Language of document : ECLI:EU:C:2013:462

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

11 de julho de 2013 (*)

«Incumprimento de Estado — Transporte — Desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários — Diretiva 91/440/CEE — Artigo 6.°, n.° 3, e anexo II — Diretiva 2001/14/CE — Artigo 14.°, n.° 2 — Independência do organismo ao qual foi atribuído o exercício das funções determinantes»

No processo C‑412/11,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, entrada em 5 de agosto de 2011,

Comissão Europeia, representada por J.‑P. Keppenne e H. Støvlbæk, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Grão‑Ducado do Luxemburgo, representado por C. Schiltz, na qualidade de agente,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet (relator), E. Levits, J.‑J. Kasel e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de dezembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que o Grão‑Ducado do Luxemburgo, não tendo adotado todas as medidas necessárias para assegurar que a entidade à qual é atribuído o exercício de uma função determinante, prevista no artigo 6.°, n.° 3, e no anexo II da Diretiva 91/440/CEE do Conselho, de 29 de julho de 1991, relativa ao desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários (JO L 237, p. 25), conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007 (JO L 315, p. 44, a seguir «Diretiva 91/440»), bem como no artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária (JO L 75, p. 29), conforme alterada pela Diretiva 2007/58, seja independente da empresa que fornece os serviços de transporte ferroviário, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força destas disposições.

 Quadro jurídico

 Direito da União

2        Em fevereiro de 2001, foram adotadas três diretivas para redinamizar o transporte ferroviário, abrindo‑o progressivamente à concorrência a nível europeu, a saber, a Diretiva 2001/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, que altera a Diretiva 91/440 (JO L 75, p. 1), a Diretiva 2001/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, que altera a Diretiva 95/18/CE do Conselho relativa às licenças das empresas de transporte ferroviário (JO L 75, p. 26), e a Diretiva 2001/14 (a seguir, conjuntamente, «primeiro pacote ferroviário»).

 Diretiva 91/440

3        O artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva 91/440 dispunha:

«Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que as funções determinantes para um acesso equitativo e não discriminatório à infraestrutura, descritas no anexo II, sejam atribuídas a entidades ou empresas que não efetuem, elas próprias, serviços de transporte ferroviário. Independentemente do tipo de estrutura organizacional, deve ser demonstrado que aquele objetivo foi atingido.

Contudo, os Estados‑Membros podem encarregar as empresas de transporte ferroviário, ou qualquer outra entidade, da cobrança das taxas e da responsabilidade da gestão da infraestrutura ferroviária, nomeadamente dos investimentos, da manutenção e do financiamento.»

4        O anexo II da referida diretiva tinha a seguinte redação:

«Lista de funções essenciais a que se refere o n.° 3 do artigo 6.°:

―        preparação e processo de decisão relativo à concessão de licenças a empresas de transporte ferroviário, incluindo a concessão de licenças individuais,

―        processo de decisão relativo à atribuição de canais horários, incluindo a definição e a avaliação da disponibilidade e a atribuição de canais horários individuais,

―        processo de decisão relativo à tarificação da utilização da infraestrutura,

―        supervisão do cumprimento das obrigações de serviço público impostas pela prestação de determinados serviços.» 

 Diretiva 2001/14

5        O artigo 14.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2001/14 enunciava:

«1.      Os Estados‑Membros podem definir um quadro para a repartição da capacidade de infraestrutura, respeitando todavia a independência de gestão prevista no artigo 4.° da Diretiva [91/440]. Devem ser fixadas regras específicas de repartição da capacidade. O gestor da infraestrutura deve cumprir os procedimentos de repartição da capacidade e garantir em especial que a capacidade de infraestrutura seja repartida de forma equitativa e não discriminatória e segundo o direito comunitário.

2.      Se, no plano jurídico, organizativo e decisório, o gestor da infraestrutura não for independente das empresas de transporte ferroviário, as funções referidas no n.° 1 e descritas no presente capítulo serão desempenhadas por um organismo de repartição independente das empresas de transporte ferroviário, no plano jurídico, organizativo e decisório.»

6        O artigo 29.° da referida diretiva dispunha:

«1.      Em caso de perturbação da circulação ferroviária resultante de falha técnica ou acidente, o gestor da infraestrutura deve tomar todas as medidas necessárias para restabelecer a situação normal, devendo, para esse efeito, elaborar um plano de emergência que incluirá uma lista dos diversos organismos públicos a informar em caso de incidentes graves ou de séria perturbação da circulação ferroviária.

2.      Em caso de emergência e de absoluta necessidade motivada por uma falha que torne a infraestrutura temporariamente inutilizável, os traçados atribuídos podem ser retirados sem pré‑aviso pelo período de tempo necessário para a reparação do sistema.

Se o considerar necessário, o gestor da infraestrutura pode exigir às empresas de transporte ferroviário que coloquem à sua disposição os recursos que, no seu entender, forem mais adequados para restabelecer a situação normal o mais rapidamente possível.

3.      Os Estados‑Membros podem exigir que as empresas ferroviárias tomem parte na execução e fiscalização do seu próprio cumprimento das normas e regras de segurança.»

 Direito luxemburguês

7        A Lei de 22 de julho de 2009 sobre a segurança ferroviária (loi du 22 juillet 2009 sur la sécurité ferroviaire, Mémorial A 2009, p. 2465), que tem por objeto, nomeadamente, instituir a Administração dos Caminhos de Ferro (administration des chemins de fer, a seguir «ACF»), prevê que a ACF é responsável pelas funções determinantes de atribuição das capacidades (concessão de canais horários) e de tarificação.

8        A Lei de 11 de junho de 1999 relativa ao acesso à infraestrutura ferroviária e à sua utilização (loi du 11 juin 1999 relative à l’accès à l’infrastructure ferroviaire et à son utilisation, Mémorial A 1999, p. 1794), conforme alterada pela Lei de 3 de agosto de 2010 (Mémorial A 2010, p. 2194), dispõe:

«A missão de repartição das capacidades da infraestrutura ferroviária é atribuída a um organismo de repartição cuja função é assumida pela [ACF].»

9        O Documento de Referência da Rede (document de référence du réseau) de 23 de dezembro de 2010 (a seguir «DRR») prevê, no seu ponto 4.8.2, intitulado «Gestão do tráfego em caso de perturbações»:

«A regulação operacional é assegurada por um serviço permanente pertencente [ao serviço de gestão da rede (service de gestion du réseau, a seguir «SGR») da Société nationale des chemins de fer luxembourgeois (a seguir «CFL»)]. Os seus princípios e procedimentos aplicam‑se a toda a circulação, quando uma circulação não possa respeitar o seu horário inicialmente previsto. Com exceção de situações equívocas, não é atribuído um novo canal horário para uma circulação atrasada durante o mesmo dia. O serviço permanente não atribuirá em caso algum esse novo canal horário. Se necessário, o seu papel resume‑se à função de intermediário para uma nova encomenda do UI [utilizador da infraestrutura] à [ACF].»

10      O ponto 4.8.3 do DDR tem a seguinte redação:

«Se a perturbação e as medidas de correção correspondentes só afetarem uma empresa de transporte ferroviário, sem interferirem com as capacidades da infraestrutura reservadas pelas outras empresas de transporte ferroviário, as medidas de correção serão, então, estabelecidas mediante consulta com a empresa de transporte ferroviário em causa.

Quando a perturbação e as correspondentes medidas de correção afetarem mais de uma empresa de transporte ferroviário, a [ACF] procurará estabelecer as medidas de correção o mais cedo possível e através de negociação com todas as empresas de transporte ferroviário em causa.»

11      O ponto 4.8.4 do DRR prevê:

«Em caso de perturbação imprevista da circulação dos comboios, resultante de falha técnica ou de acidente, o gestor da infraestrutura deve tomar todas as medidas necessárias para restabelecer a normalidade. Em especial, aplicará os procedimentos do RGE [Regulamento Geral da Exploração Técnica] previstos em caso de incidentes ou acidentes.

Em caso de emergência e de necessidade absoluta, nomeadamente em caso de acidente, de falha que inutilize temporariamente a infraestrutura ou quando outro facto impeça a utilização da infraestrutura em condições normais de segurança, os canais horários atribuídos podem ser suprimidos, sem aviso prévio, pelo tempo necessário à reparação das instalações ou ao desaparecimento do facto gerador da interrupção da circulação.

A [ACF] atribuirá capacidades alternativas que respondam o melhor possível às especificações das empresas de transporte ferroviário em causa.

Se considerar necessário, o gestor da infraestrutura pode exigir que as empresas de transporte ferroviário ponham à sua disposição os meios que entende serem os mais adequados para restabelecer a situação o mais rapidamente possível, ou utilizar os seus próprios meios de socorro e de desobstrução. Os custos daí resultantes são suportados pela parte responsável pela perturbação.»

 Procedimento pré‑contencioso

12      Por carta de 26 de junho de 2008, a Comissão notificou o Grão‑Ducado do Luxemburgo para se conformar com as diretivas do primeiro pacote ferroviário. O referido Estado‑Membro respondeu a esta notificação para cumprir por carta de 27 de agosto de 2008.

13      Por carta de 9 de outubro de 2009, a Comissão dirigiu ao Grão‑Ducado do Luxemburgo um parecer fundamentado no qual alegava que as medidas que este tinha adotado para assegurar a transposição do artigo 6.°, n.° 3, e do anexo II da Diretiva 91/440, bem como do artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, eram insuficientes no que se refere à independência das entidades às quais são atribuídas as funções determinantes. Nesse parecer fundamentado, a Comissão acusava também o referido Estado‑Membro de não ter adotado as medidas necessárias para dar cumprimento às suas obrigações em matéria de tarificação do acesso às infraestruturas ferroviárias, previstas no artigo 11.° da Diretiva 2001/14 e no artigo 10.°, n.° 7, da Diretiva 91/440. O Grão‑Ducado do Luxemburgo também não cumpriu as obrigações que incumbem aos Estados‑Membros, por força do artigo 30.°, n.os 1, 4 e 5, da Diretiva 2001/14, no que diz respeito à entidade reguladora ferroviária.

14      Por cartas de 24 de dezembro de 2009 e de 29 de março de 2010, o Grão‑Ducado do Luxemburgo respondeu ao referido parecer fundamentado, tendo transmitido à Comissão o texto do Regulamento grão‑ducal de 27 de fevereiro de 2010, relativo ao regime de melhoria do desempenho da rede ferroviária (règlement grand‑ducal du 27 février 2010, relatif au système d’amélioration des performances du réseau ferré).

15      Por carta de 15 de abril de 2010, a Comissão enviou ao Grão‑Ducado do Luxemburgo um pedido de informação, a que este respondeu em 26 de abril e 16 de agosto de 2010.

16      Por carta de 25 de novembro de 2010, a Comissão dirigiu ao Grão‑Ducado do Luxemburgo um parecer fundamentado complementar, por meio do qual, à luz da evolução do quadro regulamentar nacional, verificada após o envio do parecer fundamentado de 9 de outubro de 2009, restringiu o âmbito do imputado incumprimento ao artigo 6.°, n.° 3, e ao anexo II da Diretiva 91/440, bem como ao artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, relativos à independência do organismo responsável pelas funções determinantes, a saber, a ACF. Consequentemente, a Comissão convidou o Grão‑Ducado do Luxemburgo a adotar as medidas necessárias para dar cumprimento às suas obrigações no prazo de dois meses a contar da data da receção deste parecer fundamentado complementar.

17      Por carta de 3 de fevereiro de 2011, o Grão‑Ducado do Luxemburgo respondeu ao parecer fundamentado complementar.

18      Não tendo ficado satisfeita com a resposta do Grão‑Ducado do Luxemburgo, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

 Quanto à ação

 Argumentos das partes

19      A Comissão alega que a Diretiva 91/440 impõe que as funções de repartição das capacidades ferroviárias devem, nomeadamente, ser asseguradas por organismos independentes. Com efeito, o anexo II, segundo travessão, desta diretiva prevê que entre as funções essenciais figuram «o processo de decisão relativo à atribuição de canais horários, incluindo a definição e a avaliação da disponibilidade e a atribuição de canais horários individuais». Por conseguinte, o anexo II não distingue os diferentes tipos de atribuição de canais horários. Na medida em que a organização de canais horários se integra na regulação operacional do tráfego e está estreitamente ligada a esta, esta regulação faz parte das funções determinantes e deve, assim, ser efetuada por uma entidade independente da empresa de transporte ferroviário.

20      Segundo a Comissão, embora a ACF, que procede à atribuição dos canais horários, seja de facto um organismo independente dos CFL, não deixa de ser verdade que estes últimos estão incumbidos de certas funções determinantes em matéria de atribuição de canais horários.

21      Perante as indicações fornecidas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, a Comissão considera que, em caso de perturbação do tráfego, a concessão dos canais horários continua a ser feita por um serviço dos CFL, a saber, o SGR, sem que este seja independente das partes que efetuam os serviços de transporte ferroviário.

22      A Comissão considera que, em caso de perturbação do tráfego, o horário normal fixado pela ACF deixa de poder ser respeitado, dado que as horas indicadas no horário já estão desatualizadas e que se torna necessária uma nova concessão dos horários aos operadores que esperam a sua vez. A Comissão considera que tal reatribuição constitui necessariamente uma concessão de canais horários. Ora, segundo a regulamentação luxemburguesa, essa reatribuição só pode ser efetuada através da gestão do tráfego, operada pelos CFL, aos quais concede assim um papel na atribuição das capacidades ferroviárias, que contradiz as exigências da Diretiva 2001/14.

23      A Comissão considera que o exercício da função determinante de atribuição de canais horários impõe que os CFL se submetam às exigências de independência previstas no primeiro pacote ferroviário. Ora, nos CFL não foram aplicadas medidas destinadas a assegurar essa independência, para separar, do ponto de vista jurídico, organizacional e decisório, as partes responsáveis pelas funções determinantes daquelas que gerem os serviços de transporte ferroviário. Consequentemente, estas funções devem ser transferidas para a ACF.

24      A Comissão sustenta que o artigo 29.° da Diretiva 2001/14 não constitui uma lex specialis que derroga a regra geral. Com efeito, nos termos do artigo 14.°, n.° 2, desta diretiva, a obrigação de independência que se impõe ao organismo de repartição é aplicável a todas as funções previstas no n.° 1 deste artigo 14.° e descritas no capítulo III da mesma diretiva, incluindo ao seu artigo 29.°

25      Na réplica, a Comissão alega que as alterações introduzidas pelo DRR, adotado depois de ter expirado o prazo fixado no parecer fundamentado, não são suficientes para fazer cessar o incumprimento.

26      Na contestação, o Grão‑Ducado do Luxemburgo considera que, embora a regulamentação nacional em vigor seja conforme com os termos e o espírito da Diretiva 2001/14, foi, no entanto, adaptada, após a propositura da presente ação, para que não subsistisse a menor dúvida sobre uma eventual não conformidade com o direito da União. Assim o DRR foi alterado de modo a que a nova concessão dos canais horários, em caso de perturbação, seja também transferida para a ACF, deixando assim o SGR de estar envolvido, o que garante um acesso equitativo e não discriminatório à infraestrutura.

27      Na tréplica, o referido Estado‑Membro alega que o DRR foi novamente alterado, com efeitos a 1 de janeiro de 2012, e que passou a satisfazer as exigências da Comissão na medida em que prevê que, em caso de perturbação imprevista, a ACF atribui novos canais horários.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

28      Com o seu único fundamento, a Comissão acusa o Grão‑Ducado do Luxemburgo de não ter cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva 91/440, conjugado com o seu anexo II, e no artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, na medida em que, no Luxemburgo, não obstante a ACF ser um organismo independente dos CFL, que, por seu turno, asseguram as funções de gestor da infraestrutura e de exploração dos serviços ferroviários, estes continuam a ser responsáveis por certas funções determinantes em matéria de atribuição de canais horários, uma vez que, em caso de perturbação do tráfego, a reatribuição dos canais horários é conferida a um serviço, a saber, ao SGR, que faz parte dos CFL e que não é independente destes no plano jurídico, organizativo e decisório.

29      A título preliminar, há que salientar que o Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que, com a adoção do DRR, que entrou em vigor a 1 de outubro de 2011 e que foi alterado em 1 de janeiro de 2012, a transposição da Diretiva 2001/14 ficou totalmente concluída.

30      Ora, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro, tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não podendo o Tribunal de Justiça ter em conta as alterações ocorridas depois disso (v., designadamente, acórdãos de 18 de novembro de 2010, Comissão/Espanha, C‑48/10, Colet., p. I‑151, n.° 30, e de 5 de maio de 2011, Comissão/Alemanha, C‑206/10, Colet., p. I‑3573, n.° 25).

31      Consequentemente, tendo o referido DRR e a sua alteração sido adotados depois de terminado o prazo concedido pela Comissão no seu parecer fundamentado complementar de 25 de novembro de 2010, aqueles documentos não podem ser tidos em consideração no âmbito do exame da procedência da presente ação por incumprimento levado a cabo pelo Tribunal de Justiça.

32      Quanto ao mérito, há que recordar que a Diretiva 91/440 iniciou a liberalização do transporte ferroviário com o objetivo de assegurar um acesso equitativo e não discriminatório das empresas de transporte ferroviário à infraestrutura. Para garantir esse acesso, o artigo 6.°, n.° 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 91/440 determinou que os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que as funções determinantes descritas no anexo II desta diretiva sejam atribuídas a entidades ou empresas que não efetuem, elas próprias, serviços de transporte ferroviário, facto que deve ser demonstrado, independentemente do tipo de estrutura organizacional previsto.

33      Nos termos do anexo II da Diretiva 91/440, são consideradas funções essenciais, na aceção do seu artigo 6.°, n.° 3, a preparação e o processo de decisão relativo à concessão de licenças a empresas de transporte ferroviário, o processo de decisão relativo à atribuição de canais horários, incluindo a definição e a avaliação da sua disponibilidade e a atribuição de canais horários individuais, o processo de decisão relativo à tarificação da infraestrutura e a supervisão do cumprimento das obrigações de serviço público impostas pela prestação de determinados serviços.

34      A este respeito, deve recordar‑se que, em caso de perturbação do tráfego ou de perigo, a adoção das medidas necessárias ao restabelecimento das condições normais de circulação, incluindo a supressão de canais horários, não faz parte da concessão dos canais horários (v. acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Hungria, C‑473/10, n.os 56 e 59).

35      Com efeito, o artigo 29.° da Diretiva 2001/14 prevê a possibilidade de se adotarem medidas necessárias para responder a uma situação de perturbação da circulação ferroviária resultante de falha técnica ou de acidente, bem como a uma situação de emergência e de absoluta necessidade, provocada por uma falha que torne a infraestrutura momentaneamente inutilizável (acórdão Comissão/Hungria, já referido, n.° 57).

36      Há que constatar que esta disposição se refere a medidas especiais e necessárias que devem ser tomadas em caso de perturbação da circulação das composições, para restabelecer, por razões de segurança, as condições normais de circulação, ao contrário do que sucede com as disposições do capítulo III da Diretiva 2001/14, que dizem respeito à fixação do calendário‑horário e à concessão de traçados ad hoc. Não se pode, assim, considerar que as medidas adotadas nos termos do artigo 29.° desta diretiva dizem diretamente respeito à função determinante de atribuição dos canais horários na aceção do artigo 14.°, n.° 2, da mesma diretiva, devendo esta função ser atribuída a um organismo de repartição independente. Trata‑se sobretudo de medidas pontuais que devem ser adotadas em caso de emergência, para fazer face a uma situação particular e assegurar que os direitos à capacidade sob a forma de traçados possam ser efetivamente exercidos pelo beneficiário, em conformidade com o horário de serviço (acórdão Comissão/Hungria, já referido, n.° 59).

37      Consequentemente, a adoção dessas medidas faz parte da gestão do tráfego e não está sujeita à exigência de independência, podendo estas funções ser atribuídas a um gestor da infraestrutura que seja, concomitantemente, uma empresa de transporte ferroviário.

38      Contudo, como salientou o advogado‑geral no n.° 24 das suas conclusões, que remete, respetivamente, para os n.os 67 e 44 das conclusões que apresentou nos processos que deram origem aos acórdãos Comissão/Hungria, já referido, e de 11 de julho de 2013, Comissão/Eslovénia (C‑627/10), embora a supressão de canais horários em caso de perturbação do tráfego não seja considerada uma função determinante, deve considerar‑se que a reatribuição dos mesmos, por seu lado, faz parte das funções determinantes que só podem ser exercidas por um gestor independente ou por um organismo de repartição, na medida em que, ao contrário da gestão do tráfego, que não implica uma tomada de decisões na aceção do anexo II da Diretiva 91/440, a nova concessão de canais horários comporta a adoção de decisões relativas à atribuição dos mesmos.

39      No caso em apreço, no Luxemburgo, a concessão de direitos a uma determinada capacidade sob a forma de canais horários é uma função determinante atribuída a título exclusivo a um organismo de repartição, a saber, à ACF. Nos termos das disposições pertinentes da regulamentação luxemburguesa, em caso de perturbação do tráfego, de emergência e de necessidade absoluta, ou quando qualquer outro facto impeça a utilização da infraestrutura em condições normais de segurança, o gestor da infraestrutura, a saber, os CFL, adota as medidas necessárias para assegurar o restabelecimento da normalidade, podendo os canais horários concedidos ser igualmente suprimidos pelo período de tempo necessário à reparação das instalações ou até ao desaparecimento do facto gerador da interrupção da circulação. Neste caso, cabe à ACF proceder à reatribuição de canais horários.

40      Além disso, o ponto 4.8.2 do DRR precisa que, quando uma circulação não possa respeitar o horário inicialmente previsto, o serviço permanente do SGR não atribuirá em caso algum um novo canal horário.

41      Assim, decorre da referida regulamentação que não se procede a uma nova concessão de canais horários e que, caso esta se revele necessária, caberá à ACF fazê‑lo.

42      Nestas condições, não se pode considerar que a regulamentação luxemburguesa em matéria de transporte ferroviário não cumpre as exigências dos artigos 6.°, n.° 3, da Diretiva 91/440 e 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, pelo facto de permitir que o SGR, que é uma entidade que faz parte dos CFL, adote as medidas necessárias para restabelecer a circulação normal, em caso de perturbação do tráfego ou de perigo.

43      Atento o conjunto das considerações que precedem, há que julgar improcedente a ação intentada pela Comissão.

 Quanto às despesas

44      Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Grão‑Ducado do Luxemburgo pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      A ação é julgada improcedente.

2)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.