Language of document : ECLI:EU:C:2011:611

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 22 de Setembro de 2011 (1)

Processo C‑411/10

N. S.

contra

Secretary of State for the Home Department

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal (England & Wales) (Reino Unido)]

«Regulamento n.° 343/2003 – Transferência de requerentes de asilo para o Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de asilo – Obrigação do Estado‑Membro que procede à transferência de exercer o direito de intervenção previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003 – Compatibilidade da transferência de um requerente de asilo com a Carta dos Direitos Fundamentais, a CEDH e a Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados – Âmbito de aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais – Relação entre a Carta dos Direitos Fundamentais, a Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados e a CEDH – Direito à acção – Protocolo n.° 30 relativo à aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia à Polónia e ao Reino Unido»






Índice


I –   Introdução

II – Enquadramento jurídico

A –   Direito da União

1.     Carta dos Direitos Fundamentais

2.     Protocolo n.° 30 relativo à aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia à Polónia e ao Reino Unido

3.     Direito derivado

a)     Regulamento n.° 343/2003

b)     Directiva 2001/55

c)     Directiva 2003/9

d)     Directiva 2004/83

e)     Directiva 2005/85

B –   Direito internacional

1.     Convenção de Genebra

2.     Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem

III – Matéria de facto e pedido de decisão prejudicial

IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

V –   Argumentos das partes

VI – Observações preliminares

A –   Primeira questão prejudicial

B –   Segunda, terceira e quarta questões prejudiciais

1.     As medidas de direito derivado em matéria de asilo e a sua relação com a Carta dos Direitos Fundamentais, a Convenção de Genebra e a CEDH

a)     Base legal de direito primário

b)     Directivas 2001/55, 2003/9, 2004/83 e 2005/85

c)     Regulamento n.° 343/2003

d)     Conclusão provisória

2.     A sobrecarga do sistema de asilo grego

3.     Quanto à consideração da sobrecarga de sistemas de asilo dos Estados‑Membros no âmbito da aplicação do Regulamento n.° 343/2003

a)     Quarta questão prejudicial: a obrigação de exercer o direito de intervenção, previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, quando a transferência para o Estado‑Membro em primeira linha responsável sujeite o requerente de asilo a um sério risco de violação dos seus direitos fundamentais

i)     Quanto à problemática de um sério risco de violação dos direitos fundamentais de um requerente de asilo no caso da sua transferência para o Estado‑Membro em primeira linha responsável

ii)   Quanto à obrigação de intervenção prevista no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003

iii) Conclusão provisória

b)     Segunda e terceira questões prejudiciais: o recurso a presunções inilidíveis no contexto do exercício do direito de intervenção previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003

C –   Quinta questão prejudicial: relação entre a protecção dos requerentes de asilo garantida pela Carta dos Direitos Fundamentais e a sua protecção ao abrigo da CEDH

D –   Sexta questão prejudicial: controlo judicial do respeito da Convenção de Genebra e da CEDH no Estado‑Membro em primeira linha responsável nos termos do Regulamento n.° 343/2003

1.     O artigo 47.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais e o risco de uma violação da Convenção de Genebra ou da CEDH após a transferência de um requerente de asilo, nos termos do Regulamento n.° 343/2003

2.     Incompatibilidade com o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da presunção judicial inilidível de que, no Estado‑Membro em primeira linha responsável, o requerente de asilo não corre o risco de uma expulsão incompatível com a Convenção de Genebra ou a CEDH

E –   Sétima questão prejudicial

VII – Conclusão


I –    Introdução

1.        Um dos maiores desafios que se colocam à realização do sistema de asilo europeu comum é a repartição justa, mas ao mesmo tempo eficaz do esforço que a imigração implica para os sistemas de asilo dos Estados‑Membros da União Europeia. Isto é claramente ilustrado pelo presente pedido de decisão prejudicial, em que o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que esclareça de que modo a sobrecarga do sistema de asilo de um Estado‑Membro afecta o regime estabelecido pela União para determinar os Estados‑Membros responsáveis pela análise dos pedidos de asilo apresentados na União.

2.        Os critérios de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo na União resultam do Regulamento (CE) n.° 343/2003 do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise e um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro (2). O sistema de repartição das competências em matéria de asilo criado por este regulamento tem como característica essencial que, para cada pedido de asilo apresentado na União, é responsável, em princípio, um único Estado‑Membro. Quando um nacional de um país terceiro requer asilo num Estado‑Membro que, nos termos do Regulamento n.° 343/2003, não é em primeira linha responsável para analisar esse pedido, o referido regulamento prevê mecanismos para a transferência do requerente de asilo para o Estado‑Membro em primeira linha responsável.

3.        Contudo, face à crise na qual o sistema de asilo grego se encontra actualmente, coloca‑se para os restantes Estados‑Membros a questão de saber se os requerentes de asilo podem ser transferidos para a Grécia, nos termos do Regulamento n.° 343/2003, tendo em vista a análise dos seus pedidos de asilo, quando não é possível garantir que o tratamento destes requerentes de asilo e a análise dos seus pedidos na Grécia estejam em conformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta dos Direitos Fundamentais») e com a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»). Dado que o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003 confere aos Estados‑Membros o direito de, em derrogação das regras normais de competência, analisar um pedido de asilo apresentado no seu território em vez do Estado‑Membro em primeira linha responsável, coloca‑se ainda a questão de saber se este chamado «direito de intervenção» dos Estados‑Membros se pode tornar num «dever de intervenção», quando o requerente de asilo, no caso da sua transferência para o Estado‑Membro em primeira linha responsável, correr o risco de violação dos seus direitos humanos e fundamentais.

4.        Estas questões devem ser decididas pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo principal, no qual um requerente de asilo afegão contesta a sua transferência do Reino Unido para a Grécia. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se e, em caso afirmativo, em que condições o Reino Unido pode, num caso como o do processo principal, estar obrigado pelas regras do direito da União a analisar ele próprio os pedidos de asilo embora, por força do Regulamento n.° 343/2003, a Grécia seja em primeira linha responsável por esta análise.

5.        Dada a especial importância que, a este respeito, reveste a Carta dos Direitos Fundamentais, o órgão jurisdicional de reenvio solicita igualmente esclarecimentos sobre o conteúdo e alcance do Protocolo n.° 30 relativo à aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia à Polónia e ao Reino Unido.

6.        Ao responder às questões prejudiciais importa ainda ter em conta o acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH») M.S.S./Bélgica c. Grécia (3) de 21 de Janeiro de 2011, ou seja, após ter sido apresentado o pedido de decisão prejudicial. Nesse acórdão, o TEDH considerou a transferência de um requerente de asilo afegão da Bélgica para a Grécia uma violação, por parte da Bélgica, dos artigos 3.° e 13.° da CEDH.

7.        Além disso, o presente processo está estreitamente relacionado com o processo C‑493/10, M.E. e o., no qual apresento as minhas conclusões no mesmo dia. No processo M.E. e o. está em causa a problemática da transferência de requerentes de asilo da Irlanda para a Grécia nas condições do Regulamento n.° 343/2003. Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça, os dois processos foram apensos para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão. Contudo, por uma questão de clareza, apresento conclusões separadas no presente processo e no processo M.E. e o.

II – Enquadramento jurídico

A –    Direito da União

1.      Carta dos Direitos Fundamentais

8.        O artigo 1.° da Carta dos Direitos Fundamentais estabelece, sob a epígrafe «Dignidade do ser humano»:

«A dignidade do ser humano é inviolável. Deve ser respeitada e protegida.»

9.        O artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais, epigrafado «Proibição da tortura e dos tratos ou penas desumanos ou degradantes», dispõe:

«Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes.»

10.      O artigo 18.° da Carta dos Direitos Fundamentais, epigrafado «Direito de asilo», dispõe:

«É garantido o direito de asilo, no quadro da Convenção de Genebra de 28 de Julho de 1951 e do Protocolo de 31 de Janeiro de 1967, relativos ao Estatuto dos Refugiados, e nos termos do Tratado da União Europeia e do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.»

11.      O artigo 19.° da Carta dos Direitos Fundamentais, epigrafado «Protecção em caso de afastamento, expulsão ou extradição», dispõe:

«1.      São proibidas as expulsões colectivas.

2.      Ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes.»

12.      O artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais, epigrafado «Direito à acção e a um tribunal imparcial», dispõe:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma acção perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.

É concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efectividade do acesso à justiça.»

13.      O artigo 51.° da Carta dos Direitos Fundamentais, epigrafado «Âmbito de aplicação», dispõe:

«1.      As disposições da presente Carta têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União. Assim sendo, devem respeitar os direitos, observar os princípios e promover a sua aplicação, de acordo com as respectivas competências e observando os limites das competências conferidas à União pelos Tratados.

2.      A presente Carta não torna o âmbito de aplicação do direito da União extensivo a competências que não sejam as da União, não cria quaisquer novas atribuições ou competências para a União, nem modifica as atribuições e competências definidas pelos Tratados.»

14.      O artigo 52.° da Carta dos Direitos Fundamentais, epigrafado «Âmbito e interpretação dos direitos e dos princípios», dispõe:

«1. Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efectivamente a objectivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de protecção dos direitos e liberdades de terceiros.

2. Os direitos reconhecidos pela presente Carta que se regem por disposições constantes dos Tratados são exercidos de acordo com as condições e limites por eles definidos.

3. Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma protecção mais ampla.

[…]

7. Os órgãos jurisdicionais da União e dos Estados‑Membros têm em devida conta as anotações destinadas a orientar a interpretação da presente Carta.»

2.      Protocolo n.° 30 relativo à aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia à Polónia e ao Reino Unido

15.      O Protocolo n.° 30 relativo à aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia à Polónia e ao Reino Unido, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (a seguir «Protocolo n.° 30»), contém dois artigos, do seguinte teor:

«Artigo 1.°

1.      A Carta não alarga a faculdade do Tribunal de Justiça da União Europeia, ou de qualquer tribunal da Polónia ou do Reino Unido, de considerar que as leis, os regulamentos ou as disposições, práticas ou acção administrativas destes países são incompatíveis com os direitos, as liberdades e os princípios fundamentais que nela são reafirmados.

2.      Em especial, e para evitar dúvidas, nada no título IV da Carta cria direitos susceptíveis de serem invocados perante os tribunais e que se apliquem à Polónia ou ao Reino Unido, excepto na medida em que estes países tenham previsto tais direitos na respectiva legislação nacional.

Artigo 2.°

As disposições da Carta que façam referência às legislações e práticas nacionais só são aplicáveis à Polónia ou ao Reino Unido na medida em que os direitos ou princípios nelas consignados sejam reconhecidos na legislação ou nas práticas desses países.»

3.      Direito derivado

16.      O Conselho Europeu, na sua reunião extraordinária de Tampere, de 15 e 16 de Outubro de 1999, decidiu desenvolver esforços no sentido de estabelecer um sistema comum europeu de asilo, baseado na aplicação integral e abrangente da Convenção de Genebra, de 28 de Julho de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados, alterada pelo Protocolo de Nova Iorque, de 31 de Janeiro de 1967 (a seguir «Convenção de Genebra»), afirmando dessa forma o princípio da não repulsão e assegurando que ninguém será reenviado para onde possa ser perseguido. Na referida reunião extraordinária, o Conselho Europeu reconheceu ainda a necessidade de alcançar um acordo sobre a questão da protecção temporária de pessoas deslocadas, com base na solidariedade entre os Estados‑Membros.

17.      As conclusões de Tampere foram transpostas, nomeadamente, pelo regulamento e pelas directivas seguintes (4):

–        Regulamento n.° 343/2003,

–        Directiva 2001/55/CE do Conselho, relativa a normas mínimas em matéria de concessão de protecção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas e a medidas tendentes a assegurar uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados‑Membros ao acolherem estas pessoas e suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento (5),

–        Directiva 2003/9/CE do Conselho, de 27 de Janeiro de 2003, que estabelece normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados‑Membros (6),

–        Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da protecção concedida (7),

–        Directiva 2005/85/CE do Conselho, de 1 de Dezembro de 2005, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros (8).

18.      Mais concretamente, esse regulamento e essas directivas prevêem o seguinte.

a)      Regulamento n.° 343/2003

19.      No seu artigo 1.°, o Regulamento n.° 343/2003 estabelece os critérios e mecanismos para a determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro.

20.      Nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 343/2003:

«1.      Os Estados‑Membros analisarão todo o pedido de asilo apresentado por um nacional de um país terceiro a qualquer dos Estados‑Membros, quer na fronteira, quer no território do Estado‑Membro em causa. O pedido de asilo é analisado por um único Estado, que será aquele que os critérios enunciados no capítulo III designarem como responsável.

2.      Em derrogação do n.° 1, cada Estado‑Membro tem o direito de analisar um pedido de asilo que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento. Nesse caso, este Estado torna‑se o Estado responsável, na acepção do presente regulamento, e assume as obrigações inerentes a essa responsabilidade. Se for caso disso, informará o Estado‑Membro anteriormente responsável, aquele que conduz o processo de determinação do Estado responsável ou aquele que foi requerido para efeitos de tomada ou retomada a cargo.

3.      Os Estados‑Membros mantêm a faculdade de, em aplicação dos respectivos direitos nacionais, enviar um candidato a asilo para um país terceiro, com observância das disposições da Convenção de Genebra.

4.      O candidato a asilo será informado, por escrito e numa língua que, em princípio, possa compreender, sobre a aplicação do presente regulamento, respectivos prazos e efeitos.»

21.      Nos termos do artigo 4.° do Regulamento n.° 343/2003:

«1.      O processo de determinação do Estado‑Membro responsável nos termos do presente regulamento tem início a partir do momento em que um pedido de asilo é apresentado pela primeira vez a um Estado‑Membro.

2.      Considera‑se que um pedido de asilo foi apresentado a partir do momento em que as autoridades competentes do Estado‑Membro em causa recebam um formulário apresentado pelo requerente de asilo ou um auto lavrado pela autoridade. No caso de um pedido não escrito, o período que medeia entre a declaração de intenção e a elaboração de um auto deve ser tão breve quanto possível.

[…]»

22.      O artigo 5.° do Regulamento n.° 343/2003 dispõe:

«1.      Os critérios de determinação do Estado‑Membro responsável, aplicar‑se‑ão pela ordem em que são enunciados no presente capítulo.

2.      A determinação do Estado‑Membro responsável em aplicação dos referidos critérios é efectuada com base na situação existente no momento em que o candidato a asilo tiver apresentado pela primeira vez o seu pedido junto de um Estado‑Membro.»

23.      Nos termos do artigo 10.° do Regulamento n.° 343/2003:

«1.      Caso se comprove, com base nos elementos de prova ou nos indícios descritos nas duas listas referidas no n.° 3 do artigo [18].°, incluindo os dados referidos no capítulo III do Regulamento (CE) n.° 2725/2000, que o requerente de asilo atravessou irregularmente a fronteira de um Estado‑Membro, por via terrestre, marítima ou aérea, e que entrou nesse Estado‑Membro a partir de um país terceiro, esse Estado‑Membro é responsável pela análise do pedido de asilo. Esta responsabilidade cessa 12 meses após a data em que teve lugar a passagem irregular da fronteira.

2.      Quando um Estado‑Membro não possa ser ou já não possa ser tido como responsável nos termos do n.° 1 do presente artigo, e caso se comprove, com base nos elementos de prova ou indícios descritos nas duas listas referidas no n.° 3 do artigo 18.°, que o requerente de asilo – que entrou nos territórios dos Estados‑Membros irregularmente, ou em circunstâncias que não é possível comprovar – permaneceu num Estado‑Membro durante um período ininterrupto de pelo menos cinco meses antes de apresentar o seu pedido, esse Estado‑Membro é responsável pela análise do pedido de asilo.

Se o requerente de asilo tiver permanecido durante períodos de pelo menos cinco meses em vários Estados‑Membros, o Estado‑Membro em que tal ocorreu mais recentemente é responsável pela análise do pedido de asilo.»

24.      O artigo 13.° do Regulamento n.° 343/2003 dispõe:

«Sempre que o Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de asilo não possa ser designado com base nos critérios enumerados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido o primeiro Estado‑Membro em que este tenha sido apresentado.»

25.      Nos termos do artigo 16.° do Regulamento n.° 343/2003:

«1.      O Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo por força do presente regulamento é obrigado a:

a)      Tomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 17.° a 19.°, o requerente de asilo que tenha apresentado um pedido noutro Estado‑Membro;

b)      Finalizar a análise do pedido de asilo;

[…]

3.      Cessam as obrigações previstas no n.° 1 se o nacional de um país terceiro tiver abandonado o território dos Estados‑Membros durante um período mínimo de três meses, a menos que seja titular de um título de residência válido emitido pelo Estado‑Membro responsável.

[…]»

26.      O artigo 17.° do Regulamento n.° 343/2003 dispõe:

«1.      O Estado‑Membro ao qual tenha sido apresentado um pedido de asilo e que considere que a responsabilidade pela análise desse pedido cabe a outro Estado‑Membro pode requerer a este último que proceda à tomada a cargo o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de três meses a contar da apresentação do pedido de asilo, na acepção do n.° 2 do artigo 4.°

Se o pedido de tomada a cargo de um requerente não for formulado no prazo de três meses, a responsabilidade pela análise do pedido de asilo cabe ao Estado‑Membro ao qual o pedido tiver sido apresentado.

[…]»

27.      Nos termos do artigo 18.° do Regulamento n.° 343/2003:

«1.      O Estado‑Membro requerido procederá às verificações necessárias e deliberará sobre o pedido, para efeitos de tomada a cargo dum requerente, no prazo de dois meses a contar da data de apresentação desse pedido.

[…]

7.      A ausência de resposta no termo do prazo de dois meses mencionado no n.° 1 e de um mês, previsto no n.° 6, equivale à aceitação do pedido e tem como consequência a obrigação de tomada a carg[o] da pessoa, incluindo as providências adequadas para a sua chegada.»

28.      O artigo 19.° do Regulamento n.° 343/2003 é do seguinte teor:

«1.      Caso o Estado requerido aceite a tomada a cargo dum requerente, o Estado‑Membro em que o pedido de asilo foi apresentado notificará o requerente da sua decisão de não analisar o pedido e da obrigação de transferência do requerente para o Estado‑Membro responsável.

2.      A decisão a que se refere o n.° 1 deverá ser fundamentada e acompanhada das indicações de prazo relativas à execução da transferência, incluindo se necessário informações relativas ao local e à data em que o requerente deve apresentar‑se no caso de se dirigir para o Estado‑Membro responsável pelos seus próprios meios. A decisão é susceptível de recurso ou revisão. O recurso ou a revisão da decisão não têm efeito suspensivo sobre a execução da transferência, a não ser que os tribunais ou as autoridades competentes assim o decidam, especificamente, e a legislação nacional o permita.

3.      A transferência do requerente do Estado‑Membro em que o pedido de asilo foi apresentado para o Estado‑Membro responsável efectuar‑se‑á em conformidade com o direito nacional do Estado‑Membro, após concertação entre os Estados‑Membros envolvidos, logo que seja materialmente possível e, o mais tardar, no prazo de seis meses a contar da aceitação do pedido de tomada a cargo ou da decisão sobre o recurso ou revisão, nos casos em que exista efeito suspensivo.

[…]

4.      Se a transferência não for efectuada no prazo de seis meses, a responsabilidade incumbirá ao Estado‑Membro em que o pedido de asilo tiver sido apresentado. Este prazo poderá ser alargado até, no máximo, um ano se a transferência não tiver sido efectuada devido a detenção do candidato a asilo, ou 18 meses, em caso de ausência deste.

[…]»

b)      Directiva 2001/55

29.      A Directiva 2001/55, tem por objectivo, nos termos do seu artigo 1.°, estabelecer normas mínimas em matéria de concessão de protecção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas de países terceiros, impossibilitadas de regressar ao seu país de origem, e contribuir para uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados‑Membros ao acolherem estas pessoas e suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento.

30.      Nos termos do artigo 2.°, alínea a), da Directiva 2001/55, a expressão «protecção temporária» designa um procedimento de carácter excepcional que assegure, no caso ou perante a iminência de um afluxo maciço de pessoas deslocadas de países terceiros, impossibilitadas de regressar ao seu país de origem, uma protecção temporária imediata a estas pessoas, sobretudo se o sistema de asilo também não puder responder a este afluxo sem provocar efeitos contrários ao seu correcto funcionamento, no interesse das pessoas em causa e no de outras pessoas que solicitem protecção.

31.      O capítulo II da Directiva 2001/55 contém regras quanto à duração e aplicação da protecção temporária. O capítulo III enuncia as obrigações dos Estados‑Membros para com os beneficiários de protecção temporária. O capítulo IV da directiva regula o acesso ao procedimento de asilo de pessoas que beneficiam de protecção temporária. O capítulo V da directiva refere‑se ao regresso das pessoas em causa, bem como às medidas subsequentes à protecção temporária. O capítulo VI regula a repartição dos esforços e das tarefas entre os Estados‑Membros, assente no princípio da solidariedade da União.

c)      Directiva 2003/9

32.      A Directiva 2003/9 tem por objectivo, de acordo com o seu artigo 1.°, estabelecer normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados‑Membros.

33.      As normas mínimas estabelecidas na Directiva 2003/9 referem‑se a deveres de informação dos Estados‑Membros relativamente aos requerentes de asilo (artigo 5.°), à emissão de documentos para os requerentes de asilo (artigo 6.°), à residência e à liberdade de circulação dos requerentes de asilo (artigo 7.°), à manutenção da unidade da família dos requerentes de asilo (artigo 8.°), à escolaridade e educação dos menores (artigo 10.°), ao acesso dos requerentes de asilo ao mercado de trabalho (artigo 11.°) e à sua formação profissional (artigo 12.°), bem como às condições materiais de acolhimento e aos cuidados de saúde dos requerentes de asilo (artigos 13.° e segs.).

34.      O artigo 21.° da Directiva 2003/9, com o título «Recursos», dispõe o seguinte:

«1.      Os Estados‑Membros devem assegurar que as decisões negativas relativas à concessão de benefícios ao abrigo da presente directiva ou as decisões tomadas nos termos do artigo 7.° que afectem individualmente requerentes de asilo sejam passíveis de recurso nos termos do direito nacional. Pelo menos na última instância, deve ser concedida a possibilidade de recurso ou de revisão perante uma instância judicial.

2.      As modalidades de acesso a assistência jurídica nos casos acima referidos devem ser definidas no direito nacional.»

35.      O artigo 23.° da Directiva 2003/9 prevê que os Estados‑Membros, no devido respeito pela respectiva estrutura constitucional, devem assegurar normas de orientação, de acompanhamento e de controlo do nível das condições de acolhimento. Por força do artigo 24.°, n.° 2, os Estados‑Membros devem prever os recursos necessários à aplicação das disposições nacionais aprovadas para efeitos de transposição desta directiva.

d)      Directiva 2004/83

36.      Nos termos do seu artigo 1.°, a Directiva 2004/83 tem por objectivo estabelecer normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional e ao conteúdo da protecção concedida.

37.      Os capítulos II, III e V da Directiva 2004/83 contêm uma série de indicações e critérios relativos à apreciação dos pedidos de concessão do estatuto de refugiado ou de protecção subsidiária, bem como ao reconhecimento de nacionais de países terceiros como refugiados ou como pessoas elegíveis para protecção subsidiária. O capítulo IV prevê, por um lado, que os Estados‑Membros concedem o estatuto de refugiado aos nacionais de países terceiros ou aos apátridas que preencham as condições para serem considerados refugiados, nos termos dos capítulos II e III (artigo 13.°). Por outro lado, este capítulo estabelece as modalidades de revogação, supressão ou recusa de renovação do estatuto de refugiado (artigo 14.°). O capítulo VI contém as correspondentes indicações quanto à concessão (artigo 18.°), bem como à revogação, supressão ou recusa de renovação do estatuto de protecção subsidiária (artigo 19.°). O capítulo VII determina o conteúdo da protecção internacional, que inclui, designadamente, a protecção contra a repulsão (artigo 21.°). O capítulo VIII regula aspectos da cooperação administrativa. Nos termos do artigo 36.°, os Estados‑Membros devem assegurar, designadamente, que as autoridades e outras organizações que aplicarem a directiva beneficiem da formação necessária.

e)      Directiva 2005/85

38.      De acordo com o artigo 1.° da Directiva 2005/85, esta tem por objectivo definir normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e de retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros.

39.      O artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2005/85 prevê que esta é aplicável a todos os pedidos de asilo apresentados no território dos Estados‑Membros, incluindo a fronteira e as zonas de trânsito, bem como à retirada do estatuto de refugiado. Por força do artigo 4.°, n.° 1, primeiro parágrafo, os Estados‑Membros designam um órgão de decisão responsável pela apreciação adequada dos pedidos, de acordo com o disposto na referida directiva.

40.      O capítulo II da Directiva 2005/85 define os princípios que regem esses procedimentos, bem como as garantias a assegurar, neste contexto, aos requerentes de asilo. O capítulo III da directiva enuncia regras concretas quanto ao procedimento de concessão do estatuto de refugiado. Ele introduz também o conceito de país terceiro seguro (artigo 27.°), e de país de origem seguro (artigo 31.°). O capítulo V regula o direito do requerente de asilo a um recurso efectivo (artigo 39.°).

B –    Direito internacional

1.      Convenção de Genebra

41.      Por força do artigo 33.°, n.° 1, da Convenção de Genebra, nenhum dos Estados contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas.

2.      Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem

42.      O artigo 3.° da CEDH estabelece que ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes.

43.      Nos termos do artigo 13.° da CEDH, qualquer pessoa cujos direitos ou liberdades reconhecidos nessa convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuem no exercício das suas funções oficiais.

III – Matéria de facto e pedido de decisão prejudicial

44.      No processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a decidir do recurso interposto por um requerente de asilo afegão (a seguir «recorrente no processo principal») de uma decisão da High Court (England & Wales), Queen’s Bench Division, Administrative Court (a seguir «Administrative Court»), com o qual o recorrente no processo principal contesta a sua transferência do Reino Unido para a Grécia. O recorrido no processo principal, o Secretary of State for Home Department, é o membro do governo competente em matéria de imigração e asilo no Reino Unido.

45.      Ao viajar do Afeganistão para o Reino Unido, o recorrente no processo principal passou, entre outros países, pela Grécia, onde, em, 24 de Setembro de 2008, foi detido e lhe foram recolhidas as impressões digitais. Não requereu asilo na Grécia. Na sequência da sua detenção nesse Estado‑Membro, foi‑lhe dada ordem para abandonar a Grécia no prazo de 30 dias, tendo sido posteriormente expulso para a Turquia. Depois de ter fugido do local onde estava detido na Turquia, retomou a sua viagem para o Reino Unido, onde chegou a 12 de Janeiro de 2009, tendo nessa mesma data requerido asilo.

46.      Em 1 de Abril de 2009, o Secretary of State solicitou à Grécia que tomasse a cargo o recorrente no processo principal, nos termos do Regulamento n.° 343/2003. Como as autoridades gregas não responderam no prazo previsto no Regulamento n.° 343/2003, considerou‑se, por força desse regulamento, que a Grécia assumia a responsabilidade pela análise do pedido de asilo.

47.      Em 30 de Julho de 2009, o recorrente no processo principal foi informado de que seria transferido para a Grécia em 6 de Agosto de 2009. Em 31 de Julho de 2009, o Secretary of State notificou o recorrente no processo principal da decisão, adoptada nos termos do Asylum and Immigration (Treatment of Claimants, etc.) Act 2004, que declarava claramente infundada a reclamação por ele apresentada, alegando que a sua transferência para a Grécia violaria os direitos garantidos pela CEDH. Como consequência desta decisão, o recorrente no processo principal perdeu, por força do direito nacional, o direito que teria, noutro caso, de recorrer da decisão de transferência para a Grécia.

48.      Depois de pedir, sem êxito, ao Secretary of State que aceitasse a responsabilidade de examinar o seu pedido de asilo, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, argumentando, nomeadamente, que os seus direitos fundamentais, garantidos pela ordem jurídica da União, seriam violados no caso do seu regresso à Grécia, o recorrente foi informado, em 4 de Agosto de 2009, que o Secretary of State tinha mantido a decisão de o transferir para a Grécia.

49.      Em 6 de Agosto de 2009, o recorrente solicitou autorização para recorrer da decisão que declarava infundada a sua reclamação apresentada ao abrigo da CEDH, e da decisão de o transferir para a Grécia. Como resultado da interposição do recurso, o Secretary of State suspendeu as medidas que haviam sido tomadas para transferir o recorrente para a Grécia.

50.      Dada a relevância das questões suscitadas, o recorrente no processo principal foi autorizado, em 14 de Outubro de 2009, a interpor recurso na Administrative Court, tendo sido ordenado que o processo fosse declarado caso‑piloto em Inglaterra e Gales em matéria de transferências para a Grécia nos termos do Regulamento n.° 343/2003.

51.      Por sentença de 31 de Março de 2010, a Administrative Court negou provimento ao recurso interposto pelo recorrente mas, face à relevância geral das questões suscitadas, autorizou‑o a recorrer desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

52.      O órgão jurisdicional de reenvio concluiu que a análise do recurso levantava questões fundamentais relativas ao âmbito de aplicação do artigo 3.° do Regulamento n.° 343/2003, bem como aos efeitos desta norma sobre os direitos invocados pelo recorrente no processo principal ao abrigo da Carta dos Direitos Fundamentais e de convenções internacionais como a CEDH.

53.      Com base nestas considerações, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu a instância no processo principal e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Uma decisão adoptada por um Estado‑Membro, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003 (a seguir ‘Regulamento’), de analisar um pedido de asilo que não é da sua competência em conformidade com os critérios definidos no capítulo III do Regulamento, está abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da UE para efeitos do artigo 6.° do Tratado da União Europeia e/ou do artigo 51.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia […]?

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

2.      Para dar cumprimento à obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de respeitar os direitos fundamentais reconhecidos pela UE (incluindo os estabelecidos nos artigos 1.°, 4.°, 18.°, 19.°, n.° 2, e 47.° da Carta) basta transferir o requerente de asilo para o Estado‑Membro que o artigo 3.°, n.° 1, designa como Estado responsável à luz dos critérios enunciados no capítulo III do Regulamento (a seguir ‘Estado responsável’), independentemente da situação existente nesse Estado?

3.      Em concreto, a obrigação de respeitar os direitos fundamentais reconhecidos pela UE opõe‑se à aplicação de uma presunção inilidível de que o Estado responsável respeitará (i) os direitos fundamentais do requerente reconhecidos pelo direito da UE; e/ou (ii) as normas mínimas estabelecidas pelas Directivas 2003/9/CE (‘Directiva acolhimento’); 2004/83/CE (‘Directiva condições’) e/ou 2005/85/CE (‘Directiva procedimento’) (a seguir globalmente designadas ‘Directivas’)?

4.      Subsidiariamente, um Estado‑Membro está obrigado pelo direito da [UE], e, nesse caso, em que circunstâncias, a exercer a faculdade prevista no artigo 3.°, n.° 2 do Regulamento, de analisar e assumir a responsabilidade por um pedido, quando a transferência para o Estado responsável sujeite o requerente a um risco de violação dos seus direitos fundamentais, em particular dos direitos previstos nos artigos 1.°, 4.°, 18.°, 19.°, n.° 2, e 47.° da Carta e/ou ao risco de as normas mínimas estabelecidas nas Directivas não serem respeitadas?

5.      O âmbito da protecção conferida a uma pessoa à qual se aplica o Regulamento por força dos princípios gerais de direito da UE e, em particular, pelos direitos estabelecidos nos artigos 1.°, 18.°, e 47.° da Carta é mais amplo do que a protecção conferida pelo artigo 3.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir ‘Convenção’)?

6.      É compatível com os direitos previstos no artigo 47.° da Carta uma disposição nacional que, para determinar se uma pessoa pode ser legitimamente transferida para outro Estado‑Membro nos termos do Regulamento, obriga os órgãos jurisdicionais a tratar esse Estado‑Membro no pressuposto de que não transferirá essa pessoa para outro Estado em violação dos direitos que lhe são conferidos pela Convenção ou pela Convenção de 1951 e pelo Protocolo de 1967 relativo ao Estatuto dos Refugiados?

7.      Na medida em que as questões anteriores dizem a respeito às obrigações do Reino Unido, a tomada em consideração do Protocolo (n.° 30) relativo à aplicação da Carta à Polónia e ao Reino Unido tem alguma incidência nas respostas às questões 2 a 6?»

IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

54.      A decisão de reenvio, com data de 12 de Julho de 2010, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de Agosto de 2010. Nessa decisão, o órgão jurisdicional de reenvio solicitou que o processo fosse submetido à tramitação acelerada prevista no artigo 104.°‑B, n.° 1, do Regulamento de Processo. Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça, de 1 de Outubro de 2010, este pedido foi indeferido.

55.      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça, de 9 de Novembro de 2010, os processos C‑411/10 e C‑493/10 foram apensos para efeitos da fase escrita, e, por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 2011, foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão.

56.      Apresentaram observações escritas o recorrente no processo principal, a Amnesty International Limited e o AIRE (Advice on Individual Rights in Europe) Centre, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados e a Equality and Human Rights Commission como intervenientes no processo principal, o Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha, a República da Finlândia, a República Francesa, a República Helénica, a República da Irlanda, a República Italiana, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República da Polónia, o Reino Unido, a República Checa, a Confederação Suíça, bem como a Comissão Europeia. Participaram na audiência de 28 de Junho de 2011 os representantes do recorrente no processo principal, da Amnesty International Limited e do AIRE (Advice on Individual Rights in Europe) Centre, do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados e da Equality and Human Rights Commission, da República da Eslovénia, da República Francesa, da República Helénica, da República da Irlanda, do Reino dos Países Baixos, da República da Polónia, do Reino Unido, bem como da Comissão.

V –    Argumentos das partes

57.      A primeira questão prejudicial visa saber se a decisão, tomada por um Estado‑Membro, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, de analisar um pedido de asilo, é abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União. A Comissão, os Governos finlandês, francês e neerlandês, o recorrente no processo principal, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, a Amnesty International Limited e o AIRE Centre, bem como a Equality and Human Rights Commission entendem que essa questão deve ser respondida pela afirmativa. Também segundo o Governo austríaco, os direitos fundamentais da União são aplicáveis à decisão de um Estado‑Membro relativa ao exercício do seu direito de intervenção, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003.

58.      Os Governos irlandês e italiano, o Governo do Reino Unido, bem como o Governo belga consideram, pelo contrário, que a decisão de exercer o direito de intervenção, previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, não é abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União. Contudo, o Governo belga relativiza a sua posição consideravelmente, indicando que a transferência de um requerente de asilo para o Estado‑Membro em primeira linha responsável, nos termos do Regulamento n.° 343/2003, é abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União.

59.      O Governo checo, ao responder à primeira questão, distingue entre o caso em que um Estado‑Membro exerce o direito de intervenção previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, e o caso em que não o faz. Afirma que só a decisão de exercer o direito de intervenção previsto pelo artigo 3.°, n.° 2 é abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União. Pelo contrário, o não exercício do direito de intervenção previsto no artigo 3.°, n.° 2, não é abrangido pelo âmbito de aplicação do direito da União.

60.      O Governo alemão não se pronuncia expressamente sobre a primeira questão prejudicial e responde às outras questões prejudiciais para o caso de o Tribunal de Justiça concluir que o exercício do poder discricionário, previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, deve ser considerado «aplicação do direito da União» no sentido do artigo 51.°, n.° 1, primeiro período, da Carta dos Direitos Fundamentais.

61.      Em resposta à segunda, terceira e quarta questões prejudiciais, a Comissão, os Governos finlandês, francês, alemão e neerlandês, o Governo do Reino Unido (9), bem como o Governo belga, o recorrente no processo principal e o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados entendem, no essencial, que, ao aplicar o Regulamento n.° 343/2003, se pode partir da presunção ilidível de que o Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo actua em conformidade com o direito da União e o direito internacional. Contudo, na medida em que, num caso concreto, se constate que a transferência do requerente de asilo para o Estado‑Membro em primeira linha responsável ou que o tratamento do requerente de asilo nesse Estado‑Membro violariam os direitos desse requerente consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais, a Comissão, os Governos finlandês, francês e belga, o Governo do Reino Unido, o recorrente no processo principal, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, a Amnesty International Limited e o AIRE Centre entendem que o Estado‑Membro que procede à transferência está obrigado a exercer o seu direito de intervenção, previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003. Os Governos alemão e neerlandês sustentam que, nesse caso, o requerente de asilo já não deve ser transferido para o Estado‑Membro em primeira linha responsável.

62.      O Governo do Reino Unido salienta ainda que uma obrigação de exercer o direito de intervenção só pode existir em circunstâncias extraordinárias, mais concretamente quando a presunção de que o Estado‑Membro responsável age, relativamente a uma categoria determinada de requerentes de asilo, em conformidade com os direitos humanos e o direito da União, tenha sido claramente ilidida e o requerente de asilo pertença a essa categoria.

63.      Segundo a Confederação Suíça (10), o Regulamento n.° 343/2003 contém intrinsecamente uma presunção ilidível de que os Estados participantes respeitam a Convenção de Genebra e a CEDH. Contudo, se essa presunção for ilidida num caso concreto e não estiver garantido um tratamento do requerente de asilo conforme com o direito internacional no Estado responsável, a transferência para este Estado fica excluída e o direito de intervenção, previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, torna‑se, excepcionalmente, num dever.

64.      Os Governos italiano, irlandês, polaco, esloveno e grego defendem, pelo contrário, que não é possível deduzir do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003 qualquer obrigação de exercer o direito de intervenção. Segundo os Governos grego, esloveno e polaco, a ordem jurídica da União também não permite que um Estado‑Membro controle a conformidade com o direito da União do comportamento de outro Estado‑Membro.

65.      Em resposta à quinta questão, o Governo do Reino Unido bem como os Governos italiano e neerlandês alegam que a protecção garantida a uma pessoa, à qual se aplica o Regulamento n.° 343/2003, em virtude dos artigos 1.°, 18.° e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais, não vai além da protecção conferida pelo artigo 3.° da CEDH. O recorrente no processo principal, a Equality and Human Rights Commission, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, a Amnesty International Limited e o AIRE Centre sustentam, pelo contrário, que a protecção conferida, com base na Carta dos Direitos Fundamentais e nos princípios gerais do direito da União, a um requerente de asilo a transferir vai para além da protecção assegurada pelo artigo 3.° da CEDH.

66.      Segundo o Governo alemão, os direitos fundamentais da União garantidos nos artigos 4.° e 19.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais correspondem ao direito fundamental consagrado no artigo 3.° da CEDH. Afirma que o artigo 18.° da Carta dos Direitos Fundamentais confere um direito não à concessão de asilo, mas à protecção contra o afastamento, de acordo com o artigo 33.° da Convenção de Genebra. Observa que o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais tem um âmbito de aplicação mais vasto que os artigos 6.° e 13.° da CEDH, na medida em que o seu primeiro parágrafo exige um direito a uma acção e o seu segundo parágrafo não se limita a processos de direito civil e de direito penal.

67.      Em resposta à sexta questão, a Comissão, o Governo neerlandês, o recorrente no processo principal, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, a Amnesty International Limited e o AIRE Centre sustentam que um regime nacional que estabelece a presunção inilidível de que cada Estado‑Membro é um Estado seguro, do qual os requerentes de asilo não seriam transferidos para outro Estado, em violação dos seus direitos reconhecidos na CEDH e na Convenção de Genebra, é incompatível com o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais. O Governo do Reino Unido assinala que esta presunção só é ilidida em caso de violação manifesta dos direitos humanos e fundamentais. Ao invés, o Governo italiano entende que uma presunção inilidível aplicável no direito nacional, segundo a qual os outros Estados‑Membros são países seguros, é compatível com o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais.

68.      Em resposta à sétima questão, a Comissão, o Governo polaco, o Governo do Reino Unido, o recorrente no processo principal, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, a Equality and Human Rights Commission, a Amnesty International Limited e o AIRE Centre sustentam que as disposições do Protocolo n.° 30 não influenciam a resposta que sugerem às questões prejudiciais.

VI – Observações preliminares

A –    Primeira questão prejudicial

69.      Com a sua primeira questão, de saber se a decisão adoptada por um Estado‑Membro, no exercício do seu direito de intervenção previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, de analisar um pedido de asilo em vez do Estado‑Membro em primeira linha responsável, está abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União no sentido do artigo 6.° TUE e/ou do artigo 51.° da Carta dos Direitos Fundamentais, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se e, em caso de resposta afirmativa, em que condições os Estados‑Membros, ao decidirem sobre o exercício do seu direito de intervenção previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, têm de respeitar as disposições da Carta dos Direitos Fundamentais (11).

70.      Para responder a esta questão, há que partir do artigo 6.°, n.° 1, TUE, que qualifica a Carta dos Direitos Fundamentais como direito primário da União (primeiro período) e, ao mesmo tempo, declara que de forma alguma o disposto na Carta dos Direitos Fundamentais pode alargar as competências da União, tal como definidas nos Tratados (segundo período). Relativamente à interpretação e aplicação concretas da Carta dos Direitos Fundamentais, o artigo 6.°, n.° 1, terceiro período, TUE remete para o título VII (artigos 51.° a 54.°) da Carta dos Direitos Fundamentais.

71.      O artigo 51.° da Carta dos Direitos Fundamentais determina o âmbito de aplicação desta. Ele confirma, por um lado, que a Carta dos Direitos Fundamentais tem por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, bem como os Estados‑Membros. Por outro lado, é garantido que a vinculação das instituições da União e dos Estados‑Membros aos direitos fundamentais não tem por efeito nem uma transferência das competências em detrimento dos Estados‑Membros nem o alargamento do âmbito de aplicação do direito da União para além das competências da União, tal como definidas pelos Tratados (12).

72.      Para excluir um alargamento das competências da União relativamente aos Estados‑Membros, o artigo 51.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais prevê, em especial, que:

–        a aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais não limita o princípio da subsidiariedade (artigo 51.°, n.° 1, primeiro período),

–        os Estados‑Membros estão vinculados à Carta apenas quando apliquem o direito da União (artigo 51.°, n.° 1, primeiro período),

–        a Carta deve ser respeitada e aplicada observando os limites das competências conferidas à União pelos Tratados (artigo 51.°, n.° 1, segundo período).

73.      O artigo 51.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais precisa ainda que esta não torna o âmbito de aplicação do direito da União extensivo a competências que não sejam as da União, não cria quaisquer novas atribuições ou competências para a União, nem modifica as atribuições e competências definidas pelos Tratados.

74.      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se, na sua primeira questão prejudicial, à condição enunciada no artigo 51.°, n.° 1, primeiro período, da Carta dos Direitos Fundamentais, de que os Estados‑Membros estão vinculados à Carta dos Direitos Fundamentais apenas quando apliquem o direito da União. A este respeito, pergunta se os Estados‑Membros «aplicam o direito da União» no sentido desta norma quando, no exercício do poder discricionário que lhes é reconhecido pelo artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, decidem analisar ou não um pedido de asilo em vez do Estado‑Membro em primeira linha responsável.

75.      Em minha opinião, há que dar uma resposta afirmativa a esta questão.

76.      Como decorre das Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (a seguir «Anotações relativas à CDF») (13), a regra do artigo 51.°, n.° 1, primeiro período, da Carta dos Direitos Fundamentais, segundo a qual os Estados‑Membros estão vinculados pela Carta dos Direitos Fundamentais apenas quando apliquem o direito da União, deve ser entendida como uma confirmação da jurisprudência até aqui proferida pelo Tribunal de Justiça relativa ao respeito, pelos Estados‑Membros, dos direitos fundamentais definidos no âmbito da União. As Anotações relativas à CDF remetem, a este propósito, para os importantes acórdãos Wachauf (14) e ERT (15), bem como para o acórdão Karlsson (16).

77.      No acórdão Wachauf, o Tribunal de Justiça declarou que as exigências que decorrem da protecção dos direitos fundamentais na ordem jurídica da União vinculam os Estados‑Membros quando implementam as regulamentações da União e que, por conseguinte, estes são obrigados a, na medida do possível, aplicá‑las respeitando as referidas exigências (17). No acórdão ERT, o Tribunal de Justiça declarou ainda que as restrições às liberdades fundamentais pelos Estados‑Membros devem respeitar também as exigências decorrentes da protecção dos direitos fundamentais na ordem jurídica da União (18).

78.      Atendendo a que as Anotações relativas à CDF se referem à linha jurisprudencial Wachauf e à linha jurisprudencial ERT, deve entender‑se que os Estados‑Membros estão vinculados pela Carta dos Direitos Fundamentais por força do seu artigo 51.°, n.° 1, quer ao implementarem regulamentações da União, quer no contexto de restrições nacionais às liberdades fundamentais (19).

79.      No caso vertente, coloca‑se a este respeito a questão de saber se, para os fins do artigo 51.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, e atendendo à linha jurisprudencial Wachauf, a decisão de um Estado‑Membro de, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, analisar um pedido de asilo, deve ser classificada como um acto de aplicação do Regulamento n.° 343/2003.

80.      Em minha opinião, há que dar uma resposta afirmativa a esta questão. O poder discricionário de que o Estado‑Membro dispõe ao tomar essa decisão, não se opõe a tal classificação. Pelo contrário, é decisivo o facto de o Regulamento n.° 343/2003 prever um regime exaustivo para determinar o Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo. A possibilidade conferida aos Estados‑Membros, de analisar pedidos de asilo nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, é parte integrante desse regime, o que é ilustrado, designadamente, pelo facto de este diploma regular exaustivamente as consequências jurídicas dessa decisão (20). Logo, também as decisões que os Estados‑Membros tomam com base no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, apesar do poder discricionário de que dispõem, devem ser consideradas actos de aplicação deste regulamento.

81.      Esta análise é confirmada pelo acórdão Wachauf (21), no qual o Tribunal de Justiça examinou, designadamente, a compatibilidade de certas disposições do Regulamento n.° 1371/84 (22) com as exigências decorrentes da protecção dos direitos fundamentais na ordem jurídica da União. O Regulamento n.° 1371/84 permitia aos Estados‑Membros conceder uma indemnização ao arrendatário de uma exploração leiteira após o termo do contrato de arrendamento, em determinadas circunstâncias, pelo abandono definitivo da produção leiteira. No processo principal, um arrendatário tinha interposto recurso, porque essa indemnização lhe tinha sido recusada, embora tivesse abandonado definitivamente a exploração leiteira que tinha criado. Cabia ao Tribunal de Justiça decidir, designadamente, se esta recusa de indemnização resultava necessariamente do Regulamento n.° 1371/84 e se estava em conformidade com os direitos fundamentais da União, reconhecidos como princípios gerais de direito. No seu acórdão, o Tribunal de Justiça salientou, por um lado, que a recusa de conceder a indemnização em causa a um arrendatário cessante devia ser considerada uma violação das exigências decorrentes da protecção dos direitos fundamentais na ordem jurídica da União, se ele ficasse por isso privado, sem qualquer compensação, dos frutos do seu trabalho e dos investimentos que tinha efectuado na exploração arrendada (23). Contudo, dado que o Regulamento n.° 1371/84 deixava aos Estados‑Membros uma margem de apreciação suficientemente ampla para conceder aos arrendatários, precisamente nesses casos, uma indemnização adequada, de acordo com as exigências decorrentes da protecção dos direitos fundamentais, o Tribunal de Justiça concluiu que o regime constante do regulamento devia ser considerado conforme com os direitos fundamentais (24).

82.      Embora o Tribunal de Justiça tenha examinado no acórdão Wachauf, em primeira linha, a conformidade do regulamento em causa com os direitos fundamentais, confirmou, pelo menos de modo implícito, que também as decisões dos Estados‑Membros sobre a concessão de uma indemnização a um arrendatário cessante, que são tomadas pelas autoridades nacionais no exercício do poder discricionário reconhecido pelo Regulamento n.° 1371/84, devem respeitar, na medida do possível, as exigências que decorrem da protecção dos direitos fundamentais. Deste modo, o Tribunal de Justiça confirmou, ao mesmo tempo, que também as decisões adoptadas pelos Estados‑Membros com base na margem de apreciação que lhes é reconhecida por um regime da União, devem ser consideradas actos de aplicação deste regime da União para os efeitos da protecção dos direitos fundamentais garantidos na ordem jurídica da União (25).

83.      Face ao exposto, a primeira questão prejudicial deve ser respondida no sentido de que a decisão adoptada por um Estado‑Membro, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, de analisar um pedido de asilo que não é da sua competência em conformidade com os critérios definidos no capítulo III do referido regulamento, constitui um acto de aplicação do direito da União no sentido do artigo 51.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais.

B –    Segunda, terceira e quarta questões prejudiciais

84.      Decorre das considerações que teci que os Estados‑Membros estão obrigados a respeitar a Carta dos Direitos Fundamentais quando decidem analisar, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, um pedido de asilo que, em conformidade com os critérios definidos no capítulo III deste regulamento, é em primeira linha da competência de outro Estado‑Membro. Com a segunda, terceira e quarta questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se e, em caso afirmativo, em que condições os Estados‑Membros, à luz desta obrigação de respeitar a Carta dos Direitos Fundamentais, podem estar obrigados a exercer o seu direito de intervenção nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, se se concluir que, em caso de transferência para o Estado‑Membro em primeira linha responsável, o requerente de asilo corre o risco de violação dos seus direitos fundamentais ou o risco de que este Estado‑Membro não cumpra as obrigações que lhe incumbem por força das Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85.

85.      O órgão jurisdicional de reenvio coloca estas questões porque dispõe de indícios claros de que existe uma grande divergência entre as exigências que o direito da União impõe à Grécia relativamente à configuração do seu sistema de asilo, por um lado, e o tratamento concreto de requerentes de asilo na Grécia, por outro, de modo que, no caso de uma transferência de requerentes de asilo para a Grécia, existe o risco de violação dos seus direitos humanos e fundamentais.

86.      Para permitir uma melhor compreensão destas questões, abordarei primeiro as medidas de direito derivado em matéria de asilo, relevantes no caso em apreço, bem como a relação entre estas medidas e a Carta dos Direitos Fundamentais, a Convenção de Genebra e a CEDH. A seguir, analisarei os problemas com os quais o sistema de asilo grego é actualmente confrontado. Examinarei depois a questão de saber de que modo a sobrecarga do sistema de asilo grego deve ser tida em conta pelos outros Estados‑Membros quando aplicam o Regulamento n.° 343/2003.

1.      As medidas de direito derivado em matéria de asilo e a sua relação com a Carta dos Direitos Fundamentais, a Convenção de Genebra e a CEDH

a)      Base legal de direito primário

87.      O Tratado de Amsterdão de 1997 alargou as competências da União a questões de asilo e refugiados, tendo transferido para a União competências legislativas em matéria de asilo, refugiados, imigração e residência de nacionais de países terceiros. Como base legal de direito primário para essa competência, foi introduzido no Tratado CE um novo artigo 73.°‑K, que foi depois renumerado como artigo 63.° CE.

88.      Quanto ao direito de asilo, a transferência das competências legislativas para a União foi efectuada com a reserva estabelecida no artigo 63.°, n.° 1, CE, de que as medidas em matéria de asilo a adoptar pelo legislador da União devem estar em conformidade com a Convenção de Genebra, com o Protocolo de 31 de Janeiro de 1967, sobre o estatuto dos Refugiados, e com os outros tratados pertinentes. Entre os «outros tratados pertinentes» deve ser incluída a CEDH (26). Além disso, no artigo 63.°, n.° 1, CE foi expressamente previsto que a competência de harmonização em matéria de direito de asilo se limitava à adopção de normas mínimas (27).

b)      Directivas 2001/55, 2003/9, 2004/83 e 2005/85

89.      Com base na faculdade assim conferida pelo direito primário, o legislador da União adoptou quatro directivas com normas mínimas relativamente a vários aspectos dos sistemas nacionais de asilo. A primeira a ser adoptada foi a Directiva 2001/55, que estabelece, nomeadamente, as normas mínimas em matéria de concessão de protecção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas. Com as outras três directivas foram estabelecidas em quase todos os Estados‑Membros (28), normas mínimas comuns em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo (Directiva 2003/09), do reconhecimento de nacionais de países terceiros ou apátridas como refugiados ou pessoas que, por outros motivos, necessitem de protecção internacional, bem como relativas ao conteúdo da protecção concedida (Directiva 2004/83), e ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado (Directiva 2005/85).

90.      De acordo com as indicações de direito primário do artigo 63.°, n.° 1, CE, por força das quais os actos de direito derivado adoptados nesta base devem respeitar a Convenção de Genebra, os considerandos das Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85 remetem, todos eles, para as conclusões do Conselho Europeu de Tampere, segundo as quais o sistema comum europeu de asilo a estabelecer deve assentar na aplicação integral e global da Convenção de Genebra (29). Nos considerandos destas directivas é ainda salientado que elas respeitam os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos pela Carta dos Direitos Fundamentais (30), e que os Estados‑Membros, no que se refere ao tratamento das pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação destas directivas, se encontram vinculados pelas obrigações que lhes incumbem por força de instrumentos de direito internacional de que são partes (31).

91.      Assim, as Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85 contêm importantes normas mínimas relativamente ao tratamento de requerentes de asilo e à análise dos seus pedidos. Acresce que o artigo 24.°, n.° 2, da Directiva 2003/9 impõe expressamente que os Estados‑Membros devem prever os recursos necessários à aplicação das normas mínimas aí estabelecidas em matéria de acolhimento de requerentes de asilo. De modo semelhante, o artigo 36.° da Directiva 2004/83 prevê que os Estados‑Membros devem assegurar que as autoridades e outras organizações que aplicarem esta directiva beneficiem da formação necessária.

92.      Neste contexto, é juridicamente garantido que o tratamento de requerentes de asilo, bem como a análise dos seus pedidos nos Estados‑Membros, que estão obrigados a cumprir as normas mínimas das Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85, respeitam também, em princípio, as disposições da Carta dos Direitos Fundamentais, da Convenção de Genebra, bem como da CEDH (32).

c)      Regulamento n.° 343/2003

93.      O Regulamento n.° 343/2003 – adoptado com base no artigo 63.°, n.° 1, CE – tem por objectivo, nos termos do seu terceiro considerando, estabelecer um método claro e operacional para determinar o Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado no território da União (33). Este método deve basear‑se, nos termos do quarto considerando, em critérios objectivos e equitativos, tanto para os Estados‑Membros como para as pessoas em causa e permitir uma determinação rápida do Estado‑Membro responsável, por forma a garantir um acesso efectivo aos procedimentos de asilo e alcançar o objectivo de celeridade no tratamento dos pedidos de asilo.

94.      Para atingir estas finalidades, visando igualmente evitar um forum shopping pelos requerentes de asilo, o Regulamento n.° 343/2003 prevê um regime por força do qual é responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado na União um único Estado‑Membro, que é determinado com base em critérios objectivos. Entre estes critérios objectivos contam‑se, por exemplo, a existência de uma relação jurídica baseada no direito de asilo ou no direito dos estrangeiros entre um Estado‑Membro e o requerente de asilo ou um membro da sua família (34). No caso de entrada ilegal no território da União, o artigo 10.° do Regulamento n.° 343/2003 prevê que é responsável pela análise do pedido de asilo o Estado‑Membro da primeira entrada (35). Por força do artigo 16.° do Regulamento n.° 343/2003, o Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo é obrigado a tomar a cargo um requerente de asilo abrangido pela sua competência, que tenha apresentado um pedido noutro Estado‑Membro e a finalizar a análise do pedido de asilo (36). O procedimento de transferência do requerente de asilo é regulado nos artigos 17.° a 19.° do Regulamento n.° 343/2003.

95.      O sistema estabelecido no Regulamento n.° 343/2003 para determinar o Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo e para a transferência do requerente de asilo para esse Estado‑Membro não tem expressamente em conta eventuais diferenças na configuração e na aplicação dos sistemas e procedimentos de asilo nos vários Estados‑Membros. Nem ao estabelecer os critérios de determinação do Estado‑Membro responsável nem no âmbito do procedimento de transferência dos requerentes de asilo entre os Estados‑Membros é feita referência concreta ao tratamento que (previsivelmente) o requerente de asilo receberá no Estado‑Membro em primeira linha responsável pela análise do seu pedido de asilo.

96.      Esta falta de uma referência concreta ao tratamento do requerente de asilo no Estado‑Membro em primeira linha responsável explica‑se pela interacção entre o Regulamento n.° 343/2003 e as Directivas 2003/09, 2004/83 e 2005/85, bem como pela interacção entre este regulamento e as obrigações internacionais dos vários Estados‑Membros. Como as referidas directivas fixam importantes normas mínimas que todos os Estados‑Membros devem respeitar no tratamento que dispensam aos requerentes de asilo e na análise dos seus pedidos de asilo, e dado que todos os Estados‑Membros aderiram à CEDH e à Convenção de Genebra, está juridicamente assegurado que o tratamento dos requerentes de asilo em cada Estado‑Membro deve respeitar a Carta dos Direitos Fundamentais, bem como a Convenção de Genebra e a CEDH (37).

97.      Desta perspectiva, nem a Carta dos Direitos Fundamentais nem a Convenção de Genebra nem a CEDH se opõem ao sistema do Regulamento n.° 343/2003, que estabelece as regras para determinar o Estado‑Membro no qual os requerentes de asilo devem ser tomados a cargo com vista à análise dos seus pedidos de asilo, bem como relativas à transferência dos requerentes de asilo para esse Estado‑Membro, sem referência expressa à configuração e aplicação concretas do sistema e do procedimento de asilo nesse Estado (38).

d)      Conclusão provisória

98.      Em resumo, há que concluir que, atendendo quer aos seus objectivos quer à sua configuração jurídica, as regras de direito derivado relativas ao tratamento dos requerentes de asilo e à análise de pedidos de asilo, que resultam da leitura conjugada das Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85 e do Regulamento n.° 343/2003, são, em princípio, compatíveis com as disposições da Carta dos Direitos Fundamentais, da Convenção de Genebra e da CEDH.

2.      A sobrecarga do sistema de asilo grego

99.      O Regulamento n.° 343/2003 não contempla expressamente o caso de os Estados‑Membros – por exemplo devido à sua situação geográfica – serem confrontados com um número de requerentes de asilo que excede as capacidades do seu sistema de asilo, de modo que, na prática, já não podem assegurar um tratamento destes requerentes de asilo e uma análise dos seus pedidos em conformidade com as Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85, ou as obrigações que lhes incumbem por força dos direitos fundamentais e das regras de direito internacional (39).

100. Tal situação de emergência parece existir na Grécia.

101. Uma indicação clara nesse sentido resulta do TEDH, acórdão M.S.S./Bélgica c. Grécia de 21 de Janeiro de 2011, (40), no qual o TEDH examinou o caso de um nacional afegão, que tinha viajado ilegalmente da Turquia para a União através da Grécia, onde foi posteriormente preso. Uma vez libertado, deixou a Grécia sem ter aí apresentado um pedido de asilo, o que finalmente fez na Bélgica. Após terem examinado os dados do requerente de asilo afegão, as autoridades belgas competentes concluíram que, devido à sua entrada ilegal na União através da Grécia, este país era responsável pela análise do seu pedido de asilo nos termos do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 343/2003, em conjugação com o seu artigo 10.°, n.° 1. Assim, a Bélgica deu início ao procedimento de transferência do requerente de asilo para a Grécia, nos termos do Regulamento n.° 343/2003 e, uma vez concluído este procedimento, transferiu‑o para a Grécia. Contudo, antes da sua transferência, o requerente de asilo afegão tinha interposto recurso no TEDH.

102. No seu acórdão, o TEDH declarou que as condições de vida e de detenção do requerente de asilo afegão na Grécia deviam ser consideradas incompatíveis com o artigo 3.° da CEDH. Salientando as insuficiências na análise do pedido de asilo do requerente, o risco de uma repulsão directa ou indirecta para o seu país de origem sem um exame sério do mérito do seu pedido de asilo e a falta de um recurso efectivo, o TEDH constatou ainda que a Grécia tinha violado o artigo 13.°, em conjugação com o artigo 3.° da CEDH. Além disso, declarou que também a Bélgica tinha infringido o artigo 3.° da CEDH porque, ao transferir o requerente de asilo afegão para a Grécia, o tinha exposto aos riscos associados às insuficiências constatadas no sistema de asilo grego, bem como a condições de vida e de detenção contrárias ao artigo 3.° da CEDH. Por último, o TEDH declarou que a Bélgica tinha violado igualmente o artigo 13.°, em conjugação com o artigo 3.° da CEDH.

103. Os órgãos jurisdicionais nacionais de certos Estados‑Membros também já examinaram de modo crítico, no contexto do Regulamento n.° 343/2003 e da transferência de requerentes de asilo para a Grécia, o sistema de asilo grego bem como as condições de vida e de detenção de requerentes de asilo na Grécia. Por exemplo, o Verfassungsgerichtshof austríaco, no seu acórdão de 7 de Outubro de 2010 (41), ao apreciar a constitucionalidade da transferência para a Grécia, nos termos do Regulamento n.° 343/2003, de uma mulher afegã com uma família monoparental constituída por três filhos, concluiu que, em caso de transferência para a Grécia de pessoas que necessitem de protecção para os fins do procedimento de asilo embora exista, em princípio, a possibilidade de tomada a cargo pelo Estado, não se pode automaticamente contar com isso sem uma garantia individual das autoridades competentes relativa à situação concreta.

104. Da descrição dos factos pelo tribunal de instância inferior, fornecida ao órgão jurisdicional de reenvio como tribunal de recurso no processo prejudicial, resulta um quadro idêntico (42). Além disso, a Comissão indicou, nas suas observações escritas no presente processo, que, em 3 de Novembro de 2009, enviou à Grécia uma notificação para cumprir, nos termos do artigo 226.° CE e, em 24 de Junho de 2010, uma notificação para cumprir complementar, nas quais a Grécia é acusada, nomeadamente, de ter infringido várias normas das Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85 (43).

105. Decorre destas considerações que o sistema de asilo grego, devido a uma sobrecarga, se encontra sob forte pressão, pelo que já não pode ser garantido um tratamento dos requerentes de asilo e uma análise dos seus pedidos em conformidade com as exigências das Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85. Nestas condições, não se pode excluir que os requerentes de asilo que, de acordo com as normas e os procedimentos do Regulamento n.° 343/2003, são transferidos para a Grécia por outros Estados‑Membros, fiquem sujeitos, após a sua transferência, a um tratamento incompatível com as disposições da Carta dos Direitos Fundamentais, da Convenção de Genebra e da CEDH.

3.      Quanto à consideração da sobrecarga de sistemas de asilo dos Estados‑Membros no âmbito da aplicação do Regulamento n.° 343/2003

106. No contexto da sobrecarga do sistema de asilo grego e das repercussões dessa sobrecarga sobre o tratamento de requerentes de asilo e a análise dos seus pedidos, o órgão jurisdicional de reenvio é confrontado com a questão de saber se um Estado‑Membro pode transferir um requerente de asilo para a Grécia, em aplicação das disposições do Regulamento n.° 343/2003, mesmo se se concluir que, com a transferência, este requerente correrá o risco de uma violação dos seus direitos humanos e fundamentais. O órgão jurisdicional de reenvio desenvolve esta questão fundamental na segunda, terceira e quarta questões prejudiciais.

107. Com a segunda e terceira questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça, no essencial, que esclareça se os Estados‑Membros, ao aplicarem o Regulamento n.° 343/2003, podem partir da presunção inilidível de que o Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo respeitará, após a transferência do requerente de asilo, quer as normas mínimas das Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85 quer os direitos fundamentais do requerente de asilo (terceira questão prejudicial), pelo que uma transferência de requerentes de asilo nos termos do Regulamento n.° 343/2003 deveria sempre ser considerada compatível com os direitos fundamentais da União, independentemente da situação existente no Estado‑Membro responsável (segunda questão prejudicial).

108. Caso estas questões devam ser respondidas pela negativa, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, com a sua quarta questão prejudicial se e, em caso afirmativo, em que condições um Estado‑Membro, ao aplicar o Regulamento n.° 343/2003, está obrigado a analisar um pedido de asilo nos termos do artigo 3.°, n.° 2, deste regulamento, quando a transferência para o Estado‑Membro em primeira linha responsável sujeite o requerente ao risco de violação dos seus direitos fundamentais e/ou ao risco de que não lhe sejam aplicadas as normas mínimas previstas nas Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85.

109. A seguir, examinarei primeiro a quarta questão prejudicial. Debruçar‑me‑ei depois sobre a segunda e terceira questões prejudiciais.

a)      Quarta questão prejudicial: a obrigação de exercer o direito de intervenção, previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, quando a transferência para o Estado‑Membro em primeira linha responsável sujeite o requerente de asilo a um sério risco de violação dos seus direitos fundamentais

i)      Quanto à problemática de um sério risco de violação dos direitos fundamentais de um requerente de asilo no caso da sua transferência para o Estado‑Membro em primeira linha responsável

110. Se um Estado‑Membro não estiver, por qualquer motivo, em condições de respeitar o disposto nas Directivas 2003/09, 2004/83 e 2005/85 ou de cumprir as suas obrigações decorrentes do direito internacional quanto ao tratamento dos requerentes de asilo ou à análise dos seus pedidos, os requerentes de asilo correm de facto o risco de, caso sejam transferidos para este Estado‑Membro, ficarem sujeitos a um tratamento que viole os seus direitos humanos e fundamentais.

111. Neste contexto, pode, por exemplo, existir o risco de o Estado‑Membro em primeira linha responsável não observar o direito ao respeito e protecção da dignidade do ser humano, consagrado no artigo 1.° da Carta dos Direitos Fundamentais, ou a proibição da tortura e dos tratos ou penas desumanos ou degradantes, prevista no artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais (44).

112. Quando existir num Estado‑Membro o sério risco de uma violação da dignidade do ser humano na acepção do artigo 1.° da Carta dos Direitos Fundamentais ou de um tratamento desumano ou degradante, na acepção do artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais, a transferência de requerentes de asilo para este Estado‑Membro é também incompatível com o artigo 1.° e o artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais. Com efeito, nos termos do artigo 1.° da Carta dos Direitos Fundamentais, a dignidade do ser humano deve ser não só «respeitada», mas também «protegida». Essa função de protecção positiva é inerente também ao artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais (45). Acresce que o artigo 19.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais prevê expressamente, a este respeito, que ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes (46).

113. A sobrecarga completa do sistema de asilo de um Estado‑Membro pode, em determinadas circunstâncias, tornar necessário o exame da compatibilidade da transferência de um requerente de asilo para esse Estado‑Membro com o artigo 18.° da Carta dos Direitos Fundamentais.

114. Nos termos do artigo 18.° da Carta dos Direitos Fundamentais, o direito de asilo é garantido no quadro da Convenção de Genebra, e nos termos do TUE e do TFUE (47). Um dos elementos essenciais da Convenção de Genebra é a proibição, formulada no seu artigo 33.°, da expulsão ou repulsão directa ou indirecta de refugiados para um Estado no qual sofram perseguição – o chamado princípio da não repulsão. Embora o alcance exacto desta proibição de repulsão seja controverso, deve partir‑se do princípio de que confere aos refugiados (48) não apenas protecção contra um afastamento directo para um Estado no qual sofram perseguição, mas também protecção contra o chamado afastamento em cadeia, que consiste na transferência para um Estado no qual existe o perigo de um afastamento para um Estado no qual sofram perseguição (49).

115. Quando a sobrecarga do sistema de asilo de um Estado‑Membro tenha como consequência que os refugiados corram, neste Estado, o risco de uma repulsão directa ou indirecta para um Estado no qual sofram perseguição, o artigo 18.° da Carta dos Direitos Fundamentais proíbe, por isso, os outros Estados‑Membros de transferirem refugiados para o primeiro Estado.

ii)    Quanto à obrigação de intervenção prevista no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003

116. Decorre das considerações que teci que a sobrecarga do sistema de asilo de um Estado‑Membro é susceptível de criar um clima no qual podem ser violados um ou mais dos direitos dos requerentes de asilo garantidos na Carta dos Direitos Fundamentais. Por outro lado, cheguei à conclusão de que é incompatível com a Carta dos Direitos Fundamentais a transferência de requerentes de asilo para um Estado‑Membro no qual corram sério risco de violação dos seus direitos fundamentais.

117. Nestas condições, coloca‑se a questão de saber se o Regulamento n.° 343/2003 pode ser interpretado no sentido de que permite excluir transferências de requerentes de asilo incompatíveis com os direitos fundamentais.

118. Que o Regulamento n.° 343/2003 deve ser interpretado, na medida do possível, em conformidade com os direitos fundamentais, resulta por um lado da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, segundo a qual os Estados‑Membros não se devem basear numa interpretação de normas do direito derivado que viole direitos fundamentais protegidos na ordem jurídica da União ou outros princípios gerais do direito da União (50). Por outro lado, o Regulamento n.° 343/2003 deve ser interpretado em conformidade com os direitos fundamentais, em especial atendendo a que o artigo 63.°, n.° 1, CE, que serve de base legal de direito primário a este regulamento, dispõe expressamente que as medidas adoptadas pelo legislador da União em matéria de asilo devem ser concordantes com a Convenção de Genebra, bem como com os outros tratados pertinentes (51). Além disso, o décimo quinto considerandos do Regulamento n.° 343/2003 confirma expressamente que este regulamento respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pela Carta dos Direitos Fundamentais (52).

119. Em meu entender, o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003 deixa aos Estados‑Membros um poder discricionário suficientemente amplo para lhes permitir uma aplicação deste regulamento compatível com as exigências decorrentes da protecção dos direitos fundamentais, se um requerente de asilo, ao ser transferido para o Estado‑Membro em primeira linha responsável, correr sério risco de violação dos seus direitos fundamentais, consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais.

120. Com efeito, o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003 confere aos Estados‑Membros o direito de analisar o pedido de asilo apresentado por um requerente de asilo também quando, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, em conjugação com as disposições do capítulo III do regulamento, é responsável, em primeira linha, outro Estado‑Membro. O Estado‑Membro que exerce este direito de intervenção torna‑se, por força do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, o Estado‑Membro responsável, que tem de assumir todas as obrigações que daí decorrem.

121. O Estado‑Membro no qual foi apresentado um pedido de asilo pode, assim, eliminar completamente o sério risco de uma violação dos direitos que a Carta dos Direitos Fundamentais garante ao requerente de asilo em caso da transferência deste para o Estado‑Membro em primeira linha responsável exercendo o seu direito de intervenção nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003.

122. Atendendo à circunstância de que os Estados‑Membros estão obrigados a aplicar o Regulamento n.° 343/2003 em conformidade com os direitos fundamentais e a que uma transferência de requerentes de asilo para um Estado‑Membro no qual corram sério risco de violação de um ou vários dos seus direitos fundamentais, deve, em regra, ser também considerada uma violação da Carta dos Direitos Fundamentais pelo Estado‑Membro que procede à transferência, penso que os Estados‑Membros estão obrigados a exercer o direito de intervenção, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, quando no Estado‑Membro em primeira linha responsável exista o risco de uma violação dos direitos fundamentais do requerente de asilo a transferir, consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais.

123. Pelo contrário, o sério risco de infracção a disposições isoladas das Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85 no Estado‑Membro em primeira linha responsável, que não constitua simultaneamente uma violação dos direitos fundamentais que a Carta dos Direitos Fundamentais garante ao requerente de asilo a transferir, não é suficiente para criar uma obrigação do Estado‑Membro que procede à transferência de exercer o direito de intervenção previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003.

124. Neste contexto, importa salientar, antes de mais, que uma interpretação do Regulamento n.° 343/2003 em conformidade com os direitos fundamentais não pode impor o exercício do direito de intervenção previsto no artigo 3.°, n.° 2 quando o Estado‑Membro de acolhimento não respeita disposições isoladas das Directivas 2003/9, 2004/83 ou 2005/85, sem contudo violar a Carta dos Direitos Fundamentais. Além disso, a transferência de um requerente de asilo para um Estado‑Membro no qual não existe o risco de violação dos direitos que a Carta dos Direitos Fundamentais garante a esse requerente de asilo também não implica, normalmente, uma violação da Carta dos Direitos Fundamentais pelo Estado‑Membro que procede à transferência.

125. Acresce que seria dificilmente compatível com os objectivos do Regulamento n.° 343/2003 se qualquer infracção às Directivas 2003/9, 2004/83 ou 2005/85 fosse suficiente para impedir a transferência de um requerente de asilo para o Estado‑Membro em primeira linha responsável (53). Com efeito, o Regulamento n.° 343/2003 visa estabelecer um método claro e operacional para determinar o Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo que, além disso, deve permitir uma determinação rápida desse Estado‑Membro (54). Para atingir este objectivo, o Regulamento n.° 343/2003 estabelece um regime nos termos do qual para cada pedido de asilo apresentado na União é responsável um único Estado‑Membro, que é determinado com base em critérios objectivos. No caso de entrada ilegal no território da União, o artigo 10.° do Regulamento n.° 343/2003 prevê que é responsável pela análise do pedido de asilo o Estado‑Membro em que o requerente entrou primeiro (55).

126. Ora, se qualquer infracção a disposições isoladas das Directivas 2003/9, 2004/83 ou 2005/85 por parte do Estado‑Membro no qual a primeira entrada ilegal se verificou implicasse, para o Estado‑Membro no qual o requerente apresentou um pedido de asilo, a obrigação de exercer o seu direito de intervenção nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003 seria criado, à margem dos critérios objectivos de determinação do Estado‑Membro responsável, previstos no capítulo III do regulamento, um critério de exclusão novo e muito amplo, segundo o qual também infracções pouco graves de um Estado‑Membro às Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85 poderiam ter por efeito exonerar esse Estado‑Membro das responsabilidades previstas pelo Regulamento n.° 343/2003 e dos deveres que acarretam. Isso poderia não apenas esvaziar completamente de conteúdo as regras de competência constantes do Regulamento n.° 343/2003, mas também comprometer o objectivo com ele prosseguido, de permitir uma determinação rápida dos Estados‑Membros responsáveis pela análise dos pedidos de asilo apresentados na União.

iii) Conclusão provisória

127. Resulta do exposto que a quarta questão prejudicial do órgão jurisdicional de reenvio deve ser respondida no sentido de que um Estado‑Membro, no qual foi apresentado um pedido de asilo, está obrigado a exercer o seu direito de analisar esse pedido de asilo, em conformidade com o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, quando o requerente de asilo, no caso de ser transferido para o Estado‑Membro em primeira linha responsável nos termos do artigo 3.°, n.° 1, em conjugação com as disposições do capítulo III do Regulamento n.° 343/2003, corre sério risco de uma violação dos direitos que a Carta dos Direitos Fundamentais lhe garante. Pelo contrário, o sério risco de infracção, no Estado‑Membro em primeira linha responsável, a disposições isoladas das Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85, que não constitua simultaneamente uma violação dos direitos que a Carta dos Direitos Fundamentais garante ao requerente de asilo a transferir, não é suficiente para criar uma obrigação de exercer o direito de intervenção nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003.

b)      Segunda e terceira questões prejudiciais: o recurso a presunções inilidíveis no contexto do exercício do direito de intervenção previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003

128. Com a segunda e terceira questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se os Estados‑Membros, ao aplicarem o Regulamento n.° 343/2003, podem partir da presunção inilidível de que o Estado‑Membro em primeira linha responsável pela análise de um pedido de asilo respeitará, após a transferência do requerente de asilo, as normas mínimas das Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85 e os direitos fundamentais do requerente de asilo (terceira questão prejudicial), de modo que uma transferência de requerentes de asilo nos termos do Regulamento n.° 343/2003 deve sempre ser considerada compatível com os direitos fundamentais da União, independentemente da situação existente nesse Estado‑Membro (segunda questão prejudicial).

129. Em minha opinião, há que dar uma resposta negativa a estas questões.

130. Como já expliquei supra, nunca é possível excluir completamente que os requerentes de asilo, ao serem transferidos para outro Estado‑Membro tendo em vista a análise dos seus pedidos de asilo, corram de facto o risco de serem sujeitos a um tratamento que viole os seus direitos humanos e fundamentais. Quando no Estado‑Membro em primeira linha responsável pela análise de um pedido de asilo exista o sério risco de uma violação dos direitos fundamentais do requerente de asilo consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais, o Estado‑Membro no qual este requerente apresentou o seu pedido de asilo está obrigado a exercer o direito de intervenção nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003.

131. Decorre directamente destas considerações que uma aplicação do Regulamento n.° 343/2003 com base na presunção inilidível de que os direitos fundamentais do requerente de asilo são respeitados no Estado‑Membro em primeira linha responsável para o seu pedido, é incompatível com a obrigação dos Estados‑Membros de interpretação e aplicação do Regulamento n.° 343/2003 em conformidade com os direitos fundamentais (56). Com efeito, neste caso o Estado‑Membro no qual o requerente apresentou o seu pedido de asilo nunca estaria obrigado a exercer o direito de intervenção, previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003 e, por conseguinte, não seria possível excluir que o requerente de asilo, apesar do sério risco de violação dos seus direitos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais, fosse transferido para outro Estado‑Membro.

132. Pela mesma razão, é incompatível com o direito da União aplicar o Regulamento n.° 343/2003 com base na presunção inilidível de que todas as normas mínimas das Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85 serão respeitadas no Estado‑Membro de acolhimento. Com efeito, a presunção inilidível de que são respeitadas todas as normas mínimas das Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85, não se distingue de facto da presunção inilidível de que os direitos fundamentais do requerente de asilo, consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais, serão respeitados no Estado‑Membro em primeira linha responsável.

133. Contudo, isto não significa que os Estados‑Membros, no âmbito da aplicação do Regulamento n.° 343/2003, estejam em princípio impedidos de partir da presunção ilidível de que os direitos humanos e os direitos fundamentais do requerente de asilo serão respeitados no Estado‑Membro em primeira linha responsável pelo seu pedido. Neste contexto, importa lembrar que o tratamento de requerentes de asilo e a análise dos seus pedidos nos termos das Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85 devem, em cada Estado‑Membro, estar em conformidade com importantes normas mínimas, e que todos os Estados‑Membros estão obrigados a observar a Carta dos Direitos Fundamentais (57) bem como – na qualidade de Estados signatários – a CEDH e a Convenção de Genebra. Atendendo ao elevado nível de protecção que estes instrumentos jurídicos garantem, parece ser razoável que, ao proceder à transferência de requerentes de asilo, se aplique a presunção ilidível de que estes requerentes serão tratados de modo conforme com os direitos humanos e os direitos fundamentais no Estado‑Membro em primeira linha responsável (58). Neste sentido, é expressamente salientado no segundo considerando do Regulamento n.° 343/2003 que, como todos os Estados‑Membros respeitam o princípio da não repulsão, são considerados países seguros para os nacionais de países terceiros (59).

134. No entanto, quando os Estados‑Membros optam pela aplicação de tal presunção ilidível, devem respeitar o princípio da efectividade, nos termos do qual o exercício dos direitos consagrados na ordem jurídica da União não pode ser tornado praticamente impossível ou excessivamente difícil (60).

135. Na medida em que os Estados‑Membros optem por estabelecer a presunção ilidível de que os direitos humanos e os direitos fundamentais do requerente de asilo serão respeitados no Estado‑Membro em primeira linha responsável, tem de ser criado a favor aos requerentes de asilo um processo jurídico que permita ilidir efectivamente esta presunção. É no âmbito da ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro que importa definir em concreto, no respeito do princípio da efectividade, os meios de prova susceptíveis de serem utilizados para esse fim, bem como as regras e princípios de apreciação dessas provas.

136. Resulta do exposto que a segunda e terceira questões prejudiciais devem ser respondidas no sentido de que a obrigação de interpretar o Regulamento n.° 343/2003 de maneira conforme com os direitos fundamentais se opõe à aplicação de uma presunção inilidível, segundo a qual o Estado‑Membro em primeira linha responsável pela análise de um pedido de asilo respeita os direitos fundamentais que a ordem jurídica da União garante ao requerente de asilo, bem como todas as normas mínimas das Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85. Pelo contrário, os Estados‑Membros não estão impedidos de, ao aplicarem o Regulamento n.° 343/2003, partirem da presunção ilidível de que o Estado‑Membro em primeira linha responsável pela análise do pedido de asilo respeitará os direitos humanos e os direitos fundamentais do requerente de asilo.

C –    Quinta questão prejudicial: relação entre a protecção dos requerentes de asilo garantida pela Carta dos Direitos Fundamentais e a sua protecção ao abrigo da CEDH

137. Com a sua quinta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se os artigos 1.°, 18.° e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais conferem aos requerentes de asilo que, nos termos do Regulamento n.° 343/2003, devem ser transferidos para outro Estado‑Membro, uma protecção mais ampla que o artigo 3.° da CEDH.

138. Embora o órgão jurisdicional de reenvio não tenha esclarecido expressamente o contexto jurídico desta questão, parece que a decisão do TEDH de 2 de Dezembro de 2008, K.R.S./Reino Unido (61), influenciou de modo particular a apresentação do presente pedido prejudicial. Nessa decisão, o TEDH foi chamado a decidir sobre o recurso em matéria de direitos humanos de um nacional iraniano que, de acordo com o disposto no Regulamento n.° 343/2003, devia ser transferido do Reino Unido para a Grécia. O requerente de asilo iraniano sustentou que o seu afastamento para a Grécia violava o artigo 3.° da CEDH. Na sua decisão de 2 de Dezembro de 2008, o TEDH negou provimento ao recurso por ser manifestamente infundado.

139. Logo, ao formular a sua decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio era confrontado com a questão de saber de que modo devia ter em conta a decisão K.R.S./Reino Unido, do TEDH. A este respeito, era necessário esclarecer se a análise do TEDH, de que a transferência de um requerente de asilo iraniano para a Grécia não violava o artigo 3.° da CEDH, se opõe à constatação de uma violação dos artigos 1.°, 18.° e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais num caso como o do processo principal.

140. Como já expliquei, no seu acórdão M.S.S./Bélgica c. Grécia de 21 de Janeiro de 2011,(62), isto é, após ter sido apresentado o pedido de decisão prejudicial, o TEDH desenvolveu a sua jurisprudência e considerou que, ao transferir um requerente de asilo para a Grécia, nos termos do Regulamento n.° 343/2003, a Bélgica tinha violado o artigo 3.° da CEDH, bem como o artigo 13.°, em conjugação com o artigo 3.° da CEDH.

141. Atendendo a esta evolução da jurisprudência do TEDH, o órgão jurisdicional de reenvio já não tem de analisar, antes de mais, a questão de saber em que condições a transferência de requerentes de asilo para a Grécia, apesar da decisão do TEDH no processo K.R.S./Reino Unido, pode levar à constatação de uma violação dos direitos deste requerente de asilo consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais, mas sim a questão de saber se, atendendo ao TEDH, acórdão M.S.S./Bélgica c. Grécia, uma transferência de requerentes de asilo para a Grécia pode ainda ser declarada compatível com a Carta dos Direitos Fundamentais.

142. Nestas condições, deve concluir‑se que a quinta questão prejudicial deve ser entendida no sentido de que é solicitado ao Tribunal de Justiça que esclareça qual a relação que existe entre os artigos 3.° e 13.° da CEDH, por um lado, e as correspondentes disposições da Carta dos Direitos Fundamentais (63), por outro, e de que modo a jurisprudência do TEDH relativa à (in)compatibilidade com a CEDH de transferências de requerentes de asilo para a Grécia influencia o controlo judicial da compatibilidade dessas transferências com a Carta dos Direitos Fundamentais.

143. Para responder a estas questões, é preciso atender ao artigo 52.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais. Nos termos desta norma, os direitos da Carta dos Direitos Fundamentais correspondentes aos direitos garantidos pela CEDH, têm um sentido e âmbito iguais aos conferidos pela CEDH. Além disso, o artigo 52.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais esclarece expressamente que esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma protecção mais ampla.

144. Nas Anotações da CDF relativas ao artigo 52.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais é salientado que esta disposição visa garantir a coerência necessária entre a Carta dos Direitos Fundamentais e a CEDH. Essa referência entende‑se, segundo as Anotações relativas à CDF, como uma referência não só ao disposto na CEDH e nos respectivos protocolos, mas também à concretização do sentido e do âmbito dos direitos aí garantidos pela jurisprudência do TEDH. Contudo, isso não afecta a autonomia do direito da União e do Tribunal de Justiça.

145. Assim, por força do artigo 52.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais, importa garantir que a protecção por ela conferida nos domínios em que existe uma sobreposição entre as suas normas e as da CEDH, não fique aquém da que é assegurada pela CEDH. Dado que a protecção conferida pela CEDH não cessa de se desenvolver à luz da sua interpretação pelo TEDH (64), a remissão do artigo 52.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais para a CEDH deve ser entendida como uma remissão essencialmente dinâmica que, em princípio, abrange a jurisprudência do TEDH (65).

146. Obviamente, importa ter em conta, neste contexto, que os acórdãos do TEDH constituem sempre, por natureza, decisões judiciais relativas a determinados casos, e não as próprias normas da CEDH, pelo que seria errado aplicar a Carta dos Direitos Fundamentais tomando por base a jurisprudência do TEDH como uma fonte de interpretação com validade ilimitada (66). No entanto, esta constatação não deve fazer esquecer que é preciso atribuir especial importância e um peso considerável à jurisprudência do TEDH ao interpretar a Carta dos Direitos Fundamentais, pelo que é indispensável recorrer a ela ao fazê‑lo (67).

147. Esta análise é confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça que, no contexto da interpretação das disposições da Carta dos Direitos Fundamentais, se refere sistematicamente à jurisprudência do TEDH relativa às correspondentes disposições da CEDH (68).

148. Face ao exposto, cabe responder à quinta questão prejudicial que o artigo 52.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais impõe a obrigação de garantir que o nível de protecção conferido por esta nos domínios em que existe uma sobreposição entre as suas normas e as da CEDH, não deve ficar aquém da protecção assegurada pela CEDH. Dado que a jurisprudência do TEDH precisou o sentido e o âmbito da protecção garantida pela CEDH, o Tribunal de Justiça deve atribuir especial importância e um peso considerável a esta jurisprudência ao interpretar as correspondentes disposições da Carta dos Direitos Fundamentais.

D –    Sexta questão prejudicial: controlo judicial do respeito da Convenção de Genebra e da CEDH no Estado‑Membro em primeira linha responsável nos termos do Regulamento n.° 343/2003

149. Com a sua sexta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se um regime nacional, que obriga os órgãos jurisdicionais chamados a controlar a aplicação do Regulamento n.° 343/2003, a partir da presunção inilidível de que o Estado‑Membro em primeira linha responsável pela análise do pedido de asilo é um Estado seguro, no qual os requerentes de asilo não correm o risco de serem expulsos, em violação da Convenção de Genebra ou da CEDH, para um Estado no qual sofram perseguição, é compatível com o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais.

150. Para responder a esta questão, abordarei primeiro a relação entre os direitos dos requerentes de asilo nos termos do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais e o risco de uma expulsão, incompatível com a Convenção de Genebra ou com a CEDH, para um Estado no qual sofram perseguição, que existe no caso da transferência de requerentes de asilo para o Estado‑Membro em primeira linha responsável. Com base nestas considerações, responderei a seguir à sexta questão do órgão jurisdicional de reenvio.

1.      O artigo 47.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais e o risco de uma violação da Convenção de Genebra ou da CEDH após a transferência de um requerente de asilo, nos termos do Regulamento n.° 343/2003

151. O artigo 47.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais estabelece que toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma acção perante um tribunal, nos termos previstos nesse artigo.

152. Pressuposto fundamental da aplicabilidade do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais é que tenham sido violados direitos ou liberdades garantidos pelo direito da União. Logo, uma violação da Convenção de Genebra ou da CEDH só pode criar um direito a uma acção nos termos do artigo 47.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, quando esta violação deva, ao mesmo tempo, ser considerada uma violação de direitos ou liberdades garantidos pela ordem jurídica da União.

153. Embora seja necessário distinguir claramente de iure entre uma violação da Convenção de Genebra ou da CEDH no âmbito da transferência de um requerente de asilo para um Estado‑Membro, no qual corra sério risco de ser expulso para um Estado no qual sofra perseguição e uma violação do direito da União eventualmente associada à primeira violação, existe de facto nesse caso, em regra, um paralelo entre a violação da Convenção de Genebra ou da CEDH e a violação do direito da União.

154. Para apreciar, à luz do direito da União, a legalidade da transferência de um requerente de asilo para um Estado‑Membro, no qual corra sério risco de ser expulso para outro Estado em violação da Convenção de Genebra, é necessário atender ao artigo 18.° da Carta dos Direitos Fundamentais, nos termos do qual é garantido o direito de asilo, no quadro da Convenção de Genebra (69). Devido a esta referência expressa à Convenção de Genebra, o artigo 18.° da Carta dos Direitos Fundamentais confere aos refugiados que apresentam um pedido de asilo protecção contra transferências incompatíveis com a Convenção de Genebra (70). Neste contexto, a transferência de um refugiado para um Estado‑Membro em primeira linha responsável pela análise do seu pedido de asilo é incompatível com a Carta dos Direitos Fundamentais se, neste Estado‑Membro, correr sério risco de uma expulsão directa ou indirecta para um Estado no qual sofra perseguição.

155. Para apreciar se a transferência de um requerente de asilo para um Estado‑Membro, no qual corra sério risco de ser expulso para um Estado terceiro, em violação da CEDH, está em conformidade com o direito da União, há que atender ao princípio do artigo 52.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais, segundo o qual o âmbito da protecção dos direitos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais não deve ficar aquém das garantias da CEDH (71).

156. A este respeito, o TEDH esclareceu, por último no seu acórdão M.S.S./Bélgica c. Grécia, as garantias da CEDH relativamente à transferência de requerentes de asilo entre Estados‑Membros. Sublinhou aí que a transferência de um requerente de asilo para um Estado intermédio, que é igualmente signatário da convenção, não afecta a responsabilidade do Estado que efectua a expulsão que, por força do artigo 3.° da CEDH, está obrigado a renunciar ao afastamento quando for demonstrada a existência de motivos sérios para crer que o interessado, no caso da sua transferência para o Estado intermédio, corre aí realmente o risco de uma transferência para outro Estado, contrária ao artigo 3.° da CEDH (72).

157. Atendendo ao disposto no artigo 52.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais, no caso de a transferência de um requerente de asilo para o Estado‑Membro em primeira linha responsável, nos termos do Regulamento n.° 343/2003, violar o artigo 3.° da CEDH devido ao risco de repulsão indirecta, existe, em regra, também uma violação da Carta dos Direitos Fundamentais. Neste contexto pode existir, em especial, uma violação dos direitos fundamentais dos requerentes de asilo garantidos nos artigos 1.°, 4.° e 19.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais (73).

158. Em resumo, resulta do exposto que a transferência de um requerente de asilo para o Estado‑Membro em primeira linha responsável, nos termos do Regulamento n.° 343/2003, é, em regra, incompatível com o direito da União quando o requerente de asilo corra, neste Estado‑Membro, sério risco de uma expulsão, incompatível com a Convenção de Genebra ou com a CEDH, para um Estado no qual sofra perseguição. Na medida em que a transferência do requerente de asilo viole o direito da União, é aplicável o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais.

2.      Incompatibilidade com o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da presunção judicial inilidível de que, no Estado‑Membro em primeira linha responsável, o requerente de asilo não corre o risco de uma expulsão incompatível com a Convenção de Genebra ou a CEDH

159. Ao abrigo do artigo 47.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma acção perante um tribunal competente, para verificar essa violação. Dado que com essa acção deve ser esclarecido se foram efectivamente violados direitos ou liberdades garantidos pela ordem jurídica da União, o direito à acção surge logo a partir do momento em que esta violação dos direitos é alegada de modo plausível (74).

160. A configuração concreta das modalidades processuais da acção prevista no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais é deixada, em larga medida, aos Estados‑Membros. Esta margem de manobra dos Estados‑Membros é, contudo, limitada pela necessidade de garantir sempre a eficácia do direito à acção. Note‑se, a este respeito, que nos termos do artigo 52.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais qualquer restrição ao exercício do direito à acção deve ser prevista por lei (75) e respeitar o conteúdo essencial desse direito, bem como o princípio da proporcionalidade.

161. O conteúdo mínimo do direito à acção inclui a exigência de que este direito deve satisfazer o princípio da efectividade (76). De acordo com este princípio, o exercício dos direitos garantidos na ordem jurídica da União não deve ser tornado praticamente impossível ou excessivamente difícil (77).

162. Em meu entender, resulta directamente destas considerações sobre a essência e o conteúdo mínimo do direito à acção previsto no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais, que um regime nacional, segundo o qual os órgãos jurisdicionais, ao analisarem a transferência de um requerente de asilo para o Estado‑Membro em primeira linha responsável nos termos do Regulamento n.° 343/2003, devem partir da presunção inilidível de que este Estado‑Membro não expulsará o requerente de asilo para outro Estado, em violação da CEDH ou da Convenção de Genebra, é incompatível com o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais.

163. Neste contexto, é decisivo que essa presunção torna excessivamente difícil ou mesmo impossível de facto o controlo judicial do risco de um afastamento em cadeia, incompatível com a Carta dos Direitos Fundamentais, para um Estado no qual se sofra perseguição. É lógico que seria dificilmente compreensível que um órgão jurisdicional nacional entendesse não existir qualquer risco de um afastamento em cadeia para um Estado no qual se sofra perseguição da perspectiva da CEDH e da Convenção de Genebra, entendendo, ao invés, que um risco idêntico existe da perspectiva da Carta dos Direitos Fundamentais. Por este motivo, a presunção inilidível em causa, de que o Estado‑Membro em primeira linha responsável não afastará o requerente de asilo, em violação da CEDH e da Convenção de Genebra, para um Estado no qual sofra perseguição, é incompatível com o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais.

164. Face ao exposto, a sexta questão prejudicial deve ser respondida no sentido de que é incompatível com o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais um regime nacional que impõe aos órgãos jurisdicionais, chamados a analisar se um requerente de asilo pode, nos termos do Regulamento n.° 343/2003, ser legalmente transferido para outro Estado‑Membro, a obrigação de partir da presunção inilidível de que este Estado‑Membro é um Estado seguro, no qual o requerente de asilo não corre o risco de ser expulso para um Estado no qual sofra perseguição, em violação da Convenção de Genebra ou da CEDH.

E –    Sétima questão prejudicial

165. Com a sua sétima questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que precise o conteúdo e o alcance do Protocolo n.° 30 relativo à aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia à Polónia e ao Reino Unido, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Pergunta, no essencial, se, atendendo a este protocolo, as disposições da Carta dos Direitos Fundamentais relevantes para o presente processo podem produzir efeitos jurídicos sem restrição na ordem jurídica do Reino Unido.

166. Assim, com esta questão o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se e, em caso afirmativo, em que medida o Protocolo n.° 30 pode ser classificado como um «Opt‑out» da Carta dos Direitos Fundamentais por parte do Reino Unido e da República da Polónia.

167. Penso que não é possível, sem mais, responder pela negativa à questão de saber se o Protocolo n.° 30 deve ser considerado um opt‑out geral da Carta dos Direitos Fundamentais por parte do Reino Unido e da República da Polónia (78). Chego a esta conclusão com base na análise do teor do Protocolo n.° 30, em especial dos seus considerandos.

168. Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, do Protocolo n.° 30, a Carta não alarga a faculdade do Tribunal de Justiça da União Europeia, ou de qualquer tribunal da Polónia ou do Reino Unido, de considerar que as leis, os regulamentos ou as disposições, práticas ou acção administrativas destes países são incompatíveis com os direitos, as liberdades e os princípios fundamentais que nela são reafirmados.

169. Assim, o artigo 1.°, n.° 1, do Protocolo n.° 30 dispõe claramente que a Carta dos Direitos Fundamentais não pode implicar nem uma alteração das competências em detrimento do Reino Unido ou da Polónia, nem um alargamento do âmbito de aplicação do direito da União para além das competências que os Tratados confiam à União. Contudo, deste modo o artigo 1.°, n.° 1, do Protocolo n.° 30 limita‑se a confirmar o conteúdo normativo do artigo 51.° da Carta dos Direitos Fundamentais, que visa precisamente excluir esse alargamento das competências da União ou do âmbito de aplicação do direito da União (79). Logo, o artigo 1.°, n.° 1, do Protocolo n.° 30 não põe em causa, em princípio, a validade da Carta dos Direitos Fundamentais para o Reino Unido e para a Polónia (80).

170. Esta análise é confirmada pelos considerandos do protocolo, que reafirmam várias vezes que a Carta dos Direitos Fundamentais se aplica, em princípio, na ordem jurídica polaca e inglesa (81). Assim, no terceiro considerando é sublinhado que a Carta, nos termos do artigo 6.° TUE, deve ser aplicada e interpretada pelos tribunais da Polónia e do Reino Unido em estrita conformidade com as anotações a que se refere aquele artigo. O oitavo e nono considerandos fazem referência ao desejo da Polónia e do Reino Unido, de clarificar determinados aspectos da aplicação da Carta bem como a aplicação da Carta em relação às leis e à acção administrativa da Polónia e do Reino Unido.

171. Ao passo que o artigo 1.°, n.° 1, do Protocolo n.° 30 não põe em causa a aplicabilidade da Carta dos Direitos Fundamentais, mas deve apenas ser considerado uma confirmação expressa do conteúdo normativo do artigo 51.° da Carta dos Direitos Fundamentais, o artigo 1.°, n.° 2, do Protocolo n.° 30 parece destinar‑se a precisar a aplicabilidade de certas disposições individuais da Carta nas ordens jurídicas do Reino Unido e da Polónia. Com efeito, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, do Protocolo n.° 30, o título IV da Carta dos Direitos Fundamentais não cria direitos invocáveis perante os tribunais e que se apliquem à Polónia ou ao Reino Unido, excepto na medida em que estes países tenham previsto tais direitos na respectiva legislação nacional.

172. O artigo 1.°, n.° 2, do Protocolo n.° 30 visa os direitos e princípios sociais fundamentais agrupados no título IV da Carta dos Direitos Fundamentais (artigos 27.° a 38.°). Este título IV, «Solidariedade», é um dos temas mais controversos na génese da Carta dos Direitos Fundamentais. Discutiu‑se não apenas a questão fundamental de saber se os direitos e princípios sociais deviam ser incluídos na Carta dos Direitos Fundamentais, mas também quantos direitos sociais deviam ser aí incluídos, como deviam ser configurados em concreto, que efeitos vinculativos deviam produzir e se deviam ser classificados como direitos fundamentais ou como princípios (82).

173. Constatando que o título IV da Carta dos Direitos Fundamentais não cria direitos invocáveis perante os tribunais e que se apliquem à Polónia ou ao Reino Unido, o artigo 1.°, n.° 2, do Protocolo n.° 30 confirma, antes de mais, o princípio enunciado no artigo 51.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, de que a Carta dos Direitos Fundamentais não cria entre particulares direitos invocáveis perante os tribunais. Além disso, o artigo 1.°, n.° 2, do Protocolo n.° 30 parece excluir que possam ser deduzidos dos artigos 27.° a 38.° da Carta dos Direitos Fundamentais novos direitos decorrentes da ordem jurídica da União, invocáveis contra o Reino Unido ou a Polónia pelos seus titulares (83).

174. Dado que os direitos fundamentais em causa no presente processo não se incluem entre os direitos e princípios sociais fundamentais enumerados no título IV da Carta dos Direitos Fundamentais, não é necessário examinar aqui mais detalhadamente a questão do grau preciso da validade e do alcance do artigo 1.°, n.° 2, do Protocolo n.° 30. A este respeito, basta remeter para o décimo considerando do Protocolo n.° 30, segundo o qual as referências desse protocolo à aplicação de determinadas disposições da Carta em nada prejudicam a aplicação de outras disposições da mesma.

175. Por último, o artigo 2.° do Protocolo n.° 30 prevê que as disposições da Carta que façam referência às legislações e práticas nacionais só são aplicáveis à Polónia ou ao Reino Unido na medida em que os direitos ou princípios nelas consignados sejam reconhecidos na legislação ou nas práticas desses países.

176. À luz dos considerandos já referidos, não é possível deduzir do artigo 2.° do Protocolo n.° 30 um opt‑out geral do Reino Unido e da República da Polónia da Carta dos Direitos Fundamentais. Além disso, o artigo 2.° do Protocolo n.° 30 refere‑se exclusivamente a disposições da Carta dos Direitos Fundamentais que remetem para as legislações e práticas nacionais (84). Isto não sucede com as disposições da Carta dos Direitos Fundamentais pertinentes no presente processo.

177. Face ao exposto, importa responder à sétima questão prejudicial no sentido de que da interpretação do Protocolo n.° 30 nada resulta que seja susceptível de pôr em causa a validade para o Reino Unido das disposições da Carta dos Direitos Fundamentais pertinentes no presente processo.

VII – Conclusão

178. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais que lhe foram submetidas pela Court of Appeal (England & Wales) nos seguintes termos:

1)         A decisão tomada por um Estado‑Membro, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003 do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise e um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro, de examinar um pedido de asilo que, de acordo com os critérios enunciados no capítulo III deste regulamento, não é abrangido pela sua competência, constitui um acto de aplicação do direito da União no sentido do artigo 51.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais.

2)         Um Estado‑Membro, no qual foi apresentado um pedido de asilo, está obrigado a exercer o seu direito de o analisar, que lhe é conferido pelo artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, quando no caso de transferência para o Estado‑Membro em primeira linha responsável nos termos do artigo 3.°, n.° 1, lido em conjugação com as disposições do capítulo III do Regulamento n.° 343/2003, o requerente de asilo corra sério risco de uma violação dos direitos que a Carta dos Direitos Fundamentais lhe garante. O sério risco de infracção a disposições isoladas da Directiva 2003/9/CE do Conselho, de 27 de Janeiro de 2003, que estabelece normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados‑Membros, da Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da protecção concedida ou da Directiva 2005/85/CE do Conselho, de 1 de Dezembro de 2005, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros, no Estado‑Membro em primeira linha responsável, que não constitua simultaneamente uma violação dos direitos que a Carta dos Direitos Fundamentais garante ao requerente de asilo a transferir, não é suficiente para criar uma obrigação de exercer o direito de intervenção, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003.

3)         A obrigação de interpretar o Regulamento n.° 343/2003 de maneira conforme com os direitos fundamentais opõe‑se à aplicação de uma presunção inilidível, segundo a qual o Estado‑Membro em primeira linha responsável pela análise de um pedido de asilo respeita os direitos fundamentais que a ordem jurídica da União garante ao requerente de asilo, bem como todas as normas mínimas previstas nas Directivas 2003/9, 2004/83 e 2005/85. Pelo contrário, os Estados‑Membros não estão impedidos de tomar por base, ao aplicarem o Regulamento n.° 343/2003, a presunção ilidível de que os direitos humanos e os direitos fundamentais de um requerente de asilo são respeitados no Estado‑Membro em primeira linha responsável pela análise do seu pedido de asilo.

4)         O artigo 52.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais obriga a garantir que, nos domínios em que existe uma sobreposição entre as suas normas e as da CEDH, a protecção assegurada pela Carta dos Direitos Fundamentais não deve ficar aquém da que é assegurada pela CEDH. Tendo a jurisprudência do TEDH precisado o sentido e o âmbito da protecção garantida pela CEDH, o Tribunal de Justiça deve atribuir especial importância e um peso considerável a esta jurisprudência ao interpretar as disposições correspondentes da Carta dos Direitos Fundamentais.

5)         É incompatível com o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais um regime nacional que impõe, aos órgãos jurisdicionais chamados a analisar se um requerente de asilo pode, nos termos do Regulamento n.° 343/2003, ser legalmente transferido para outro Estado‑Membro, a obrigação de partir da presunção inilidível de que este Estado‑Membro é um Estado seguro, no qual o requerente de asilo não corre o risco de ser expulso para um Estado no qual sofra perseguição, em violação da Convenção de Genebra ou da CEDH.

6)         Da interpretação do Protocolo n.° 30 relativo à aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia à Polónia e ao Reino Unido nada resulta que seja susceptível de pôr em causa a validade para o Reino Unido das disposições da Carta dos Direitos Fundamentais pertinentes no presente processo.


1 – Língua original das conclusões: alemão. Língua do processo: inglês.


2 – JO L 50, p. 1.


3 – TEDH, acórdão M.S.S./Bélgica c. Grécia de 21 de Janeiro de 2011 (n.° 30696/09).


4 – Além do regulamento e das directivas a que é aqui feita referência, existe um grande número de outros actos de direito derivado, relativos à criação de um sistema de asilo comum, a uma política de imigração legal e à luta contra a imigração ilegal, como por exemplo o Regulamento (UE) n.° 439/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio de 2010, que cria um Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (JO L 132, p. 11), ou a Directiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO L 348, p. 98).


5 – JO L 212, p. 12.


6 – JO L 31, p. 18.


7 – JO L 304, p. 12.


8 – JO L 326, p. 13.


9 – O Governo do Reino Unido respondeu às outras questões prejudiciais para o caso de o Tribunal de Justiça concluir, contrariamente ao que sugere, que a decisão sobre o exercício do direito de intervenção, previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, é abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União.


10 – Com base no Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça relativo aos critérios e mecanismos de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num Estado‑Membro ou na Suíça (JO 2008, L 53, p. 5), a Confederação Suíça participou no sistema da União para determinar os Estados responsáveis pela análise dos pedidos de asilo. Ao abrigo do artigo 5.°, n.° 2, do referido acordo, a Confederação Suíça pode apresentar observações escritas ao Tribunal de Justiça em processos em que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro tenha submetido uma questão à apreciação daquele Tribunal para obter uma decisão a título prejudicial, relativa à interpretação do Regulamento n.° 343/2003.


11 – O órgão jurisdicional de reenvio é confrontado com esta questão no processo principal, porque o Secretary of State alegou que os Estados‑Membros, ao exercerem o poder discricionário que lhes é reconhecido nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, não têm de respeitar os direitos fundamentais da União, dado que o exercício desse poder discricionário não está abrangido pelo direito da União.


12 – V., a este respeito, também as Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C‑303, p. 32).


13 – JO 2007, C 303, p. 32. Segundo o artigo 52.°, n.° 7, da Carta dos Direitos Fundamentais, os órgãos jurisdicionais da União e dos Estados‑Membros têm em devida conta as anotações destinadas a orientar a interpretação da Carta dos Direitos Fundamentais. No artigo 6.°, n.° 1, terceiro parágrafo, TUE é também expressamente confirmada a importância das Anotações relativas à CDF para a interpretação das disposições concretas da Carta dos Direitos Fundamentais.


14 – Acórdão de 13 de Julho de 1989, Wachauf (5/88, Colect., p. 2609).


15 – Acórdão de 18 de Junho de 1991, ERT (C‑260/89, Colect., p. I‑2925).


16 – Acórdão de 13 de Abril de 2000, Karlsson e o. (C‑292/97, Colect., p. I‑2737). Este acórdão deve incluir‑se na linha jurisprudencial «Wachauf».


17 – Acórdão Wachauf (já referido na nota 14, n.° 19). Este acórdão foi confirmado, designadamente, pelo acórdão de 27 de Junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, Colect., p. I‑5769, n.os 104 e segs.).


18 – Acórdão ERT (já referido na nota 15, n.os 41 e segs.).


19 – Neste sentido, também, Ladenburger, C., artigo 51.°, in Europäische Grundrechtecharta (ed. Tettinger, P./Stern, K.), Munique 2006, n.os 22 e segs.; Nowak, C., in Handbuch der Europäischen Grundrechte (ed. Heselhaus/Nowak), Munique 2006, § 6, n.os 44 e segs.


20 – Por força do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, o Estado‑Membro que decida analisar voluntariamente o pedido de asilo torna‑se no Estado responsável, na acepção deste regulamento, e assume as obrigações inerentes a essa responsabilidade


21 – Acórdão Wachauf (já referido na nota 14)


22 – Regulamento (CEE) n.° 1371/84 da Comissão, de 16 de Maio de 1984, que fixa as regras de aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5.° C do Regulamento (CEE) n.° 804/68, JO L 132, p. 11.


23 – Acórdão Wachauf (já referido na nota 14, n.° 19).


24 – Ibidem, (n.os 22 e segs.).


25 – V., neste sentido, também acórdão Parlamento/Conselho (já referido na nota 17, n.° 104).


26 – Como indica acertadamente Graßhof, M., in EU‑Kommentar (ed. Schwarze), 2.ª ed., Baden‑Baden 2009, artigo 63.° TCE, n.° 4.


27 – Artigo 63.°, n.° 1, alíneas b), c) e d), CE.


28 – Em conformidade com os artigos 1.° e segs. do Protocolo n.° 5 relativo à posição da Dinamarca, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, a Dinamarca não participou na adopção das referidas directivas, pelo que estas não a vinculam nem lhe são aplicáveis (v. considerandos vigésimo primeiro da Directiva 2003/9, quadragésimo da Directiva 2004/83 e trigésimo quarto da Directiva 2005/85). Ao passo que a Irlanda, nos termos do artigo 3.° do Protocolo n.° 4 relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, participou na adopção das Directivas 2004/83 e 2005/85 (v. considerandos trigésimo nono e trigésimo terceiro destas directivas), o artigo 1.° do referido protocolo indica que não participou na adopção da Directiva 2003/9 (v. vigésimo considerando desta directiva). Em conformidade com o artigo 3.° do referido protocolo, o Reino Unido participou nas três directivas (v. considerandos décimo nono da Directiva 2003/9, trigésimo oitavo da Directiva 2004/83, e trigésimo segundo da Directiva 2005/85).


29 – V. segundo considerando da Directiva 2003/9, da Directiva 2004/83, e da Directiva 2005/85.


30 – V. considerandos quinto da Directiva 2003/9, décimo da Directiva 2004/83, e oitavo da Directiva 2005/85.


31 – V. considerandos sexto da Directiva 2003/9, décimo primeiro da Directiva 2004/83, e nono da Directiva 2005/85.


32 – V., neste contexto, igualmente os acórdãos de 2 de Março de 2010, Salahadin Abdulla (C‑175/08, C‑176/08, C‑178/08 e C‑179/08, Colect., p. I‑1493, n.os 51 e segs.), e de 9 de Novembro de 2010, B (C‑57/09 e C‑101/09, Colect., p. I‑0000, n.os 77 e segs.), nos quais o Tribunal de Justiça no âmbito da interpretação da Directiva 2004/83 sublinhou, por um lado, que as disposições da referida directiva relativas às condições de concessão do estatuto de refugiado, bem como ao conteúdo da protecção a conceder aos refugiados, foram adoptadas para guiar as autoridades competentes dos Estados‑Membros na aplicação da Convenção de Genebra, com base em conceitos e critérios comuns, e, por outro lado, que a interpretação desta directiva deve ser feita no respeito dos direitos fundamentais, bem como, em especial, dos princípios reconhecidos pela Carta. V., neste contexto, também acórdão de 17 de Junho de 2010, Bolbol (C‑31/09, Colect., p. I‑0000, n.° 38).


33 – Em conformidade com os artigos 1.° e segs. do Protocolo n.° 5 relativo à posição da Dinamarca, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, a Dinamarca não participou na aprovação do Regulamento n.° 343/2003, pelo que inicialmente este não vinculava a Dinamarca nem lhe era aplicável. Deste modo, a Convenção de Dublim permaneceu em vigor entre a Dinamarca e os outros Estados‑Membros (v. considerandos décimo oitavo e segs. do Regulamento n.° 343/2003). Com o Acordo entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca relativo aos critérios e mecanismos de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado na Dinamarca ou em qualquer outro Estado‑Membro da União Europeia e ao sistema «Eurodac» de comparação de impressões digitais para efeitos da aplicação efectiva da Convenção de Dublim (JO L 66 de 8.3.2006, p. 38), o âmbito de aplicação do Regulamento n.° 343/2003 foi alargado às relações entre a União e a Dinamarca. Em conformidade com o artigo 3.° do Protocolo n.° 4 relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, o Reino Unido e a Irlanda participaram na aprovação e na aplicação deste regulamento (v. décimo sétimo considerando do Regulamento n.° 343/2003). Note‑se ainda que alguns Estados não membros da UE participaram, por força de convenções internacionais, no sistema da União de determinação do Estado responsável pela análise dos pedidos de asilo, como por exemplo a Confederação Suíça; v., a este respeito, nota 10 das presentes conclusões.


34 – V. artigos 6.°, primeiro parágrafo, 7.°, 8.°, e o artigo 9.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 343/2003.


35 – Artigo 10.° do Regulamento n.° 343/2003. Esta responsabilidade cessa doze meses após a data em que teve lugar a passagem irregular da fronteira.


36 – Assim, o artigo 25.°, n.° 1, da Directiva 2005/85 prevê que os Estados‑Membros não são obrigados a analisar se o requerente de asilo preenche as condições para ser considerado refugiado, em conformidade com a Directiva 2004/83, quando, nos termos do Regulamento n.° 343/2003, [não] estão obrigados a isso.


37 – V. n.° 92 das presentes conclusões.


38 – Neste contexto, v. considerandos do Regulamento n.° 343/2003 remetem igualmente para as conclusões do Conselho Europeu de Tampere, segundo as quais o sistema de asilo europeu comum a estabelecer se deve basear na aplicação integral e global da Convenção de Genebra (v. segundo considerando do Regulamento n.° 343/2003). É ainda sublinhado que, no que se refere ao tratamento das pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação desse regulamento, os Estados‑Membros se encontram vinculados por obrigações decorrentes de instrumentos de direito internacional de que são partes (v. décimo segundo considerando do Regulamento n.° 343/2003), e que esse regulamento respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pela Carta dos Direitos Fundamentais (v. décimo quinto considerando do Regulamento n.° 343/2003).


39 – A proposta, apresentada pela Comissão de um regulamento, do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou um apátrida (COM/2008/820 final), com o qual o Regulamento n.° 343/2003 deve ser reformulado, prevê, pelo contrário, um mecanismo de suspensão provisória de transferências de requerentes de asilo para Estados‑Membros confrontados com uma situação de emergência, que sujeite as suas capacidades de recepção, o seu sistema de asilo ou as suas infra‑estruturas a uma pressão excepcionalmente elevada (artigo 31.°). Decorre da exposição de motivos da Comissão que deste modo se pretende contribuir para dar uma melhor resposta às situações de pressão extraordinária a nível das infra‑estruturas de acolhimento e dos sistemas de asilo dos Estados‑Membros.


40 – TEDH, acórdão M.S.S./Bélgica c. Grécia (já referido na nota 3).


41 – Acórdão do Verfassungsgerichtshof de 7 de Outubro de 2010, número U694/10, que pode ser consultado na Internet no sistema de informação jurídica do Bund (http://www.ris.bka.gv.at).


42 – Pedido de decisão prejudicial de 12 de Julho de 2010, n.os 13 e segs.


43 – Estas notificações para cumprir estão juntas, como anexos 1 e 2, às observações escritas da Comissão.


44 – Para os fins do presente processo, não é preciso aprofundar a questão de saber se e, em caso afirmativo, em que condições o artigo 1.° da Carta dos Direitos Fundamentais se pode aplicar de maneira autónoma, à margem do artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais. Note‑se, contudo, que segundo a maioria da doutrina alemã, há que efectuar primeiro uma análise do artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais. Na medida em que se deva entender que existe uma ingerência no âmbito de protecção deste direito fundamental específico, este tem primazia e afasta o artigo 1.° da Carta dos Direitos Fundamentais, como critério de exame isolado ou suplementar; v., neste sentido, Jarass, D., Charta der Grundrechte der Europäischen Union, Munique 2010, artigo 1.°, n.° 4; Borowsky, D., in Charta der Grundrechte der Europäischen Union (ed. Meyer, J.), 3.ª ed., Baden‑Baden 2011, artigo 1.°, n.° 33; Höfling, W., in Kölner Gemeinschaftskommentar zur Europäischen Grundrechte‑Charta (ed. Tettinger, J/Stern, K.), Munique 2006, artigo 1.°, n.° 18.


45 – V., a este respeito Höfling, W., op. cit. (nota 44), artigo 4.°, n.° 3; Borowsky, D, op. cit. (nota 44), artigo 4.°, n.° 20.


46 – Não é necessário, para os fins do presente processo, examinar mais aprofundadamente a questão de saber se e, em caso afirmativo, em que condições o artigo 1.° e/ou o artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais pode ser aplicado de maneira autónoma, à margem do artigo 19.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais. Note‑se, contudo, que segundo a maioria da doutrina alemã, em caso de sobreposição com o artigo 1.° e/ou o artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais, o artigo 19.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais tem primazia para efeitos de exame, como disposição específica. V., a este respeito Jarass, D., op. cit. (nota 44), artigo 19.°, n.° 4.


47 – Com a constatação de que o direito de asilo é garantido nos termos do TUE e do TFUE, remete‑se, designadamente, para o Protocolo n.° 21 relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, anexo ao TUE e ao TFUE. Todavia, como o Reino Unido, nos termos do artigo 3.° do Protocolo n.° 4 relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, participou na adopção das Directivas 2003/9, 2004/85 e 2005/85 e no Regulamento n.° 343/2003, no processo principal não se coloca a este respeito a questão da aplicabilidade do artigo 18.° da Carta dos Direitos Fundamentais ao Reino Unido.


48 – Como a proibição de repulsão prevista no artigo 33.° da Convenção de Genebra se refere a refugiados, o âmbito de protecção do artigo 18.° da Carta dos Direitos Fundamentais é determinado pelo conceito de refugiado da Convenção de Genebra (neste sentido: Jarass, D., op. cit., nota 44, artigo 18.°, n.° 5). No contexto da proibição de repulsão prevista no artigo 33.° da Convenção de Genebra, o conceito de refugiado abrange não apenas as pessoas que foram já reconhecidas como refugiados, mas também aquelas que preenchem os requisitos para o reconhecimento como refugiados. V., neste sentido, Lauterpacht, E/Bethlehem, D, «The scope and content of the principle of non‑refoulement: Opinion», in Refugee Protection in International Law (ed. Feller, E./Türk, V./Nicholson, F.), Cambridge 2003, pp. 87, 116 e segs.


49 – V., neste sentido, Lauterpacht, E/Bethlehem, D., op. cit. (nota 48), p. 122; Hailbronner, K., Asyl‑und Ausländerrecht, 2.ª ed., Estugarda 2008, n.° 655.


50 – V., neste sentido, acórdãos de 23 de Dezembro de 2009, Detiček (C‑403/09 PPU, Colect., p. I‑12193, n.° 34); de 26 de Junho de 2007, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (C‑305/05, Colect., p. I‑5305, n.° 28); e de 6 de Novembro de 2003, Lindqvist (C‑101/01, Colect., p. I‑12971, n.° 87).


51 – V., neste contexto, também Lenaerts, K., «The Contribution of the European Court of Justice to the Area of Freedom, Security and Justice», ICLQ 2010, pp. 255, 298, que, após ter analisado em detalhe a jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça no domínio do sistema europeu de asilo, conclui que o Tribunal de Justiça, na sua jurisprudência, tem o cuidado de respeitar a dimensão dos direitos fundamentais do sistema de asilo europeu.


52 – V., a este respeito, também acórdãos Salahadin Abdulla (já referido na nota 32, n.° 54) e Bolbol (já referido na nota 32, n.° 38), quanto ao décimo considerando da Directiva 2004/83, com teor semelhante, e ao dever que daí resulta de interpretar as disposições pertinentes da directiva em conformidade com os direitos fundamentais.


53 – Segundo jurisprudência assente, ao interpretar uma norma de direito da União, deve atender‑se não apenas ao seu teor literal mas também ao seu contexto e aos objectivos prosseguidos pelo regime em que está integrada; v., por exemplo, acórdão de 29 de Janeiro de 2009, Petrosian e o. (C‑19/08, Colect., p. I‑495, n.° 34).


54 – V. considerandos terceiro e segs. do Regulamento n.° 343/2003.


55 – Artigo 10.° do Regulamento n.° 343/2003.


56 – V. n.° 118 das presentes conclusões.


57 – Quanto ao conteúdo e alcance do Protocolo n.° 30 relativo à aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia à Polónia e ao Reino Unido, v. n.os 165 e segs. das presentes conclusões.


58 – Igualmente neste sentido, na sua decisão de 2 de Dezembro de 2008, K.R.S./Reino Unido (n.° 32733/08), o TEDH partiu da premissa de que se deve presumir que a Grécia cumpre as obrigações impostas pelas Directivas 2005/85 e 2003/9.


59 – V., a este respeito, também o Protocolo n.° 24 relativo ao direito de asilo de nacionais dos Estados‑Membros da União Europeia, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Esse protocolo indica, antes de mais, que, atendendo ao nível de protecção dos direitos e liberdades fundamentais por parte dos Estados‑Membros da União Europeia, cada Estado‑Membro será considerado pelos restantes como constituindo um país de origem seguro para todos os efeitos jurídicos e práticos em matéria de asilo. Neste contexto, o protocolo acrescenta que um pedido de asilo apresentado por um nacional de um Estado‑Membro só pode ser tomado em consideração ou declarado admissível para instrução por outro Estado‑Membro nas condições muito restritivas que enuncia.


60 – Quanto ao princípio da efectividade, v. acórdãos de 8 de Julho de 2010, Bulicke (C‑246/09, Colect., p. I‑0000, n.° 25); de 12 de Fevereiro de 2008, Kempter (C‑2/06, Colect., p. I‑411, n.° 57); de 7 de Junho de 2007, van der Weerd e o. (C‑222/05 a C‑225/05, Colect., p. I‑4233, n.° 28); e de 13 de Março de 2007, Unibet (C‑432/05, Colect., p. I‑2271, n.° 43).


61 – Acórdão K.R.S./Reino Unido (já referido na nota 58).


62 – Já referido supra, na nota 3.


63 – Os artigos 3.° e 13.° da CEDH correspondem aos artigos 4.° e 47.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais. As Anotações relativas à CDF indicam, quanto ao artigo 4.°, que o direito consagrado no artigo 4.° é o direito garantido pelo artigo 3.°, de igual teor, da CEDH, pelo que, em aplicação do n.° 3 do artigo 52.° da Carta dos Direitos Fundamentais, o artigo 4.° tem um sentido e um âmbito iguais aos do artigo 3.° da CEDH. Nas Anotações relativas à CDF é salientado, quanto ao artigo 47.°, primeiro parágrafo, que embora esta disposição se baseie no artigo 13.° da CEDH, ela assegura uma protecção mais alargada, dado que garante um direito a acção em tribunal.


64 – O TEDH confirma, em jurisprudência assente, que a CEDH deve ser entendida como um «instrumento vivo»; v., por exemplo, TEDH, acórdãos Tyler/Reino Unido de 25 de Abril de 1978 (n.° 5856/72, ponto 31), e V./Reino Unido de 16 de Dezembro de 1999 (n.° 24888/94, ponto 72).


65 – V., a este respeito, também Rengeling, H.‑W./Szczekalla, P., Grundrechte in der Europäischen Union, Colónia 2004, n.° 468, os quais observam que o artigo 52.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais confere uma dinâmica importante ao desenvolvimento dos direitos fundamentais da União. Naumann, K., «Art. 52 Abs. 3 GrCh zwischen Kohärenz des europäischen Grundrechtsschutzes und Autonomie des Unionsrechts», EuR 2008, p. 424, nota que, sem atender à jurisprudência do TEDH não seria possível determinar o sentido e âmbito dos direitos da CEDH, e que só uma remissão dinâmica pode evitar discrepâncias entre a jurisprudência do Tribunal de Justiça e a do TEDH.


66 – V., a este respeito, também as conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro de 9 de Setembro de 2008 no processo Elgafaji (C‑465/07, acórdão de 17 de Fevereiro de 2009, Colect., p. I‑921, n.° 23).


67 – V., neste contexto, igualmente von Danwitz, T., «Art. 52», in Europäische Grundrechtecharta (ed. Tettinger, P./Stern, K.), Munique 2006, n.os 57 e segs., que sublinha, por um lado, que a Carta dos Direitos Fundamentais não confere, naturalmente, ao TEDH uma competência exclusiva de interpretação dos direitos correspondentes, mas, por outro, reconhece que, a este respeito, o Tribunal de Justiça está vinculado pela jurisprudência do TEDH ao interpretar os direitos garantidos pela convenção, na medida em que não deve ficar aquém do nível de protecção assegurado pelo TEDH. V., ainda, Lenaerts, K./de Smijter, E., «The Charter and the Role of the European Courts», Maastricht Journal of European and Comparative Law 2001, pp. 90, 99, que parecem aceitar uma obrigação do Tribunal de Justiça de respeitar e seguir a jurisprudência relevante do TEDH.


68 – V., mais recentemente, acórdão de 9 de Novembro de 2010, Volker e Markus Schecke (C‑92/09 e C‑93/09, Colect., p. I‑0000, n.os 43 e segs.). V., igualmente, acórdão de 17 de Fevereiro de 2009, Elgafaji (C‑465/07, Colect., p. I‑921, n.° 44), no qual o Tribunal de Justiça sublinhou, como obiter dictum, que a interpretação feita nesse acórdão das disposições controvertidas da Directiva 2004/83 era plenamente compatível com a CEDH, incluindo a jurisprudência do TEDH relativa ao artigo 3.° da CEDH. No acórdão de 5 de Outubro de 2010, McB (C‑400/10 PPU, Colect., p. I‑0000, n.° 53), o Tribunal de Justiça declarou expressamente, a propósito do artigo 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais, que deve ser atribuído a esta norma o mesmo sentido e o mesmo alcance que os conferidos ao artigo 8.°, n.° 1, da CEDH na sua interpretação pelo TEDH.


69 – V. n.os 114 e segs. das presentes conclusões.


70 – Quanto à remissão para a Convenção de Genebra no artigo 18.° da Carta dos Direitos Fundamentais v. Bernsdorff, N., in Charta der Grundrechte der Europäischen Union (ed. Meyer, J.), 3.ª ed., Baden‑Baden 2011, artigo 18.°, n.° 10; Wollenschläger, M., in Handbuch der Europäischen Grundrechte (ed. Heselhaus/Nowak), Munique 2006, § 16, n.° 32; Jochum, G., in Europäische Grundrechtecharta (ed. Tettinger, P./Stern, K.), Munique 2006, artigo 18.°, n.° 6.


71 – V. n.os 143 e segs. das presentes conclusões.


72 – TEDH, acórdão M.S.S./Bélgica c. Grécia (já referido na nota 3, n.° 342).


73 – Quanto à questão de saber se os artigos 1.°, 4.° e 19.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais podem ser aplicados em paralelo, de maneira autónoma, quando um requerente de asilo é transferido para um Estado‑Membro em violação destas disposições, v. supra, notas 44 e 46.


74 – V. Jarass, D., op. cit. (nota 44), artigo 47.°, n.° 11; Alber, S., in Europäische Grundrechtecharta (ed. Tettinger, P./Stern, K.), Munique 2006, artigo 47.°, n.° 25; Nowak, C., op. cit. (nota 19), § 51, n.° 32. V., neste sentido, também a jurisprudência assente do TEDH relativa ao artigo 13.° da CEDH, segundo a qual o direito a um recurso efectivo, garantido por essa disposição existe logo a partir do momento em que uma violação da convenção é alegada de maneira plausível – a chamada «arguable complaint». V., por exemplo, acórdãos M.S.S./Bélgica c. Grécia (já referido na nota 3, n.° 288), e Kudła/Polónia de 26 de Outubro de 2000 (n.° 30210/96, ponto 157).


75 – Devido a esta reserva de lei para restrições aos direitos fundamentais, as restrições aos direitos reconhecidos pela Carta dos Direitos Fundamentais devem ser previstas ou pelo legislador da União ou pelo legislador nacional. Contudo, quando a restrição aos direitos fundamentais se verifica a nível da ordem jurídica nacional, esta reserva de lei deve ser objecto de interpretação extensiva, de modo a – atendendo em especial às diferentes tradições legislativas dos Estados‑Membros – poder também incluir o direito consuetudinário ou a jurisprudência; v. Jarass, D., op. cit. (nota 44), artigo 52.°, n.° 28; Borowsky, D., op. cit. (nota 44), artigo 52.°, n.° 20.


76 – Quanto ao papel do princípio da efectividade na aplicação do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais, v. Alber, S., op. cit. (supra nota 74), artigo 47.°, n.° 34; Jarass, D., «Bedeutung der EU‑Rechtsschutzgewährleistung für nationale und EU‑Gerichte», NJW 2011, pp. 1393, 1395. V., também, a jurisprudência assente do TEDH relativa ao artigo 13.° da CEDH, segundo a qual o direito a um recurso efectivo aí garantido deve ser interpretado no sentido de que o recurso deve ser assegurado quer de facto quer de iure aos titulares desse direito, devendo as autoridades nacionais competentes ter a possibilidade de examinar o conteúdo da alegada violação da convenção e adoptar as medidas adequadas. V., por exemplo, acórdão M.S.S./Bélgica c. Grécia (já referido na nota 3, n.os 290 e segs.).


77 – V. a jurisprudência referida na nota 60.


78 – Neste sentido, também, House of Lords – European Union Committee, The Treaty of Lisbon: an impact assessment. vol. I: Report (10th Report of Session 2007‑08), http://www.parliament.the‑stationery‑office.co.uk/pa/ld200708/ldselect/ldeucom/62/62.pdf, n.os 5.87 e 5.103. No mesmo sentido, também, Pernice, I., «The Treaty of Lisbon and Fundamental Rights», in Griller, S./Ziller, J. (ed.), The Lisbon Treaty. EU Constitutionalism without a Constitutional Treaty?, Viena 2008, pp. 235, 245.


79 – V. n.os 71 e segs. das presentes conclusões. Neste sentido, também, Craig, P., The Lisbon Treaty, Oxford 2010, p. 239; Pernice, I., op. cit. (nota 78), pp. 246 e segs.


80 – Neste sentido, também, House of Lords – European Union Committee, op. cit. (nota 78), n.° 5103, alínea a); Dougan, M., «The Treaty of Lisbon 2007: winning minds, not hearts», CMLR 2008, pp. 617, 669. V., ainda, Craig, P., op. cit. (nota 79), p. 239, que neste contexto sublinha, acertadamente, que o artigo 1.°, n.° 2, do Protocolo n.° 30 não teria sentido se o artigo 1.°, n.° 1, desse protocolo contivesse um opt‑out geral.


81 – V., a este respeito, House of Lords – European Union Committee, op. cit. (nota 78), n.° 5102.


82 – V., a este respeito Riedel, E., in Charta der Grundrechte der Europäischen Union (ed. Meyer, J.), 3.ª ed., Baden‑Baden 2011, título IV, n.os 7 e segs.


83 – V., a este respeito, House of Lords – European Union Committee, op. cit. (nota 78), n.° 5103 alínea b), em cuja opinião o artigo 1.°, n.° 2, do Protocolo exclui que o Tribunal de Justiça, ao interpretar «direitos» concretos previstos no título IV, possa concluir que estes «direitos» são invocáveis perante os tribunais contra o Reino Unido.


84 – V., igualmente, Dougan, M., op. cit. (nota 80), p. 670; House of Lords – European Union Committee, op. cit. (nota 78), n.° 5103, alínea c; Pernice, I., op. cit. (nota 78), pp. 248 e segs.