Language of document : ECLI:EU:T:2011:43

Processo T‑55/08

Union des associations européennes de football (UEFA)

contra

Comissão Europeia

«Radiodifusão televisiva – Artigo 3.°‑A da Directiva 89/552/CEE – Medidas tomadas pelo Reino Unido relativamente aos acontecimentos de grande importância para a sociedade desse Estado‑Membro – Campeonato Europeu de Futebol – Decisão que declara as medidas compatíveis com o direito comunitário – Fundamentação – Artigos 49.° CE e 86.° CE – Direito de propriedade»

Sumário do acórdão

1.      Recurso de anulação – Pessoas singulares ou colectivas – Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito – Afectação directa – Decisão da Comissão que declara compatíveis com o direito comunitário as medidas nacionais adoptadas nos termos do artigo 3.°‑A, da Directiva 89/552 – Inexistência de margem de apreciação dos Estados‑Membros – Recurso do titular originário dos direitos de transmissão de um acontecimento visado na referida decisão – Afectação directa

(Artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE; Directiva 89/552 do Conselho, artigo 3.°‑A, Decisão 2007/730 da Comissão)

2.      Recurso de anulação – Pessoas singulares ou colectivas – Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito – Possibilidade de ser individualmente afectado por uma decisão de carácter geral – Requisitos – Decisão da Comissão que declara compatíveis com o direito comunitário as medidas nacionais adoptadas nos termos do artigo 3.°‑A da Directiva 89/552 – Recurso do titular originário dos direitos de transmissão de um acontecimento visado na referida decisão – Requerente identificável no momento da adopção da referida decisão – Requerente individualmente afectado

(Artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE; Directiva 89/552 do Conselho, artigo 3.°‑A, Decisão 2007/730 da Comissão)

3.      Livre prestação de serviços – Actividades de radiodifusão televisiva – Directiva 89/552 – Faculdade concedida aos Estados‑Membros de impor restrições ao exercício das liberdades fundamentais estabelecidas pelo Direito da União – Justificação – Garantia do direito à informação

(Directiva 97/336 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerandos 18 e 21; Directiva 89/552 do Conselho, artigo 3.°‑A, n.° 1)

4.      Livre prestação de serviços – Actividades de radiodifusão televisiva – Directiva 89/552 – Acontecimentos de grande importância

(Directiva 97/36 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerandos 18; Directiva 89/552 do Conselho, artigo 3.°‑A)

5.      Livre prestação de serviços – Actividades de radiodifusão televisiva – Directiva 89/552 – Procedimentos nacionais de determinação dos acontecimentos de grande importância para a sociedade

(Directiva 89/552 do Conselho, artigo 3.°‑A, n.° 1)

6.      Livre prestação de serviços – Actividades de radiodifusão televisiva – Directiva 89/552

(Directiva 97/36 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerando 21, Directiva 89/552 do Conselho, artigo 3.°‑A, n.os 1 e 2)

7.      Livre prestação de serviços – Actividades de radiodifusão televisiva – Directiva 89/552 – Restrições impostas por um Estado‑Membro justificadas por razões imperiosas de interesse geral e que respeitam o princípio da proporcionalidade – Efeitos indirectos sobre a concorrência

(Directiva 89/552 do Conselho)

8.      Livre prestação de serviços – Liberdade de estabelecimento – Restrições – Justificação por razões imperiosas de interesse geral – Apreciação à luz dos princípios gerais do direito – Inadmissibilidade de medidas não conformes com os direitos fundamentais

(Artigos 46.° CE e 55.° CE)

1.      O mecanismo do reconhecimento mútuo previsto pelo artigo 3.°‑A, n.° 3, da Directiva 89/552, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva, desencadeado por uma decisão da Comissão que declara compatíveis com o direito comunitário as medidas adoptadas por um Estado‑Membro em conformidade com o referido artigo 3.°‑A, n.° 3, da Directiva 89/552, cria para os Estados‑Membros uma obrigação de salvaguardar as consequências jurídicas que decorrem das referidas medidas. Em particular, os Estados‑Membros devem assegurar‑se de que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição respeitam as condições de transmissão televisiva no Estado‑Membro em causa dos acontecimentos de grande importância inscritos na lista anexada à referida decisão, conforme definidas pelo Estado‑Membro em causa nas suas medidas aprovadas e publicadas no Jornal Oficial da União Europeia. Ora, a obrigação de alcançar este resultado viola directamente a situação jurídica dos organismos de radiodifusão televisiva sob a jurisdição de Estados‑Membros diferentes do Estado‑Membro autor destas medidas e que pretendam adquirir direitos de transmissão no Estado‑Membro em causa detidos originariamente pelo organizador de um evento. Tal decisão produz, portanto, directamente efeitos na situação jurídica dos organizadores de tais eventos quanto aos direitos de que esta era originariamente titular e que não deixa nenhum poder de apreciação aos Estados‑Membros quanto ao resultado visado, imposto de forma automática e decorrente apenas da regulamentação comunitária, independentemente do conteúdo dos mecanismos específicos que as autoridades nacionais estabelecem para atingir este resultado. A decisão impugnada diz, portanto, directamente respeito esses organizadores.

(cf. n.os 32 a 35)

2.      Os sujeitos que não sejam os destinatários de uma decisão só podem alegar que ela lhes diz individualmente respeito se esta os prejudicar por determinadas qualidades que lhes são específicas ou por uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma idêntica à do destinatário dessa decisão.

Ora, independentemente da natureza jurídica e da fonte dos direitos de transmissão da fase final do Campeonato Europeu de Futebol (EURO), este constitui um acontecimento na acepção do considerando 21 da Directiva 97/36, que altera a Directiva 89/552 relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva, no sentido de que é organizado com antecedência por um organizador com a possibilidade jurídica de vender estes direitos e que esta situação também existia no momento da adopção da Decisão 2007/730 da Comissão, relativa à compatibilidade com o direito comunitário das medidas adoptadas pelo Reino Unido em aplicação do n.° 1 do artigo 3.°‑A da Directiva 89/552/CEE. O referido organizador era perfeitamente identificável não momento da adopção desta decisão e, portanto, esta diz‑lhe individualmente respeito.

(cf. n.os 36 a 38)

3.      O artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva, concretizou a possibilidade que os Estados‑Membros têm de restringir, com base em razões imperiosas de interesse geral, o exercício, no domínio do audiovisual, das liberdades fundamentais, estabelecidas pelo direito comunitário primário.

A liberdade de expressão, tal como é protegida pelo artigo 10.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem, figura entre os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica comunitária e constitui uma razão imperiosa de interesse geral susceptível de justificar tais restrições. Segundo o n.° 1 do mesmo artigo a liberdade de expressão inclui igualmente a liberdade de receber informações.

No entanto, como decorre do considerando 18 da Directiva 97/36 que altera a Directiva 89/552, as medidas referidas pelo artigo 3.°‑A desta última directiva visam a protecção do direito à informação e assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva de acontecimentos nacionais ou não nacionais de grande importância para a sociedade. Segundo o considerando 21 da Directiva 97/36, um acontecimento é de grande importância quando é extraordinário, tenha interesse para o público em geral na União Europeia ou num Estado‑Membro determinado ou em parte importante de determinado Estado‑Membro e é organizado com antecedência por um organizador com a possibilidade jurídica de vender os direitos relativos ao acontecimento em causa.

Consequentemente, na medida em que dizem respeito a acontecimentos de grande importância para a sociedade, as medidas referidas pelo artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552 são justificadas por razões imperiosas de interesse geral. Estas medidas devem ainda ser adequadas para garantir a realização do objectivo que prosseguem e não ultrapassar o que é necessário para atingir esse objectivo

(cf. n.os 44, 47 a 50)

4.      O artigo 3.°‑A, da Directiva 89/552, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva, ao qual se refere o considerando 18 da Directiva 97/36, que altera a Directiva 89/552, não procede a uma harmonização dos acontecimentos específicos que podem ser considerados pelos Estados‑Membros como sendo de grande importância para a sociedade. Por conseguinte, o considerando 18 da Directiva 97/36 não pode ser entendido no sentido de que conduz a que a inscrição da fase final do Campeonato Europeu de Futebol (EURO) numa lista nacional de acontecimentos de grande importância para a sociedade seja automaticamente compatível com o direito comunitário. Por maioria de razão, este considerando não pode ser compreendido como indicando que o EURO pode em qualquer caso ser validamente incluído na sua totalidade nessa lista independentemente do interesse que suscitem os jogos desta competição no Estado‑Membro em causa.

Não obstante esta falta de harmonização dos acontecimentos específicos que podem ser considerados por um Estado‑Membro como sendo de grande importância para a sua sociedade, a menção ao EURO no considerando 18 da Directiva 97/36 implica que a Comissão não pode considerar a inscrição de jogos desta competição numa lista de acontecimentos como contrária ao direito comunitário pelo facto de o Estado‑Membro em causa não lhe ter comunicado as razões específicas que justificam o seu carácter de acontecimento de grande importância para a sociedade. No entanto, a eventual conclusão da Comissão segundo a qual a inscrição do EURO na sua totalidade numa lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade de um Estado‑Membro é compatível com o direito comunitário, por esta competição ser, pelas suas características, validamente vista como um acontecimento único, pode ser posta em causa com base em elementos específicos que demonstrem que os jogos de «não gala» não são dessa importância para a sociedade desse Estado.

(cf. n.os 51 e 52, 120)

5.      Os procedimentos instituídos pelos Estados‑Membros, nos termos do artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva, a fim de adoptar a lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade devem ser claros e transparentes, no sentido de que se devem basear em critérios objectivos antecipadamente conhecidos pelas pessoas em causa, de modo a evitar que o poder de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros para decidir sobre acontecimentos específicos a inscrever nas suas listas seja exercido de maneira arbitrária. Com efeito, se é verdade que a inscrição de um acontecimento na lista requer, nos termos do artigo 3.°‑A da Directiva 89/552, que este seja de grande importância para a sociedade, não é menos certo que o estabelecimento prévio dos critérios específicos à luz dos quais esta importância deve ser aferida constitui um elemento essencial para que as decisões nacionais sejam adoptadas de modo transparente e no âmbito da margem de apreciação de que dispõem as autoridades nacionais a este respeito. A exigência de clareza e de transparência do procedimento implica igualmente que as disposições pertinentes indiquem o órgão competente para elaborar a lista de acontecimentos e as condições em que as pessoas interessadas podem formular as suas observações.

Todavia, o dito artigo 3.°‑A, n.° 1, não exige que os Estados‑Membros prevejam procedimentos diferentes para o estabelecimento de cada uma das categorias em que possam julgar útil repartir os acontecimentos de grande importância para a sua sociedade. A existência de um só procedimento para o estabelecimento da lista na sua totalidade não põe em questão a clareza e a transparência do procedimento.

(cf. n.os 90 e 91, 100)

6.      Ao dispor que compete aos Estados‑Membros definir os acontecimentos de grande importância para a sua sociedade na acepção do considerando 21 da Directiva 97/36 que altera a Directiva 89/552, o artigo 3.°‑A, da Directiva 89/552, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva, reconhece aos Estados‑Membros uma importante margem de apreciação a este respeito.

Quando um acontecimento é de grande importância para a sociedade de um Estado‑Membro, a Comissão não viola o princípio da igualdade de tratamento ao não se opor, no âmbito do controlo que exerce por força do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Directiva 89/552, à sua inscrição na lista elaborada pelo Estado‑Membro em questão pelo facto de outro acontecimento, de importância eventualmente ainda mais acentuada para esta sociedade, não constar dela.

Com efeito, quanto à escolha entre diversos acontecimentos concretos de grande importância para a sociedade na acepção da Directiva 97/36, não pode ser directa ou indirectamente imposta aos Estados‑Membros a inscrição nas suas listas de acontecimentos para além dos que estes escolham nela incluir nem a derrogação das regras do Tratado numa medida mais ampla do que estes pretendam.

(cf. n.os 119, 194 e 195)

7.      As consequências decorrentes do facto de que, atendendo à importância que tem o carácter exclusivo da transmissão televisiva dos jogos da fase final do campeonato europeu (EURO) para os radiodifusores pertencentes à segunda categoria estabelecida pela legislação de um Estado‑Membro, estes últimos se desinteressam da compra dos direitos de transmissão não exclusivos decorrem indirectamente das restrições à livre prestação de serviços geradas pelas medidas do Estado‑Membro em causa. Ora, as restrições à livre prestação de serviços que emanam da inscrição da totalidade dos jogos do EURO na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade deste Estado são justificadas por razões imperiosas de interesse geral e não são inapropriadas nem desproporcionadas. Os efeitos ao nível do número de concorrentes potenciais que se apresentam como uma consequência inelutável destes entraves à livre prestação de serviços não podem, portanto, ser considerados contrários aos artigos do Tratado relativos à concorrência. Nestas condições, a Comissão não é obrigada a efectuar uma análise mais aprofundada sobre estas consequências.

(cf. n.os 163 e 164)

8.      No caso de algum Estado‑Membro invocar disposições como os artigos 46.° CE e 55.° CE para justificar uma regulamentação susceptível de entravar o exercício da livre prestação de serviços ou da liberdade de estabelecimento, esta justificação, prevista pelo direito comunitário, deve ser interpretada à luz dos princípios gerais de direito e, nomeadamente, dos direitos fundamentais. Assim, uma tal regulamentação nacional só poderá beneficiar das excepções previstas por estas disposições se se conformar com os direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelos órgãos jurisdicionais comunitários. De modo semelhante, não se pode aceitar que uma medida nacional não conforme com os direitos fundamentais, como o direito de propriedade, possa beneficiar das excepções reconhecidas pelo facto de corresponder a razões imperiosas de interesse geral, como o acesso televisivo do grande público aos acontecimentos de grande importância para a sociedade.

(cf. n.° 179)