Language of document : ECLI:EU:C:2013:33

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

24 de janeiro de 2013 (*)

«Artigos 43.° CE e 49.° CE — Regulamentação nacional que atribui um direito exclusivo à realização, gestão, organização e funcionamento dos jogos de fortuna e azar a uma única empresa, constituída sob a forma de uma sociedade anónima e cotada em bolsa — Publicidade dos jogos de fortuna e azar e expansão para outros Estados‑Membros da União Europeia — Controlo exercido pelo Estado»

Nos processos apensos C‑186/11 e C‑209/11,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentados pelo Symvoulio tis Epikrateias (Grécia), por decisões de 21 de janeiro de 2011, entrados no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 20 de abril de 2011 e 4 de maio de 2011, nos processos

Stanleybet International Ltd (C‑186/11),

William Hill Organization Ltd (C‑186/11),

William Hill plc (C‑186/11),

Sportingbet plc (C‑209/11)

contra

Ypourgos Oikonomias kai Oikonomikon,

Ypourgos Politismou,

estando presente:

Organismos prognostikon agonon podosfairou AE (OPAP),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, J.‑C. Bonichot, C. Toader (relatora), A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: J. Mazák,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 13 de junho de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Stanleybet International Ltd, por G. Dellis, P. Kakouris e G. Troufakos, dikigoroi, bem como por R. A. Jacchia, I. Picciano e D. Agnello, avvocati,

¾        em representação da William Hill Organization Ltd e William Hill plc, por G. A. Antonakopoulos, dikigoros,

¾        em representação da Sportingbet plc, por S. Alexandris e P. Anestis, dikigoroi,

¾        em representação do Ypourgos Oikonomias kai Oikonomikon e do Ypourgos Politismou, por S. Detsis, na qualidade de agente,

¾        em representação da Organismos prognostikon agonon podosfairou AE (OPAP), por G. Gerapetritis e G. Ganotis, dikigoroi,

¾        em representação do Governo helénico, por G. Papadaki, E.‑M. Mamouna, E. Synoikis e I. Bakopoulos, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo belga, por M. Jacobs e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes, assistidas por P. Vlaemminck, advocaat,

¾        em representação do Governo polaco, por D. Lutostańska, P. Kucharski e M. Szpunar, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo português, por A. Silva Coelho, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por M. Patakia e I. Rogalski, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de setembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação dos artigos 43.° CE e 49.° CE.

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem, o primeiro (C‑186/11), a Stanleybet International Ltd (a seguir «Stanleybet»), bem como a William Hill Organization Ltd e a William Hill plc (a seguir, conjuntamente, «William Hill»), e, o segundo (C‑209/11), a Sportingbet plc (a seguir «Sportingbet») ao Ypourgos Oikonomias kai Oikonomikon (Ministro da Economia e das Finanças) e ao Ypourgos Politismou (Ministro da Cultura), a respeito do indeferimento tácito pelas autoridades gregas dos respetivos pedidos apresentados pela Stanleybet, pela William Hill e pela Sportingbet de autorização para a prestação de serviços de apostas na Grécia, sendo a Organismos prognostikon agonon podosfairou AE (OPAP) (a seguir «OPAP») interveniente em cada um destes litígios.

 Quadro jurídico

 Direito grego

 Lei 2433/1996

3        Resulta da exposição de motivos da Lei 2433/1996 (FEK A’ 180), que criou o monopólio de Estado no setor da organização de jogos de fortuna e azar, que o objetivo principal dessa legislação é a repressão das apostas ilegais, que «nos últimos anos assumiu a forma de uma epidemia [na Grécia]», ao passo que a necessidade de aumentar as receitas para o desporto constitui um objetivo secundário. Além disso, a mesma exposição de motivos sublinha que se «mostra[…] necessário impor um boletim para todos os tipos de apostas […] a fim de aumentar a eficácia, [na Grécia], da repressão das apostas ilegais, que têm o efeito direto, designadamente, de exportar divisas, porque as sociedades que atualmente organizam o jogo ilegal na Grécia colaboram com sociedades estrangeiras e também realizam esse tipo de apostas por conta dessas sociedades».

4        Os artigos 2.° e 3.° desta lei têm a seguinte redação:

«Artigo 2.°

1.      Será autorizada […] por decreto presidencial a emissão de um boletim para apostas, ‘com prémio fixo ou variável’ sobre competições desportivas individuais ou de equipa de qualquer natureza, bem como sobre eventos que se prestam pela sua natureza à realização de apostas […]. A [OPAP] é designada gestora do boletim em causa [...]

2.      É punido com pena de prisão [...] quem organizar apostas sem estar autorizado [...]

Artigo 3.°

1.      Os custos anuais da publicidade dos jogos de fortuna ou azar [...] que a [OPAP] organiza ou organizará no futuro, serão repartidos proporcionalmente entre a [OPAP] e as outras entidades que participam nos direitos decorrentes de cada jogo da [OPAP]

5.      A OPAP terá direito a utilizar até 10% do espaço publicitário nos estádios e ginásios nacionais, municipais e comunitários para painéis publicitários dos seus produtos, sem estar[…] obrigad[a] a efetuar qualquer pagamento […]»

 Decreto Presidencial 228/1999

5        Os artigos 1.° e 2.° do Decreto Presidencial 228/1999 (FEK A’ 193) dispõem:

«Artigo 1.°

É constituída uma sociedade anónima denominada [OPAP]. […] A sociedade opera no interesse público, segundo os princípios de gestão privada. […]

Artigo 2.°

1. [A OPAP] tem como objeto social:

a)      a organização, a exploração e a realização, diretamente ou em colaboração com terceiros, dos jogos PRO PO […], bem como de qualquer outro jogo de fortuna e azar que o conselho de administração venha a decidir organizar futuramente, em todo o país e no estrangeiro, por conta do Estado grego […];

b)      a gestão dos jogos acima referidos mas também dos jogos que forem organizados futuramente, que é da competência exclusiva da sociedade [OPAP], por conta do Estado grego […]»

 Lei 2843/2000

6        O artigo 27.° da Lei 2843/2000 (FEK A’ 219), conforme alterada pela Lei 2912/2001 (FEK A’ 94, a seguir «Lei 2843/2000»), tem a seguinte redação:

«1.      O Estado pode colocar à disposição dos investidores, através da Bolsa de Valores de Atenas, uma quota não superior a 49% do capital social da [OPAP].

2.      a)     Por convenção concluída entre o Estado grego, representado pelos Ministros das Finanças e da Cultura, competente em matéria de desporto [...], e a OPAP, foi atribuído à OPAP, por um período de vinte (20) anos, o direito a realizar, gerir, organizar e explorar os jogos que são atualmente organizados pela mesma, nos termos das disposições em vigor, bem como os jogos ‘Bingo Lotto’, ‘Kino’ [...]

      b)      Por decisão do conselho de administração da OPAP, aprovada pelos Ministros das Finanças e da Cultura, competente em matéria de desporto, será adotado um regulamento de organização relativo à realização de cada jogo da OPAP, que regerá as questões relativas ao objeto dos jogos, à sua organização e à sua exploração em geral, às condições financeiras em que os jogos são organizados e, em particular, às quantias que são pagas como prémio aos jogadores, às quantias para cada categoria de vencedores, ao preço por coluna e à percentagem das comissões dos agentes. [...]

      c)      A convenção mencionada no n.° 2, alínea a), supra, estabelece as condições do exercício, por parte da OPAP, do direito previsto no referido número, e da sua eventual renovação, a contrapartida pela concessão de tal direito, as modalidades da sua cobrança, as obrigações específicas da OPAP e, especialmente, as que derivam dos princípios da transparência nos procedimentos seguidos na organização dos jogos e de proteção da ordem social e dos jogadores [...]

9.      a)     Nos casos em que a lei autorize a organização de qualquer novo jogo, salvo os previstos no n.° 2, alínea a), supra, é constituída […] uma comissão especial, com a função de definir os termos e as condições da concessão da organização de um jogo à OPAP, bem como a contrapartida desta. […] Se a OPAP recusar assumir a organização do jogo, o próprio Estado pode atribuir ele próprio a organização. Caso seja autorizada a atribuição da organização de um determinado jogo a um terceiro, a contrapartida não pode ser inferior àquela proposta à OPAP. No que respeita, em particular, a qualquer jogo futuro relacionado com eventos desportivos, o mesmo só pode ser organizado exclusivamente pela OPAP».

 Lei 3336/2005

7        O artigo 14.°, n.° 1, da Lei 3336/2005 (FEK A’ 96) alterou o artigo 27.° da Lei 2843/2000, que prevê atualmente o seguinte:

«[O] Estado pode colocar à disposição dos investidores, através da Bolsa de Atenas, uma quota não superior a 66% do capital social da sociedade anónima denominada [OPAP]. A quota de participação do Estado no respetivo capital social da OPAP não pode ser inferior a 34%.»

 Lei 3429/2005

8        Resulta do artigo 20.° da Lei 3429/2005 (FEK A’ 314) que o direito de o Estado nomear a maioria dos membros do conselho de administração foi abolido.

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

9        A Stanleybet, a William Hill e a Sportingbet são sociedades com sede social no Reino Unido, onde detêm licenças para organizar jogos de fortuna e azar.

10      Segundo as decisões de reenvio, na Grécia, por força das Leis 2433/1996 e 2843/2000, bem como da convenção celebrada entre o Estado grego e a OPAP em 2000, foi atribuído à OPAP por um período de 20 anos, ou seja, até 2020, um direito exclusivo de realização, gestão, organização e funcionamento dos jogos de fortuna e azar e boletins de apostas com prémio fixo ou variável.

11      A OPAP, inicialmente uma empresa pública detida a 100% pelo Estado grego, foi transformada em sociedade anónima em 1999 e cotada na Bolsa de Atenas em 2001, mantendo o Estado, quando dessa entrada em bolsa, 51% do capital social da OPAP.

12      Em 2005, o Estado decidiu tornar‑se acionista minoritário ao conservar apenas 34% das ações da OPAP. Desde a entrada em vigor da Lei 3336/2005, embora o Estado grego apenas dispusesse de uma participação minoritária no capital da OPAP, dispunha, todavia, do direito de nomear a maioria dos membros do conselho de administração desta sociedade. Este direito foi‑lhe retirado pelo artigo 20.° da Lei 3429/2005, na medida em tal prerrogativa era contrária à Lei codificada 2190/1920 relativa às sociedades por ações (FEK A’ 37), que estabelece que os membros do conselho de administração das sociedades por ações devem ser exclusivamente eleitos pela assembleia‑geral.

13      Todavia, o Estado grego continuou a exercer um controlo sobre a OPAP, nomeadamente, ao aprovar os regulamentos relativos à sua atividade e ao supervisionar o processo de organização dos jogos. Não obstante, no entender maioritário dos membros do órgão jurisdicional de reenvio, o Estado influencia a OPAP apenas de maneira superficial.

14      A OPAP alargou a sua atividade tanto na Grécia como no estrangeiro. Assim, em 31 de março de 2005, já tinha criado 206 agências em Chipre, com base num acordo greco‑cipriota na matéria. Além disso, com vista a desenvolver as suas atividades em Chipre, a OPAP constituiu, em 2003, a sociedade OPAP Kyprou e, em 2004, a sociedade OPAP International.

15      É pacífico que a OPAP fixa o montante máximo da aposta e do prémio por boletim e não por jogador e que, no que respeita à publicidade aos jogos de fortuna e azar que organiza, beneficia de condições preferenciais, uma vez que tem o direito de utilizar, a título gratuito, até 10% dos espaços destinados a publicidade nos estádios e nos ginásios nacionais, municipais e comunais.

16      Em 25 de novembro de 2004, a Stanleybet interpôs um recurso no órgão jurisdicional de reenvio que tinha por objeto a anulação do indeferimento tácito das autoridades gregas a respeito do seu pedido de autorização de organização, em território grego, de apostas desportivas. Foram interpostos outros dois recursos com objeto semelhante no órgão jurisdicional de reenvio, respetivamente pela William Hill, em 18 de julho de 2007, e pela Sportingbet, em 5 de janeiro de 2007, tendo esta última também solicitado autorização para organizar os jogos de fortuna e azar já existentes no mercado grego. A OPAP foi admitida como interveniente nestes processos.

17      Segundo o parecer maioritário dos membros do órgão jurisdicional de reenvio, a regulamentação nacional em causa nos processos principais, que atribui à OPAP uma situação monopolística, não se pode considerar justificada relativamente aos artigos 43.° CE e 49.° CE. Consideram que a regulamentação nacional que está na origem desta situação não encontra justificação no que respeita à necessidade de reduzir a oferta de jogos de fortuna e azar de maneira coerente e eficaz e de limitar as atividades que lhe estão associadas. Uma tal restrição também não é justificada pelo objetivo referido de combater a criminalidade associada aos jogos de fortuna e azar, uma vez que, em conformidade com o parecer maioritário dos membros do órgão jurisdicional de reenvio, a expansão do setor dos jogos de fortuna e azar na Grécia não se pode considerar controlada.

18      Segundo o parecer minoritário dos membros do órgão jurisdicional de reenvio, a situação de monopólio estabelecida pela regulamentação nacional em causa nos processos principais justifica‑se à luz dos artigos 43.° CE e 49.° CE, uma vez que o objetivo principal prosseguido por esta regulamentação não é a necessidade de reduzir a oferta de jogos de fortuna e azar, mas a repressão da criminalidade que lhes está associada, objetivo que é prosseguido graças a uma política de expansão controlada do setor dos jogos de fortuna e azar.

19      Nestas condições, o Symvoulio tis Epikrateias decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      É compatível com as disposições dos artigos 43.° [CE] e 49.° […] CE uma [regulamentação] nacional que, com a finalidade de limitar a oferta de jogos de fortuna e azar, atribui o direito exclusivo para a realização, a gestão, a organização e o funcionamento dos jogos de fortuna e azar a uma única empresa, constituída sob a forma de sociedade por ações e cotada em bolsa, sobretudo quando essa empresa publicita os jogos de fortuna e azar que organiza, alarga a sua atividade a outros Estados, os jogadores participam livremente e o montante máximo da aposta e do prémio é determinado por boletim e não por jogador?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão [prejudicial], é compatível com os artigos 43.° [CE] e 49.° […] CE uma [regulamentação] nacional que, prosseguindo em si mesma a luta contra a criminalidade através do exercício de um controlo sobre as empresas que operam no setor em causa, de modo a assegurar que essas atividades se desenvolvam exclusivamente dentro de circuitos controlados, atribui o direito exclusivo relativo à realização, à gestão, à organização e ao funcionamento dos jogos de fortuna e azar a uma única empresa, mesmo quando essa atribuição tenha o efeito paralelo de desenvolver ilimitadamente essa oferta? Ou ocorre, em qualquer caso, e para considerar que tal restrição é adequada à realização do objetivo da luta contra a criminalidade, que a expansão da oferta seja sempre controlada, isto é, se mantenha dentro da medida necessária à prossecução desse objetivo e não a exceda. No caso de a referida expansão dever ser sempre controlada, nessa perspetiva, pode ser considerada controlada quando nesse setor seja atribuído um direito exclusivo a uma entidade dotada das características expostas na primeira questão prejudicial? Finalmente, no caso de se considerar que a atribuição do direito exclusivo em discussão conduz a uma expansão controlada da oferta de jogos de fortuna e azar, a atribuição a uma única empresa vai além do que é necessário, no sentido de que o mesmo objetivo pode ser utilmente prosseguido também com a atribuição desse direito a mais de uma empresa?

3)      No caso de, em relação às duas questões prejudiciais precedentes, se considerar que a atribuição, pelas disposições nacionais em questão, de um direito exclusivo relativo à realização, à gestão, à organização e ao funcionamento dos jogos de fortuna e azar não é compatível com os artigos 43.° [CE] e 49.° […] CE:

a)      é admissível, nos termos das referidas disposições do Tratado, que as autoridades nacionais não examinem, no decurso de um período transitório, necessário à adoção de disposições compatíveis com o Tratado CE, os pedidos relativos ao início de tais atividades apresentados por pessoas estabelecidas noutros Estados‑Membros?

b)      em caso de resposta afirmativa, com base em que critérios se determina a duração desse período transitório?

c)      se não é autorizado um período transitório, com base em que critérios devem as autoridades nacionais apreciar esses pedidos?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e segunda questões

20      Com a primeira e segunda questões, que importa abordar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio procura, no essencial, saber se os artigos 43.° CE e 49.° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos processos principais, que atribui o direito exclusivo para a realização, gestão, organização e funcionamento dos jogos de fortuna e azar a um organismo único na medida em que, ainda que o objetivo da regulamentação nacional seja o de limitar a oferta de jogos de fortuna e azar, a empresa à qual foi conferido esse direito exclusivo segue uma política comercial expansionista.

21      É pacífico que a regulamentação de um Estado‑Membro, como a que é descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio, constitui uma restrição à livre prestação de serviços garantida pelo artigo 49.° CE ou à liberdade de estabelecimento garantida pelo artigo 43.° CE na medida em que consagra o monopólio da OPAP e proíbe prestadores como a Stanleybet, William Hill e a Sportingbet, estabelecidos noutro Estado‑Membro, de oferecer jogos de fortuna e azar no território grego (v., neste sentido, acórdão de 8 de setembro de 2010, Stoß e o., C‑316/07, C‑358/07 a C‑360/07, C‑409/07 e C‑410/07, Colet., p. I‑8069, n.° 68 e jurisprudência referida).

22      Importa, todavia, verificar se tal restrição pode ser admitida a título das medidas derrogatórias, por razões de ordem pública, de segurança pública e de saúde pública, expressamente previstas nos artigos 45.° CE e 46.° CE, aplicáveis, igualmente, em matéria de livre prestação de serviços nos termos do artigo 55.° CE, ou justificada, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, por razões imperiosas de interesse geral (acórdão de 19 de julho de 2012, Garkalns, C‑470/11, n.° 35 e jurisprudência referida).

23      Assim, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as restrições às atividades de jogos de fortuna ou azar podem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral, como a proteção dos consumidores e a prevenção da fraude e da incitação dos cidadãos a uma despesa excessiva ligada ao jogo (acórdão Garkalns, já referido, n.° 39 e jurisprudência referida).

24      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que a regulamentação dos jogos de fortuna ou azar é um dos domínios em que há divergências consideráveis de ordem moral, religiosa e cultural entre os Estados‑Membros. Na falta de harmonização comunitária na matéria, compete a cada Estado‑Membro apreciar, nesses domínios, segundo a sua própria escala de valores, o que é exigido para assegurar a proteção dos interesses em questão (acórdão de 8 de setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, C‑42/07, Colet., p. I‑7633, n.° 57 e jurisprudência referida).

25      No caso vertente, no que respeita aos objetivos declarados como prosseguidos pela regulamentação em causa nos processos principais, ou seja, a limitação da oferta de jogos de fortuna e azar e a luta contra a criminalidade ligada a esses jogos canalizando‑os no âmbito de uma expansão controlada, importa recordar que estes estão entre os reconhecidos pela jurisprudência como capazes de justificar restrições às liberdades fundamentais no setor dos jogos de fortuna e azar (v., neste sentido, acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Costa e Cifone, C‑72/10 e C‑77/10, n.° 61 e jurisprudência referida).

26      Todavia, a identificação dos objetivos efetivamente prosseguidos pela legislação nacional, no âmbito de um processo de que o Tribunal de Justiça é chamado a conhecer nos termos do artigo 267.° TFUE, é da competência do órgão jurisdicional de reenvio (v., neste sentido, acórdão de 15 de setembro de 2011, Dickinger e Ömer, C‑347/09, Colet., p. I‑8185, n.° 51).

27      Por outro lado, importa recordar que as restrições impostas pelos Estados‑Membros devem preencher os requisitos que resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativos à sua proporcionalidade e à não discriminação. Deste modo, uma legislação nacional só é apta a garantir a realização do objetivo invocado se responder verdadeiramente à intenção de o alcançar de uma maneira coerente e sistemática (v., neste sentido, acórdão Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, já referido, n.os 59 a 61 e jurisprudência referida).

28      A mera circunstância de um Estado‑Membro ter escolhido um sistema de proteção diferente do adotado por um outro Estado‑Membro não pode ter qualquer incidência na apreciação da proporcionalidade das disposições tomadas na matéria. Estas devem ser apreciadas apenas à luz dos objetivos prosseguidos pelas autoridades competentes do Estado‑Membro interessado e do nível de proteção que as mesmas pretendem garantir (acórdão de 12 de julho de 2012, HIT e HIT LARIX, C‑176/11, n.° 25 e jurisprudência referida).

29      Um Estado‑Membro que procure garantir um nível particularmente elevado de proteção pode, por conseguinte, como o Tribunal de Justiça admitiu na sua jurisprudência, ter razões para considerar que só a concessão de direitos exclusivos a um organismo único, sujeito a um controlo estreito por parte das autoridades públicas, é suscetível de lhes permitir controlar os riscos ligados ao setor dos jogos de fortuna e azar e prosseguir o objetivo de prevenção do incentivo a despesas excessivas ligadas aos jogos e de luta contra a dependência do jogo de uma forma suficientemente eficaz (v. acórdão de 30 de junho de 2011, Zeturf, C‑212/08, Colet., p. I‑5633, n.° 41).

30      Na medida em que respeitem a exigência de proporcionalidade acima mencionada, é efetivamente legítimo que as autoridades públicas nacionais considerem que o facto de, na sua qualidade de fiscalizadoras do organismo titular do monopólio, disporem de meios adicionais que lhes permitem ter influência na conduta desse organismo, fora dos mecanismos legais de regulação e de vigilância, é suscetível de lhes garantir um melhor controlo da oferta de jogos de fortuna e azar e melhores garantias de eficácia na execução da sua política do que no caso de exercício dessas atividades por operadores privados em situação de concorrência, mesmo estando estes sujeitos a um regime de autorização, bem como a um regime de controlo e de sanções (acórdão Zeturf, já referido, n.° 42).

31      No que respeita ao primeiro objetivo relativo à limitação da oferta dos jogos de fortuna e azar, como mencionado no n.° 25 do presente acórdão, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais garantir, tendo em conta, em particular, as modalidades concretas de aplicação da regulamentação restritiva em causa, que esta responde verdadeiramente à preocupação de reduzir as ocasiões de jogo e de limitar as atividades nesse domínio, de maneira coerente e sistemática (v., neste sentido, acórdão Garkalns, já referido, n.° 44 e jurisprudência referida).

32      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pode, nomeadamente, ter em conta diversos elementos que caracterizam o quadro regulamentar da OPAP e a maneira como este organismo funciona na prática, tal como esses elementos são expostos na decisão de reenvio, como o facto de a OPAP dispor de certos direitos e privilégios no que respeita à publicidade efetuada para os jogos de fortuna e azar que organiza, ou ainda o facto de a aposta máxima ser fixada por boletim de jogo e não por jogador. É, contudo, ao referido órgão jurisdicional que incumbe determinar se tais elementos e todos os outros que se revelarem pertinentes nessa perspetiva são suscetíveis de levar à conclusão de que a regulamentação em causa nos processos principais não cumpre as exigências recordadas no número precedente do presente acórdão.

33      No que respeita ao segundo objetivo relativo à luta contra a criminalidade associada aos jogos de fortuna e azar, incumbe, igualmente, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, nomeadamente à luz da evolução do mercado dos jogos de fortuna e azar a nível nacional, se o controlo estatal ao qual as atividades da empresa que detém o monopólio estão sujeitas é efetivamente levado a cabo num contexto de prossecução coerente e sistemática dos objetivos visados pela instituição do sistema de exclusividade a favor dessa empresa (v., neste sentido, acórdão Zeturf, já referido, n.° 62 e jurisprudência referida).

34      A este respeito, importa recordar que o caráter efetivo deste controlo estatal deve ser apreciado pelo órgão jurisdicional de reenvio tendo em conta o facto de que uma medida tão restritiva como um monopólio deve, entre outras coisas, ser sujeita a um controlo rigoroso das autoridades públicas (v., neste sentido, acórdão Zeturf, já referido, n.° 58).

35      Com efeito, embora certos elementos evidenciados na decisão de reenvio, em particular, o facto de a OPAP ser uma sociedade anónima cotada em bolsa e a apreciação segundo a qual a OPAP apenas é supervisionada de forma superficial pelo Estado grego, pareçam sugerir que as exigências recordadas nos n.os 33 e 34 do presente acórdão podem não estar a ser cumpridas, compete, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se é esse o caso, tendo em conta os referidos elementos e todos os outros que se revelem pertinentes nessa perspetiva.

36      Tendo em conta o conjunto destas considerações, importa responder à primeira e segunda questões prejudiciais que os artigos 43.° CE e 49.° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos processos principais, que atribui o direito exclusivo para a realização, gestão, organização e funcionamento dos jogos de fortuna e azar a um organismo único, no caso em que, por um lado, essa regulamentação não responda verdadeiramente ao desígnio de reduzir as ocasiões de jogo e de limitar as atividades nesse domínio de maneira coerente e sistemática e, por outro lado, as autoridades públicas não garantam um controlo rigoroso da expansão do setor dos jogos de fortuna e azar, na medida do necessário para lutar contra a criminalidade associada a estes jogos, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto à primeira e segunda partes da terceira questão

37      Nos termos da primeira parte da terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura, no essencial, saber se, em caso de incompatibilidade da regulamentação nacional em matéria de organização de jogos de fortuna e azar com as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento, as autoridades nacionais se podem abster, durante um período transitório, de examinar pedidos, como os que estão em causa nos processos principais, a respeito da atribuição de autorizações no setor dos jogos de fortuna e azar.

38      O Tribunal de Justiça já declarou a este respeito que, em razão do primado do direito da União diretamente aplicável, uma regulamentação nacional relativa a um monopólio público no domínio dos jogos de fortuna e azar que, segundo o que apurou um órgão jurisdicional nacional, contém restrições incompatíveis com a liberdade de estabelecimento e com a livre prestação de serviços, pelo facto de essas restrições não contribuírem para limitar as atividades de apostas de maneira coerente e sistemática, não pode continuar a ser aplicada durante um período transitório (acórdão de 8 de setembro de 2010, Winner Wetten, C‑409/06, Colet., p. I‑8015, n.° 69).

39      Consequentemente, importa responder à primeira parte da terceira questão que, em caso de incompatibilidade da regulamentação nacional em matéria de organização de jogos de fortuna e azar com as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento, as autoridades nacionais não se podem abster, durante um período transitório, de examinar pedidos, como os que estão em causa nos processos principais, de atribuição de autorizações no setor dos jogos de fortuna e azar.

40      Atendendo à resposta dada à primeira parte da terceira questão, não há que responder à segunda parte da mesma.

 Quanto à terceira parte da terceira questão

41      Nos termos da terceira parte da terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura, no essencial, determinar, tendo em conta as respostas dadas às questões precedentes, os critérios com base nos quais as autoridades nacionais competentes devem examinar pedidos de autorização, como os que estão em causa nos processos principais, e quais as consequências a retirar de uma eventual recusa de concessão de período transitório no que respeita à conclusão do processo de exame desses pedidos de autorização.

42      Resulta, na verdade, do n.° 38 do presente acórdão que o princípio do primado do direito da União diretamente aplicável se opõe à concessão, no caso em apreço, de um período transitório.

43      Todavia, falta saber se a eventual constatação da incompatibilidade da regulamentação nacional em causa com os artigos 43.° CE e 49.° CE acompanhada de uma recusa de concessão de um período transitório são suscetíveis de obrigar as autoridades nacionais a emitir as autorizações pedidas, como as que estão em causa nos processos principais, no termo do procedimento de exame.

44      A este respeito há que recordar que, no domínio específico da organização de jogos de fortuna e azar, as autoridades nacionais beneficiam de um poder de apreciação suficiente para determinar as exigências que comporta a proteção do consumidor e da ordem social e, desde que os requisitos estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça sejam também respeitados, cabe a cada Estado‑Membro apreciar se, no contexto dos objetivos legítimos que prossegue, é necessário proibir total ou parcialmente as atividades relativas a jogos e apostas, ou apenas restringi‑las e prever, para esse efeito, modalidades de controlo mais ou menos estritas (v. acórdão Garkalns, já referido, n.° 38 e jurisprudência referida).

45      É igualmente pacífico que, contrariamente ao estabelecimento de uma concorrência livre e não falseada no mercado tradicional, o estabelecimento dessa concorrência no mercado bastante específico dos jogos de fortuna e azar, ou seja, entre vários operadores que seriam autorizados a explorar os mesmos jogos de fortuna e azar, é suscetível de gerar um efeito prejudicial, ligado ao facto de estes operadores serem levados a rivalizar em inventividade para tornar a sua oferta mais atrativa que a dos seus concorrentes e, deste modo, aumentar as despesas dos consumidores ligadas ao jogo assim como os riscos de dependência destes últimos (v., neste sentido, acórdão de 3 de junho de 2010, Sporting Exchange, C‑203/08, Colet., p. I‑4695, n.° 58).

46      Por conseguinte, há que declarar que a recusa de concessão de um período transitório em caso de incompatibilidade da regulamentação nacional com os artigos 43.° CE e 49.° CE não implica necessariamente a obrigação de o Estado‑Membro em causa liberalizar o mercado dos jogos de fortuna e azar caso considere que essa liberalização não é compatível com o nível de proteção dos consumidores e da ordem social que esse Estado‑Membro pretende assegurar. Com efeito, no estado atual do direito da União, uma reforma do monopólio existente a fim de o tornar compatível com as disposições do Tratado, submetendo‑o, nomeadamente, a um controlo efetivo e rigoroso por parte das autoridades públicas, é deixado ao critério dos Estados‑Membros.

47      De qualquer modo, se o Estado‑Membro em causa considerar que uma reforma do monopólio existente, para o tornar compatível com as disposições do Tratado, não é possível e que a liberalização do mercado dos jogos de fortuna e azar corresponde melhor ao nível de proteção dos consumidores e da ordem social que esse Estado‑Membro pretende assegurar, deverá respeitar as regras fundamentais dos Tratados, nomeadamente os artigos 43.° CE e 49.° CE, os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade e o dever de transparência daí decorrente (v., neste sentido, acórdão Costa e Cifone, já referido, n.° 54 e jurisprudência referida). Nesse caso, a introdução nesse Estado‑Membro de um regime de autorização administrativa prévia no que diz respeito à oferta de certos tipos de jogos de fortuna e azar deve basear‑se em critérios objetivos, não discriminatórios e conhecidos de antemão, de forma a enquadrar o exercício do poder de apreciação das autoridades nacionais, a fim de que este não possa ser utilizado de maneira arbitrária (v, neste sentido, acórdãos de 8 de setembro de 2010, Carmen Media Group, C‑46/08, Colet., p. I‑8149, n.° 90, e Costa e Cifone, já referido, n.° 56 e jurisprudência referida).

48      Tendo em conta estas considerações, importa responder à terceira parte da terceira questão que, em circunstâncias como as que estão em causa nos processos principais, as autoridades nacionais competentes podem apreciar os pedidos de autorização de organização de jogos de fortuna e azar que lhes sejam apresentados em função do nível de proteção dos consumidores e da ordem social que pretendam assegurar, mas com base em critérios objetivos e não discriminatórios.

 Quanto às despesas

49      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      Os artigos 43.° CE e 49.° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos processos principais, que atribui o direito exclusivo para a realização, gestão, organização e funcionamento dos jogos de fortuna e azar a um organismo único, no caso em que, por um lado, essa regulamentação não responda verdadeiramente ao desígnio de reduzir as ocasiões de jogo e de limitar as atividades nesse domínio de maneira coerente e sistemática e, por outro lado, as autoridades públicas não garantam um controlo rigoroso da expansão do setor dos jogos de fortuna e azar, na medida do necessário para lutar contra a criminalidade associada a estes jogos, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

2)      Em caso de incompatibilidade da regulamentação nacional em matéria de organização de jogos de fortuna e azar com as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento, as autoridades nacionais não se podem abster, durante um período transitório, de examinar pedidos, como os que estão em causa nos processos principais, de atribuição de autorizações no setor dos jogos de fortuna e azar.

3)      Em circunstâncias como as que estão em causa nos processos principais, as autoridades nacionais competentes podem apreciar os pedidos de autorização de organização de jogos de fortuna e azar que lhes sejam apresentados em função do nível de proteção dos consumidores e da ordem social que pretendam assegurar, mas com base em critérios objetivos e não discriminatórios.

Assinaturas


** Língua do processo: grego.