Language of document : ECLI:EU:T:2012:596

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

14 de novembro 2012 (*)

«Concorrência — Procedimento administrativo — Recurso de anulação — Atos adotados durante uma inspeção — Medidas intercalares — Inadmissibilidade — Decisão que ordena uma inspeção — Dever de fundamentação — Proteção da vida privada — Indícios suficientemente sérios — Fiscalização jurisdicional»

No processo T‑135/09,

Nexans France SAS, com sede em Paris (França),

Nexans SA, com sede em Paris,

representadas por M. Powell, solicitor, J.‑P. Tran Thiet, advogado, e G. Forwood, barrister,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por X. Lewis e N. von Lingen, e em seguida por W. von Lingen e V. Di Bucci, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto, em primeiro lugar, um pedido de anulação da Decisão C(2009) 92/1 da Comissão, de 9 de janeiro de 2009, que ordena à Nexans SA e à sua filial Nexans France SAS que se sujeitem a uma inspeção, nos termos do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] do Tratado (JO 2003, L 1, p. 1) (processo COMP/39.610); em segundo lugar, um pedido no sentido de que este Tribunal declare ilegal a decisão, tomada pela Comissão durante essa inspeção, de copiar integralmente o conteúdo de determinados ficheiros informáticos para os analisar nas suas instalações; em terceiro lugar, um pedido de anulação da decisão, tomada pela Comissão, de interrogar um empregado da Nexans France durante a inspeção e, em quarto lugar, um pedido para que o Tribunal Geral adote certas medidas contra a Comissão,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: L. Truchot, presidente, M. E. Martins Ribeiro e H. Kanninen (relator), juízes,

secretário: J. Weychert, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 19 de outubro de 2011,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

1        As recorrentes, Nexans SA e a sua filial a 100% Nexans France SAS, são duas sociedades francesas que exercem a sua atividade no setor dos cabos elétricos.

2        Pela Decisão C(2009) 92/1, de 9 de janeiro de 2009, a Comissão das Comunidades Europeias ordenou à Nexans e a todas as empresas direta ou indiretamente controladas por ela, incluindo a Nexans France, que se sujeitem a uma inspeção, em conformidade com o artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] do Tratado (JO 2003, L 1, p. 1) (a seguir «decisão de inspeção»).

3        O artigo 1.° da decisão de inspeção tem a seguinte redação:

«A Nexans […], bem como todas as empresas, direta ou indiretamente controladas por si, incluindo a Nexans France […] têm, nos termos da presente o dever de se sujeitarem a uma inspeção relativa à (sua) eventual participação em acordos anticoncorrenciais e/ou práticas concertadas contrárias ao artigo 81.° [CE […]] em relação com o fornecimento de cabos elétricos e de material associado incluindo, entre outros, os cabos elétricos submarinos de alta tensão e, em certos casos, os cabos elétricos subterrâneos de alta tensão, incluindo a apresentação de propostas concertadas em concursos públicos, a repartição de clientela, bem como a troca ilícita de informações comercialmente sensíveis relativas ao fornecimento desses produtos.

A inspeção pode ter lugar em quaisquer instalações controladas pela empresa […]

A Nexans […] assim como todas as empresas, direta ou indiretamente por si controladas, incluindo a Nexans France […] autoriza os funcionários e outras pessoas mandatadas pela Comissão [para] procederem a uma inspeção e os funcionários e outras pessoas mandatadas pela Autoridade da concorrência do Estado‑Membro [para os] ajudarem ou designadas por este último para esse efeito, a aceder a todas as suas instalações e meios de transporte durante as horas normais de funcionamento. Sujeita a inspeção os livros e todos os demais documentos profissionais, independentemente do suporte, se os funcionários e outras pessoas mandatadas o solicitarem e permite‑lhes examinar no local e realizar ou obter sob qualquer forma cópia ou extrato desses livros ou documentos. Autoriza a aposição de selos em todas as instalações comerciais e livros ou documentos durante a inspeção e na medida em que tal seja necessário para efeitos desta. Dá imediatamente no local explicações orais a respeito do objeto e da finalidade da inspeção se esses funcionários ou pessoas o solicitarem e autoriza qualquer representante ou membro do pessoal a dar tais explicações. Autoriza o registo dessas explicações sob qualquer forma.»

4        No artigo 2.° da decisão de inspeção, a Comissão precisa que a inspeção pode começar em 28 de janeiro de 2009. No artigo 3.° da referida decisão, indica que a decisão de inspeção será notificada à empresa que é sua destinatária imediatamente antes da inspeção.

5        A decisão de fundamentação tem a seguinte fundamentação:

«A Comissão recebeu informações segundo as quais os fornecedores de cabos elétricos, incluindo as empresas às quais esta decisão se dirige, participam ou tinham participado em acordos e/ou práticas concertadas em relação com o fornecimento de cabos elétricos e de material associado incluindo, entre outros, os cabos elétricos submarinos de alta tensão e, em certos casos, os cabos elétricos subterrâneos de alta tensão, incluindo a apresentação de propostas concertadas em concursos públicos, a repartição de clientela, bem como a troca ilícita de informações comercialmente sensíveis relativas ao fornecimento desses produtos.

[…]

Segundo as informações recebidas pela Comissão, [e]sses acordos e/ou práticas concertadas […], que foram implementadas desde 2001 pelo menos, ainda existem atualmente. [Têm] provavelmente um alcance mundial.

Se se verificar que essas alegações são fundadas, os acordos e/ou as práticas concertadas acima descritos constituem infrações muito graves ao artigo 81.° [CE].

A fim de permitir à Comissão verificar todos os factos relativos aos alegados acordos e às práticas concertadas e o contexto em que decorreram, é necessário efetuar inspeções em aplicação do artigo 20.° do Regulamento […] n.° 1/2003.

[…]»

6        Na quarta‑feira, 28 de janeiro de 2009, inspetores da Comissão (a seguir «inspetores»), acompanhados de representantes da Autoridade da concorrência (França), deslocaram‑se às instalações da Nexans France a fim de proceder a uma inspeção nos termos do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 (a seguir «inspeção»). A decisão de inspeção foi comunicada à empresa, que pôs à disposição dos inspetores uma sala de reuniões. Um advogado mandatado pelas recorrentes assistiu‑as durante todas as diligências relativas à inspeção.

7        Os inspetores expressaram a sua vontade de analisar os documentos bem como os computadores de determinados empregados da Nexans France, a saber A ([confidencial] (1) — departamento «Alta tensão»), B ([confidencial] — departamento «Alta tensão») e C ([confidencial] da unidade comercial «Alta tensão terrestre»). Os inspetores foram informados que C se encontrava em viagem, com o seu computador, e que apenas regressaria em 30 de janeiro de 2009.

8        Os inspetores começaram por analisar documentos em suporte papel nos gabinetes de A, B e C, bem como no gabinete da sua assistente comum. Em seguida, realizaram cópias dos discos rígidos dos computadores de A, B e D ([confidencial] — departamento «Alta tensão»). Para poderem efetuar uma pesquisa por palavras‑chave na informação contida nesses computadores, utilizaram um programa que armazenou essa informação durante a noite.

9        No segundo dia de inspeção, a saber quinta‑feira 29 de janeiro de 2009, os inspetores analisaram vários documentos encontrados nos gabinetes de C e E ([confidencial] — departamento «Alta tensão») bem como o correio eletrónico de A, B e E e as cópias do disco rígido dos computadores de A, B e D.

10      B informou os inspetores que devia encontrar‑se com C em 29 de junho de 2009 à noite. Propôs levar o computador de C para as instalações da Nexans France no dia seguinte de manhã, o que fez.

11      No terceiro dia de inspeção, sexta‑feira, 30 de janeiro de 2009, os inspetores transmitiram às recorrentes que pretendiam pedir explicações a C a respeito de determinados documentos, designadamente as mensagens de correio eletrónico encontradas sobretudo no computador de A, das quais C era o destinatário, ou o remetente, ou o destinatário em cópia. À tarde, C, acompanhado de dois advogados das recorrentes, respondeu às questões dos inspetores. Essas questões, assim como as suas respostas, foram registadas num anexo à ata da inspeção, que foi assinado pelos representantes das recorrentes.

12      Do mesmo modo, na sexta‑feira, 30 de janeiro de 2009, os inspetores analisaram o conteúdo do disco rígido do computador de C e recuperaram vários ficheiros, documentos e mensagens de correio eletrónico, na sua opinião pertinentes para a investigação, que tinham sido apagados entre o início da inspeção e 30 de janeiro de 2009. Copiaram dois conjuntos de mensagens de correio eletrónico para dois suportes informáticos de registo de dados (a seguir «SIRD»). Copiaram igualmente um conjunto de mensagens de correio eletrónico encontrados no computador de A para dois SIRD. Estes quatro SIRD foram colocados em envelopes selados e posteriormente assinados por um representante das recorrentes. Os inspetores decidiram levar esses envelopes para as instalações da Comissão em Bruxelas (Bélgica). O computador de C bem como um SIRD encontrado no seu gabinete foram colocados num armário, que foi selado pelos inspetores. Os discos rígidos dos computadores da Comissão utilizados nas pesquisas foram posteriormente apagados. Por fim, os inspetores informaram as recorrentes que as avisariam da data de continuação da inspeção. As recorrentes indicaram que preferiam que a eventual inspeção do disco rígido do computador de C tivesse lugar nas instalações da Nexans France, e não nas instalações da Comissão.

13      Os inspetores regressaram às instalações da Nexans France na terça‑feira, 3 de fevereiro de 2009. Abriram o armário selado que continha o SIRD encontrado no gabinete de C bem como o computador deste. Inspecionaram no local o SIRD, imprimiram e guardaram dois documentos extraídos do SIRD e entregaram‑no aos representantes das recorrentes. Efetuaram em seguida três cópias do disco rígido do computador de C para três SIRD. Os inspetores entregaram um dos três SIRD aos representantes das recorrentes a pedido destes e colocaram os outros dois em envelopes selados que levaram para Bruxelas após terem tomado conhecimento de que as recorrentes contestavam a legitimidade desse procedimento. Os inspetores indicaram que os envelopes selados seriam abertos apenas nas instalações da Comissão na presença dos representantes das recorrentes.

14      Em 2 de março de 2009, os envelopes selados nas instalações da Nexans France contendo SIRD foram abertos nas instalações da Comissão na presença dos advogados das recorrentes. Os documentos contidos nesses SIRD foram analisados e os inspetores imprimiram em papel os que tinham considerado pertinentes para a investigação. Uma segunda cópia em papel desses documentos e uma lista dos mesmos foram entregues aos advogados das recorrentes. Este processo foi concluído em 11 de março de 2009. O gabinete onde os documentos e os SIRD foram analisados foi selado no final de cada dia de trabalho, na presença dos advogados das recorrentes, e reaberto no dia seguinte, sempre na sua presença.

 Tramitação processual e pedidos das partes

15      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de abril de 2009, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

16      Tendo a composição das Secções do Tribunal Geral sido alterada, o juiz‑relator foi afetado à Oitava Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, atribuído.

17      Por carta de 14 de janeiro de 2011, as recorrentes pediram que fossem juntos aos autos dois acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem proferidos após a apresentação da réplica que seriam pertinentes para a análise da admissibilidade do recurso (TEDH, acórdãos Primagaz c. França, Petição n.° 29613/08, e Société Canal Plus c. França, Petição n.° 29408/08, de 21 de dezembro de 2010), o que foi permitido por decisão do Tribunal Geral de 26 de janeiro de 2011. O Tribunal Geral convidou a Comissão a apresentar as suas observações a respeito desses acórdãos, o que esta fez no prazo fixado.

18      Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal decidiu dar início à fase oral. No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal, em 20 de setembro de 2011, o Tribunal colocou perguntas escritas à Comissão e pediu‑lhe que apresentasse uma cópia de um seu documento referido pelas recorrentes nos articulados e intitulado «Nota explicativa sobre a autorização de efetuar uma inspeção em execução de uma decisão adotada em virtude do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003». A Comissão acedeu a este pedido no prazo fixado.

19      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 19 de outubro de 2011. No final da audiência, o Tribunal decidiu não encerrar a fase oral.

20      Por carta de 25 de outubro de 2011, as recorrentes comunicaram ao Tribunal Geral precisões de caráter factual relativas às observações que tinham apresentado na audiência. O Tribunal Geral juntou essa carta aos autos por decisão de 16 de novembro de 2011 e convidou a Comissão a apresentar as suas observações a esse respeito, o que fez no prazo fixado.

21      Por despacho de 21 de dezembro de 2011, o Tribunal Geral ordenou à Comissão que apresentasse certos documentos no quadro das diligências de instrução previstas no artigo 65.° do Regulamento de Processo e fixou as modalidades da sua consulta pelas recorrentes. A Comissão cumpriu essa diligência de instrução no prazo fixado.

22      No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, em 21 de dezembro de 2011, o Tribunal Geral colocou uma questão escrita à Comissão e convidou‑a a apresentar uma tradução para a língua do processo de certas passagens de dois documentos que tinha previamente fornecido. A Comissão satisfaz este pedido no prazo fixado.

23      Em 24 de janeiro de 2012, as recorrentes consultaram os documentos referidos no n.° 21, supra, na Secretaria do Tribunal Geral. Em 2 de março de 2012, apresentaram as suas observações a respeito desses documentos. Em 26 de março de 2012, a Comissão apresentou as suas observações sobre as observações das recorrentes.

24      A fase oral foi encerrada em 23 de abril de 2012. Por despacho de 1 de outubro de 2012, foi reaberta. No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, em 2 de outubro de 2012, o Tribunal Geral colocou uma questão escrita à Comissão, que respondeu a este pedido no prazo fixado. A fase oral foi então encerrada em 22 de outubro de 2012.

25      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular a decisão de inspeção;

¾        declarar ilegal a decisão da Comissão de realizar cópias de certos ficheiros informáticos e do disco rígido do computador de C para os fiscalizar ulteriormente nas suas instalações em Bruxelas;

¾        anular a decisão da Comissão de interrogar C;

¾        ordenar à Comissão que entregue à Nexans France todos os documentos ou provas que possa ter obtido ao abrigo das decisões suprarreferidas, incluindo, e sem exceção, os documentos que não integram a inspeção, os documentos relativos aos projetos de cabos elétricos fora do Espaço Económico Europeu (EEE), os documentos obtidos de forma irregular e levados para Bruxelas e o depoimento recolhido com base nos interrogatórios de C;

¾        ordenar à Comissão que se abstenha de utilizar qualquer documento ou prova que possa ter obtido ao abrigo das decisões anuladas para efeitos do procedimento por uma infração às regras da concorrência;

¾        ordenar à Comissão que se abstenha de transmitir esses documentos ou provas (ou as peças ou informações daí resultantes) a outras Autoridades da concorrência;

¾        ordenar qualquer outra medida juridicamente necessária;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

26      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        declarar inadmissível o parecer jurídico apresentado pelas recorrentes em anexo à réplica em apoio dos seus argumentos relativos à admissibilidade de alguns dos seus pedidos;

¾        declarar inadmissíveis o segundo a sétimo pedidos das recorrentes;

—      negar provimento ao recurso;

¾        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

27      Os três primeiros pedidos apresentados pelas recorrentes são três pedidos de anulação tendo cada um por objeto um ato adotado pela Comissão previamente ou durante a inspeção.

28      O primeiro dos três atos impugnados pelas recorrentes é a decisão de inspeção. O segundo e terceiro atos (a seguir «atos controvertidos») foram adotados relativamente a elas pelos inspetores durante a inspeção. Trata‑se, respetivamente, da decisão de efetuar cópias de vários ficheiros informáticos e do disco rígido do computador de C para os examinar ulteriormente nas instalações da Comissão, bem como a decisão de interrogar C.

29      O quarto a sétimo pedidos apresentados pelas recorrentes são destinados a que o Tribunal Geral ordene medidas contra a Comissão.

30      Quanto à admissibilidade, a Comissão afirma, em primeiro lugar, que os atos controvertidos não são atos recorríveis, pelo que os pedidos de anulação desses atos apresentados pelas recorrentes são, por conseguinte, inadmissíveis. Em seguida, alega que os pedidos pelos quais as recorrentes solicitam ao Tribunal Geral que lhe dirija injunções são igualmente inadmissíveis. Por fim, o Tribunal Geral devia declarar inadmissível o parecer jurídico que as recorrentes anexaram à réplica (a seguir «parecer controvertido»), em apoio dos seus argumentos relativos à admissibilidade dos pedidos de anulação dos atos controvertidos.

31      Quanto ao mérito, a Comissão alega que as acusações invocadas pelas recorrentes em apoio dos seus pedidos de anulação devem ser julgadas improcedentes.

32      Em primeiro lugar, cumpre analisar o pedido de anulação da decisão de inspeção, cuja admissibilidade não é contestada, em seguida, a admissibilidade do parecer jurídico e a dos pedidos de anulação dos atos controvertidos e, por fim, os pedidos tendentes a que o Tribunal Geral ordene medidas contra a Comissão.

1.     Quanto ao pedido de anulação da decisão de inspeção

33      As recorrentes apresentam, em substância, um fundamento único em apoio do seu pedido de anulação da decisão de inspeção, relativo à violação do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 e dos direitos fundamentais, a saber os direitos de defesa, o direito a um processo equitativo, o direito à não autoincriminação, a presunção de inocência e o direito ao respeito da vida privada. Este fundamento divide‑se em duas partes, relativas, por um lado, ao caráter excessivamente alargado e vago da gama de produtos abrangidos pela decisão de inspeção e, por outro, ao alcance geográfico excessivamente lato dessa decisão.

 Quanto à primeira parte, relativa ao caráter excessivamente alargado e vago da gama de produtos abrangidos pela decisão de inspeção

34      Os argumentos expostos pelas recorrentes no âmbito dessa parte podem ser entendidos no sentido de que, na decisão de inspeção, a Comissão não circunscreveu suficientemente o objeto e o fim da inspeção. Para esse efeito, apresentam duas acusações.

35      Com a sua primeira acusação, as recorrentes criticam a Comissão, em substância, pela imprecisão da decisão de inspeção quanto à delimitação dos produtos em causa. Essa imprecisão colocou as recorrentes na impossibilidade de exercer os seus direitos de defesa e de distinguir os documentos que a Comissão tinha a faculdade de consultar e copiar dos outros documentos na posse da Nexans France, relativamente aos quais não deviam suportar tal ingerência na sua esfera de atividade privada. A Comissão pôde assim encetar uma «expedição exploratória» e procurar nas instalações dessa empresa documentos e informações úteis para apurar eventuais infrações às regras de concorrência no âmbito de todas as atividades das recorrentes e não apenas no âmbito do setor abrangido pela investigação.

36      Com a sua segunda acusação, as recorrentes alegam que a Comissão não dispunha de informações circunstanciadas que a levassem a suspeitar da existência de uma infração às regras de concorrência a não ser no setor dos cabos submarinos de alta tensão, o que seria confirmado pelo comportamento dos inspetores durante a inspeção bem como por um comunicado de imprensa da Comissão.

37      Para analisar as duas acusações avançadas pelas recorrentes, importa, a título liminar, recordar certos princípios que regem, por um lado, o conteúdo obrigatório das decisões adotadas pela Comissão que ordenem uma inspeção nos termos do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 e, por outro, a fiscalização que o Tribunal da União Europeia é competente para efetuar quanto ao caráter justificado dessa inspeção.

 Observações preliminares

38      O artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 define os elementos essenciais que devem figurar numa decisão da Comissão que ordena uma inspeção. Essa disposição tem a seguinte redação:

«As empresas e as associações de empresas são obrigadas a sujeitar‑se às inspeções que a Comissão tenha ordenado mediante decisão. A decisão deve indicar o objeto e a finalidade da inspeção, fixar a data em que esta tem início e indicar as sanções previstas nos artigos 23.° e 24.°, bem como a possibilidade de impugnação da decisão perante o Tribunal de Justiça. […]»

39      A obrigação imposta à Comissão de indicar o objeto e a finalidade da inspeção constitui uma exigência fundamental para, por um lado, evidenciar o caráter justificado da intervenção prevista no interior das empresas em causa, para que fiquem em condições de compreender o alcance do seu dever de colaboração e, por outro, para preservar os seus direitos de defesa (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de outubro de 1989, Dow Chemical Ibérica e o./Comissão, 97/87 a 99/87, Colet., p. 3165, n.° 26).

40      Quanto ao caráter justificado ou não da intervenção prevista e do alcance do dever de colaboração das empresas em causa, importa salientar que a exigência de proteção contra as intervenções arbitrárias e desproporcionadas do poder público na esfera da atividade privada de qualquer pessoa, singular ou coletiva, constitui um princípio geral de direito da União (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de outubro de 2002, Roquette Frères, C‑94/00, Colet., p. I‑9011, n.° 27, e jurisprudência referida). Este princípio foi consagrado no artigo 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em Nice em 7 de dezembro de 2000 (JO C 364, p. 1), nos termos do qual «[t]odas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações».

41      Quanto à preservação dos direitos de defesa das empresas em causa, desde logo, há que observar que esses direitos devem ser respeitados pela Comissão, quer nos processos administrativos suscetíveis de conduzir a sanções, quer durante a tramitação dos processos de instrução prévia, porque importa evitar que esses direitos possam ficar irremediavelmente comprometidos no âmbito de processos de instrução prévia, entre os quais se incluem designadamente as inspeções, que podem ter caráter decisivo para a produção de provas de natureza ilegal dos comportamentos das empresas suscetíveis de implicar a respetiva responsabilidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, Colet., p. 2859, n.° 15).

42      Em seguida, constituindo a exigência de que a Comissão indique o objeto e a finalidade da diligência uma garantia fundamental dos direitos de defesa das empresas em causa, o alcance do dever de fundamentar as decisões que ordenam diligências de inspeção não pode ser restringido em função de considerações relativas à eficácia da investigação. A este respeito, deve lembrar‑se que, embora sendo certo que a Comissão não está obrigada a comunicar ao destinatário de uma decisão de uma diligência de instrução todas as informações de que dispõe quanto a presumíveis infrações nem a proceder a uma qualificação jurídica rigorosa dessas infrações, ela deve, em contrapartida, indicar claramente as presunções que pretende comprovar (acórdão Dow Chemical Ibérica e o./Comissão, referida no n.° 39, supra, n.° 45).

43      O Tribunal da União pode ser levado a efetuar uma fiscalização de uma decisão tomada ao abrigo do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 a fim de se certificar que aquela não tem caráter arbitrário, isto é, que não foi adotada na inexistência de qualquer circunstância de facto suscetível de justificar uma inspeção. Com efeito, importa recordar que as inspeções levadas a cabo pela Comissão destinam‑se a recolher a documentação necessária para verificar a realidade e o alcance de uma determinada situação de facto e de direito a propósito da qual a Comissão já dispõe de informações. No âmbito desta fiscalização, o Tribunal da União deve certificar‑se da existência de indícios suficientemente sérios que permitam suspeitar de uma infração às regras da concorrência por parte da empresa em causa (v. acórdão Roquette Frères, referida no n.° 40, supra, n.os 54 e 55, e jurisprudência referida).

44      É à luz das considerações que antecedem que importa aplicar a jurisprudência do Tribunal da União segundo a qual, por um lado, a fundamentação de uma decisão de inspeção não deve incluir necessariamente uma delimitação precisa do mercado em questão, desde que essa decisão contenha os elementos essenciais referidos no n.° 38, supra (acórdão Dow Chemical Ibérica e o./Comissão, referida no n.° 39, supra, n.° 46) e, por outro, a Comissão deve todavia revelar, nessa decisão, uma descrição das características essenciais da infração objeto de suspeita, mediante nomeadamente a indicação do mercado presumido em causa (acórdão do Tribunal Geral de 8 de março de 2007, France Télécom/Comissão, T‑340/04, Colet., p. II‑573, n.° 52).

45      Com efeito, embora, na fase da inspeção, a Comissão não seja obrigada a delimitar com precisão o mercado visado pelo seu inquérito, deve em contrapartida precisar suficientemente os setores abrangidos pela alegada infração visada pela investigação, a fim de permitir, por um lado, à empresa em causa limitar a sua colaboração às suas atividades relativas aos setores a respeito dos quais a Comissão tem indícios suficientemente sérios que permitam suspeitar de uma infração às regras de concorrência e que justificam uma ingerência na esfera de atividade privada dessa empresa e, por outro, ao juiz da União fiscalizar, se for caso disso, o caráter suficiente desses indícios para tal.

 Quanto à primeira acusação, relativa à imprecisão da decisão de inspeção no atinente à delimitação dos produtos em causa

46      Como foi exposto nos n.os 3 e 5, supra, a Comissão indicou na decisão de inspeção que o objeto da sua investigação abrangia «o fornecimento de cabos elétricos e de material associado incluindo, entre outros, os cabos elétricos submarinos de alta tensão e, em certos casos, os cabos elétricos subterrâneos de alta tensão».

47      Na contestação e na tréplica, a Comissão indica, pelo menos de forma implícita, que a decisão de inspeção não visava o conjunto dos cabos elétricos e o seu material associado. Com efeito, alega que a fundamentação dessa decisão, «e nomeadamente a descrição dos produtos específicos cobertos pela expressão mais genérica ‘cabos elétricos’[,] permitia às recorrentes compreender sem dificuldade que a inspeção não dizia respeito a quaisquer cabos elétricos, mas mais precisamente os referidos a título de exemplo na decisão [de inspeção]».

48      Assim, segundo a Comissão, o objeto da sua investigação incluía sobretudo os «cabos utilizados na transmissão da eletricidade, por exemplo centrais elétricas até às subestações ou nas interconexões entre redes elétricas», constituindo os tipos de cabos elétricos expressamente citados na decisão de inspeção exemplos concretos dessa categoria, o que resultaria de forma suficientemente clara da redação dessa disposição e do seu contexto.

49      Todavia, o objeto da investigação definido na decisão de inspeção não pode ser interpretado como propõe a Comissão na contestação e na tréplica.

50      Com efeito, os fundamentos da decisão de inspeção visam claramente o conjunto dos cabos elétricos. A expressão «incluindo, entre outros» bem como a expressão «e, em certos casos», utilizados pela Comissão na sua delimitação do objeto da investigação, mostram que os cabos elétricos submarinos de alta tensão e os cabos elétricos subterrâneos de alta tensão apenas são referidos pela Comissão a título de exemplo de uma gama de produtos mais lata e incluem potencialmente qualquer tipo de cabo elétrico, assim como todo o material associado à utilização ou à instalação desses cabos.

51      Por outro lado, na sua resposta às medidas de organização do processo de 20 de setembro de 2011, assim como na audiência, a Comissão indicou, ao contrário do que alega na contestação e na tréplica, que a decisão de inspeção tinha por objeto todos os cabos elétricos, e não apenas os cabos elétricos citados a título de exemplo nessa decisão.

52      Como as recorrentes sublinham, a expressão «cabos elétricos» pode corresponder a qualquer espécie de cabo utilizado na transmissão da corrente elétrica. Além disso, a decisão de inspeção não precisa os produtos que podem inserir‑se na categoria de «material associado». Por conseguinte, esta decisão diz respeito a um número muito elevado de produtos. Como alegam as recorrentes, produtos tão diversos como os fios de telefone, os cabos elétricos de alta tensão, os cabos de distribuição de eletricidade nas habitações ou o cabeamento para produtos eletrodomésticos podem ser incluídos na categoria geral de «cabos elétricos». Além disso, produtos como os transformadores, os comutadores ou os contadores elétricos podem incluir‑se na categoria geral de material associado aos cabos elétricos. Como sublinham ainda as recorrentes, essa fundamentação pode abranger todas as atividades de uma empresa que fabrica cabos de condução elétrica, ainda que essas atividades pudessem corresponder a setores muito diferentes.

53      Ora, há que referir que, ao abranger na decisão de inspeção todos os cabos elétricos e todos o material associado a esses cabos, a Comissão satisfez a sua obrigação de circunscrever o objeto da sua investigação, ao contrário do que as recorrentes alegam.

54      Com efeito, as formulações contidas no artigo 1.° e na fundamentação da decisão de inspeção, ainda que pudessem ter sido elaboradas de forma menos ambígua, permitiram às recorrentes apreciar o alcance do seu dever de colaboração. As recorrentes deviam compreender que a decisão de inspeção não excluía os cabos elétricos não referidos especificamente nessa decisão e que estavam em princípio obrigadas a fornecer à Comissão qualquer informação pedida relativa a todos os cabos elétricos e aos materiais que são normalmente comercializados com esses cabos ou destinados a um uso complementar. Da leitura da decisão de inspeção, as recorrentes podiam concluir que qualquer oposição da sua parte a que a Comissão obtivesse ou lhes pedisse para apresentarem documentos relativos a esses produtos podia ser punida ao abrigo do artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003.

55      A decisão de inspeção delimita igualmente um objeto de investigação a respeito do qual o Tribunal Geral pode fiscalizar, se for caso disso, o caráter suficientemente sério dos indícios de que a Comissão dispunha aquando da adoção desta decisão, para justificar uma ingerência na esfera de atividade privada das recorrentes que abrangiam todas as atividades desta.

56      A precisão da decisão de inspeção quanto à delimitação dos produtos objeto da inspeção não pode ser posta em causa, ao contrário do que as recorrentes alegam, pelo facto de, nas decisões que adotou antes da decisão de inspeção, e designadamente na sua decisão de 19 de julho de 2000, que declara uma operação de concentração compatível com o mercado comum e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo COMP/M.1882 — Pirelli/BICC) (JO 2003, L 70, p. 35), a Comissão ter distinguido vários mercados separados entre os produtos abrangidos pela investigação, a saber o mercado dos cabos de muito alta e alta tensão, por um lado, e o mercado dos cabos de baixa e média tensão, por outro. Com efeito, a Comissão era obrigada a definir precisamente os mercados abrangidos pela operação de concentração na origem dessa decisão, adotada ao abrigo do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO L 395, p. 1), na versão em vigor à época de adoção da referida decisão, na medida em que era obrigada a analisar em conformidade com essa disposição se a operação em causa era suscetível de criar ou de reforçar uma posição dominante que podia entravar de forma significativa a concorrência efetiva no mercado comum ou numa parte substancial deste. Em contrapartida, como indicou no n.° 44 supra, a Comissão não é obrigada a delimitar com precisão o mercado abrangido na sua investigação no âmbito de uma decisão adotada ao abrigo do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003.

57      Além disso, nada impede que se considere que uma única infração ao direito da concorrência ou que infrações ligadas possam provocar efeitos em mercados de produtos distintos e ser objeto, pelo menos na fase de adoção de uma decisão em virtude do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003, da mesma investigação da Comissão.

58      Por fim, a questão de saber se os inspetores procederam, como alegam as recorrentes, a uma «expedição exploratória» nas instalações da Nexans France depende do caráter suficiente dos indícios de que a Comissão dispunha aquando da adoção da decisão de inspeção para justificar uma ingerência na esfera de atividade privada das recorrentes relativa a todos os cabos elétricos e deve por isso ser analisada no contexto da segunda acusação.

59      Importa, portanto, rejeitar a primeira acusação.

 Quanto à segunda acusação, relativa ao facto de a Comissão só dispor de indícios suficientemente sérios que permitissem suspeitar de uma infração às regras de concorrência pelas recorrentes no setor dos cabos submarinos de alta tensão

60      As recorrentes alegam que as informações de que a Comissão dispunha só diziam respeito a um eventual comportamento anticoncorrencial no setor dos cabos submarinos. Essa análise seria confirmada, por um lado, pelo facto de, quando chegou para a inspeção nas instalações da Nexans France em 28 de janeiro de 2009, ter pedido para se encontrar com certos empregados da Nexans France que trabalhavam nesse setor e, por outro, pelo conteúdo de um comunicado de imprensa publicado pela Comissão após a inspeção. Todavia, apesar das informações específicas que detinha, a Comissão tinha alargado de forma excessiva o objeto e o fim da inspeção e tinha procedido a uma «expedição exploratória» nas instalações dessa empresa.

61      A Comissão alega, em substância, que a empresa destinatária de uma decisão tomada nos termos do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 é obrigada a cooperar com ela não apenas no que diz respeito ao objeto da inspeção, quer dizer, os produtos ou os serviços abrangidos por essa decisão, mas no que respeita a todas as atividades da empresa em causa. Além disso, alega que dispunha de indícios suficientemente sérios para ordenar uma inspeção relativa a todos os cabos elétricos e material associado.

62      A este respeito e a título preliminar, há que salientar que, como a Comissão alega, os seus poderes de investigação ficariam desprovidos de utilidade se tivesse de se limitar a solicitar a apresentação de documentos que pudesse anteriormente identificar de forma precisa. Ora, tal direito implica, pelo contrário, a faculdade de procurar diversos elementos de informação ainda não conhecidos ou não totalmente identificados. Sem essa faculdade, a Comissão não pode recolher os elementos de informação necessários à inspeção se lhe for oposta uma recusa de colaboração ou, ainda, uma atitude de obstrução por parte das empresas em causa (acórdão Hoechst/Comissão, referida no n.° 41, supra, n.° 27; acórdão do Tribunal Geral, de 11 de dezembro de 2003, Ventouris/Comissão, T‑59/99, Colet., p. II‑5257, n.° 122).

63      Em segundo lugar, o exercício desta faculdade de procurar diversos elementos de informação ainda não conhecidos ou não totalmente identificados permite à Comissão analisar certos documentos de natureza profissional da empresa destinatária de uma decisão adotada nos termos do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003, ainda que não saiba se os mesmos estão relacionados com as atividades visadas por essa decisão, a fim de verificar se é esse o caso e evitar que a empresa em causa esconda à Comissão elementos de prova pertinentes para a investigação a pretexto de não serem abrangidos pelo objeto desta.

64      Todavia, apesar do exposto, quando a Comissão efetua uma inspeção nas instalações de uma empresa ao abrigo do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003, é obrigada a limitar as suas pesquisas às atividades dessa empresa relativas aos setores indicados na decisão que ordena a inspeção e, por isso, quando concluir, após análise, que um documento ou uma informação não estava relacionado com essas atividades, a abster‑se de a utilizar para efeitos da sua investigação.

65      Com efeito, embora a Comissão não estivesse sujeita a essa limitação, desde logo tinha na prática a possibilidade, de cada vez que está na posse de um indício que lhe permita suspeitar que uma empresa cometeu uma infração às regras da concorrência num domínio preciso das suas atividades, de efetuar uma inspeção tendo por objeto o conjunto destas e por finalidade última apurar a existência de qualquer infração às referidas regras que possa ter sido cometida por essa empresa, o que é incompatível com a proteção da esfera de atividade privada das pessoas jurídicas garantida enquanto direito fundamental numa sociedade democrática.

66      Em seguida, o dever da Comissão de indicar a finalidade e o objeto da inspeção nas decisões tomadas nos termos do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 teria uma finalidade puramente formal se fosse definida da maneira sugerida pela Comissão. A jurisprudência segundo a qual essa obrigação tem como objetivo designadamente permitir às empresas em causa apreciar o alcance do seu dever de colaboração seria violada, na medida em que essa obrigação se estenderia sistematicamente a todas as atividades das empresas em causa.

67      Assim, importa considerar que, no caso em apreço, a Comissão tinha a obrigação de dispor de indícios suficientemente sérios que justificassem a realização de uma inspeção nas instalações das recorrentes e que tivessem como objeto todas as atividades relativas aos cabos elétricos e ao material associado a esses cabos para adotar a decisão de inspeção.

68      Na petição, as recorrentes apoiam‑se em dois indícios para sustentar a sua afirmação segundo a qual a Comissão dispunha unicamente de informações relativas a um eventual comportamento anticoncorrencial no setor dos cabos submarinos de alta tensão. Por um lado, alegam que a Comissão tinha anunciado ter procedido a inspeções nas instalações de fabricantes apenas desses cabos num comunicado de imprensa de 3 de fevereiro de 2009. Por outro lado, alegam que, na inspeção, a Comissão se interessou por certos empregados da Nexans France que trabalhavam nesse setor.

69      Cumpre notar que, no dia da apresentação da petição na Secretaria do Tribunal Geral, as recorrentes não tinham tido acesso aos indícios de que a Comissão dispunha aquando da adoção da decisão de inspeção e sobre os quais assentavam as suas suspeitas. Além disso, a Comissão não estava obrigada a transmitir‑lhes esses indícios (v., neste sentido, acórdão Dow Chemical Ibérica e o./Comissão, referida no n.° 39, supra, n.os 45 e 51).

70      Nessas circunstâncias, não se pode exigir às recorrentes que forneçam, para além dos indícios referidos no n.° 68, supra, elementos de prova em apoio da sua afirmação segundo a qual a Comissão dispunha unicamente de informações relativas a um eventual comportamento anticoncorrencial no setor dos cabos submarinos de alta tensão.

71      Com efeito, essa exigência teria por consequência prática que uma empresa destinatária de uma decisão adotada nos termos do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 não estaria em condições de pôr em causa o caráter suficientemente sério dos indícios de que a Comissão dispunha para adotar essa decisão, o que impediria o Tribunal Geral de fiscalizar se a referida decisão não era de natureza arbitrária.

72      Há por isso que concluir que, pelo menos quando as empresas destinatárias de uma decisão adotada nos termos do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 apresentem, como no caso em apreço, certos elementos que ponham em dúvida o caráter suficientemente sério dos indícios de que a Comissão dispunha para adotar tal decisão, o Tribunal da União deve examinar esses indícios e fiscalizar o seu caráter suficientemente sério.

73      Na sua resposta às medidas de organização do processo de 20 de setembro de 2011, a Comissão deu a conhecer ao Tribunal Geral os indícios de que dispunha antes da adoção da decisão de inspeção que, segundo ela, justificavam ordenar uma inspeção nas instalações das recorrentes, relativa a todos os cabos elétricos.

74      A este respeito, a Comissão, desde logo, indicou que um concorrente das recorrentes (a seguir «requerente de medidas de clemência») a tinha informado oralmente em 21 de novembro de 2008, no âmbito do programa de clemência executado pela sua Comunicação, de 8 de dezembro de 2006, relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO C 298, p. 17), da existência de um cartel relativo aos cabos de alta tensão subterrâneos e submarinos de que as recorrentes fazem parte (a seguir «alegado cartel»), assim como da existência de um «acordo [confidencial] relativo aos contratos atinentes aos cabos elétricos de média tensão». Este último acordo, dito [confidencial], teria sido notificado em [confidencial] ao Bundeskartellamt (organismo federal dos cartéis alemão). Por último, o [confidencial] teria substituído um «acordo [confidencial]» anterior, chamado [confidencial], notificado em [confidencial] ao Bundeskartellamt.

75      A Comissão anexou à sua resposta às medidas de organização do processo de 20 de setembro de 2011 uma cópia de duas versões dos anos [confidencial] do [confidencial] bem como uma cópia do [confidencial].

76      A Comissão, em seguida, observou que a inspeção não se podia limitar aos cabos de alta tensão subterrâneos e submarinos na medida em que:

¾        o [confidencial] tinha por objeto cabos elétricos de média tensão [confidencial] e o [confidencial] tinha por objeto cabos destinados a tensões que podiam descer até [confidencial];

¾        o requerente de medidas de clemência [confidencial] já não teria de verificar [confidencial] se um comportamento colusório teria ocorrido [confidencial] relativamente aos cabos de média tensão;

¾        investigações anteriores levadas a cabo pela Comissão em matéria de controlo de concentrações tinham confirmado a ausência de diferenciação clara e definitiva entre os cabos elétricos de alta, média e baixa tensão [decisão da Comissão de 19 de julho de 2000 (Processo COMP/M.1882 — Pirelli/BICC), considerandos 14 a 32 (v. n.° 56, supra); decisão da Comissão de 5 de julho de 2005 (Processo COMP/M.3836 — Goldman Sachs/Pirelli Cavi e Sistemi Energia/Pirelli Cavi e Sistemi Telecom), n.os 12 e 13; decisão da Comissão de 6 de janeiro de 2006 (Processo COMP/M.4050 — Goldman Sachs/Cinven/Ahlsell)].

77      Na audiência, a Comissão completou a sua resposta às medidas de organização do processo de 20 de setembro de 2011 sobre este ponto. Afirmou que, segundo as informações que lhe tinham sido transmitidas em 21 de novembro de 2008 pelo requerente de medidas de clemência, o alegado cartel tinha existido pelo menos desde 2001 e tinha sido organizado na sequência de [confidencial]. Além disso, o requerente de medidas de clemência tê‑la‑ia informado de que não podia garantir que o referido cartel não dizia respeito a cabos que não os cabos subterrâneos e submarinos de alta tensão, [confidencial]. Nestas circunstâncias, podia suspeitar da existência de uma violação do artigo 81.° CE relativa a todos os cabos elétricos.

78      Sempre durante a audiência, as recorrentes indicaram que, após a apresentação da réplica, tinham tido acesso ao processo administrativo da Comissão, de que fazem parte o [confidencial], o [confidencial] e a declaração oral do requerente de medidas de clemência de 21 de novembro de 2008, e afirmaram que a Comissão não podia suspeitar, com base nesses documentos, que o alegado cartel respeitava a todos os cabos elétricos. Com efeito, por um lado, esses documentos eram muito antigos e respeitavam a acordos [confidenciais] notificados a uma Autoridade da concorrência e autorizados por esta. Por outro lado, o requerente de medidas de clemência precisou que não tinha conhecimento da existência de nenhuma violação ao direito da concorrência relativamente a outros cabos que não os subterrâneos e submarinos de alta tensão.

79      O Tribunal Geral considerou necessário juntar aos autos a declaração do requerente de medidas de clemência a fim de poder analisar o caráter suficientemente sérios dos indícios de que a Comissão dispunha. Como a própria Comissão o sugeriu no quadro da sua resposta às medidas de organização do processo de 20 de setembro de 2011, foi‑lhe pedida uma cópia dessa declaração através da diligência de instrução referida no n.° 21, supra. As observações que as partes apresentaram, depois de as recorrentes terem podido consultar essa declaração na Secretaria do Tribunal Geral, relativamente ao caráter suficientemente sério dos elementos de que a Comissão dispunha não são substancialmente diferentes das que tinham sido apresentadas na audiência.

80      Por último, no quadro das medidas de organização do processo de 21 de dezembro de 2011, o Tribunal pediu à Comissão para identificar as passagens das versões do [confidencial] e do [confidencial] que tinha comunicado ao Tribunal Geral que, isoladas ou associadas à declaração oral de 21 de novembro de 2008 do requerente de medidas de clemência, estavam na origem das suas suspeitas relativas a todos os cabos elétricos antes da adoção da decisão de inspeção.

81      Desde logo, importa observar que as passagens identificadas pela Comissão em resposta a este pedido, lidas à luz das versões do [confidencial] e do [confidencial] juntas aos autos bem como das observações que a Comissão apresentou sobre esses acordos, mostram que [confidencial] vários produtores comunitários chegaram a acordos, notificados ao Bundeskartellamt, relativamente à comercialização fora do mercado comum de grande variedade de cabos elétricos de alta, média e baixa tensão.

82      Estes acordos eram [confidencial].

83      Como a Comissão alega, em substância, o [confidencial] e o [confidencial], únicos acordos entre os acordos em causa que não estavam circunscritos aos cabos submarinos ou subterrâneos de alta tensão, eram acordos que previam [confidencial].

84      Todavia, a existência do [confidencial] e do [confidencial], que são acordos antigos, públicos, notificados à Autoridade da concorrência de um Estado‑Membro e, em princípio, compatíveis com as regras de concorrência da União, não constitui em si um indício suficientemente sério do facto de alguns signatários desses acordos terem chegado posteriormente, com outros produtores, a acordos secretos contrários às referidas regras e que têm por objeto os mesmos produtos.

85      A este respeito, há que notar que nenhum elemento dos autos permite associar o alegado cartel ao [confidencial] ou ao [confidencial], contrariamente ao que a Comissão alegou na audiência. Não resulta também dos documentos que a Comissão forneceu ao Tribunal Geral que o alegado cartel tenha sido organizado na sequência desses acordos.

86      Em contrapartida, em primeiro lugar, resulta dos autos, [confidencial].

87      Em segundo lugar, [confidencial] o requerente de medidas de clemência [confidencial] tinha claramente indicado na sua declaração de 21 de novembro de 2008, como as recorrentes o alegam com razão [confidencial].

88      Em terceiro lugar, resulta dos autos [confidencial].

89      Em seguida, há que observar que, entre as decisões em matéria de controlo de concentrações que, segundo a Comissão, mostram que não existe uma diferenciação clara entre os cabos elétricos em função da sua tensão, figura a decisão Pirelli/BICC (v. n.° 56, supra). Ora, no considerando 32 desta decisão, a Comissão concluiu, ao contrário do que afirmou na sua resposta às medidas de organização do processo de 20 de setembro de 2011, o seguinte:

«[A] produção e a venda de cabos elétricos [de baixa e média tensão], por um lado, e de cabos elétricos [de alta e muito alta tensão], por outro, pertencem a mercados distintos: em primeiro lugar, porque não existe substituibilidade do lado da procura entre estes produtos. Em segundo lugar, porque os custos e o tempo necessários à passagem da produção de baixas tensões para altas tensões são significativos. Em terceiro lugar, a substituibilidade limitada do lado da oferta não tem um impacto equivalente ao efeito de substituição da procura […]. Por último, é necessário fazer‑se uma distinção entre as gamas [de baixa e média tensão], por um lado, e as gamas de tensão mais elevadas ([alta e muito alta tensão]), por outro, devido às diferentes condições de concorrência que regulam a oferta e a procura destes produtos. No entanto, a Comissão considera que não existem elementos de prova em número suficiente para continuar a afirmar‑se que os cabos elétricos fluid‑filled das muito altas tensões formam um mercado do produto distinto do dos cabos elétricos [de muito alta tensão] fabricados segundo outras técnicas (principalmente a [extrusão por polietileno reticulado]) dado que, na Europa, todos os produtores e uma grande maioria dos clientes consideram estes tipos de cabos como substitutos.»

90      Resulta então dessa decisão que, ao contrário do que alegou na sua resposta às medidas de organização do processo de 20 de setembro de 2011, a Comissão tinha chegado à conclusão, antes da adoção da decisão de inspeção, que havia diferenças significativas entre os cabos de alta, média e baixa tensão.

91      Nessas circunstâncias, há que considerar que a Comissão não demonstrou que dispunha de indícios suficientemente sérios para ordenar uma inspeção tendo por objeto todos os cabos elétricos e o material a eles associados.

92      Esta conclusão, que assenta exclusivamente na análise dos elementos de que a Comissão dispunha aquando da adoção da decisão de inspeção, é além disso confirmada, por um lado, pela afirmação da própria Comissão, no n.° 36 da tréplica, de que a redação da decisão de inspeção permitia às recorrentes compreender que a inspeção não dizia respeito «a todos os cabos elétricos» e, por outro, pelo facto de a Comissão admitir que limitou a sua intervenção, durante a inspeção, a pesquisas relativas aos tipos de cabos elétricos referidos como exemplo na decisão de inspeção.

93      Em contrapartida, há que considerar que a Comissão dispunha, antes da adoção da decisão de inspeção, de indícios suficientemente sérios para ordenar uma inspeção relativa aos cabos elétricos submarinos e subterrâneos de alta tensão e ao material a eles associado.

94      Importa por isso julgar procedente a presente parte do fundamento, na medida em que visa os cabos elétricos que não os cabos submarinos e subterrâneos de alta tensão bem como o material associado a esses outros cabos. Deve ser rejeitada quanto ao restante.

 Quanto à segunda parte, relativa ao alcance geográfico excessivamente lato da decisão de inspeção

95      As recorrentes alegam que a única indicação dada na decisão de inspeção quanto ao alcance geográfico da investigação é que os acordos e/ou práticas concertadas abrangidos por essa decisão têm «provavelmente alcance mundial». A decisão de inspeção não indica que certos projetos situados fora da União podiam afetar o mercado comum, única situação em que esses projetos podiam estar sujeitos ao artigo 81.° CE. Os projetos de cabeamento elétrico submarino de alta tensão são, de resto, muito localizados. No entanto, a Comissão copiou documentos relativos a projetos desenvolvidos no Médio Oriente ou na Ásia. Este comportamento é «especialmente pernicioso», tendo em conta o nível de cooperação existente entre as diferentes Autoridades de concorrência. A Nexans France reservou expressamente os seus direitos relativos à questão de saber se os documentos eram abrangidos pela decisão de inspeção mas, não conhecendo o alcance preciso da investigação, não estava em condições de aferir o alcance do seu dever de colaboração. Isso constitui uma violação dos direitos fundamentais das recorrentes, incluindo dos seus direitos de defesa, do seu direito a um processo equitativo, do seu direito à não autoincriminação e do seu direito à presunção de inocência.

96      A Comissão contesta os argumentos das recorrentes.

97      Ao contrário do que alegam as recorrentes, ao indicar que os alegados acordos e ou práticas concertadas têm «provavelmente alcance mundial», a Comissão descreveu de forma circunstanciada o âmbito de atuação do alegado cartel. A precisão da decisão de inspeção relativamente ao alcance geográfico das eventuais violações ao direito da concorrência de cuja existência a Comissão suspeitava deve, portanto, ser considerada suficiente.

98      No entanto, é possível interpretar os argumentos das recorrentes no sentido de que o que censuram à Comissão não é ter identificado de forma demasiado vaga o alcance geográfico do alegado cartel, mas a própria possibilidade de incluir no âmbito de aplicação da decisão de inspeção documentos relativos a mercados geográficos de natureza local situados fora do mercado comum sem precisar as razões pelas quais um comportamento da empresa em causa nesses mercados podia distorcer a concorrência no mercado comum.

99      A este respeito, há que notar que o próprio título do Regulamento n.° 1/2003 mostra que os poderes conferidos à Comissão por esse regulamento têm por objeto a execução das regras de concorrência previstas nos artigos 81.° CE e 82.° CE. Estas duas disposições proíbem certos comportamentos por parte das empresas na medida em que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre Estados‑Membros e que tenham por objeto ou por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum. Assim, a Comissão só pode utilizar os seus poderes de inspeção para efeitos de apuramento de tais comportamentos. A Comissão não pode por isso efetuar uma inspeção nas instalações de uma empresa se desconfiar da existência de um acordo ou de uma prática concertada cujos efeitos tiveram lugar exclusivamente num ou vários mercados situados foram do mercado comum. Em contrapartida, nada se opõe a que ela examine documentos relativos a esses mercados para apurar comportamentos suscetíveis de afetar o comércio entre Estados‑Membros e que têm por objeto ou efeito impedir, restringir, ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum.

100    Importa então julgar improcedente esta parte do fundamento.

101    Face às considerações anteriores, há que julgar procedente o pedido de anulação da decisão de inspeção, na medida em que visa os cabos elétricos que não os cabos submarinos e subterrâneos de alta tensão bem como o material associado a esses outros cabos e de o rejeitar quanto ao restante.

2.     Quanto aos pedidos de anulação dos atos controvertidos

 Quanto à admissibilidade

 Quanto à admissibilidade do parecer jurídico anexado à réplica

102    A Comissão alega que o parecer jurídico anexado à réplica, em apoio dos argumentos das recorrentes relativos à admissibilidade dos pedidos de anulação dos atos controvertidos (segundo e terceiro pedidos), é inadmissível. Invoca dois fundamentos de inadmissibilidade, o primeiro relativo, em substância, a uma violação do artigo 5.°, n.os 3 e 7, das Instruções ao secretário do Tribunal Geral adotadas em 5 de julho de 2007 (JO L 232, p. 1), e, o segundo, relativo ao facto de o parecer controvertido não fundamentar os argumentos expressamente invocados na réplica e conter explicações que não são aí retomadas.

–       Quanto ao primeiro fundamento de inadmissibilidade, relativo a uma violação do artigo 5.°, n.os 3 e 7, das Instruções ao secretário do Tribunal Geral

103    A Comissão indica que o artigo 5.°, n.os 3 e 7, das Instruções ao secretário do Tribunal Geral proíbe às recorrentes que transmitam peças processuais a outrem que não os seus advogados. Ora, os autores do parecer controvertido, que não eram os advogados das recorrentes, consultaram a contestação.

104    O artigo 5.°, n.° 3, das Instruções ao secretário do Tribunal Geral enuncia:

«Os advogados ou agentes das partes num processo no Tribunal, ou as pessoas por eles devidamente autorizadas, podem consultar na Secretaria os originais dos autos do processo, incluindo os autos dos procedimentos administrativos apresentados ao Tribunal, bem como pedir cópias ou certidões dos atos processuais e do registo.

[…]»

105    Além disso, o artigo 5.°, n.° 7, das Instruções ao secretário do Tribunal Geral tem a seguinte redação:

«Os terceiros, privados ou públicos, não podem consultar os autos do processo ou as peças processuais sem autorização expressa do presidente do Tribunal ou, quando o processo ainda esteja pendente, do presidente da formação de julgamento à qual o processo foi distribuído, ouvidas as partes. Esta autorização só pode ser concedida mediante requerimento escrito acompanhado da justificação detalhada do interesse legítimo do requerente na consulta dos autos.»

106    No caso em apreço, o parecer controvertido está assinado por duas pessoas que só estão identificadas pelo respetivo nome. Não resulta dos autos que estas duas pessoas sejam advogados. Seja como for, como sublinha a Comissão, por um lado, os signatários do parecer não figuram entre os advogados mandatados pelas recorrentes para as representar no Tribunal Geral no presente processo e, por outro, não resulta dos autos que tenham sido devidamente habilitados por esses advogados para consultar esse processo. Ora, os autores do referido parecer tiveram acesso à contestação, na medida em que a citam várias vezes, o que as recorrentes confirmaram aquando da audiência.

107    No entanto, o facto de os autores do parecer controvertido não serem advogados das partes ou pessoas devidamente habilitadas por estas para consultar os autos não permite considerar que são terceiros que não têm o direito de aceder ao processo, na aceção do artigo 5.°, n.os 3 e 7, das Instruções ao secretário do Tribunal Geral.

108    Com efeito, estas disposições, que têm por objeto principal regulamentar o acesso aos autos na secretaria do Tribunal Geral, devem ser interpretados à luz da respetiva finalidade. Refletem o princípio geral da boa administração da justiça segundo a qual as partes têm o direito de defender os seus interesses independentemente de qualquer influência externa e que exige que uma parte à qual é facultado o acesso aos atos processuais das outras partes só utilize esse direito para efeitos de defesa da sua própria causa, com exclusão de qualquer outro objetivo (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 17 de junho de 1998, Svenska Journalistförbundet/Conselho, T‑174/95, Colet., p. II‑2289, n.os 135 a 137, e despacho do presidente do Tribunal Geral de 16 de março de 2007, V/Parlamento, T‑345/05 R, não publicado na Coletânea, n.os 70 e 71). É por isso que o Tribunal Geral considerou que a divulgação de peças processuais por uma parte a terceiros numa situação em que essas peças não tinham sido transmitidas para efeitos de defesa da causa dessa parte constitui uma utilização abusiva do processo (v., neste sentido, acórdão Svenska Journalistförbundet/Conselho, já referido, n.° 139).

109    Em contrapartida, o artigo 5.°, n.os 3 e 7, das Instruções ao secretário do Tribunal Geral não se opõe a que uma parte num processo permita a um perito consultar uma peça processual, quando tal tenha por objeto facilitar a elaboração pelo referido perito de um documento para efeitos de defesa da causa dessa parte, utilizado unicamente para efeitos do processo.

110    Face ao exposto, o primeiro fundamento de inadmissibilidade da Comissão deve ser julgado improcedente.

–       Quanto ao fundamento de inadmissibilidade, segundo o qual o parecer controvertido não fundamenta os argumentos expressamente invocados na réplica e contém explicações que não são aí retomadas

111    A Comissão alega que o parecer controvertido só pode ser tido em conta na medida em que fundamentar os argumentos expressamente invocados na réplica. Ora, o parecer expõe uma argumentação jurídica a propósito da admissibilidade, em vez de fundamentar ou completar os elementos de facto ou de direito expressamente mencionados na réplica. Além disso, introduz argumentos que não figuram nesta.

112    A este respeito, importa referir que, nos termos do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a petição deve conter o objeto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido. De acordo com jurisprudência assente, para que uma ação seja admissível, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que esta se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição. Ainda que o corpo da petição possa ser escorado e completado, em pontos específicos, por remissões para determinadas passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexos à petição, não pode suprir a ausência dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força das disposições atrás recordadas, devem constar da petição. Além disso, não compete ao Tribunal procurar e identificar, nos anexos, os elementos que possa considerar constituírem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental (v. acórdão do Tribunal Geral de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, Colet., p. II‑3601, n.° 94 e jurisprudência aí referida).

113    Esta interpretação do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo abrange também os requisitos de admissibilidade da réplica, que se destina, nos termos do artigo 47.°, n.° 1, do mesmo regulamento, a completar a petição (acórdão Microsoft/Comissão, referida no n.° 112, supra, n.° 95 e jurisprudência referida).

114    No caso concreto, na réplica, o parecer controvertido só é evocado em duas ocasiões. Desde logo, a réplica indica, sem fornecer outras explicações, que a conclusão a que chegam os autores do parecer controvertido, no termo da análise da questão da admissibilidade do segundo e terceiro pedidos, é também a exposta na réplica, sem referir a que pontos específicos desse anexo de treze páginas é feita referência. Em seguida, indica que o parecer controvertido fundamenta a declaração de que o direito de não testemunhar contra si próprio e a proteção contra as intervenções arbitrárias na esfera de atividade privada de qualquer pessoa são direitos fundamentais que fazem parte dos princípios gerais do direito comunitário. Assim, é apenas em relação a esta última indicação que deve tomar‑se em consideração o parecer controvertido (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 24 de maio de 2007, Duales System Deutschland/Comissão, T‑151/01, Colet., p. II‑1607, n.os 78 e 81).

 Quanto à admissibilidade dos pedidos de anulação dos atos controvertidos

115    Segundo jurisprudência constante, constituem atos suscetíveis de recurso de anulação nos termos do artigo 230.° CE as medidas que produzem efeitos jurídicos vinculativos capazes de afetar os interesses do recorrente, alterando significativamente a situação jurídica deste (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9, e do Tribunal Geral de 18 de dezembro de 1992, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑10/92 a T‑12/92 e T‑15/92, Colet., p. II‑2667, n.° 28).

116    Em princípio, as medidas intercalares cujo objetivo é o de preparar a decisão final não constituem, por conseguinte, atos recorríveis. Todavia, resulta da jurisprudência que os atos adotados no decurso do procedimento preparatório que constituam, por si próprios, o termo último de um procedimento especial distinto daquele que virá a permitir à Comissão decidir quanto ao mérito e que produzam efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, constituem igualmente atos recorríveis (acórdão IBM/Comissão, já referido, referida no n.° 115, supra, n.os 10 e 11, e acórdão do Tribunal Geral de 7 de junho de 2006, Österreichische Postsparkasse e Bank für Arbeit und Wirtschaft/Comissão, T‑213/01 e T‑214/01, Colet., p. II‑1601, n.° 65).

117    A Comissão alega que os pedidos de anulação dos atos controvertidos são inadmissíveis. Esses atos são atos de pura execução da decisão de inspeção e não alteram de forma caracterizada a situação jurídica das recorrentes.

118    As recorrentes alegam que os atos controvertidos alteraram de forma considerável a sua situação jurídica e afetaram grave e irreversivelmente os seus direitos fundamentais à vida privada e à defesa. Assim, devem ser considerados atos recorríveis. Em primeiro lugar, não estando previsto pela decisão de inspeção, esses atos não podem constituir medidas de execução. Em segundo lugar, a forma de uma medida é indiferente quanto à questão de saber se produz efeitos jurídicos vinculativos. Ora, os atos controvertidos impõem‑se às recorrentes, obrigadas a submeter‑se‑lhes para evitarem ter de pagar uma majoração do montante da coima a que estariam eventualmente sujeitas ou mesmo para evitarem ser objeto de sanções. Esses atos são, portanto, semelhantes a pedidos de informações formulados nos termos do artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, disposição que prevê expressamente o caráter impugnável dessas medidas. Em terceiro lugar, os atos controvertidos comprometeram a possibilidade, para as recorrentes, de se defenderem nas investigações de concorrência noutros órgãos jurisdicionais. Por último, em quarto lugar, a decisão de efetuar cópias de vários ficheiros informáticos e do disco rígido do computador de C. produziu efeitos jurídicos, já que esses suportes informáticos contêm dados, como mensagens de correio eletrónico, moradas, etc., de caráter pessoal protegidos pelo direito à vida privada e pelo sigilo de correspondência.

119    Desde logo, importa observar que os atos controvertidos são medidas intercalares cujo único objetivo é preparar a adoção pela Comissão de uma decisão final em aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE. Ao abrigo desses atos, a Comissão copiou certos ficheiros informáticos que tinham sido encontrados durante a inspeção no decurso da inspeção e obteve explicações sobre documentos precisos encontrados igualmente durante a inspeção a fim de verificar a realidade e o alcance de uma situação de facto e de direito a propósito da qual dispunha já de informações, a saber o alegado cartel, tendo em vista preparar, sendo caso disso, uma decisão final relativa a essa situação.

120    Em seguida, resulta do artigo 20.°, n.° 2, alíneas c) e e), do Regulamento n.° 1/2003 que tanto tirar sob qualquer forma cópias ou extratos de qualquer documento profissional, independentemente do seu suporte, da empresa objeto de uma inspeção ordenada em aplicação do artigo 20.°, n.° 4, do mesmo regulamento, como solicitar aos empregados ou aos representantes dessa empresa explicações sobre documentos relacionados com o objeto e a finalidade dessa inspeção constituem medidas de execução da decisão em virtude da qual a inspeção foi ordenada. A própria decisão de inspeção prevê que a Nexans France devia autorizar os inspetores a copiar esses documentos profissionais bem como dar‑lhes no local «explicações a respeito do objeto e da finalidade da inspeção» (v. n.° 3, supra).

121    Como a Comissão alega com razão, qualquer inspeção ordenada por força do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 implica uma seleção de documentos para analisar e, se for caso disso, para copiar, bem como uma seleção de questões a colocar aos empregados ou aos representantes das empresas em causa relativamente ao objeto e à finalidade da inspeção. Ora, é por força da decisão que ordena a inspeção que essas empresas são obrigadas a autorizar a Comissão a copiar os documentos em causa e a autorizar os seus empregados e representantes a fornecer as explicações solicitadas, e não por força de outro ato distinto adotado durante a inspeção.

122    A comparação do artigo 18.°, n.° 3, e do artigo 20.°, n.° 2, alíneas c) e e), do Regulamento n.° 1/2003 permite igualmente considerar que a cópia de documentos e os pedidos de explicações efetuados durante as inspeções constituem medidas de execução das decisões que ordenam uma inspeção.

123    Com efeito, em primeiro lugar, está previsto no artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 que os pedidos de informações dirigidos às empresas nos termos dessa disposição podem ser objeto de um recurso autónomo. Em contrapartida, nada é indicado no Regulamento n.° 1/2003 a respeito das explicações pedidas durante as inspeções e da cópia de documentos efetuada no seu decurso.

124    Em segundo lugar, resulta do artigo 18, n.os 1 e 3, do Regulamento n.° 1/2003 que a Comissão pode, a título destas disposições, solicitar às empresas e às associações de empresas que forneçam toda a informação necessária. Em contrapartida, por força do artigo 20.°, n.° 2, alínea e), do referido regulamento, a Comissão só pode pedir explicações a respeito de factos ou documentos relativos ao objeto e à finalidade da inspeção.

125    Importa então considerar que a cópia de cada documento e a formulação de cada questão ocorridas durante uma inspeção não podem ser consideradas atos autónomos da decisão que ordenou a inspeção, mas medidas de execução dessa decisão.

126    Por fim, há que sublinhar que, assim como a Comissão alega, não pode aplicar sanções às recorrentes, por terem recusado permitir‑lhe copiar os documentos em causa e fornecer uma resposta completa às questões dos inspetores a C, sem adotar uma decisão nos termos do artigo 23.°, n.° 1, alíneas c) e d), do Regulamento n.° 1/2003. Essa decisão, distinta da decisão de inspeção bem como da decisão final adotada em aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, poderia ser objeto de um recurso no âmbito do qual o Tribunal Geral seria levado a analisar se a cópia dos documentos em causa bem como a obtenção das explicações pedidas pela Comissão em aplicação dos atos controvertidos afetaram os direitos fundamentais à vida privada e à defesa das recorrentes, como estas afirmam.

127    Para sustentar a sua tese de que os atos controvertidos produzem efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os seus interesses alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica e, subsidiariamente, constituem em si mesmos o termo último de um processo especial distinto do que deve permitir à Comissão conhecer do mérito na aceção da jurisprudência referida no n.° 116 supra, as recorrentes invocam o acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de maio de 1982, AM & S Europe/Comissão (155/79, Recueil, p. 1575), e o acórdão do Tribunal Geral de 17 de setembro de 2007, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão (T‑125/03 e T‑253/03, Colet., p. II‑3523).

128    A esse respeito, cumpre referir que as recorrentes nos processos que deram lugar aos acórdãos referidos no número anterior tinham defendido na Comissão que certos documentos que esta última lhes tinha pedido que apresentassem durante uma verificação ordenada ao abrigo do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), ou na sequência desta, estavam abrangidos pela proteção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes. Foi neste contexto que o juiz considerou que a decisão pela qual a Comissão indeferia o pedido de proteção dos documentos em causa produzia efeitos jurídicos relativamente às empresas, na medida em que recusava o benefício de uma proteção prevista pelo direito comunitário e possuía um caráter definitivo e independente da decisão final em que se concluiu pela existência de uma infração às regras da concorrência (acórdão Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão, referido no n.° 127, supra, n.° 46; v. igualmente, nesse sentido, acórdão AM & S Europe/Comissão, referido no n.° 127, supra, n.os 27 e 29 a 32).

129    Ora, as recorrentes não alegaram aquando da adoção dos atos controvertidos que os documentos copiados pela Comissão ou as informações por ela obtidas ao abrigo desses atos beneficiavam de uma proteção prevista pelo direito da União semelhante à conferida à confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes. Quando a Comissão decidiu copiar esses documentos e pedir às recorrentes que fornecessem essas informações, não adotou, portanto, uma decisão que recusa às recorrentes o benefício dessa proteção.

130    Com efeito, quanto aos documentos copiados durante a inspeção, há que recordar que as recorrentes conservaram os originais, quer em formato papel, quer em formato eletrónico, e podem de conhecer a natureza e o conteúdo desses documentos. Apesar disso, as recorrentes não identificaram documentos precisos ou partes de documentos que beneficiariam de uma proteção prevista pelo direito da União. As recorrentes limitam‑se a defender que a Comissão não tinha o direito de copiar esses documentos para os analisar ulteriormente nas suas instalações. Segundo as recorrentes, deveriam ter sido analisados nas instalações da Nexans France, não podendo a Comissão realizar uma cópia salvo dos que fossem pertinentes para a investigação. Assim, há que considerar que as recorrentes não censuram a Comissão por ter consultado ou copiado certos documentos precisos protegidos, mas por os ter analisado nas suas próprias instalações em Bruxelas em vez de o fazer nas instalações da Nexans France e por os ter conservado até ao momento da análise.

131    Quanto às questões colocadas a C durante a inspeção, resulta dos autos que as recorrentes, que estavam acompanhadas pelos seus advogados, não manifestaram nenhuma oposição a que a Comissão obtivesse as informações pedidas. Aquando da formulação dessas questões, a Comissão não podia por isso ter adotado uma decisão que recusasse aos recorrentes o benefício de uma proteção prevista pelo direito da União.

132    Resulta do exposto que os atos controvertidos não podem ser considerados atos recorríveis. A legalidade desses atos podia unicamente ser analisada, além de no quadro de um recurso de anulação interposto da decisão de aplicar uma sanção visada no n.° 126, supra, no quadro de um recurso interposto, se for caso disso, da decisão final adotada pela Comissão em aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE. Com efeito, a fiscalização jurisdicional sobre as condições nas quais uma inspeção foi levada a cabo releva de um recurso de anulação interposto, caso necessário, da decisão final adotada pela Comissão em aplicação dessa disposição (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 20 de abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colet., p. II‑931, n.os 413 e 414).

133    Por outro lado, se as recorrentes consideram que os atos pelos quais a Comissão realizou uma cópia de vários ficheiros informáticos e do disco rígido do computador de C para os analisar ulteriormente nas suas instalações e lhes pediu explicações a respeito dos documentos encontrados durante a inspeção são ilegais e lhes causaram um prejuízo suscetível de implicar a responsabilidade da União, podem intentar uma ação de indemnização em matéria de responsabilidade extracontratual contra a Comissão. Tal recurso não faz parte do sistema de fiscalização da validade dos atos da União que produzem efeitos jurídicos obrigatórios suscetíveis a afetar os interesses do recorrente, mas está disponível quando uma parte sofreu um prejuízo devido a um comportamento ilegal de uma instituição (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de setembro de 2006, Reynolds Tobacco e o./Comissão, C‑131/03 P, Colet., p. I‑7795, n.os 82 e 83).

134    Os pedidos de anulação dos atos controvertidos devem, portanto, ser julgados inadmissíveis.

3.     Quanto ao quarto a sétimo pedidos

135    Como as próprias recorrentes referem, nos seus quarto a sétimo pedidos, pretendem que o Tribunal Geral se pronuncie a respeito das eventuais consequências da anulação da decisão de inspeção e dos atos controvertidos.

136    Assim, como a Comissão alega, as recorrentes visam obter do Tribunal Geral uma declaração que incide sobre os efeitos de um eventual acórdão de anulação, que constituiria igualmente uma injunção à Comissão quanto à execução deste. Ora, não sendo o Tribunal competente, no âmbito da fiscalização da legalidade com base no artigo 230.° CE, para proferir acórdãos declaratórios (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 9 de dezembro de 2003, Itália/Comissão, C‑224/03, Colet., p. I‑14751, n.os 20 a 22) ou injunções, mesmo que estas se prendam com as modalidades de execução dos seus acórdãos (despacho do Tribunal de Justiça de 26 de outubro de 1995, Pevasa e Inpesca/Comissão, C‑199/94 P e C‑200/94 P, Colet., p. I‑3709, n.° 24), o pedido das recorrentes deve ser declarado manifestamente inadmissível (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 4 de fevereiro de 2009, Omya/Comissão, T‑145/06, Colet., p. II‑145, n.° 23).

137    Decorre do exposto que a decisão de inspeção deve ser anulada na medida em que respeita aos cabos elétricos que não os cabos elétricos submarinos e subterrâneos de alta tensão bem como ao material associado a esses outros cabos. Quanto ao mais, deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

138    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, ou perante circunstâncias excecionais, o Tribunal Geral pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

139    Tendo as recorrentes sido vencidas no essencial dos seus pedidos, há que decidir que suportarão, para além das suas próprias despesas, metade das despesas efetuadas pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      A Decisão C(2009) 92/1 da Comissão, de 9 de janeiro de 2009, que ordena à Nexans SA e a todas as empresas por ela direta ou indiretamente controladas, incluindo a Nexans France SAS, que se sujeitem a uma inspeção, nos termos do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE], é anulada na medida em que respeita a cabos elétricos que não os cabos elétricos submarinos e subterrâneos de alta tensão e ao material a estes associado.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A Nexans e a Nexans France suportarão as suas próprias despesas e metade das despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

4)      A Comissão suportará metade das suas próprias despesas.

Truchot

Martins Ribeiro

Kanninen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de novembro de 2012.

Assinaturas

Índice


Factos na origem do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

1. Quanto ao pedido de anulação da decisão de inspeção

Quanto à primeira parte, relativa ao caráter excessivamente alargado e vago da gama de produtos abrangidos pela decisão de inspeção

Observações preliminares

Quanto à primeira acusação, relativa à imprecisão da decisão de inspeção no atinente à delimitação dos produtos em causa

Quanto à segunda acusação, relativa ao facto de a Comissão só dispor de indícios suficientemente sérios que permitissem suspeitar de uma infração às regras de concorrência pelas recorrentes no setor dos cabos submarinos de alta tensão

Quanto à segunda parte, relativa ao alcance geográfico excessivamente lato da decisão de inspeção

2. Quanto aos pedidos de anulação dos atos controvertidos

Quanto à admissibilidade

Quanto à admissibilidade do parecer jurídico anexado à réplica

— Quanto ao primeiro fundamento de inadmissibilidade, relativo a uma violação do artigo 5.°, n.os 3 e 7, das Instruções ao secretário do Tribunal Geral

— Quanto ao fundamento de inadmissibilidade, segundo o qual o parecer controvertido não fundamenta os argumentos expressamente invocados na réplica e contém explicações que não são aí retomadas

Quanto à admissibilidade dos pedidos de anulação dos atos controvertidos

3. Quanto ao quarto a sétimo pedidos

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.


1 — Dados confidenciais ocultados.