorrido, a Anheuser‑Busch e o IHMI afirmam que o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente que a Câmara de Recurso tinha cometido um erro ao não tomar em conta todos os elementos factuais e jurídicos relevantes para determinar se, nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, a legislação do Estado‑Membro em causa conferia à Budvar o direito de proibir a utilização de uma marca posterior.

187    Este fundamento é dirigido em especial contra o n.° 193 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância aí considerou erradamente que, no caso concreto, a Câmara de Recurso tinha o dever de se informar oficiosamente quanto ao desfecho de um processo judicial intentado pela Budvar no Oberster Gerichtshof, órgão jurisdicional de última instância na Áustria, contra um acórdão do qual resultava que a Budvar não tinha podido proibir a utilização de uma marca posterior com fundamento na designação «Bud» conforme era protegida ao abrigo dos tratados bilaterais em causa.

188    A este respeito, importa recordar que o artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do referido regulamento estabelece a condição de que, segundo o direito do Estado‑Membro aplicável ao sinal invocado ao abrigo desta disposição, este sinal confira ao seu titular o direito de proibir a utilização de uma marca posterior.

189    Além disso, nos termos do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, o ónus de provar que este requisito está preenchido incumbe ao opositor perante o IHMI.

190    Neste contexto e tratando‑se de direitos anteriores invocados no presente processo, o Tribunal de Primeira Instância considerou correctamente, no n.° 187 do acórdão recorrido, que há que tomar em conta, designadamente, a regulamentação nacional invocada em apoio da oposição e as decisões judiciais proferidas no Estado‑Membro em causa e que, com base nisso, o opositor deve demonstrar que o sinal em causa entra no âmbito de aplicação do direito do Estado‑Membro invocado que permite proibir a utilização de uma marca posterior.

191    Daqui resulta que, ao invés do que afirma a Anheuser‑Busch no âmbito do seu segundo fundamento, o Tribunal de Primeira Instância entendeu correctamente, no n.° 195 do acórdão recorrido, que o opositor apenas deve demonstrar que dispõe do direito de proibir a utilização de uma marca posterior e que não lhe pode ser exigido que demonstre que este direito foi exercido, no sentido de que o opositor pôde efectivamente obter a proibição dessa utilização.

192    Quanto a este ponto, improcede por isso, o segundo fundamento invocado pela Anheuser‑Busch em apoio do presente recurso.

193    Daqui resulta igualmente que o Tribunal de Primeira Instância decidiu correctamente no n.° 195 do acórdão recorrido, no que respeita à protecção em França da denominação de origem «bud» registada ao abrigo do Acordo de Lisboa, que a Câmara de Recurso não se podia apoiar no facto de resultar da decisão judicial proferida nesse Estado‑Membro que a Budvar não foi capaz, nessa data, de impedir o distribuidor da Anheuser‑Busch de vender cerveja em França sob a marca BUD para daí concluir que a Budvar não tinha feito prova de que estava preenchida a condição relativa ao direito de proibir a utilização de uma marca posterior em virtude do sinal invocado.

194    Este fundamento bastava, por si só, para concluir que, neste ponto – no que respeita ao direito anterior em causa, ou seja, a protecção ao abrigo do Acordo de Lisboa –, as decisões controvertidas são inválidas.

195    Por outro lado, no n.° 192 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou que a Câmara de Recurso tinha feito unicamente referência a decisões judiciais proferidas em França e na Áustria para concluir que a Budvar não tinha feito prova de que o sinal em causa lhe conferia o direito de proibir a utilização de uma marca posterior.

196    Ora, ao concluir que nenhuma destas decisões tinha alcançado força de caso julgado, o Tribunal de Primeira Instância, no mesmo n.° 192, entendeu que a Câmara de Recurso não se podia basear unicamente nestas decisões para chegar à sua conclusão e deveria igualmente ter tido em conta as disposições do direito nacional invocadas pela Budvar no quadro do processo de oposição a fim de examinar se, nos termos dessas disposições, a Budvar dispunha do direito de proibir uma marca posterior com fundamento no sinal invocado.

197    Quanto a este ponto, o Tribunal de Primeira Instância concluiu correctamente que as decisões controvertidas continham um erro de direito.

198    A este respeito, cumpre observar que, como sublinhou o Tribunal de Primeira Instância nos n.os 192 e 193 do acórdão recorrido, embora a Câmara de Recurso tenha tido consciência de que as decisões judiciais invocadas pela Anheuser‑Busch não eram definitivas, uma vez que eram objecto de recurso para um órgão jurisdicional nacional superior, baseou‑se contudo exclusivamente nas mesmas para decidir que não estava satisfeita a condição prevista no artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, pelo facto de, por um lado, o acórdão proferido na Áustria assentar em matéria de facto dada por provada cuja revisão por um órgão jurisdicional de última instância era «pouco provável» e, por outro, de o acórdão do órgão jurisdicional francês demonstrar que a Budvar «não foi capaz, nessa data, de impedir o distribuidor da Anheuser‑Busch de vender cerveja em França sob a marca BUD».

199    Resulta assim das decisões controvertidas que a Câmara de Recurso se baseou em fundamentos incorrectos para decidir que a Budvar não tinha feito prova de que estava preenchido o requisito previsto no artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

200    No que respeita, por um lado, à decisão proferida por um órgão jurisdicional francês, já foi referido, no n.° 193 do presente acórdão, que o fundamento tido em conta pela Câmara de Recurso assenta numa exigência que não decorre da referida disposição e que vicia de ilegalidade as decisões controvertidas.

201    No que respeita, por outro lado, à decisão proferida por um órgão jurisdicional austríaco, embora a Câmara de Recurso tenha considerado que essa decisão não era suficiente para demonstrar que estava preenchida a condição prevista no artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, deveria ter constatado essa insuficiência para daí deduzir que, uma vez que a Budvar não apresentou ao IHMI o acórdão do Oberster Gerichtshof confirmando que esta sociedade dispunha efectivamente do direito de proibir a marca posterior, a mesma não fez prova de que estava satisfeita a referida condição, contrariamente ao que exige o artigo 74.°, n.° 1, do referido regulamento.

202    Impõe‑se, contudo, observar, como fez o Tribunal de Primeira Instância nos n.os 192 e 193 do acórdão recorrido, que o procedimento da Câmara de Recurso foi completamente diferente.

203    Com efeito, é pacífico que esta se referiu exclusivamente à decisão do órgão jurisdicional austríaco invocada pela Anheuser‑Busch para daí deduzir que a Budvar não tinha o direito de proibir a utilização da marca posterior, pelo facto de esta decisão se basear em matéria de facto dada por provada que era «pouco provável» que fosse posta em causa pelo órgão jurisdicional de última instância.

204    Ora, como a Câmara de Recurso não podia, no caso concreto, sobrepor a sua própria apreciação quanto à validade dos direitos anteriores invocados ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 à apreciação feita pelos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, como já foi referido no n.° 95 do presente acórdão, a Câmara de Recurso também não podia desde logo pôr de parte a incidência de um futuro acórdão do Oberster Gerichtshof sobre a questão de saber se estava satisfeito o requisito previsto no artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do referido regulamento, e isto apesar de ter sido informada pela Budvar de que esta tinha interposto recurso da decisão invocada para esse órgão jurisdicional nacional, tendo essa incidência sido afastada com fundamento na sua própria apreciação quanto à probabilidade de essa decisão ser posta em causa.

205    Dado que é pacífico, como foi observado no n.° 96 do presente acórdão no quadro da análise do primeiro fundamento invocado pela Anheuser‑Busch que está, como afirmou correctamente a Budvar, intimamente ligado ao seu segundo fundamento, que o direito anterior invocado por esta última ao abrigo dos tratados bilaterais em causa com efeitos na Áustria não tinha sido invalidado por uma decisão judicial definitiva e insusceptível de recurso à data em que a Câmara de Recurso adoptou as decisões controvertidas, esta última não se podia basear exclusivamente numa decisão judicial ainda não definitiva e que era objecto de recurso para concluir que a Budvar não dispunha do direito de proibir a utilização da marca Bud ao abrigo do referido direito anterior.

206    Com efeito, a única conclusão que podia ser extraída dessa decisão judicial era a de que o direito anterior em causa estava efectivamente a ser contestado, mas que nem por isso deixava de existir.

207    Uma vez que este direito anterior continuava a existir, a questão de saber se o mesmo conferia ao opositor o direito de proibir uma marca posterior na acepção do artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 deveria levar a analisar, conforme foi referido no n.° 190 do presente acórdão, se esse opositor tinha demonstrado que o sinal em causa era abrangido pelo âmbito de aplicação do direito do Estado‑Membro invocado e se permitia proibir a utilização de uma marca posterior.

208    Ora, sobre este ponto, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 192 do acórdão recorrido, indicou que a Budvar tinha invocado na Câmara de Recurso não apenas disposições dos tratados bilaterais em causa mas também disposições do direito austríaco que, no entender deste opositor, podiam fundamentar o seu direito de proibir a marca posterior Bud. Contudo, a Câmara de Recurso, conforme referiu o Tribunal no mesmo n.° 192, não teve em conta estas disposições nem referiu elementos que pudessem pôr em dúvida a aplicabilidade das mesmas no presente caso.

209    Considerações como as enunciadas nos n.os 192 e 195 do acórdão recorrido são susceptíveis de justificar a conclusão a que o Tribunal de Primeira Instância chegou no n.° 199 do acórdão recorrido, segundo a qual a Câmara de Recurso cometeu um erro ao não tomar em conta todos os elementos factuais e jurídicos relevantes para determinar se, nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, a legislação do Estado‑Membro em causa confere à Budvar o direito de proibir a utilização de uma marca posterior.

210    Daqui resulta que, embora seja certo que, no n.° 193 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância acrescentou, no essencial, que o dever do IHMI de se informar oficiosamente sobre factos notórios, incluindo o direito nacional do Estado‑Membro em causa, implica que, no presente caso, era «lícito» à Câmara de Recurso informar‑se junto das partes, ou por qualquer outro meio, quanto ao resultado do processo intentado no Oberster Gerichtshof, este elemento da fundamentação, mesmo pressupondo que implicasse um verdadeiro dever da Câmara de Recurso de se informar oficiosamente sobre esse processo e decorra, assim, de um erro de direito, conforme alegam a Anheuser‑Busch e o IHMI, não é susceptível de viciar a conclusão do Tribunal de Primeira Instância quanto à ilegalidade das decisões controvertidas na parte em que se referem à análise da condição prevista no artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

211    Segundo jurisprudência assente, as acusações dirigidas contra fundamentos supérfluos de uma decisão do Tribunal Geral não podem conduzir à anulação dessa decisão e são, portanto, inoperantes (v., designadamente, acórdão de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 148).

212    Ora, a questão de saber se a Câmara de Recurso devia ou podia informar‑se oficiosamente sobre o resultado do processo judicial em causa foi analisada pelo Tribunal de Primeira Instância a título supérfluo, uma vez que, neste caso, conforme foi recordado no n.° 204 do presente acórdão, refere que a Câmara de Recurso considerou, com base na sua própria apreciação da probabilidade de uma revisão da decisão judicial em questão, que não era necessário informar‑se sobre esse resultado e que dispunha de toda a informação útil para verificar se estava satisfeita a condição prevista no artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e concluir, no caso concreto, que tal não sucedia.

213    Daqui resulta que o segundo fundamento invocado pela Anheuser‑Busch e pelo IHMI, na medida em que se refere ao n.° 193 do acórdão recorrido, se dirige contra um fundamento supérfluo desse acórdão e, consequentemente, mesmo pressupondo que fosse procedente, não é susceptível de implicar a sua anulação.

214    Por consequência, há que rejeitar o segundo fundamento invocado pela Anheuser‑Busch em apoio do recurso por ser parcialmente improcedente e parcialmente inoperante e o segundo fundamento invocado pelo IHMI por ser inoperante.

215    Nestas condições, deve ser anulado o acórdão recorrido na medida em que, no que respeita à interpretação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente, em primeiro lugar, que o alcance do sinal em questão, que não pode ser apenas local, deve ser apreciado exclusivamente em função do âmbito do território de protecção deste sinal, sem ter em conta a sua utilização nesse território, em segundo lugar, que o território relevante para apreciar a utilização do referido sinal não é necessariamente o território em que este está protegido e, por último, que a utilização do mesmo sinal não deve necessariamente situar‑se antes da data do depósito do pedido de registo da marca comunitária.

 Quanto ao recurso para o Tribunal Geral

216    Resulta do artigo 61.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

217    No presente processo, o Tribunal de Primeira Instância julgou procedente a acusação da Budvar, que se integra na segunda parte do seu fundamento único, pelo qual esta põe em causa a aplicação feita pela Câmara de Recurso da condição relativa à utilização na vida comercial de um sinal cujo alcance não é apenas local, conforme previsto no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

218    Ora, no n.° 215 do presente acórdão, concluiu‑se que, no que respeita à aplicação desta condição, o acórdão recorrido está viciado de um triplo erro de direito.

219    A fim de apreciar o fundamento invocado pela Budvar com base na aplicação feita pela Câmara de Recurso da condição relativa à utilização na vida comercial de um sinal cujo alcance não é apenas local, é necessário proceder a uma apreciação do valor probatório dos elementos factuais susceptíveis de demonstrar que esta condição está preenchida no caso vertente com base na definição da mesma condição adoptada no presente acórdão, elementos factuais esses entre os quais figuram, em especial, os documentos apresentados pela Budvar e mencionados nos n.os 171 e 172 do acórdão recorrido.

220    Daqui resulta que o litígio não está em condições de ser julgado pelo Tribunal de Justiça, pelo que há que remeter o processo ao Tribunal Geral para que este analise o recurso da Budvar e decida sobre o referido fundamento.

 Quanto às despesas

221    Sendo os processos remetidos ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas do presente recurso.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      O acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 16 de Dezembro de 2008, Budějovický Budvar/IHMI – Anheuser‑Busch (BUD) (T‑225/06, T‑255/06, T‑257/06 e T‑309/06), é anulado na medida em que, no que respeita à interpretação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 422/2004 do Conselho, de 19 de Fevereiro de 2004, o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente, em primeiro lugar, que o alcance do sinal em questão, que não pode ser apenas local, deve ser apreciado exclusivamente em função do âmbito do território de protecção deste sinal, sem ter em conta a sua utilização nesse território, em segundo lugar, que o território relevante para apreciar a utilização do referido sinal não é necessariamente o território em que este está protegido e, por último, que a utilização do mesmo sinal não deve necessariamente situar‑se antes da data do depósito do pedido de registo da marca comunitária.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      Os processos apensos T‑225/06, T‑255/06, T‑257/06 e T‑309/06 são remetidos ao Tribunal Geral da União Europeia.

4)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.