Language of document : ECLI:EU:C:2017:462

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

15 de junho de 2017 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 97/67/CE — Artigo 9.° — Livre prestação de serviços — Serviços postais — Conceitos de serviço universal e de requisitos essenciais — Autorizações gerais e individuais — Autorização de prestação de serviços postais no cumprimento de contratos negociados individualmente — Requisitos»

No processo C‑368/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia), por decisão de 10 de julho de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de julho de 2015, no processo

Ilves Jakelu Oy,

sendo intervenientes:

Liikenne ja viestintäministeriö,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, A. Arabadjiev (relator) e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de Ilves Jakelu Oy, por H. Piekkala e I. Aalto‑Setälä, asianajajat,

–        em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo norueguês, por I. Thue e M. C. Rydning, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por P. Costa de Oliveira e P. Aalto, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 12.° da Diretiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço (JO 1998, L 15, p. 14), conforme alterada pela Diretiva 2008/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008 (JO 2008, L 52, p. 3) (a seguir «Diretiva 97/67»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso interposto pela Ilves Jakelu Oy contra a decisão do valtioneuvosto (Conselho de Ministros, Finlândia), de 30 de janeiro de 2017, que subordina a autorização postal ao cumprimento de determinados requisitos.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O considerando 15 da Diretiva 97/67 está assim redigido:

«Considerando que as disposições da presente diretiva em matéria de prestação do serviço universal não afetam o direito dos operadores do serviço universal de negociarem individualmente contratos com os clientes;»

4        Nos termos do artigo 2.° da referida diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

13)      Prestador de serviço universal, a entidade pública ou privada prestadora de serviço postal que presta um serviço postal universal, ou partes deste, num Estado‑Membro, e cuja identidade foi notificada à Comissão, de acordo com o disposto no artigo 4.°;

14)      Autorizações, permissões em que se definem os direitos e as obrigações específicos do setor postal e se permite às empresas a prestação de serviços postais e, eventualmente, o estabelecimento e/ou exploração das suas redes para a prestação desses serviços, sob a forma de “autorização geral” ou “autorização individual”, a seguir definidas:

–        “autorização geral”, uma autorização que, independentemente de ser regida por uma “licença por categoria” ou pela legislação geral e de essas normas exigirem ou não procedimentos de registo ou declaração, não impõe ao prestador de serviços postais em causa a obtenção de uma decisão expressa da autoridade reguladora nacional antes de exercer os direitos decorrentes dessa autorização,

–        “licença individual”, uma autorização concedida por uma autoridade reguladora nacional que confere direitos específicos a um prestador de serviços postais, ou que submete as atividades desse prestador a obrigações específicas, complementando eventualmente a autorização geral, caso o prestador de serviços postais não esteja autorizado a exercer os direitos em causa antes de lhe ter sido comunicada a decisão da autoridade reguladora nacional.

[…]

19)      Requisitos essenciais, as razões de interesse geral e de natureza não económica que podem levar um Estado‑Membro a impor condições à prestação de serviços postais. Essas razões são a confidencialidade da correspondência, a segurança da rede em matéria de transporte de substâncias perigosas, o respeito pelos termos e condições de emprego e pelos regimes de segurança social estabelecidos por lei, por regulamentação ou por disposições administrativas e/ou por acordo coletivo celebrado entre os parceiros sociais nacionais, nos termos da legislação comunitária e nacional e, sempre que se justificar, a proteção dos dados, a proteção do ambiente e o ordenamento do território. A proteção dos dados pode incluir a proteção dos dados pessoais, a confidencialidade das informações transmitidas ou armazenadas e a proteção da vida privada.

[…]»

5        O capítulo 2 da Diretiva 97/67 refere‑se ao serviço universal. O artigo 3.° dessa diretiva dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros devem assegurar que os utilizadores usufruam do direito a um serviço universal que envolva uma oferta permanente de serviços postais com uma qualidade especificada, prestados em todos os pontos do território, a preços acessíveis a todos os utilizadores.

[…]

4.      Cada Estado‑Membro adota as medidas necessárias para que o serviço universal inclua, no mínimo, as seguintes prestações:

–        recolha, triagem, transporte e distribuição dos envios postais até 2 kg.

–        recolha, triagem, transporte e distribuição das encomendas postais até 10 kg;

–        serviços de envios registados e de envios com valor declarado.»

6        O artigo 9.° da referida diretiva precisa:

«1.      Para os serviços não abrangidos pelo conceito de serviço universal, os Estados‑Membros podem estabelecer autorizações gerais na medida necessária para garantir o cumprimento dos requisitos essenciais.

2.      Para os serviços abrangidos pelo conceito de serviço universal, os Estados‑Membros podem estabelecer procedimentos de autorização, incluindo licenças individuais, na medida necessária para garantir o cumprimento dos requisitos essenciais e assegurar a prestação do serviço universal.

A concessão de autorizações pode:

–        ser subordinada às obrigações do serviço universal,

–        se necessário, impor requisitos relativamente à qualidade, disponibilidade e desempenho dos serviços relevantes,

–        quando apropriado, ser subordinada à obrigação de contribuir financeiramente para os mecanismos de partilha de custos referidos no artigo 7.°, se a prestação do serviço universal implicar um custo líquido e representar um encargo não razoável para o prestador ou prestadores de serviço universal designados nos termos do artigo 4.°,

–        quando apropriado, ser subordinada à obrigação de contribuir financeiramente para os custos de funcionamento da autoridade reguladora nacional a que se refere o artigo 22.°,

–        quando apropriado, ser subordinada ao cumprimento de condições de trabalho fixadas pela legislação nacional ou impor esse cumprimento.

As obrigações e os requisitos referidos no primeiro travessão e no artigo 3.° só podem ser impostos aos prestadores do serviço universal designados.

Exceto no caso de empresas que tenham sido designadas prestadores do serviço universal nos termos do artigo 4.°, as autorizações não podem:

–        ser limitadas em número,

–        em relação aos mesmos elementos do serviço universal ou partes do território nacional, impor a obrigação de serviço universal e, simultaneamente, a contribuição financeira para um mecanismo de partilha de custos,

–        duplicar as condições aplicáveis às empresas por força de outra legislação nacional não específica do setor,

–        impor condições técnicas ou operacionais para além das necessárias ao cumprimento das obrigações decorrentes da presente diretiva.

3.      Os procedimentos, as obrigações e os requisitos referidos nos n.os 1 e 2 devem ser transparentes, acessíveis, não discriminatórios, proporcionados, exatos e inequívocos, publicados com a devida antecedência e baseados em critérios objetivos. Os Estados‑Membros devem assegurar que os motivos do indeferimento ou da revogação total ou parcial de uma autorização sejam comunicados ao requerente, e instituir um processo de recurso.»

7        O considerando 33 da Diretiva 2008/6 dispõe:

«Os Estados‑Membros deverão poder utilizar autorizações gerais e licenças individuais sempre que tal se justifique e seja proporcionado ao objetivo a atingir […]»

 Direito finlandês

8        Segundo o § 1, n.° 1, da postilaki (415/2011), na sua versão em vigor à data dos factos do processo principal (Lei dos Serviços Postais, a seguir «Lei 415/2011»), o objetivo da lei é garantir que os serviços postais, e em especial o serviço universal, sejam acessíveis, nas mesmas condições, em todo o país.

9        Segundo o § 3 da Lei 415/2011, é necessária uma licença para uma atividade postal que inclua envios de correspondência. Nos termos do § 4, n.° 1, desta lei, a licença de serviço postal deve ser requerida ao valtioneuvosto (Conselho de Ministros). A sua atribuição não exige a publicação de um concurso.

10      Nos termos do § 6 da Lei 415/2011, a licença deve ser concedida se:

«1)      o requerente for uma sociedade ou uma associação que disponha de recursos económicos suficientes para fazer face às obrigações de uma empresa de correios;

2)      não existirem razões justificativas para duvidar da capacidade do requerente em respeitar as disposições e prescrições aplicáveis à atividade postal;

3)      o requerente tiver a capacidade de assegurar uma exploração regular de acordo com a licença;

4)      o território abrangido pela licença requerida preencher os requisitos previstos no § 7;

5)      o Governo não tiver razões especiais para supor que a concessão da licença possa colocar em risco a segurança nacional.»

11      O § 9 da Lei 415/2011 diz respeito ao conteúdo da licença. Nos termos do § 9, n.° 2, ponto 5, o valtioneuvosto (Conselho de Ministros) deve prever, na licença, obrigações que completam as disposições desta lei ou as disposições tomadas com base na mesma e que se referem a qualquer outra exigência, análoga às enumeradas no referido § 9, n.° 2, pontos 1 a 4, necessária para garantir a qualidade, a disponibilidade e a eficácia dos serviços.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      Por decisão de 30 de janeiro de 2014, o valtioneuvosto (Conselho de Ministros) concedeu à Ilves Jakelu uma licença que lhe permite exercer uma atividade postal que consiste no envio de correspondência na aceção do § 3 da Lei 415/2011. A primeira cláusula desta licença enumera os municípios do território finlandês abrangidos pela licença requerida. De acordo com a segunda cláusula da referida licença, que se refere ao volume de atividade, a Ilves Jakelu tem o direito de exercer uma atividade postal ilimitada destinada a clientes com os quais celebrou um contrato para esse território.

13      As cláusulas 4 a 8 da referida licença têm em vista garantir a qualidade, a disponibilidade e a eficácia dos serviços postais. Nos termos da cláusula 4 da mesma autorização, a Ilves Jakelu deve redigir as condições de distribuição antes de iniciar a prestação de serviço de distribuição do correio. De acordo com a cláusula 5 da licença emitida por decisão de 30 de janeiro de 2014, a Ilves Jakelu deve zelar por que sejam cumpridas as condições de prestação do serviço constantes das condições de distribuição, mas de modo a que os envios entregues sejam distribuídos pelo menos uma vez por semana, excluindo os feriados. Segundo a cláusula 6 dessa licença, a Ilves Jakelu deve prestar um serviço de suspensão da distribuição e um serviço de alteração do endereço. Por força da cláusula 7 da referida licença, a Ilves Jakelu tem de etiquetar os seus envios de modo a que os mesmos sejam identificáveis e se distingam dos envios de outros titulares de licença. De acordo com a cláusula 8 da mesma, a Ilves Jakelu tem de estabelecer, em cada área abrangida por esta licença, pelo menos um ponto de recolha de envios de correspondência na aceção do § 47 da Lei 415/2011 e para a devolução de envios incorretamente distribuídos.

14      No entender da Ilves Jakelu, o § 9 da Lei 415/2011 é contrário à Diretiva 97/67 uma vez que não prevê um processo de autorização geral e ao permitir subordinar a emissão de licenças para serviços não abrangidos pelo serviço universal a condições diferentes das correspondentes às exigências essenciais.

15      O processo principal versa sobre a questão de saber se o valtioneuvosto (Conselho de Ministros) podia subordinar a emissão da licença concedida à Ilves Jakelu ao cumprimento das cláusulas 4 a 8 desta licença. No entender do governo finlandês, essas cláusulas são necessárias para garantir a qualidade, a disponibilidade e a eficácia dos serviços postais objeto da licença.

16      Nessas condições, o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia), decidiu suspender a instância e solicitar ao Tribunal de Justiça que se pronuncie a título prejudicial sobre as seguintes questões:

«1)      Na interpretação do artigo 9.° [da Diretiva 97/67], deve entender‑se que a distribuição dos envios postais de clientes contratuais é um serviço não abrangido pelo conceito de serviço universal, na aceção do n.° 1 desse artigo, ou que é um serviço abrangido pelo conceito de serviço universal, na aceção do n.° 2 [deste], quando a empresa de serviços postais convenciona com os seus clientes as condições para a distribuição dos envios postais e lhes fatura uma taxa convencionada separadamente?

2)      Se a supramencionada distribuição de envios postais de clientes contratuais for um serviço não abrangido pelo conceito de serviço universal, devem então os artigos 9.°, n.° 1, e 2.°, ponto 14 [da Diretiva 97/67], ser interpretados no sentido de que a prestação desses serviços postais, nas circunstâncias do processo principal, pode ser sujeita a uma licença individual como a prevista na Lei dos Serviços Postais?

3)      Se a supramencionada distribuição de envios postais de clientes contratuais for um serviço não abrangido pelo conceito de serviço universal, deve então o artigo 9.°, n.° 1, ser interpretado no sentido de que uma autorização para esses serviços só pode ser associada a obrigações que garantam o cumprimento dos requisitos essenciais, na aceção do artigo 2.°, ponto 19 [da Diretiva 97/67] sobre os Serviços Postais, e de que às autorizações para esses serviços não podem ser associadas obrigações relativas à qualidade, disponibilidade e desempenho dos serviços relevantes?

4)      Se às autorizações para a supramencionada distribuição de envios postais de clientes contratuais só se puderem associar obrigações que garantam o cumprimento dos requisitos essenciais, pode então entender‑se que obrigações como as que estão em causa no processo principal, que respeitam às condições de distribuição dos serviços postais, à frequência da distribuição dos envios, aos serviços de alteração de endereço e de suspensão da distribuição, à etiquetagem dos envios e aos pontos de recolha, cumprem os requisitos essenciais, na aceção do artigo 2.°, ponto 19 [da Diretiva 97/67] e são necessárias para garantir o cumprimento dos requisitos essenciais, na aceção do artigo 9.°, n.° 1 [desta diretiva]?»

 Apreciação do Tribunal de Justiça

 Quanto à primeira e segunda questões

17      Na sua primeira e segunda questões, que cabe examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 97/67 deve ser interpretado no sentido de que um serviço de envios postais como o que está em causa no processo principal não é abrangido pelo serviço universal quando a empresa postal que o presta convenciona as modalidades de distribuição com os seus clientes, aos quais fatura um montante que foi objeto de acordo. Se assim for, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a prestação desses serviços postais em circunstâncias como as do processo principal pode estar subordinada à emissão de uma licença individual.

18      A fim de apurar, em primeiro lugar, se a prestação de um serviço de distribuição de envio de correspondência a clientes com os quais foi celebrado um contrato como o que está em causa no processo principal é abrangido por esta disposição ou, pelo contrário, pelo artigo 9.°, n.° 2, da referida diretiva, há que determinar, previamente, se esse serviço é abrangido pelo conceito de «serviço universal», na aceção do artigo 3.° da mesma diretiva. Assim, compete ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se as atividades exercidas pela Ilves Jakelu que foram objeto do seu pedido de autorização preenchem os critérios exigidos a este respeito pela Diretiva 97/67.

19      Resulta, por um lado, do artigo 2.°, ponto 13, dessa diretiva que o prestador do serviço universal é a entidade pública ou privada que garanta a totalidade ou uma parte do serviço postal universal num Estado‑Membro e cuja identidade foi comunicada à Comissão.

20      Por outro lado, por força do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 97/67, um serviço universal corresponde a uma oferta permanente de serviços postais com uma qualidade especificada, prestados em todos os pontos do território a preços acessíveis a todos os utilizadores.

21      Entre os elementos que podem ser tomados em consideração a este respeito figura a circunstância, salientada pelo tribunal de reenvio, de que não foi imposta à Ilves Jakelu qualquer obrigação de prestar um serviço universal. Esta constatação resulta também das observações do Governo finlandês, segundo as quais a Ilves Jakelu não é o prestador de serviços universal, na aceção do artigo 2.°, ponto 13, da Diretiva 97/67, cujo nome foi comunicado à Comissão.

22      O mesmo se aplica no caso de a Ilves Jakelu ter pedido uma licença postal para prestar serviços postais no território de certos municípios. Com efeito, como foi recordado no n.° 20 do presente acórdão, o serviço postal universal deve ser prestado em todos os pontos do território.

23      Por outro lado, o Governo finlandês indicou, nas suas observações escritas, que a Ilves Jakelu propôs os seus serviços apenas a clientes com quem celebrou acordos comerciais. Com efeito, do pedido de decisão prejudicial decorre que a tarifa a pagar pelos serviços postais propostos por essa sociedade é negociada separadamente e paga mediante apresentação de fatura.

24      A este respeito, há que recordar que os serviços de correio expresso distinguem‑se do serviço postal universal pelo valor acrescentado para os clientes, estando estes dispostos por isso a pagar mais. Essas prestações correspondem a serviços específicos, dissociáveis do serviço de interesse geral, que satisfazem necessidades especiais de operadores económicos e que exigem certas prestações suplementares que o serviço postal tradicional não oferece (v., nesse sentido, acórdão de 19 de maio de 1993, Corbeau, C‑320/91, EU:C:1993:198, n.° 19).

25      Além disso, resulta do considerando 15 da Diretiva 97/67 que a possibilidade de negociar individualmente contratos com os clientes não corresponde, em princípio, ao conceito de prestação de serviço universal (acórdão de 23 de abril de 2009, TNT Post UK, C‑357/07, EU:C:2009:248, n.° 48).

26      Assim, o artigo 9.°, n.° 1, dessa diretiva deve ser interpretado no sentido de que uma atividade de envios de correspondência como a que está em causa no processo principal deve considerar‑se um serviço não abrangido pelo serviço universal se não corresponder a uma oferta permanente de serviços postais com uma qualidade especificada, prestados em todos os pontos do território a preços acessíveis a todos os utilizadores, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.

27      Em segundo lugar, quanto a saber se a atividade em causa no processo principal pode estar subordinada à concessão de uma licença individual, é de recordar que o artigo 9.°, n.° 1, da referida diretiva permite aos Estados‑Membros submeter as empresas do setor postal a autorizações gerais para os serviços não abrangidos pelo serviço universal, ao passo que o n.° 2, primeiro parágrafo, desse artigo prevê a faculdade de os Estados‑Membros fixarem procedimentos de autorização para os serviços abrangidos pelo serviço universal [v., nesse sentido, acórdão de 16 de novembro de 2016, DHL Express (Austria), C‑2/15, EU:C:2016:880, n.° 20].

28      Há que realçar que, embora resulte do considerando 33 da Diretiva 2008/6 que os Estados‑Membros devem estar autorizados a aplicar procedimentos de autorizações gerais e de licenças individuais sempre que tal se revele justificado e proporcional ao objetivo prosseguido, não é menos certo que o artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 97/67, ao contrário do n.° 2 desse artigo, não prevê a possibilidade de submeter a prestação de serviços postais à emissão de uma licença individual.

29      Nessas condições, há que observar que a prestação de tais serviços só pode estar submetida à emissão de uma autorização geral, na aceção do artigo 2.°, ponto 14, dessa diretiva.

30      Atendendo às considerações anteriores, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 97/67 deve ser interpretado no sentido de que um serviço de envios postais como o que está em causa no processo principal não é abrangido pelo serviço universal se o mesmo não corresponder a uma oferta permanente de serviços postais com uma qualidade especificada, prestados em todos os pontos do território a preços acessíveis a todos os utilizadores. A prestação de serviços de envio postal não abrangida pelo serviço universal só pode estar subordinada à emissão de uma autorização geral.

 Quanto à terceira questão

31      Com a sua terceira questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 97/67 deve ser interpretado no sentido de que a prestação de serviços postais não abrangidos pelo serviço universal pode estar sujeita a exigências como as previstas no artigo 9.°, n.° 2, segundo parágrafo, segundo travessão, dessa diretiva.

32      Ora, o Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre essa questão no acórdão de 16 de novembro de 2016, DHL Express (Austria) (C‑2/15, EU:C:2016:880), e a resposta que aí deu é perfeitamente válida para o presente processo.

33      Com efeito, no n.° 26 desse acórdão, o Tribunal de Justiça sublinhou que o artigo 9.°, n.° 2, segundo parágrafo, segundo travessão, da referida diretiva permite aos Estados‑Membros acompanhar as autorizações com a imposição de requisitos relativamente à qualidade, à disponibilidade e ao desempenho dos serviços correspondentes. Considerou que, na falta de precisão quanto aos serviços abrangidos por essa obrigação, há que realçar que resulta dos trabalhos preparatórios relativos à Diretiva 2008/6 que o legislador da União entendeu suprimir não só os últimos obstáculos à abertura total do mercado para determinados prestadores do serviço universal mas também todos os outros obstáculos à prestação dos serviços postais. Daí o Tribunal de Justiça conclui que, na inexistência de indicação contrária e tendo em conta a natureza da obrigação em causa, é evidente que todos os prestadores de serviços postais podem ser sujeitos à obrigação prevista no artigo 9.°, n.° 2, segundo parágrafo, segundo travessão, da Diretiva 97/67.

34      Nessas condições, há que responder à terceira questão que o artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 97/67 deve ser interpretado no sentido de que a prestação de serviços postais não abrangidos pelo serviço universal pode estar subordinada a requisitos como os previstos no artigo 9.°, n.° 2, segundo parágrafo, segundo travessão, dessa diretiva.

 Quanto à quarta questão

35      A quarta questão deve entender‑se como colocada unicamente para a hipótese de o artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 97/67 poder ser interpretado no sentido de que uma licença para a prestação de serviços postais não abrangidos no serviço universal só pode ser subordinada a obrigações que têm em vista garantir o cumprimento dos requisitos essenciais na aceção do artigo 2.°, ponto 19, dessa diretiva. Ora, tendo em conta a resposta dada à terceira questão, não há que responder à quarta.

 Quanto às despesas

36      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

1)      O artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço, conforme alterada pela Diretiva 2008/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008, deve ser interpretado no sentido de que um serviço de envios postais como o que está em causa no processo principal não é abrangido pelo serviço universal se o mesmo não corresponder a uma oferta permanente de serviços postais com uma qualidade especificada, prestados em todos os pontos do território a preços acessíveis a todos os utilizadores. A prestação de serviços de envio postal não abrangida pelo serviço universal só pode estar subordinada à emissão de uma autorização geral.

2)      O artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 97/67, conforme alterada pela Diretiva 2008/6, deve ser interpretado no sentido de que a prestação de serviços postais não abrangidos pelo serviço universal pode estar subordinada a requisitos como os previstos no artigo 9.°, n.° 2, segundo parágrafo, segundo travessão, da referida diretiva, conforme alterada.

Assinaturas


*      Línguas de processo: inglês e finlandês.