Language of document : ECLI:EU:C:2013:477

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

18 de julho de 2013 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Radiodifusão televisiva — Diretiva 89/552/CEE — Artigo 3.°‑A — Medidas tomadas pelo Reino da Bélgica relativamente a eventos de grande importância para a sociedade deste Estado‑Membro — Campeonato do Mundo de Futebol — Decisão que declara as medidas compatíveis com o direito da União — Fundamentação — Artigos 43.° CE e 49.° CE — Direito de propriedade»

No processo C‑204/11 P,

que tem por objeto um recurso de decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 27 de abril de 2011,

Fédération internationale de football association (FIFA), representada por A. Barav e D. Reymond, advogados,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por E. Montaguti e N. Yerrell, na qualidade de agentes, assistidas por M. Gray, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

Reino da Bélgica, representado por C. Pochet e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes, assistidos por A. Joachimowicz e J. Stuyck, advocaten,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por S. Ossowski e J. Beeko, na qualidade de agentes, assistidos por T. de la Mare, QC,

intervenientes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, K. Lenaerts, E. Juhász, J. Malenovský (relator) e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 13 de setembro de 2012,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de dezembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a Fédération internationale de football association (FIFA) pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 17 de fevereiro de 2011, FIFA/Comissão (T‑385/07, Colet., p. II‑205, a seguir «acórdão recorrido»), através do qual o Tribunal Geral negou provimento ao seu pedido de anulação parcial da Decisão 2007/479/CE da Comissão, de 25 de junho de 2007, sobre a compatibilidade com o direito comunitário das medidas adotadas pela Bélgica nos termos do n.° 1 do artigo 3.°‑A da Diretiva 89/552/CEE do Conselho relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de atividades de radiodifusão televisiva (JO L 180, p. 24, a seguir «decisão controvertida»).

 Quadro jurídico

2        A Diretiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de atividades de radiodifusão televisiva (JO L 298, p. 23), conforme alterada pela Diretiva 97/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de junho de 1997 (JO L 202, p. 60, a seguir «Diretiva 89/552»), contém um artigo 3.°‑A, aditado por esta última diretiva, que dispõe:

«1.      Cada Estado‑Membro poderá tomar medidas de acordo com o direito comunitário por forma a garantir que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não transmitam com caráter de exclusividade acontecimentos que esse Estado‑Membro considere de grande importância para a sociedade de forma a privar uma parte considerável do público do Estado‑Membro da possibilidade de acompanhar esses acontecimentos em direto ou em diferido na televisão de acesso não condicionado. Se tomar essas medidas, o Estado‑Membro estabelecerá uma lista de acontecimentos, nacionais ou não nacionais, que considere de grande importância para a sociedade. Fá‑lo‑á de forma clara e transparente, e atempadamente. Ao fazê‑lo, o Estado‑Membro em causa deverá também determinar se esses acontecimentos deverão ter uma cobertura ao vivo total ou parcial, ou, se tal for necessário ou adequado por razões objetivas de interesse público, uma cobertura diferida total ou parcial.

2.      Os Estados‑Membros notificarão imediatamente à Comissão as medidas tomadas ou a tomar ao abrigo do n.° 1. No prazo de três meses a contar da notificação, a Comissão verificará se essas medidas são compatíveis com o direito comunitário e comunicá‑las‑á aos outros Estados‑Membros, pedindo o parecer do comité criado pelo artigo 23.°‑A. A Comissão publicará de imediato as medidas adotadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e, pelo menos uma vez por ano, a lista consolidada das medidas tomadas pelos Estados‑Membros.

3.      Os Estados‑Membros assegurarão, através dos meios adequados, no âmbito da sua legislação, que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não exerçam os direitos exclusivos comprados após a data de publicação da presente diretiva de forma a que uma proporção substancial de público em outro Estado‑Membro seja impedida de seguir acontecimentos considerados nesse outro Estado‑Membro como estando nas condições referidas nos números anteriores através de uma cobertura em direto total ou parcial ou, sempre que necessário ou adequado por razões objetivas de interesse público, uma cobertura diferida total ou parcial na televisão de acesso não condicionado, tal como estabelecido nesse outro Estado‑Membro de acordo com o n.° 1.»

3        Os considerandos 18 a 22 da Diretiva 97/36 têm a seguinte redação:

«(18)      Considerando que é essencial que os Estados‑Membros possam adotar medidas tendentes à proteção do direito à informação e a assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva de acontecimentos nacionais ou não nacionais de grande importância para a sociedade, tais como os Jogos Olímpicos, os Campeonatos do Mundo e Europeu de Futebol; que, para este efeito, os Estados‑Membros mantêm o direito de adotar medidas compatíveis com o direito comunitário, tendentes a regular o exercício pelos emissores sob a sua jurisdição dos direitos de exclusividade para a cobertura televisiva dos referidos acontecimentos;

(19)      Considerando que é necessário adotar disposições no âmbito comunitário que permitam evitar potenciais incertezas jurídicas e distorções de mercado e conciliar a livre circulação dos serviços de televisão com a necessidade de evitar eventuais evasões às medidas nacionais de proteção de um interesse geral legítimo;

(20)      Considerando, em especial, que é conveniente estabelecer na presente diretiva disposições relativas ao exercício pelos organismos de radiodifusão televisiva de direitos de exclusividade por eles comprados para acontecimentos considerados de grande importância para a sociedade num Estado‑Membro que não aquele que tem jurisdição sobre esses organismos; […]

(21)      Considerando que os acontecimentos ‘de grande importância para a sociedade’ deverão, para efeitos da presente diretiva, preencher determinados critérios, ou seja, deverá tratar‑se de acontecimentos particularmente relevantes que tenham interesse para o público em geral na União Europeia ou num Estado‑Membro determinado ou em parte importante de determinado Estado‑Membro e que sejam organizados com antecedência por um organizador com a possibilidade jurídica de vender os direitos relativos ao acontecimento em causa;

(22)      Considerando que, para efeitos da presente diretiva, ‘televisão de acesso não condicionado’ significa a teledifusão num canal, público ou comercial, de programas acessíveis ao público sem qualquer pagamento adicional para além das formas de financiamento de teledifusão mais comuns nos Estados‑Membros (como a taxa televisiva e/ou a assinatura de uma rede de distribuição por cabo);»

 Antecedentes do litígio

4        Os antecedentes do litígio são apresentados do seguinte modo nos n.os 5 a 17 do acórdão recorrido:

«5      [A FIFA] é uma associação composta por 208 federações nacionais de futebol e constitui o órgão executivo mundial do futebol. Os seus objetivos são designadamente promover globalmente o futebol e organizar as suas competições internacionais. A venda dos seus direitos […] de transmissão televisiva dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo da FIFA [a seguir (‘fase final) do Campeonato do Mundo’], cuja organização assegura, constitui a sua principal fonte de rendimento.

6      Na Bélgica, as Comunidades Flamenga e Francesa são competentes para adotar medidas na aceção do artigo 3.°‑A da Diretiva 89/552. Assim, as autoridades de cada comunidade adotaram medidas distintas que foram a seguir notificadas à Comissão das Comunidades Europeias pelas autoridades federais belgas.

7      Nos termos do artigo 76.°, n.° 1, dos Decretos relativos à radiodifusão e à televisão, coordenados em 25 de janeiro de 1995, adotados pelo Conselho flamengo (Moniteur belge de 30 de maio de 1995, p. 15092), ‘[o] Governo flamengo estabelece a lista dos [eventos] considerados de grande interesse para o público e que, por esse motivo, não podem ser difundidos com base no direito de exclusividade de um modo tal que uma parte importante do público da Comunidade Flamenga não os possa acompanhar pela televisão de acesso livre em direto ou em diferido’.

8      Por Despacho de 28 de maio de 2004 (Moniteur belge de 19 de agosto de 2004, p. 62207), o Governo flamengo designou os [eventos] que devem ser considerados de grande importância para a sociedade, dentre os quais a [fase final do] Campeonato do Mundo. Para que um [evento] seja elegível para fazer parte da lista de [eventos] de grande importância para a sociedade, deve preencher, segundo este despacho, pelo menos dois dos seguintes critérios:

―        apresentar um valor de atualidade importante e despertar grande interesse junto do público;

―        inserir‑se numa competição internacional importante ou constituir uma competição em que participa a equipa nacional, uma equipa de um clube belga ou um ou vários atletas belgas;

―        relacionar‑se com uma disciplina desportiva importante e possuir um valor cultural importante para a Comunidade Flamenga;

―        ser difundido tradicionalmente pela televisão de acesso livre e tem um índice de audiência elevado na sua categoria.

9      Nos termos do artigo 1.° do Despacho de 28 de maio de 2004, certos [eventos] inscritos na lista, dentre os quais a [fase final do] Campeonato do Mundo, devem ser transmitidos na íntegra e em direto. Por força do artigo 2.° do mesmo despacho, os direitos exclusivos sobre os eventos inscritos na lista não podem ser exercidos de modo a impedir uma parte importante da população de os seguir pela televisão de livre acesso. Além disso, nos termos do segundo parágrafo da mesma disposição considera‑se que uma parte importante da população da Comunidade Flamenga pode acompanhar um evento de grande interesse para a sociedade pela televisão de livre acesso, quando o evento é difundido por uma estação de televisão que emite em neerlandês e cuja receção é assegurada a, pelo menos, 90% da população sem exigência de qualquer pagamento além do preço de assinatura da teledistribuição.

10      Por força do artigo 3.° do Despacho de 28 de maio de 2004, os organismos de radiodifusão televisiva que não cumprem os requisitos estabelecidos pelo seu artigo 2.° e que adquirem direitos de transmissão exclusivos na região de língua neerlandesa e na região bilingue de Bruxelas‑Capital para os eventos inscritos na lista apenas podem exercer esses direitos se puderem garantir, por contratos celebrados, que uma grande parte da população não será impedida de acompanhar esses eventos pela televisão de acesso livre. Para este efeito, os radiodifusores em questão podem atribuir sublicenças a preços de mercado razoáveis a radiodifusores que cumpram esses requisitos. No entanto, se nenhum radiodifusor que preencha os requisitos em questão se declarar disposto a celebrar tais contratos de sublicenças, o radiodifusor que tenha adquirido direitos de transmissão exclusivos pode utilizá‑los.

11      Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do Decreto de 27 de fevereiro de 2003 (Moniteur belge de 17 de abril de 2003, p. 19637), adotado pelo Parlamento da Comunidade Francesa, o Governo da Comunidade Francesa, depois de consultado o Conselho Superior do Audiovisual, pode adotar a lista dos eventos que considere de grande importância para o público da referida comunidade. Tais eventos não podem ser objeto do exercício de direitos de exclusividade por um fornecedor de serviços de radiodifusão televisiva ou pela RTBF, de maneira tal que uma parte importante do público desta comunidade seja privada de acesso a esses eventos através de um serviço de radiodifusão televisiva de acesso livre.

12      Para que um evento seja elegível para fazer parte da lista de eventos de grande importância para a sociedade, deve preencher, segundo o artigo 4.°, n.° 2, do Decreto de 27 de fevereiro de 2003, pelo menos dois dos seguintes critérios:

―        despertar um entusiasmo particular junto do público da Comunidade Francesa em geral e não apenas junto do público que acompanha habitualmente um evento desse género;

―        possuir uma importância cultural generalizadamente reconhecida pelo público da Comunidade Francesa e constituir um catalisador da sua identidade cultural;

―        uma personalidade ou uma equipa nacional participar no evento em causa no âmbito de uma competição ou manifestação de importância internacional;

―        ser tradicionalmente transmitido num programa de um serviço de radiodifusão televisiva de acesso livre na Comunidade Francesa e atrair um público vasto.

13      Nos termos do artigo 4.°, n.° 3, do mesmo decreto, considera‑se que um serviço de radiodifusão televisiva é de acesso livre quando é difundido em língua francesa e pode ser captado por 90% das habitações equipadas com um equipamento de receção de televisão situadas na região de língua francesa ou na região bilingue de Bruxelas‑Capital. Para além dos custos técnicos, a receção deste serviço não pode estar sujeita a qualquer outro pagamento para além do eventual preço da assinatura da oferta de base de um serviço de distribuição por cabo.

14      Nos termos do artigo 2.° do Decreto de 8 de junho de 2004 (Moniteur belge de 6 de setembro de 2004, p. 65247), adotado pelo Governo da Comunidade Francesa, ‘[u]m fornecedor de serviços de radiodifusão televisiva da Comunidade Francesa que decida exercer os direitos exclusivos de transmissão que tenha adquirido sobre um evento de grande importância deve difundi‑lo através de um serviço de radiodifusão televisiva de acesso livre e em conformidade com o anexo do presente diploma’.

15      O anexo do Despacho de 8 de junho de 2004 e a lista consolidada de [eventos] de grande importância para o Reino da Bélgica incluem a [fase final do] Campeonato do Mundo em direto e na íntegra.

16      Por cartas de 15 de janeiro de 2001 e de 16 de maio de 2002, a FIFA apresentou ao Ministério da Comunidade Flamenga as suas observações relativas à eventual inscrição [da fase final] do Campeonato do Mundo numa lista de [eventos] de grande importância para a sociedade belga, opondo‑se à inscrição de todos os jogos desta competição nessa lista.

17      Por carta de 10 de dezembro de 2003, o Reino da Bélgica notificou a Comissão das medidas adotadas no âmbito do artigo 3.°‑A da Diretiva 89/552.»

 Decisão controvertida

5        Em 25 de junho de 2007, a Comissão adotou a decisão controvertida, cujo artigo 1.° enuncia que «[a]s medidas adotadas pelo [Reino da] Bélgica em aplicação do n.° 1 do artigo 3.°‑A da Diretiva [89/552], notificadas à Comissão em 10 de dezembro de 2003 e publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias C 158 de 29 de junho de 2005 são compatíveis com o direito comunitário».

6        Os considerandos 3 a 6, 8, 16 a 18 e 22 da decisão controvertida têm a seguinte redação:

«(3)      No seu exame, a Comissão tomou em consideração os dados disponíveis sobre o panorama dos meios de comunicação social belgas.

(4)      A lista de eventos de grande importância para a sociedade incluída nas medidas belgas foi elaborada de modo claro e transparente, com base numa ampla consulta nacional.

(5)      A Comissão considerou que os eventos enumerados nas medidas notificadas pel[o Reino d]a Bélgica satisfaziam, pelo menos, dois dos seguintes critérios, considerados indicadores fiáveis da importância dos eventos para a sociedade: i) ter ressonância geral especial no Estado‑Membro e não simplesmente significado para quem acompanha habitualmente o desporto ou a atividade em causa; ii) ter importância cultural específica e generalizadamente reconhecida para a população do Estado‑Membro, nomeadamente como evento catalisador da sua identidade cultural; iii) implicar a participação da seleção nacional numa competição ou torneio de importância internacional; e iv) tratar‑se de um evento tradicionalmente transmitido nos canais de televisão de acesso livre e registar grandes índices de audiência.

(6)      Um número significativo de eventos enumerados nas medidas belgas, incluindo os Jogos Olímpicos de verão e de inverno e as finais do Campeonato do Mundo e do Campeonato Europeu de Futebol (masculino), inserem‑se na categoria de eventos tradicionalmente considerados de grande importância para a sociedade, como expressamente referido no considerando 18 da Diretiva [97/36]. Qualquer destes eventos tem uma ressonância geral especial na Bélgica, dado serem particularmente populares para o grande público e não apenas para quem acompanha habitualmente os eventos desportivos.

[…]

(8)      Os eventos futebolísticos mencionados na lista que envolvem equipas nacionais têm uma ressonância geral especial na Bélgica, por oferecerem às equipas belgas a oportunidade de promoverem o futebol belga a nível internacional.

[…]

(16)      Os eventos constantes da lista, incluindo os considerados na sua globalidade e não como uma série de eventos individuais, são tradicionalmente transmitidos na televisão de acesso livre e registam grandes índices de audiência. No caso excecional de não existirem dados específicos sobre audiências (finais do Campeonato Europeu de Futebol), a inclusão do evento justifica‑se pela sua importância cultural distinta e generalizadamente reconhecida pela população belga, dada a sua importante contribuição para a compreensão entre povos, assim como pela importância do futebol para a sociedade belga em geral e para o orgulho nacional, já que constitui a ocasião para os melhores atletas belgas vencerem esta importante competição internacional.

(17)      As medidas notificadas pel[o Reino d]a Bélgica] afiguram‑se proporcionadas, justificando uma derrogação à liberdade fundamental de prestação de serviços consagrada no Tratado CE por motivos imperativos de interesse público, que consistem em garantir o acesso generalizado do público às transmissões televisivas de eventos de grande importância social.

(18)      As medidas notificadas pel[o Reino d]a Bélgica] são compatíveis com as regras comunitárias da concorrência, na medida em que a definição das empresas de radiodifusão televisiva qualificadas para a transmissão dos eventos enumerados assenta em critérios objetivos, que permitem uma concorrência real e potencial para a aquisição dos direitos de transmissão desses eventos. Além disso, o número de eventos incluídos na lista não é desproporcionado de modo a falsear a concorrência nos mercados, a jusante, da televisão de acesso livre e da televisão a pagar.

[…]

(22)      Infere‑se do [acórdão] do Tribunal [Geral de 15 de dezembro de 2005, Infront WM/Comissão, T‑33/01, Colet., p. II‑5987] que a declaração de que as medidas adotadas nos termos do n.° 1, do artigo 3.°‑A da Diretiva [89/552] são compatíveis com o direito comunitário constitui uma decisão na aceção do artigo [249.° CE], que deve, por conseguinte, ser adotada pela Comissão. Por consequência, é necessário declarar através da presente decisão que as medidas notificadas pel[o Reino d]a Bélgica são compatíveis com o direito comunitário. As medidas adotadas em definitivo pel[o Reino d]a Bélgica] e constantes do anexo da presente decisão devem ser publicadas no Jornal Oficial nos termos do n.° 2 do artigo 3.°‑A da Diretiva [89/552].»

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

7        A FIFA interpôs um recurso para o Tribunal Geral da decisão controvertida, alegando que nesta decisão a Comissão aprovou a designação da totalidade da fase final do Campeonato do Mundo de evento de grande importância e aceitou assim que todos os jogos deste torneio fossem inscritos na lista de eventos de grande importância elaborada pelas autoridades do Reino da Bélgica. Segundo a FIFA, este Estado‑Membro apenas podia designar de evento deste tipo os jogos ditos «prime» ou de «gala», isto é, a final, as meias‑finais e os jogos da seleção nacional deste Estado (a seguir «jogos de ‘gala’»). Como tal, esta lista não devia incluir os outros jogos do Campeonato do Mundo (a seguir «jogos ‘não gala’»).

8        Em apoio do seu pedido de anulação parcial da decisão controvertida, a FIFA invocou seis fundamentos. Estes eram relativos, em primeiro lugar, à violação do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Diretiva 89/552, uma vez que a Comissão concluiu de forma errada que as medidas belgas eram compatíveis com o artigo 49.° CE, em segundo lugar, à violação deste mesmo artigo, em terceiro lugar, à violação do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Diretiva 89/552, uma vez que a Comissão considerou erradamente que as medidas belgas eram compatíveis com o artigo 43.° CE, em quarto lugar, à violação do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Diretiva 89/552, uma vez que a Comissão admitiu erradamente que as medidas belgas eram compatíveis com o direito de propriedade da FIFA, em quinto lugar, à violação do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Diretiva 89/552, uma vez que a Comissão considerou erradamente que o procedimento na sequência do qual as medidas belgas foram adotadas era claro e transparente e, em sexto lugar, à falta de fundamentação da decisão controvertida.

9        No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou todos os fundamentos invocados pela FIFA no seu recurso improcedentes e negou‑lhe provimento na totalidade.

10      Julgou igualmente improcedente um pedido de medidas de organização do processo, apresentado pela FIFA, para que o Tribunal Geral convidasse a Comissão a apresentar vários documentos.

 Quanto ao recurso

 Observações preliminares

11      Importa começar por salientar que, com o artigo 3.°‑A, n.° 1, da Diretiva 89/552, o legislador da União autorizou os Estados‑Membros a designar certos eventos de eventos de grande importância para a sociedade do Estado‑Membro em causa (a seguir «evento de grande importância») e admitiu assim expressamente, no âmbito da margem de apreciação que lhe é conferida pelo Tratado, os entraves à livre prestação de serviços, à liberdade de estabelecimento, à livre concorrência e ao direito de propriedade, que são uma consequência inelutável desta designação. Tal como resulta do considerando 18 da Diretiva 97/36, o legislador considerou que esses entraves são justificados pelo objetivo que visa proteger o direito à informação e assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva dos referidos eventos.

12      A legitimidade para prosseguir esse objetivo já foi, de resto, reconhecida pelo Tribunal de Justiça que salientou que a comercialização com caráter exclusivo dos eventos de grande interesse para o público é suscetível de limitar, de maneira considerável, o acesso do público à informação relativa a estes eventos. Ora, numa sociedade democrática e pluralista, o direito à informação tem uma importância particular que é tão mais manifesta no caso destes eventos (v. acórdão de 22 de janeiro de 2013, Sky/Österreich, C‑283/11, n.os 51 e 52).

13      Em segundo lugar, importa precisar que, em conformidade com o artigo 3.°‑A, n.° 1, da Diretiva 89/552, a determinação dos eventos de grande importância compete apenas aos Estados‑Membros que gozam, a este respeito, de uma importante margem de apreciação.

14      Com efeito, em vez de harmonizar a lista desses eventos, a Diretiva 89/552 baseia‑se na premissa de que existem, na União, divergências consideráveis de ordem social e cultural no que respeita à sua importância para o grande público. Consequentemente, o artigo 3.°‑A, n.° 1, desta diretiva prevê que cada Estado‑Membro estabelece uma lista de eventos que «considere de grande importância» para a sua sociedade. O considerando 18 da Diretiva 97/36 sublinha igualmente este poder de apreciação dos Estados‑Membros, enunciando que é «essencial» poderem adotar medidas tendentes a proteger o direito à informação e a assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva de eventos de grande importância.

15      A importância da referida margem de apreciação resulta, por outro lado, do facto de as Diretivas 89/552 e 97/36 não enquadrarem o exercício da mesma através de um dispositivo preciso. Com efeito, os únicos critérios que estas fixam para um Estado‑Membro interessado poder qualificar um evento de evento de grande importância são referidos no considerando 21 da Diretiva 97/36, segundo o qual se deve tratar de um evento particularmente relevante que tenha interesse para o público em geral na União ou num Estado‑Membro determinado ou em parte importante de determinado Estado‑Membro e que seja organizado com antecedência por um organizador com a possibilidade jurídica de vender os direitos relativos ao evento em causa.

16      Tendo em conta a relativa imprecisão destes critérios, compete a cada Estado‑Membro dar‑lhes um caráter concreto e apreciar o interesse dos eventos em causa para o grande público relativamente às especificidades sociais e culturais da sua sociedade.

17      Em terceiro lugar, importa salientar que, por força do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Diretiva 89/552, a Comissão dispõe de um poder de fiscalização da legalidade das medidas nacionais que designam eventos de grande importância, que lhe permite rejeitar medidas que sejam incompatíveis com o direito da União.

18      No âmbito deste exame, a Comissão deve, em particular, verificar se os seguintes requisitos estão cumpridos:

―        o evento em causa foi inscrito na lista prevista no artigo 3.°‑A, n.° 1, da Diretiva 89/552, de forma clara e transparente, e atempadamente;

―        esse evento pode de forma válida ser considerado de grande importância;

―        a designação do evento em causa de evento de grande importância é compatível com os princípios gerais do direito da União, como os princípios da proporcionalidade e da não discriminação, com os direitos fundamentais, com os princípios da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento, bem como com as regras da livre concorrência.

19      Não obstante, esse poder de verificação é limitado, designadamente no que diz respeito ao exame dos segundo e terceiro requisitos enunciados no número precedente.

20      Com efeito, por um lado, resulta da importância da margem de apreciação dos Estados‑Membros, referida no n.° 13 do presente acórdão, que o poder de verificação da Comissão se deve limitar à procura de erros manifestos de apreciação cometidos pelos Estados‑Membros quando da designação dos eventos de grande importância. Para verificar se tal erro manifesto de apreciação foi cometido, a Comissão deve nomeadamente fiscalizar se o Estado‑Membro em causa analisou, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto, elementos esses que apoiam as conclusões deles extraídas (v., por analogia, acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, Colet., p. I‑5469, n.° 14, e de 22 de dezembro de 2010, Gowan Comércio Internacional e Serviços, C‑77/09, Colet., p. I‑13533, n.os 56 e 57).

21      Por outro lado, no que respeita mais precisamente ao terceiro requisito referido no n.° 18 do presente acórdão, não se pode ignorar que a designação válida de um evento de evento de grande importância levanta entraves inelutáveis à livre prestação de serviços, à liberdade de estabelecimento, à livre concorrência e ao direito de propriedade, tidos em conta pelo legislador da União e por este considerados, como já foi dito no n.° 11 do presente acórdão, justificados pelo objetivo de interesse geral que visa proteger o direito à informação e assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva dos referidos eventos.

22      A fim de assegurar o efeito útil do artigo 3.°‑A da Diretiva 89/552, há que constatar que, se um evento foi validamente designado pelo Estado‑Membro em causa de evento de grande importância, a Comissão apenas tem de examinar os efeitos dessa designação sobre a livre circulação dos serviços, a liberdade de estabelecimento, a livre concorrência e o direito de propriedade que vão além dos efeitos intrinsecamente ligados à inclusão deste evento na lista prevista no n.° 1 do artigo 3.°‑A.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Argumentos das partes

23      O primeiro fundamento compõe‑se, em substância, de seis partes. Na primeira parte, a FIFA alega que o Tribunal Geral seguiu um raciocínio incoerente no que diz respeito à natureza real, segundo ele, da fase final do Campeonato do Mundo.

24      Na segunda parte deste fundamento, alega que o Tribunal Geral parece adotar posições incoerentes e inconciliáveis, por um lado, ao afirmar a existência do caráter unitário do Campeonato do Mundo enquanto evento e, por outro, ao alegar que elementos específicos podem demonstrar que tal não se verifica.

25      A terceira parte do referido fundamento diz respeito ao n.° 95 do acórdão recorrido, segundo o qual o Estado‑Membro notificante não precisava de fornecer razões específicas para incluir a totalidade da fase final do Campeonato do Mundo na lista de eventos de grande importância. Ao decidir desta forma, o Tribunal Geral impede nomeadamente a Comissão de proceder a uma verificação intensiva e a um exame aprofundado da compatibilidade das medidas notificadas com o direito da União.

26      No âmbito da quarta parte do seu primeiro fundamento, a FIFA alega que, contrariamente ao que resulta do acórdão recorrido, compete à Comissão justificar perante o Tribunal Geral a sua conclusão segundo a qual a totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo constitui um evento único de grande importância. Como tal, não compete à FIFA nem a nenhuma outra parte interessada demonstrar, através de elementos específicos, que não é esse o caso

27      Com a quinta parte do primeiro fundamento, a FIFA alega que, ao fornecer razões que não figuram na decisão controvertida, o Tribunal Geral excedeu os limites da fiscalização jurisdicional que lhe compete exercer.

28      Segundo a sexta parte do referido fundamento, o Tribunal Geral cometeu um erro ao considerar que a Comissão suficientemente fundamentado a inscrição da totalidade da fase final do Campeonato do Mundo na lista belga de eventos de grande importância.

29      A Comissão, o Reino da Bélgica e o Reino Unido contestam a procedência do primeiro fundamento invocado pela FIFA em apoio do seu recurso.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

30      Tendo em conta a importância das constatações enunciadas no n.° 95 do acórdão recorrido para o raciocínio do Tribunal Geral, importa examinar, em primeiro lugar, a terceira parte do primeiro fundamento do recurso.

—       Quanto à terceira parte do primeiro fundamento

31      Importa desde logo salientar que o Tribunal Geral enunciou, no n.° 72 do acórdão recorrido, que o Campeonato do Mundo é uma competição que pode razoavelmente ser vista mais como um evento único do que como um conjunto de eventos individuais divididos em jogos de «gala» e jogos «não gala». Por outro lado, como decorre do n.° 5 do acórdão recorrido, considerou o conceito de «Campeonato do Mundo», a que se refere o considerando 18 da Diretiva 97/36, no sentido de que inclui unicamente a fase final desta competição.

32      Contudo, nem o referido considerando nem nenhum outro elemento das Diretivas 85/552 ou 97/36 contêm indícios suscetíveis de demonstrar que os termos «Campeonato do Mundo» se referem unicamente à fase final desta competição. Assim, estes termos devem, em princípio, abranger igualmente a fase inicial deste campeonato, ou seja, a totalidade dos jogos de qualificação. Ora, é pacífico que os jogos de qualificação anteriores à fase final podem, em geral, não suscitar interesse junto do grande público de um Estado‑Membro um interesse comparável ao que esse público manifesta quando da realização da fase final. Com efeito, apenas certos jogos de qualificação específicos, nomeadamente aqueles que envolvem a seleção nacional do Estado‑Membro em causa ou os das outras equipas do grupo de qualificação em que esta seleção está inserida, podem suscitar tal interesse.

33      Por outro lado, não se pode pôr em causa, de forma razoável, que a importância dos jogos de «gala»» é, em geral superior à que é atribuída aos jogos da fase final do Campeonato do Mundo que os precedem, ou seja, os jogos da fase de grupos. Não se pode pois defender a priori que a importância concedida a esta última categoria de jogos é equivalente à da primeira e que, por isso, todos os jogos da fase de grupos são indistintamente considerados parte de um único evento de grande importância como os jogos de «gala». Assim, a designação de cada jogo de evento de grande importância pode diferir de um Estado‑Membro para outro.

34      Resulta das considerações que precedem que o legislador da União não quis indicar que o «Campeonato do Mundo», na aceção do considerando 18 da Diretiva 97/36, se limita apenas à fase final e que constitui um evento único e indivisível. Pelo contrário, o Campeonato do Mundo deve ser considerado um evento que é, em princípio, divisível por diferentes jogos ou etapas, que não são necessariamente todos abrangidos pela qualificação de evento de grande importância.

35      Todavia, importa precisar que tal leitura errada do Tribunal Geral do considerando 18 da Diretiva 97/36, e em particular do conceito de Campeonato do Mundo, não teve incidência no presente processo.

36      No que respeita, por outro lado, à exclusão dos jogos de qualificação da definição de Campeonato do Mundo, basta recordar que as autoridades belgas não incluíram estes jogos na lista de eventos de grande importância e que, portanto, a decisão controvertida não diz respeito a estes jogos.

37      Em seguida, há que constatar que o Tribunal Geral examinou, nos n.os 102 a 108 do acórdão recorrido, com base nos elementos fornecidos pela FIFA e à luz da perceção concreta do público das Comunidades Flamenga e Francesa, se todos os jogos da fase final do Campeonato do Mundo suscitavam efetivamente, junto desse público, um interesse suficiente para poderem fazer parte de um evento de grande importância (v. n.os 55 a 57 do presente acórdão). Ora, ao concluir que era esse o caso, o Tribunal Geral constatou legitimamente que a totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo podia ser considerada, nas Comunidades Flamenga e Francesa, um evento único de grande importância. De facto, a sua apreciação estava, portanto, conforme à que resulta do n.° 34 do presente acórdão.

38      Por fim, decorre das considerações enunciadas no n.° 66 do presente acórdão que a leitura errada do considerando 18 da Diretiva 97/36 não teve incidência na conclusão do Tribunal Geral, segundo a qual a fundamentação da decisão controvertida satisfaz os requisitos enunciados no artigo 253.° CE.

39      Assim sendo, prosseguindo o raciocínio apresentado no n.° 31 do presente acórdão, o Tribunal Geral chegou à constatação, que figura no n.° 95 do acórdão recorrido, de que nenhum Estado‑Membro tem que comunicar à Comissão as razões específicas pelas quais a fase final do Campeonato do Mundo é designada, na sua totalidade, de único evento de grande importância no Estado‑Membro em causa.

40      Ora, dado que a fase final do Campeonato do Mundo não pode ser validamente incluída, na sua totalidade, numa lista de eventos de grande importância independentemente do interesse que os seus jogos suscitam no Estado‑Membro em causa, este não fica dispensado da sua obrigação de comunicar à Comissão as razões que permitem considerar que, no contexto específico da sociedade deste Estado, a fase final do Campeonato do Mundo constitui um evento único que deve ser considerado, na sua totalidade, um evento de grande importância para a referida sociedade, em vez de um conjunto de eventos individuais divididos em jogos de diversos níveis de interesse.

41      Assim, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, no n.° 95 do acórdão recorrido, ao declarar que a Comissão não podia considerar a inscrição de jogos da fase final do Campeonato do Mundo contrária ao direito da União pelo facto de o Estado‑Membro em causa não lhe ter comunicado as razões específicas que justificam o seu caráter de evento de grande importância para a sociedade desse Estado.

42      Nestas condições, há que examinar se, à luz deste erro, o acórdão recorrido deve ser anulado.

43      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral não é suscetível de invalidar o acórdão recorrido se a sua parte decisória se mostrar fundada por outras razões jurídicas (v., neste sentido, acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., p. I‑1719, n.° 47, e de 29 de março de 2011, ThyssenKrupp. Nirosta/Comissão, C‑352/09 P, Colet., p. I‑2359, n.° 136).

44      No presente processo, há que salientar, em primeiro lugar, que, de modo a permitir à Comissão exercer o respetivo poder de fiscalização, a fundamentação que levou um Estado‑Membro a designar um evento de evento de grande importância pode ser sucinta, desde que a mesma seja pertinente. Assim, não se pode exigir, designadamente, que o Estado‑Membro indique, na própria notificação das medidas em causa, dados pormenorizados e numéricos no que diz respeito a cada elemento ou parte do evento que tenha sido objeto de uma notificação à Comissão.

45      A este respeito, importa precisar que, caso a Comissão tenha dúvidas, com base nos elementos à sua disposição, quanto à designação de um evento de evento de grande importância, compete‑lhe pedir esclarecimentos ao Estado‑Membro que procedeu a essa designação (v., por analogia, acórdão de 29 de março de 2012, Comissão/Estónia, C‑505/09 P, n.° 67).

46      No caso em apreço, resulta designadamente da carta de notificação, de 10 de dezembro de 2003, dirigida à Comissão pelo Reino da Bélgica, referida no considerando 1 da decisão controvertida e anexada à contestação apresentada no Tribunal Geral, que o Governo flamengo designou a totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo de evento de grande importância, alegando que este conjunto de jogos era tradicionalmente transmitido em direto através de serviços gratuitos e tinha tido quotas de audiência muito elevadas. A título de exemplo, esta notificação indica que as emissões dos diferentes jogos da fase final do Campeonato do Mundo de 2002 tiveram, na Comunidade Flamenga, quotas de audiência compreendidas entre os 1,8% e os9,9% dos telespetadores, ou seja, respetivamente, 101 200 e 546 800 telespetadores, situando‑se a sua quota de mercado entre os 22,9% e os 86,6%.

47      De forma paralela, o Governo da Comunidade Francesa designou, segundo a notificação de 10 de dezembro de 2003, a totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo de evento de grande importância, uma vez que este conjunto era particularmente popular entre o grande público desta comunidade e não apenas para quem acompanha habitualmente competições de futebol. Por outro lado, o referido conjunto era tradicionalmente transmitido em acesso livre e as quotas de audiência destas transmissões tinham sido bastante elevadas. A este respeito, esta notificação refere‑se igualmente às emissões dos diferentes jogos da fase final do Campeonato do Mundo de 2002, que tiveram, na Comunidade Francesa, quotas de audiência compreendidas entre os 4,7% e os 30,1% dos telespetadores, situando‑se a sua quota de mercado entre os 50,8% e os 63,4%.

48      Estas indicações, notificadas pelo Reino da Bélgica em conformidade com as exigências do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Diretiva 89/552, permitiam à Comissão exercer a sua fiscalização e pedir, caso considerasse necessário ou oportuno, esclarecimentos complementares a este Estado‑Membro ou a apresentação de outros elementos que não figurassem na notificação referida.

49      Em segundo lugar, nada indica que a Comissão não tenha exercido essa fiscalização, que tem um caráter restrito, e que não tenha examinado, à luz dos fundamentos referidos nos n.os 46 e 47 do presente acórdão, se as autoridades belgas não cometeram um erro manifesto de apreciação ao designarem a totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo de evento de grande importância.

50      A este respeito, resulta desde logo do considerando 6 da decisão controvertida que a Comissão verificou efetivamente se a totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo, incluindo portanto os jogos «não gala», tinham um eco especial nas Comunidades Flamenga e Francesa, ou seja, se os jogos deste torneio eram particularmente populares entre o grande público e não apenas para quem acompanha habitualmente os jogos de futebol na televisão. Do mesmo modo, resulta do considerando 16 desta decisão que a Comissão tomou em consideração o facto de este torneio, na sua totalidade e incluindo os jogos «não gala», ser tradicionalmente transmitido na televisão de acesso livre e registar grandes índices de audiência.

51      Seguidamente, a notificação referida nos n.os 46 e 47 do presente acórdão permitia à Comissão constatar, em especial, quais eram as quotas de audiência e a quotas de mercado para as emissões que incluíam os jogos menos populares da fase final do Campeonato do Mundo, constituindo este conjunto os jogos «não gala». Além disso, a notificação de 10 de dezembro de 2003 explicitava as razões pelas quais as quotas de audiência de alguns destes jogos podiam parecer baixas, deixando entender que mesmo estes jogos suscitavam um interesse suficiente para poderem fazer parte de um evento de grande importância.

52      Ora, a FIFA não contestou que a referida notificação constituiu o fundamento da decisão controvertida.

53      Por fim, a FIFA não pode utilmente alegar que o caráter alegadamente deficiente da fiscalização exercida pela Comissão resulta do facto de esta última ter efetuado o seu exame à luz dos elementos existentes no momento da receção da notificação do Reino da Bélgica, de 10 de dezembro de 2003, e não ter tomado em consideração os dados posteriores, como os dados disponíveis à data de adoção da decisão controvertida.

54      A este respeito, importa salientar que essa acusação não foi produzida em primeira instância. No Tribunal Geral, a FIFA limitou‑se efetivamente a criticar a fundamentação da decisão controvertida, alegando que esta não continha indicações sobre a natureza e a data dos dados referentes ao panorama dos meios de comunicação social belga que a Comissão teve em conta. Assim a FIFA não criticou o caráter alegadamente deficiente da fiscalização exercida pela Comissão, estando essa acusação relacionada com o mérito do litígio. Ora, resulta de jurisprudência constante que permitir a uma parte invocar pela primeira vez perante o Tribunal de Justiça um fundamento que não apresentou no Tribunal Geral equivaleria a permitir que essa parte submetesse ao Tribunal de Justiça um litígio com um objeto mais lato do que aquele que foi submetido ao Tribunal Geral. No âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a competência do Tribunal de Justiça encontra‑se, em princípio, limitada ao exame da apreciação pelo Tribunal Geral dos fundamentos debatidos perante este (v. acórdão de 19 de julho de 2012, Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o., C‑628/10 P e C‑14/11 P, n.° 111 e jurisprudência referida). Consequentemente, importa julgar a acusação referida inadmissível.

55      Em terceiro lugar, a FIFA podia demonstrar perante o Tribunal Geral que a Comissão devia ter concluído que as autoridades belgas tinham cometido um erro manifesto de apreciação ao designar a totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo de evento de grande importância.

56      Ora, para este efeito, a FIFA submeteu nomeadamente ao Tribunal Geral os dados relativos nomeadamente às quotas de audiência das fases finais do Campeonato do Mundo de 1998 a 2006, alegando que estes elementos demonstravam que os jogos «não gala» não tinham, nas Comunidades Flamenga e Francesa, eco especial junto de quem não acompanha habitualmente o domínio do futebol.

57      O Tribunal Geral examinou estes dados nos n.os 102 a 108 do acórdão recorrido, mas não confirmou a apreciação proposta pela FIFA. Concluiu que esta não tinha demonstrado que os argumentos que figuram nos considerandos 6 e 18 da decisão controvertida e invocados no n.° 50 do presente acórdão padecem de erro nem que, consequentemente, a Comissão devia ter concluído que as autoridades belgas tinham cometido um erro manifesto de apreciação ao designarem a totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo de evento de grande importância.

58      Resulta do que precede que o erro de direito cometido pelo Tribunal Geral não pode invalidar o acórdão recorrido, uma vez que a sua parte decisória se mostra fundada por outras razões jurídicas. Por conseguinte, a terceira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

—       Quanto às outras partes do primeiro fundamento

59      No que diz respeito às primeira e segunda partes do primeiro fundamento, importa recordar que a questão de saber se a fundamentação de um acórdão do Tribunal Geral é incoerente constitui, é certo, uma questão de direito que pode ser invocada no quadro de um recurso, uma vez que a fundamentação de um acórdão deve deixar transparecer de forma clara e inequívoca o raciocínio do Tribunal Geral (v., neste sentido, despacho de 29 de novembro de 2011, Evropaïki Dynamiki/Comissão, C‑235/11 P, n.os 29 e 30, e acórdão de 19 dezembro de 2012, Comissão/Planet, C‑314/11 P, n.os 63 e 64).

60      Todavia, esta obrigação de coerência da fundamentação não constitui um objetivo em si, mas visa, designadamente, permitir aos interessados conhecerem as razões da decisão tomada (v., neste sentido, despacho Evropaïki Dynamiki/Comissão, já referido, n.° 30, e acórdão Comissão/Planet, já referido n.° 64).

61      No caso vertente, importa salientar que os fundamentos criticados no âmbito das primeira e segunda partes tinham como objetivo apoiar, no acórdão recorrido, as constatações enunciadas nos n.os 72 e 95 desse acórdão. Ora, o Tribunal de Justiça, após ter concluído nos n.os 31 a 41 do presente acórdão que estas constatações estavam erradas, procedeu a uma substituição de fundamentos de modo a justificar a decisão tomada.

62      Assim, sendo os referidos fundamentos elementos acessórios de constatações consideradas erradas pelo Tribunal de Justiça e tendo sido objeto de uma substituição de fundamentos por este, os mesmos já não constituem a base da decisão adotada, não havendo portanto lugar a examinar a sua suposta incoerência.

63      Para responder à quarta parte do primeiro fundamento, há que recordar que a notificação do Reino da Bélgica de 10 de dezembro de 2003 e a decisão controvertida indicaram as razões pelas quais a totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo foi designada de evento de grande importância. Assim, tendo em conta a presunção de legalidade ligada aos atos das instituições da União (acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Espanha, C‑177/06, Colet., p. I‑7689, n.° 36), e à luz do caráter restrito da fiscalização exercida pela Comissão e pelo Tribunal Geral, compete à FIFA contestar estas razões no Tribunal Geral e demonstrar que a Comissão devia ter concluído que as autoridades belgas tinham cometido um erro manifesto de apreciação ao incluir a totalidade dos jogos na lista de eventos de grande importância. Além disso, a FIFA tentou, sem sucesso, contestar as referidas razões (v. n.os 55 a 57 do presente acórdão).

64      Assim, a quarta parte do referido fundamento não pode proceder.

65      No que respeita à quinta parte do mesmo fundamento, importa salientar que a FIFA não apresentou as razões precisas pelas quais considera que o Tribunal Geral foi para além da fiscalização jurisdicional que lhe compete exercer. Por outro lado, não indicou os números precisos do acórdão recorrido em que figuram os elementos contestados. Em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, esta parte deve ser julgada inadmissível (v. acórdão de 2 de abril de 2009, France Télécom/Comissão, C‑202/07 P, Colet., p. I‑2369, n.° 55, e despacho de 2 de fevereiro de 2012, Elf Aquitaine/Comissão, C‑404/11 P, n.° 15).

66      Quanto à sexta parte do primeiro fundamento, resulta das considerações gerais enunciadas nos n.os 107 a 111 do acórdão hoje proferido, UEFA/Comissão (C‑201/11 P), que a fundamentação da decisão controvertida preenche os requisitos enunciados no artigo 253.° CE. Com efeito, à luz destas considerações, basta que os considerandos 6 e 16 desta decisão indiquem sucintamente as razões pelas quais a Comissão considerou que todos os jogos da fase final do Campeonato do Mundo podiam validamente ser inscritos na lista de eventos de grande importância para a sociedade belga, dado que estas razões permitem à FIFA conhecer as justificações da medida tomada e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização quanto à procedência desta apreciação.

67      Atento o que precede, há que julgar o primeiro fundamento em parte inadmissível e em parte improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento

 Argumentos das partes

68      O segundo fundamento do recurso inclui, em substância, quatro partes. Na primeira parte, a FIFA alega que o Tribunal Geral não examinou o seu argumento relativo à indicação, na decisão controvertida, do tipo e da data dos dados que a Comissão teve em conta para adotar essa decisão. Com efeito, o Tribunal Geral devia ter considerado que a expressão obscura «dados disponíveis sobre o panorama dos meios de comunicação social belga», referida no considerando 3 desta decisão, não satisfazia a exigência de fundamentação suficiente. Em particular, uma vez que uma edição do Campeonato do Mundo teve lugar após a adoção da decisão de 7 de abril de 2004 e antes da adoção da decisão controvertida, que substitui a primeira decisão na sequência do acórdão Infront WM/Comissão, já referido, a Comissão devia ter indicado que quotas de audiência e que edições do Campeonato do Mundo tinham sido examinadas e tomadas em consideração.

69      De acordo com a segunda parte do referido fundamento que o Tribunal Geral, nos n.os 71 a 73 do acórdão recorrido, baseou‑se em fundamentos que não aparecem na decisão controvertida quando declarou que a totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo pode ser considerada um evento único e que a Comissão não tinha que fornecer outros fundamentos para justificar a sua decisão de aprovar a inscrição deste torneio na lista belga dos eventos de grande importância.

70      Com a terceira parte do mesmo fundamento, a FIFA acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao recusar conceder importância à prática dos outros Estados‑Membros que não incluíram os jogos «não gala» na lista de eventos de grande importância.

71      A quarta parte do segundo fundamento diz respeito à interpretação e aplicação dos critérios que estiveram na base da constatação da grande importância da totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo. A FIFA considera, por um lado, que o Tribunal Geral aprovou erradamente a constatação da Comissão segundo a qual, na Bélgica, esta totalidade de jogos cumpria o critério relativo ao «eco especial» e entendeu, igualmente de forma errada, que a Comissão fundamentou suficiente e corretamente esta constatação. A este propósito, o Tribunal Geral assimilou, designadamente, o critério do «eco especial» de um evento ao da sua popularidade. Ora, a «popularidade» de um evento não é um critério pertinente e é insuficiente para se considerar que constitui um «acontecimento particularmente relevante», em conformidade com o considerando 21 da Diretiva 97/36. Além disso, o Tribunal Geral aplicou erradamente o artigo 253.° CE ao considerar que a Comissão fundamentou suficiente e corretamente a sua constatação relativa ao critério do «eco especial».

72      Por outro lado, o Tribunal Geral cometeu erros ao aprovar as constatações da Comissão segundo as quais todos os jogos da fase final do Campeonato do Mundo cumpriam os requisitos do critério referido no considerando 16 da decisão controvertida, relativo à tradição de transmissão da totalidade dos jogos no passado e aos grandes índices de audiência dos jogos «não gala». Segundo a FIFA, as constatações do Tribunal Geral não têm fundamento e são contrariadas pelos factos. Além disso, este considerou erradamente que a Comissão fundamentou suficiente e corretamente a sua conclusão, segundo a qual os referidos requisitos foram respeitados.

73      A este respeito, o Tribunal Geral apresentou, designadamente, quotas de audiência de uma amostra não representativa destes jogos e ocultou os jogos que registaram quotas de audiência menos importantes. Por outro lado, devia ter constatado que as quotas médias de audiência dos jogos «não gala» na Bélgica não representavam «audiências muito grandes». De igual modo, cometeu erros no que diz respeito à explicação das fracas quotas de audiência de certos jogos «não gala».

74      Por fim, a FIFA contesta o n.° 117 do acórdão recorrido no qual o Tribunal Geral se pronunciou sobre os seus argumentos que contestam a proporcionalidade da inscrição da totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo na lista belga dos eventos de grande importância. A FIFA alega que o Tribunal Geral cometeu um erro ao considerar que as quotas de audiência confirmavam que este torneio podia validamente ser encarado como um evento único de grande importância e que, por conseguinte, a proporcionalidade das medidas notificadas estava, ipso facto, demonstrada.

75      Segundo a Comissão, o segundo fundamento é parcialmente inadmissível e parcialmente inoperante. Além disso, este fundamento é improcedente na sua totalidade, sendo esta conclusão partilhada pelo Reino da Bélgica e pelo Reino Unido.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

76      No que respeita à indicação do tipo e das datas dos dados tidos em conta na decisão controvertida, resulta das considerações referidas no n.° 66 do presente acórdão que a Comissão não tinha que precisar, nessa decisão, o tipo e as datas desses dados.

77      Nestas condições, não há que examinar, tal como foi decidido nos n.os 59 a 62 do presente acórdão, se o Tribunal Geral respondeu de forma suficiente ao argumento da FIFA relativo à indicação do tipo e das datas dos referidos dados.

78      A primeira parte do segundo fundamento não pode, por conseguinte, proceder.

79      Quanto à segunda parte do referido fundamento, há que recordar que, no âmbito da fiscalização da legalidade referida no artigo 263.° TFUE, o Tribunal Geral não pode substituir pela sua própria fundamentação a do autor do ato impugnado e não pode preencher, com a sua própria fundamentação, uma lacuna na fundamentação deste ato, de modo a que o seu exame não se relacione com nenhuma apreciação dele constante (v., neste sentido, acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, n.os 87 a 90 e jurisprudência referida).

80      Todavia, no caso em apreço, as considerações enunciadas nos n.os 71 a 73 do acórdão recorrido não preenchem uma lacuna na fundamentação da decisão controvertida, mas visam determinar o nível exigido desta fundamentação à luz dos requisitos da legislação da União aplicável na matéria. O Tribunal Geral não substituiu, pois, pela sua própria fundamentação a do autor do ato impugnado, mas limitou‑se a efetuar uma fiscalização da legalidade do mesmo em conformidade com a missão que lhe incumbe.

81      Por conseguinte, há que julgar a segunda parte do segundo fundamento improcedente.

82      No que diz respeito à terceira parte do mesmo fundamento, importa salientar que, no Tribunal Geral, a FIFA não invocou um fundamento relativo ao facto de, para apreciar se os jogos «não gala» revestem grande importância para a sociedade belga, ser conveniente tomar em consideração a prática dos outros Estados‑Membros. Com efeito, na sua petição inicial, a FIFA limitou‑se a referir esta prática sem alegar que a decisão controvertida era ilegal pelo facto de as autoridades belgas e a Comissão não terem dado importância a essa prática.

83      Em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 54 do presente acórdão, esta terceira parte deve assim ser julgada inadmissível.

84      No âmbito da quarta parte do referido fundamento, a FIFA invocou desde logo uma série de argumentos com os quais procura demonstrar que os parâmetros referentes aos jogos «não gala» não preenchem os critérios enunciados nos considerandos 6 e 16 da decisão controvertida e fixados pelas autoridades belgas para efeitos da designação dos eventos de grande importância.

85      Ora, com estes argumentos, a FIFA visa, na realidade, conseguir que o Tribunal de Justiça substitua pela sua própria apreciação a apreciação dos factos feita pelo Tribunal Geral, sem demonstrar uma desvirtuação dos factos e dos elementos de prova submetidos ao Tribunal Geral. Em conformidade com jurisprudência constante, estes argumentos devem ser julgados inadmissíveis (v. acórdãos de 18 de maio de 2006, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, C‑397/03 P, Colet., p. I‑4429, n.° 85, e ThyssenKrupp. Nirosta/Comissão, já referido, n.° 180).

86      Em seguida, no que diz respeito ao argumento relativo à alegada equiparação do critério do «eco especial» de um evento ao da popularidade, importa salientar que a FIFA não invocou esse fundamento no Tribunal Geral. Em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 54 do presente acórdão, este argumento deve ser julgado inadmissível.

87      Quanto às acusações relativas à insuficiência da fundamentação formal da decisão controvertida, estas coincidem na realidade com a sexta parte do primeiro fundamento e, portanto, importa rejeitá‑las pelos motivos explicitados no n.° 66 do presente acórdão.

88      Por fim, importa salientar que o argumento relativo à proporcionalidade da inscrição da totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo na lista de eventos de grande importância para a sociedade belga se baseia numa leitura errada do n.° 117 do acórdão recorrido. Com efeito, neste n.° 117, o Tribunal Geral não rejeitou este argumento com base na circunstância de a proporcionalidade das medidas notificadas ser ipso facto demonstrada, visto que totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo podia validamente ser considerada um evento único de grande importância. O Tribunal Geral julgou este fundamento improcedente por assentar numa premissa errada, pois baseava‑se no facto de as medidas adotadas pelas autoridades belgas serem desproporcionadas na medida em que os jogos «não gala» não tinham grande importância. Ora, o Tribunal Geral tinha razão ao decidir como decidiu, uma vez que tinha declarado, nos n.os 98 a 119 do acórdão recorrido, que este conjunto de jogos podia ser considerado um evento de grande importância para a sociedade belga.

89      Nestas condições, o referido argumento da FIFA não pode proceder.

90      Tendo em conta tudo o que precede, importa julgar o segundo fundamento do recurso parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento

 Argumentos das partes

91      O terceiro fundamento compõe‑se, em substância, de sete partes. Com a primeira parte, a FIFA alega que o Tribunal Geral cometeu um erro, nos n.os 129 e 130 do acórdão recorrido, ao considerar, com base nos fundamentos que o próprio aduziu, que a decisão controvertida fixou a proporcionalidade das restrições à livre prestação de serviços e ao direito de estabelecimento que decorrem das medidas notificadas. Ora, segundo a FIFA, competia à Comissão, e não ao Tribunal Geral, examinar estas restrições. Assim, este não podia declarar que, uma vez que a fase final do Campeonato do Mundo tinha um «caráter unitário», a Comissão, que não se apoiou neste alegado caráter do torneio, estava dispensada da obrigação de demonstrar que as restrições impostas pela decisão controvertida eram necessárias, apropriadas e proporcionadas.

92      Nos termos da segunda parte do mesmo fundamento, o Tribunal Geral cometeu um erro ao concluir, nos n.os 55, 56 e 127 do acórdão recorrido, que o objetivo de garantir um acesso alargado do público às transmissões televisivas de eventos de grande importância e o direito à informação justificavam as restrições impostas pela decisão controvertida. Com efeito, um acesso alargado do público não se confunde com um acesso ilimitado do mesmo. Assim, o direito à informação não implica o direito de ver nos canais de televisão de acesso livre todos os jogos da fase final do Campeonato do Mundo e não justifica a proibição da transmissão de um destes jogos em exclusividade por um radiodifusor que não explore canais de televisão de acesso livre.

93      Com a terceira parte do referido fundamento, a FIFA considera que o Tribunal Geral devia ter constatado que a Comissão tinha a obrigação de examinar se medidas menos restritivas do que as aprovadas pela decisão controvertida permitiriam garantir a realização do objetivo prosseguido pelo artigo 3.°‑A da Diretiva 89/552.

94      Com a quarta parte do terceiro fundamento, a FIFA alega que a Comissão não podia efetuar uma verificação limitada da compatibilidade das medidas notificadas com o direito da União. O Tribunal devia ter declarado que a Comissão tinha que proceder a uma verificação intensiva e a um exame aprofundado.

95      Segundo a quinta parte do mesmo fundamento, o Tribunal Geral constatou erradamente que a Comissão fundamentou suficientemente a sua conclusão a respeito da proporcionalidade das restrições à liberdade de prestação de serviços.

96      Com a sexta parte do referido fundamento, a FIFA alega que o Tribunal Geral devia ter considerado que a Comissão tinha a obrigação de examinar a questão de saber se medidas menos lesivas do direito de propriedade do que as aprovadas na decisão controvertida permitiam garantir a realização do objetivo prosseguido pelo artigo 3.°‑A da Diretiva 89/552. Com efeito, quando dois direitos fundamentais estão em causa, as restrições ao exercício de um destes direitos devem estar sujeitas a uma ponderação desses direitos, ponderação à qual a Comissão não procedeu na sua decisão e que também não foi abordada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido.

97      Com a sétima parte do seu terceiro fundamento, a FIFA alega que foi com base numa fundamentação insuficiente que o Tribunal Geral considerou que se justificavam os entraves à livre prestação de serviços, à liberdade de estabelecimento e ao direito de propriedade.

98      Na opinião da Comissão, do Reino da Bélgica e do Reino Unido, o terceiro fundamento é improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

99      A primeira parte do terceiro fundamento assenta numa leitura errada dos n.os 129 e 130 do acórdão recorrido. Com efeito, o Tribunal Geral não considerou que a decisão controvertida declarou a proporcionalidade das restrições à livre prestação de serviços e ao direito de estabelecimento que resultavam das medidas notificadas pelo Reino da Bélgica. À semelhança do argumento referido no n.° 88 do presente acórdão, o Tribunal Geral julgou o fundamento da FIFA improcedente por se basear num premissa errada, uma vez que considerava que, para ser proporcionada, a lista de eventos de grande importância dever‑se‑ia ter limitado à inscrição de jogos de «gala», uma vez que estes seriam os únicos a apresentar uma grande importância para a sociedade belga. Ora, o Tribunal Geral podia decidir corretamente como fez, uma vez que tinha concluído nos n.os 98 a 119 do acórdão recorrido que se podia considerar que todos os jogos da fase final do Campeonato do Mundo tinham uma grande importância para a sociedade belga.

100    Por conseguinte, a primeira parte do referido fundamento deve ser julgada improcedente.

101    No que respeita à segunda parte do referido fundamento, importa salientar que, nos n.os 54 a 58 e 127 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não considerou que o objetivo de garantir um acesso alargado do público às transmissões televisivas de eventos de grande importância e o direito à informação justificassem as restrições específicas impostas pela decisão controvertida. O Tribunal Geral pronunciou‑se sobre esta questão num contexto geral, ao constatar que, uma vez que as referidas restrições diziam respeito a eventos de grande importância, as medidas previstas pelo artigo 3.°‑A, n.° 1, da Diretiva 89/552 podiam ser justificadas pelo referido objetivo e pelo direito à informação, desde que fossem idóneas para garantir a sua realização e não fossem para além do que é necessário para os atingir. Ora, à luz dos princípios invocados nos n.os 11 e 12 do presente acórdão, esta constatação não pode ser criticada.

102    Por outro lado, resulta das considerações invocadas nos n.os 11, 21 e 22 do presente acórdão que, contrariamente ao que a FIFA defende, o Tribunal Geral não tinha que conciliar os referidos objetivos com os requisitos relativos à livre prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento.

103    Nestas condições, a segunda parte do terceiro fundamento não pode proceder.

104    No que respeita à terceira parte do mesmo fundamento, decorre do considerando 17 da decisão controvertida que a Comissão examinou se as medidas notificadas pelo Reino da Bélgica eram proporcionadas. Ora, esse exame da proporcionalidade implica necessariamente a verificação do ponto de saber se os objetivos de interesse geral podiam ser atingidos através de medidas menos restritivas para as referidas liberdades de circulação. Nestas condições, a FIFA não pode defender que a Comissão omitiu completamente a verificação da existência de uma possibilidade de recorrer a tais medidas. A este respeito, não é pertinente o facto de este considerando se limitar a mencionar a livre prestação de serviços, uma vez que a verificação da proporcionalidade não é substancialmente diferente no atinente às restrições à liberdade de estabelecimento impostas pelas medidas notificadas e que estas apenas afetarão esta liberdade a título excecional.

105    Além disso, no n.° 118 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou as medidas menos restritivas propostas pela FIFA e constatou que não eram compatíveis com a definição de televisão de acesso livre apresentada no considerando 22 da Diretiva 97/36. Daqui resulta que estas medidas não permitiam assegurar a realização dos objetivos de interesse geral tão eficazmente quanto as medidas notificadas pelas autoridades belgas. Nestas condições, o Tribunal Geral pôde concluir que a Comissão não tinha que examinar estas medidas antes de se pronunciar sobre a questão da proporcionalidade da inscrição da totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo na lista de eventos de grande importância para a sociedade belga.

106    Por conseguinte, a terceira parte do referido fundamento deve ser julgada improcedente.

107    Quanto à quarta parte do mesmo fundamento, resulta dos n.os 19 e 22 do presente acórdão que incumbe à Comissão efetuar uma fiscalização restrita quando aprova as medidas nacionais que designam eventos de grande importância. Daqui resulta que a FIFA considera erradamente que o Tribunal Geral devia ter declarado que a Comissão tinha que proceder a uma verificação «intensiva» e a um «exame aprofundado» da compatibilidade das medidas notificadas com o direito da União.

108    A quarta parte do terceiro fundamento não pode, portanto, proceder.

109    Quanto à quinta parte do referido fundamento, importa observar que, tendo em conta as considerações gerais enunciadas nos n.os 107 a 111 do acórdão UEFA/Comissão, já referido, a fundamentação da decisão controvertida é suficiente, de modo que esta parte deve ser julgada improcedente.

110    No que respeita à sexta parte do terceiro fundamento, resulta das considerações enunciadas nos n.os 11, 21 e 22 do presente acórdão, por um lado, que a violação do direito de propriedade da FIFA já decorre do artigo 3.°‑A da Diretiva 85/552 e que esta violação pode, em princípio, ser justificada pelo objetivo que visa proteger o direito à informação e garantir um acesso alargado do público à cobertura televisiva de eventos de grande importância. Por outro lado, dado que a totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo foi validamente designada pelas autoridades belgas de evento de grande importância, a Comissão apenas tinha que examinar os efeitos desta designação sobre o direito de propriedade da FIFA, que iam além dos intrinsecamente ligados à inscrição deste evento na lista de eventos designados por estas autoridades.

111    Ora, no caso em apreço, a FIFA não submeteu ao Tribunal Geral nenhum elemento que lhe permitisse constatar que os efeitos sobre o seu direito de propriedade da designação da totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo de evento de grande importância apresentavam um caráter excessivo.

112    Nestas condições, a sexta parte do referido fundamento deve ser julgada improcedente.

113    No que respeita, por fim, à sétima parte do mesmo fundamento, basta salientar que, nos n.os 125 a 130 e 136 a 142 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral apresentou uma fundamentação suficiente, permitindo à FIFA conhecer as razões pelas quais não acolheu os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização jurisdicional.

114    Consequentemente, a referida parte não pode proceder.

115    Tendo em conta o que precede, há que julgar o terceiro fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

116    Não sendo nenhum dos três fundamentos invocados pela FIFA em apoio do seu recurso procedentes, há que negar provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

117    Por força do disposto no artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas. Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do mesmo regulamento, aplicável aos processos de recurso de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, do mesmo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da FIFA e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas do presente processo.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Fédération internationale de football association (FIFA) é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.