Language of document : ECLI:EU:C:2014:2475

TOMADA DE POSIÇÃO DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentada em 13 de junho de 2014 (1)

Processo de emissão de Parecer 2/13

Instaurado a pedido da Comissão Europeia

«Celebração de acordos internacionais pela União — Adesão da União à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) — Manutenção das características próprias da União e do Direito da União — Manutenção das competências da União e das atribuições das suas instituições — Participação da União nos órgãos criados por acordos internacionais — Reconhecimento da competência jurisdicional do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) — Tutela jurisdicional efetiva no domínio da Política Externa e de Segurança Comum»






Índice


I —   Introdução

II — Estado atual do processo de adesão

III — Pedido de parecer da Comissão

IV — Quadro jurídico

V —   Admissibilidade do pedido de parecer

VI — Apreciação de mérito

Observações preliminares

A —   A garantia das competências da Comissão

1.     Inexistência de amputação de competências da União em consequência da adesão.

2.     Inexistência de alargamento das competências da União em consequência da adesão

3.     Desnecessidade de novas competências da União em consequência da adesão

a)     Processo de apreciação prévia

b)     A obrigação de execução dos acórdãos do TEDH

c)     A tutela jurisdicional no domínio da PESC

4.     Conclusão intercalar

B —   Garantia das competências das instituições da União

1.     As atribuições do Tribunal de Justiça da União Europeia

a)     O monopólio de resolução dos litígios dos tribunais da União (artigo 344.° TFUE)

b)     As atribuições dos tribunais da União no tocante à interpretação do Direito da União e à fiscalização da legalidade dos atos jurídicos da União

c)     Efeitos do Protocolo Adicional n.° 16 à CEDH nas competências do Tribunal

d)     Conclusão intercalar

2.     As competências de outras instituições da União

a)     Em geral

b)     Sistema institucional da União de aplicação de sanções por infração das normas sobre concorrência

i)     Papel institucional da Comissão enquanto autoridade da concorrência

ii)   O princípio ne bis in idem

iii) Princípio da duração razoável do processo

iv)   Conclusão

C —   A preservação das características próprias da União e do Direito da União

1.     O reconhecimento da jurisdição do TEDH

a)     Considerações gerais

b)     Precauções especiais, no Projeto de Acordo, para conservar a autonomia do ordenamento jurídico da União

i)     Quanto à determinação das responsabilidades na relação entre a União e os seus Estados‑Membros (artigo 3, n.° 7, do Projeto de Acordo)

ii)   Quanto à apreciação da questão de saber se é necessária a apreciação prévia pelo Tribunal de Justiça

iii) Quanto à discrepância entre a amplitude das competências do TEDH e a das competências do Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito da PESC

c)     Conclusão intercalar

2.     Princípios do efeito direito e do primado do Direito da União

3.     Mecanismos de determinação correta do corresponsável nos processos no TEDH

a)     Garantia de uma vigilância eficaz no sistema de fiscalização da CEDH

b)     Garantia de uma defesa eficaz do Direito da União no TEDH

i)     A falta de informação suficiente sobre o processo pendente no TEDH

ii)   Competência do TEDH para a análise da plausibilidade, em conexão com requerimentos de intervenção como corresponsável

c)     Resumo

4.     Conclusão intercalar

D —   Precauções necessárias à participação da União nas instâncias de controlo da CEDH

1.     Participação da União na CEDH

2.     Participação da União no Comité de Ministros do Conselho Europeu

3.     Conclusão intercalar

E —   Consideração da situação especial dos Estados‑Membros face à CEDH

1.     A situação especial dos Estados‑Membros face aos protocolos adicionais à CEDH

2.     A situação especial dos Estados‑Membros face ao artigo 15.° da CEDH

3.     A situação especial dos Estados‑Membros face às reservas que formularam à CEDH

a)     Princípio da responsabilidade comum do demandado e do corresponsável

b)     A CEDH enquanto parte integrante do Direito da União, com primado sobre o direito nacional

4.     A situação especial dos Estados‑Membros no âmbito do mecanismo da corresponsabilidade

5.     Conclusão intercalar

Observações finais

VII — Conclusão



I –     Introdução

1.      A projetada adesão da União Europeia à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (2) (CEDH) deverá contribuir para uma maior efetividade e homogeneidade na observância dos direitos fundamentais na Europa. Com esta adesão, a própria União submete‑se, antes de mais, a uma fiscalização externa, há muito exigida por muitos, no que diz respeito à observância de padrões mínimos em matéria de direitos fundamentais. Desta forma, a União permite que a si própria sejam aplicáveis as regras cujo reconhecimento exige sempre aos seus atuais e futuros Estados‑Membros.

2.      A projetada adesão da União à CEDH é um passo de grande importância, não apenas pelo seu enorme significado político, mas também pela sua dimensão constitucional. As instituições europeias trabalharam neste projeto ao longo de décadas, e é a segunda vez que o Tribunal de Justiça se pronuncia sobre os aspetos jurídicos desta projetada adesão (3).

3.      Após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, é ponto assente que, com o n.° 2 do artigo 6.° TUE (4), a União não só tem competência para aderir à CEDH, mas também que os Estados‑Membros lhe impuseram a obrigação de percorrer esse caminho. O objetivo de aderir à CEDH tem por isso, desde então, valor constitucional no Direito da União.

4.      Mas o problema está, como habitualmente, nos pormenores. Em que condições pode a União aderir à CEDH, e como se pode garantir que tal adesão não afetará as especificidades do Direito da União, as competências da União e as atribuições das suas instituições? Estas são, no essencial, as questões com que o Tribunal de Justiça se tem de defrontar no presente processo de parecer, iniciado a pedido da Comissão Europeia. Trata‑se, portanto, de analisar detalhadamente as «minudências» da projetada adesão do ponto de vista da sua compatibilidade com os Tratados fundadores da União. O fundamento desta análise é o «Projeto revisto de Acordo de Adesão», apresentado em junho de 2013 em Estrasburgo pelos negociadores ao Comité Diretor para os Direitos Humanos, órgão competente do Conselho da Europa.

II – Estado atual do processo de adesão

5.      Em 4 de junho de 2010, o Conselho da União Europeia, por recomendação da Comissão de 17 de março de 2010, concedeu à Comissão poderes para iniciar negociações para adesão da União à CEDH, designando‑a como negociadora e transmitindo‑lhe orientações para as negociações.

6.      As negociações de adesão decorreram no quadro institucional do Conselho da Europa, mais concretamente, em dois grupos de trabalho sucessivos, a que o Comité de Ministros deu poderes. Nas negociações participaram, ao lado da Comissão, também Estados partes do Conselho da Europa interessados, alguns deles também Estados‑Membros da União Europeia.

7.      Em junho de 2013, foi apresentado ao Comité Diretor para os Direitos Humanos do Conselho da Europa o relatório final das negociações(5), que além do Projeto revisto de Acordo de Adesão(6) inclui em anexo outros projetos de atos jurídicos, nomeadamente um projeto de Declaração da União Europeia a apresentar no momento da assinatura do Acordo de Adesão, um projeto de uma regra complementar às regras do Comité de Ministros, um projeto de declaração de intenções comum da União Europeia e da Parte Contratante X, e um projeto de Relatório Explicativo do Acordo de Adesão (7). Os negociadores acordaram em que estes textos constituem o pacote total e que todos têm o mesmo valor para efeitos da adesão da União à CEDH (8).

III – Pedido de parecer da Comissão

8.      Tendo em conta a dimensão constitucional da projetada adesão da União à CEDH e para garantia da segurança jurídica, a Comissão, por requerimento de 4 de julho de 2013, solicitou, nos termos do artigo 218.°, n.° 11, TFUE a emissão de um parecer sobre a seguinte questão:

«O Projeto de Acordo de Adesão da União Europeia à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais é compatível com os Tratados?»

9.      Foram juntos em anexo ao pedido de parecer da Comissão, além do Projeto de Acordo de Adesão, todos os demais projetos de atos jurídicos citados no n.° 7 supra. Infelizmente, os textos foram juntos apenas nas versões francesa e inglesa.

10.    O pedido de parecer da Comissão foi objeto de alegações escritas e depois, em 5 e 6 de maio de 2014, realizou‑se uma audiência. Na fase escrita intervieram, além da Comissão, como requerente, o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu e também a Bulgária, a República Checa, a Dinamarca, a Alemanha, a Estónia, a Irlanda, a Grécia, a Espanha, a França, Chipre, a Letónia, a Lituânia, a Hungria, os Países Baixos, a Áustria, a Polónia, Portugal, a Roménia, a Eslováquia, a Finlândia, a Suécia e o Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte. Com a exceção da Bulgária e da Polónia, estas partes também alegaram oralmente, tendo‑se a Bélgica e a Itália feito representar na audiência.

IV – Quadro jurídico

11.    O quadro jurídico da adesão da União à CEDH é constituído pelo artigo 6.° do TUE, pelo Protocolo n.° 8 ao TFUE (Protocolo n.° 8) (9), e ainda pela Declaração ad n.° 2 do artigo 6.° do TUE (10) (Declaração n.° 2).

12.    O artigo 6.° TUE estabelece o seguinte:

«1.      A União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 7 de dezembro de 2000, com as adaptações que lhe foram introduzidas em 12 de dezembro de 2007, em Estrasburgo, e que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados.

De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competências da União, tal como definidas nos Tratados.

Os direitos, as liberdades e os princípios consagrados na Carta devem ser interpretados de acordo com as disposições gerais constantes do Título VII da Carta que regem a sua interpretação e aplicação e tendo na devida conta as anotações a que a Carta faz referência, que indicam as fontes dessas disposições.

2.      A União adere à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Essa adesão não altera as competências da União, tal como definidas nos Tratados.

3.      Do Direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros.»

13.    O Protocolo n.° 8 tem a seguinte redação:

«Artigo 1.°

O acordo relativo à adesão da União à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (adiante designada ‘Convenção Europeia’), prevista no n.° 2 do artigo 6.° do Tratado da União Europeia, deve incluir cláusulas que preservem as características próprias da União e do direito da União, nomeadamente no que se refere:

a)      Às regras específicas da eventual participação da União nas instâncias de controlo da Convenção Europeia;


b)      Aos mecanismos necessários para assegurar que os recursos interpostos por Estados terceiros e os recursos interpostos por indivíduos sejam dirigidos corretamente contra os Estados‑Membros e/ou a União, conforme o caso.

Artigo 2.°

O acordo a que se refere o artigo 1.° deve assegurar que a adesão da União não afete as suas competências nem as atribuições das suas instituições. Deve assegurar que nenhuma das suas disposições afete a situação dos Estados‑Membros em relação à Convenção Europeia, nomeadamente no que se refere aos seus Protocolos, às medidas tomadas pelos Estados‑Membros em derrogação da Convenção Europeia, nos termos do seu artigo 15.°, e às reservas à Convenção Europeia emitidas pelos Estados‑Membros, nos termos do seu artigo 57.°

Artigo 3.°

Nenhuma disposição do acordo a que se refere o artigo 1.° afeta o artigo 344.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.»

14.    Da declaração n.° 2 anexada à Ata Final da Conferência Intergovernamental que adotou o Tratado de Lisboa consta também o seguinte:

«A Conferência acorda em que a adesão da União à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais se deverá realizar segundo modalidades que permitam preservar as especificidades do ordenamento jurídico da União. Neste contexto, a Conferência constata a existência de um diálogo regular entre o Tribunal de Justiça da União Europeia e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, diálogo esse que poderá ser reforçado quando a União aderir àquela Convenção.»

15.    Complementarmente, remete‑se também para o artigo 52.°, n.° 3 da Carta dos Direitos Fundamentais:

«Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma Proteção mais ampla.»

V –    Admissibilidade do pedido de parecer

16.    Algumas das partes levantaram dúvidas pontuais sobre a admissibilidade do processo de parecer. As suas dúvidas reportam‑se às declarações da Comissão sobre as medidas de execução previstas internamente à União para a adesão à CEDH. Enquanto algumas das partes censuram o facto de a Comissão ter feito declarações sobre esta temática, outras consideram‑nas insuficientes.

17.    Nos termos do n.° 11 do artigo 218.° TFUE, qualquer Estado‑Membro, o Parlamento Europeu, o Conselho ou a Comissão podem obter o parecer do Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade de um projeto de acordo [i.e., de uma convenção internacional] com os Tratados. O processo de parecer visa evitar as complicações que podem surgir se a compatibilidade com o direito primário da União de tratados internacionais que vinculam a União for posteriormente posta em causa no Tribunal de Justiça (11).

18.    O objeto de um parecer, nos termos do n.° 11 do artigo 218.° TFUE é um «Projeto de Acordo», o que pressupõe que seja disponibilizada ao Tribunal de Justiça informação suficiente sobre o conteúdo desse acordo (12).

19.    No caso vertente, a Comissão forneceu ao Tribunal de Justiça o texto completo do Projeto de Acordo e respetivos anexos. De todos estes documentos resulta clara e inequivocamente em que condições deverá ocorrer a adesão da União à CEDH e, especialmente, em que condições a União pretende submeter‑se aos mecanismos de fiscalização judicial da CEDH (13). Estas informações são suficientes para avaliar da compatibilidade com os Tratados da projetada adesão à CEDH.

20.    O facto de a Comissão não ter apresentado ao Tribunal de Justiça, no presente processo, uma proposta de medidas de transposição para o Direito da União do projetado Acordo de Adesão não obsta à admissibilidade do seu pedido de parecer, pois o objeto do pedido de parecer é apenas o projetado Acordo de Adesão enquanto tal, e não as medidas de execução internas à União eventualmente necessárias. Para a compreensão do conteúdo e alcance do Projeto de Acordo de Adesão e dos seus anexos, não é necessária qualquer informação sobre as medidas de transposição planeadas.

21.    Também o facto de as partes no processo estarem em desacordo sobre qual a forma jurídica que as medidas de transposição de Direito da União deverão assumir, e qual o conteúdo que lhes deve ser dado, não impede o Tribunal de Justiça de analisar a compatibilidade do Projeto de Acordo com os Tratados, pois se o Tribunal de Justiça, no passado, não exigiu que os órgãos envolvidos chegassem definitivamente a acordo sobre o conteúdo concreto de um projetado Tratado de Direito Internacional (14), então também não pode, no presente caso, fazer depender a admissibilidade do pedido de parecer de um acordo dos órgãos envolvidos sobre a exata conformação de eventuais medidas internas de transposição para o Direito da União.

22.    Se se considerar o princípio do equilíbrio institucional, que implica que cada uma das instituições exerça as suas competências com respeito pelas competências das outras (15) (cf. também o artigo 13.°, n.° 2, TUE), também não pode caber ao Tribunal de Justiça no presente pedido de parecer dar às instituições competentes, na presente fase do processo, orientações substantivas, extensas e detalhadas para as medidas de execução, internas à União, do projetado Acordo de Adesão.

23.    Se, no quadro da análise do conteúdo material do Projeto de Acordo, se verificar que, para a sua entrada em vigor, é absolutamente necessário aprovar determinadas medidas de execução internas à União, o Tribunal de Justiça pode declará‑lo na sua resposta ao pedido de parecer da Comissão, fazendo disso condição da compatibilidade do projetado Acordo de Adesão com os Tratados.

24.    Tudo somado, o pedido de parecer da Comissão é admissível, independentemente das eventuais controvérsias das partes sobre o conteúdo concreto das medidas de transposição a adotar no plano interno da União.

VI – Apreciação de mérito

 Observações preliminares

25.    Com a projetada adesão da União à CEDH surge o caso especial, se não mesmo único, de uma organização internacional supranacional — a União Europeia — que se coloca sob a fiscalização de outra organização internacional — o Conselho da Europa — na perspetiva da observância de padrões mínimos em matéria de direitos fundamentais. Isto terá como consequência que, doravante, nos domínios regulados pelo Direito da União, não apenas os tribunais nacionais e os tribunais da União, mas também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), serão competentes para fiscalizar a observância dos Direitos Fundamentais.

26.    Para que a adesão da União à CEDH esteja em consonância com o direito primário da União, as delegações de negociadores incluíram um conjunto de regras no Projeto de Acordo. Com isto, e ao contrário do que é por vezes assumido, a União não obtém um estatuto negocial privilegiado relativamente às outras partes na CEDH, apenas se pretende com essas regras ter em conta a situação específica da União e dos seus Estados‑Membros. Esta caracteriza‑se principalmente pelo facto de muitas matérias da União Europeia darem, frequentemente, origem a um jogo complexo de negociações e competências ao nível da União e dos Estados‑Membros, e, em especial, porque os Estados‑Membros estão, por norma, envolvidos na implementação do Direito da União.

27.    É evidente que esta especial e complexa situação deve ser tida em conta na proteção dos Direitos Fundamentais, através de disposições adequadas. De salientar três inovações previstas no projeto de Acordo, concretamente no tocante à responsabilidade extracontratual da União, ao mecanismo da corresponsabilidade e ao processo de apreciação prévia pelo Tribunal de Justiça.

28.    Em primeiro lugar, no que diz respeito à responsabilidade da União por violações da CEDH, o artigo 1.°, n.° 3, primeiro período do Projeto de Acordo esclarece que a adesão da União à CEDH apenas lhe imporá obrigações relativamente a atos, medidas ou omissões das suas instituições, órgãos ou organismos ou de pessoas que atuem em seu nome. No segundo período do n.° 3 do artigo 1.° do Projeto de Acordo acrescenta‑se que nenhuma disposição da CEDH ou dos seus Protocolos Adicionais pode obrigar a União a praticar um ato ou a tomar uma medida para a qual a União não disponha de competência nos termos do Direito da União. Por fim, o primeiro período do n.° 4 do artigo 1.° do Projeto de Acordo esclarece que os atos, medidas ou omissões dos órgãos de um Estado‑Membro ou de pessoas que ajam em seu nome são imputáveis a esse Estado‑Membro, mesmo que esse ato, medida ou omissão sejam praticados em execução do Direito da União — incluindo decisões tomadas ao abrigo do Tratado UE e do Tratado FUE. No entanto, a União, nos termos do segundo período do n.° 4 do artigo 1.° do Projeto de Acordo, poderá, nesses casos, ser demandada como corresponsável, em conjunto com o Estado‑Membro ou Estados‑Membros em questão, por eventuais violações da CEDH.

29.    O novo mecanismo da corresponsabilidade, previsto no artigo 3.° do Projeto de Acordo, — por vezes também designado por princípio da «extensão da responsabilidade» — possibilita que, em determinados casos, quer a União, quer um ou mais Estados‑Membros respondam em conjunto e sejam portanto igualmente partes legítimas no mesmo processo no TEDH, mesmo que a queixa tenha sido apresentada apenas contra a União ou apenas contra um ou mais Estados‑Membros. Isto é assim, nos termos do segundo período do n.° 4 do artigo 1.° do Projeto de Acordo, nos casos em que os atos, medidas ou omissões sejam praticados por organismos dos Estados‑Membros na execução do Direito da União.

30.    Estreitamente ligado ao mecanismo da corresponsabilidade está o processo de apreciação prévia previsto no n.° 6 do artigo 3.° do Projeto de Acordo. Este processo, que até agora também foi designado por «processo de fiscalização interna prévia», tem por objetivo que o Tribunal de Justiça, num processo iniciado num tribunal nacional e que nunca tenha sido objeto de um reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE (16), se pronuncie sobre a compatibilidade do Direito da União com a CEDH antes de o TEDH proferir decisão sobre a matéria.

31.    Se estas e outras inovações previstas no Projeto de Acordo são aptas a garantir que a adesão da União à CEDH é compatível com os Tratados é o que tem de ser analisado neste processo de emissão de parecer. Para esse efeito impõe‑se, seguindo a sistematização do pedido de parecer da Comissão, analisar passo a passo as diferentes exigências jurídicas que são colocadas pelo direito primário ao Acordo de Adesão. Quer o regime da responsabilidade da União, quer o mecanismo da corresponsabilidade e o processo de apreciação prévia serão relevantes nos mais diversos contextos. A análise incidirá em seguida, especialmente, sobre:

–        Se as competências da União são garantidas (Parte A)  (17),

–        Se as atribuições das Instituições da União não são afetadas (Parte B) (18),

–        Se as características próprias da União e do Direito da União são mantidas (Parte C)(19),

–        Se foram adotadas as medidas necessárias para a participação da União nas instâncias de controlo da CEDH (Parte D)(20) e

–        Se a situação especial dos Estados‑Membros perante a CEDH é adequadamente tida em consideração (Parte E) (21).

32.    Especial atenção merece também a questão de saber se o reconhecimento da competência jurisdicional do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é compatível com a autonomia do Direito da União (22) e se a fiscalização jurisdicional da atividade da União no quadro da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) é suficiente para garantir a tutela jurisdicional efetiva no sentido dos artigos 6.° e 13.° da CEDH (23).

A –    A garantia das competências da Comissão

33.    Nos termos do segundo período do n.° 2 do artigo 6.° TFUE, a adesão da União à CEDH não pode alterar as competências da União, tal como definidas nos Tratados.

34.    Esta disposição revela uma preocupação fundamental dos Estados‑Membros que, qual fio de Ariadne, atravessa todo o Tratado de Lisboa: o reconhecimento dos direitos fundamentais no plano europeu — seja através da Carta dos Direitos Fundamentais, seja através da adesão à CEDH — não deve interferir no sistema de competências finamente balanceado em que assenta a União Europeia e que caracteriza a sua relação com os Estados‑Membros (24).

35.    Em última análise, com o artigo 6.°, n.° 2, segundo período, TUE pretende‑se garantir que a adesão da União à CEDH não conduza a uma evasão ao processo de alteração dos Tratados (artigo 48.° TUE) e, por essa via, a uma lesão do «cunho constitucional» da União (25).

36.    O facto de o projetado Acordo de Adesão carecer da ratificação de todos os Estados‑Membros (v. artigo 218.°, n.° 8, segundo parágrafo, último período, TFUE) não significa, de modo algum, que as suas disposições possam ser contrárias ao Direito Primário da União. Pelo contrário, a União só pode celebrar um acordo como o projetado Acordo de Adesão se e na medida em que ele seja conforme com os Tratados. Se não for esse o caso, antes da celebração do acordo internacional pela União será necessária uma revisão expressa dos Tratados (26). A revogação tácita do Direito Primário da União («treaty override») não é, em caso algum, permitida às instituições da União (27), mesmo que os Estados‑Membros dessem o seu acordo à União nesse sentido, no quadro das negociações e da ratificação do acordo internacional.

37.    Neste quadro, há que analisar neste processo de pedido de parecer se o projetado Acordo de Adesão pode ter o efeito de amputar (v. o ponto 1 infra) ou alargar (v. o ponto 2 infra) as competências da União, em violação do Tratado UE ou do Tratado FUE. Será igualmente analisada a questão de saber se as obrigações que a União assumirá com a assinatura do Acordo de Adesão tornarão necessário atribuir‑lhe novas competências (v. o ponto 3 infra).

1.      Inexistência de amputação de competências da União em consequência da adesão.

38.    Em primeiro lugar, importa assegurar que, nos termos do segundo período do n.° 2 do artigo 6.° TUE, as competências da União não são amputadas com a sua adesão à CEDH. Isto mesmo é salientado, adicionalmente, no primeiro período do artigo 2.° do Protocolo n.° 8, segundo o qual a adesão da União à CEDH não deve «afetar» as suas competências.

39.    Do Projeto de Acordo e dos documentos anexos, juntos ao processo de pedido de parecer no Tribunal de Justiça, nada se pode inferir no sentido de que possa haver uma amputação das competências da União em consequência da sua adesão à CEDH. Também das observações das partes no processo nada se pode retirar nesse sentido.

40.    Do que não há dúvidas é de que a vinculação internacional da União à CEDH imporá limitações ao exercício das suas atuais competências, pois a CEDH terá, enquanto acordo internacional celebrado pela União e a partir da sua entrada em vigor, efeitos vinculativos para as Instituições da União (artigo 216.°, n.° 2 TFUE).

41.    Essas limitações de competências são, no entanto, inerentes a qualquer regulamentação que garanta direitos fundamentais, pois a função própria dos direitos fundamentais é estabelecer limites à atuação das organizações estatais ou internacionais, para proteção dos sujeitos de direito. A obrigação de aderir à CEDH, prevista no n.° 2 do artigo 6.° TUE, perderia o seu sentido se a União não pudesse assumir as limitações ao exercício das suas competências resultantes da CEDH.

42.    Aliás, a União, mesmo antes da sua adesão oficial, já aplica os critérios decorrentes da CEDH no âmbito da proteção dos Direitos Fundamentais, de modo que as limitações que possam resultar no futuro da pertença à CEDH para o exercício das competências das instituições da União já estão há muito em vigor, de um ponto de vista estritamente material (v. em especial os artigos 6.°, n.° 3, TUE e 52.°, n.° 3, primeiro período, da Carta dos Direitos Fundamentais)(28).

43.    Globalmente não há, portanto, que temer que a projetada adesão da União à CEDH leve à redução das suas competências, na aceção do segundo período do n.° 2 do artigo 6.° TUE e do primeiro período do artigo 2.° do Protocolo n.° 8.

2.      Inexistência de alargamento das competências da União em consequência da adesão

44.    Importa ainda analisar se a projetada adesão à CEDH enquanto tal pode levar a um alargamento de qualquer tipo das competências existentes da União. Isso seria igualmente proibido, nos termos do segundo período do n.° 2 do artigo 6.° TUE.

45.    Em última análise, a proibição de alargamento das competências da União, prevista no artigo 6.°, n.° 2, segundo período TUE, destina‑se a garantir o princípio da atribuição. Este princípio, como é sabido, diz que a União só atua dentro dos limites das competências que os Estados‑Membros lhe tenham atribuído para realizar os objetivos previstos nos Tratados (artigo 5.°, n.os 1, primeiro período, e 2, TUE) e que as competências que não tenham sido transferidas para a União nos Tratados pertencem aos Estados‑Membros (artigo 4.°, n.° 1, TUE e artigo 5.°, n.° 2, segundo período, TUE).

46.    Já no seu primeiro parecer sobre a adesão à CEDH, o Tribunal de Justiça declarou que nenhuma disposição do Tratado CE então em vigor conferia às instituições da União competência, em geral, para emitirem normas em matéria de Direitos do Homem ou para celebrarem convenções internacionais neste domínio (29). Nada se alterou nesta matéria com as alterações sucessivas do Direito Primário da União, incluindo o Tratado de Lisboa. A União continua a não dispor de uma competência genérica no domínio dos Direitos do Homem e, assim, não pode adquirir essa competência através da adesão à CEDH (30).

47.    Assim, são infundados os receios de que a projetada adesão à CEDH conduza a um alargamento das competências da União. Inúmeras formulações do Projeto de Acordo e dos documentos de apoio a ele anexos apontam claramente no sentido de que os autores deste texto se esforçaram para, desde o início, eliminarem precisamente esses receios.

48.    Em especial é garantido, quer no segundo período do n.° 3 do artigo 1.°, quer no n.° 4 do artigo 1.° do Projeto de Acordo que, em caso de adesão da União à CEDH, a repartição das competências e da responsabilidade entre a União e os seus Estados‑Membros permanecerá inalterada.

49.    Assim, por um lado, o segundo período do n.° 3 do artigo 1.° do Projeto de Acordo declara que nenhuma disposição da CEDH ou dos seus Protocolos Adicionais obrigará a União Europeia a atuar ou a tomar uma medida para a qual não tivesse competência nos termos do Direito da União. Através desta disposição garante‑se que a União, em virtude da sua adesão à CEDH, não fica obrigada a praticar qualquer ato para o qual não tenha competência nos termos do Direito da União.

50.    Por outro lado, resulta do n.° 4 do artigo 1.° do Projeto de Acordo que os atos, medidas ou omissões dos órgãos de um Estado‑Membro ou de pessoas que ajam em seu nome não são imputáveis à União, mesmo que esse ato, medida ou omissão sejam praticados em execução do Direito da União.

51.    Por vezes, é suscitada a questão de saber se a participação da União nas instâncias de controlo da CEDH, prevista no Projeto de Acordo, pode operar um alargamento das competências da União. Mas não é esse o caso: a participação da União nas instâncias de controlo da CEDH não conduz a que a União de alguma forma tenha de agir fora do quadro das competências que lhe são conferidas no Tratado UE e no Tratado FUE. Pelo contrário, a sua participação nos órgãos de Estrasburgo — seja a sua participação em determinadas deliberações da Assembleia Parlamentar e do Comité de Ministros ou a nomeação de candidatos para o cargo de juiz do TEDH — está até expressamente prevista no Direito Primário (v. artigo 1.°, alínea a) do Protocolo n.° 8).

52.    No que mais especificamente diz respeito à fiscalização, pelo Comité de Ministros, da execução das sentenças definitivas do TEDH (artigo 46.°, n.os 2 a 5 da CEDH) e das resoluções amigáveis de conflitos (artigo 39.°, n.° 4 CEDH), a participação da União nestes órgãos não se limita aos casos em que a própria União ou os seus Estados‑Membros estejam envolvidos na execução do Direito da União. Pelo contrário, o objetivo de uma fiscalização externa, como a instituída pela CEDH, é precisamente que as partes contratantes da CEDH fiscalizem casos que se situam no âmbito da responsabilidade de uma ou várias outras partes contratantes. A participação abrangente da União neste sistema de fiscalização recíproca corresponde ao espírito de fiscalização externa subjacente à CEDH, e deriva por isso diretamente do desígnio consagrado no artigo 6.°, n.° 2, primeiro período, TUE de aderir à CEDH.

53.    Para concluir, note‑se que o projetado Acordo de Adesão também não prejudica a questão de saber se, e em que circunstâncias, a União é competente para aderir a outros acordos internacionais em matéria de Direitos Fundamentais, incluindo os atuais ou futuros protocolos adicionais à CEDH. Pois através da projetada alteração ao n.° 2 do artigo 59.° da CEDH (31) o Projeto de Acordo, do ponto de vista do Conselho da Europa, abre apenas a possibilidade, no plano do Direito Internacional, de adesão aos outros Protocolos Adicionais à CEDH que não o Primeiro e Sexto Protocolos, a que a União aderirá já. No entanto, para concretização dessa adesão são necessários instrumentos especiais de adesão (32), a cuja ratificação se aplica igualmente o processo previsto no artigo 218.°, n.° 8, segundo parágrafo, segundo e terceiro períodos, TFUE.

54.    Eventualmente poder‑se‑ia questionar se, com base na doutrina «AETR»(33), a União não adquirirá competência exclusiva para celebrar outras convenções internacionais em matéria de Direitos do Homem e Direitos Fundamentais, a partir do momento em que adira à CEDH. Em todo o caso, com a adesão, a CEDH tornar‑se‑á, parte integrante do ordenamento jurídico da União Europeia (34). Assim, teoricamente seria possível argumentar que a União, por força da sua adesão à CEDH, adquire uma nova competência externa exclusiva, com base na última hipótese prevista no n.° 1 do artigo 216.° TFUE, conjugado com o n.° 2 do artigo 3.°TFUE — uma competência externa que lhe confere exclusividade na celebração de futuros acordos internacionais, na medida em que tais acordos possam afetar as disposições da CEDH, ou alterar o seu alcance, enquanto parte integrante das «normas comuns». Na minha opinião, esse efeito «AETR» será impedido pelo segundo período do n.° 2 do artigo 6.° TUE, que é lex specialis e nos termos do qual a adesão à CEDH não altera as competências da União — i. e., as competências existentes antes da adesão —, tal como definidas nos Tratados.

55.    Em resumo, no contexto descrito não pode falar‑se de um alargamento de qualquer tipo das competências da União, decorrente da projetada adesão à CEDH.

3.      Desnecessidade de novas competências da União em consequência da adesão

56.    Para concluir, há que esclarecer se a adesão à CEDH torna necessário que os Estados‑Membros transfiram para a União competências suplementares.

57.    Esta questão, no estado de coisas atual, não pode seguramente ter uma resposta vinculativa e definitiva. Com efeito, não se pode excluir que as disposições da CEDH no futuro não venham a ser interpretadas de uma forma que possa tornar necessária uma alteração do Direito Primário da União.

58.    Mas, na verdade, tal cenário é pouco provável, pois, por um lado, já atualmente a União se orienta pelos critérios decorrentes da CEDH no âmbito da proteção dos direitos fundamentais (v., em especial, o artigo 6.°, n.° 3, TUE e o artigo 52.°, n.° 3, primeiro período da Carta dos Direitos Fundamentais), e, por outro lado, porque o artigo 1.°, n.° 3, segundo período, do Projeto de Acordo afirma claramente que nada na CEDH obriga a União a praticar atos ou medidas para cuja execução não tenha competência nos termos do Direito da União.

59.    Mesmo assim, cabe ao Tribunal de Justiça assegurar‑se, no presente processo de emissão de parecer, de que a União, através da sua projetada adesão à CEDH, não irá cegamente assumir obrigações internacionais que o seu atual sistema institucional não lhe permite, manifestamente, cumprir.

60.    Neste contexto, três pontos da projetada adesão da União à CEDH merecem uma análise aprofundada: em primeiro lugar, o processo de apreciação prévia (v. parte a) já a seguir); em segundo lugar, a obrigação de execução dos acórdãos do TEDH em que tenha sido declarada a existência de uma violação da CEDH (v. parte b) infra) e, em terceiro lugar, a problemática da tutela jurisdicional no domínio da PESC (v. parte c) infra).

a)      Processo de apreciação prévia

61.    O processo de apreciação prévia está previsto no artigo 3.°, n.° 6, do Projeto de Acordo. Aí se prevê que o TEDH, em processos nele pendentes e em determinadas condições, dê ao Tribunal de Justiça a possibilidade de se pronunciar previamente sobre a compatibilidade de uma disposição do Direito da União com a CEDH.

62.    No plano interno da União, isto significa que a União deve dispor das necessárias competências para tramitar o processo de apreciação prévia assim previsto. A União estaria impedida de celebrar o Acordo de Adesão se se concluísse que não dispõe, no plano interno, das condições jurídicas para pôr a funcionar este processo de apreciação prévia.

63.    Na realidade, no debate público sobre a adesão da União à CEDH, foi algumas vezes suscitada a dúvida sobre se o processo de apreciação prévia pode ser concretizado sem uma alteração dos Tratados constitutivos da União Europeia. No presente processo de emissão de parecer, a Polónia exprimiu a opinião de que, no atual estado de coisas, a instituição de um processo de apreciação prévia não é compatível com os Tratados.

64.    É verdade que o processo de apreciação prévia não se conta entre os processos expressamente previstos no Tratado UE e no Tratado FUE, cuja decisão foi atribuída à instituição Tribunal de Justiça da União Europeia (artigo 19.°, n.° 1, primeiro período TUE). No entanto, este facto, só por si, não permite concluir que o Direito Primário, no seu estado atual, se opõe à instituição de um processo de apreciação prévia.

65.    Com efeito, o Tribunal de Justiça reconheceu que um acordo internacional concluído pela Comunidade pode atribuir‑lhe novas competências, na condição de essa atribuição não desvirtuar a função do Tribunal, tal como se encontra concebida no Tratado UE e no Tratado FUE (35).

66.    No tocante ao processo de apreciação prévia previsto no n.° 6 do artigo 3.° do Projeto de Acordo é, desde logo, duvidoso, que se trate de uma nova competência do Tribunal de Justiça. Pode‑se facilmente considerar que o processo de apreciação prévia do Tribunal de Justiça na pendência de um processo no TEDH é apenas uma nova modalidade de uma competência jurisdicional já atribuída ao juiz da União Europeia pelo artigo 19.°, n.° 1, segundo período, e n.° 3, TUE.

67.    Mas mesmo que se quisesse admitir que o processo de apreciação prévia atribui uma nova competência ao Tribunal de Justiça da União Europeia, essa não será uma competência que desvirtue, na sua essência, a função do Tribunal de Justiça, tal esta como se encontra concebida nos Tratados. Muito pelo contrário, o processo de apreciação prévia contribui para que o Tribunal de Justiça cumpra melhor a função que há muito lhe foi atribuída e também para que seja garantido o seu monopólio — que existe, pelo menos no âmbito das políticas comuns — de fiscalização da legalidade dos atos das instituições, órgãos e demais organismos da União (36).

68.    Na sua essência, a função do Tribunal de Justiça consiste em garantir o respeito do Direito na interpretação e aplicação dos Tratados (artigo 19.°, n.° 1, segundo período, TUE). Para este fim cabe‑lhe, em especial, interpretar o Direito da União (artigo 267.°, primeiro parágrafo, alíneas a) e b) TFUE) e fiscalizar a legalidade dos atos das instituições, órgãos ou organismos da União (artigos 263.°, primeiro parágrafo e 267.°, primeiro parágrafo, alínea b), TFUE).

69.    A mesma função — interpretação do Direito da União e fiscalização da legalidade dos atos das instituições, órgãos e organismos da União — é, na sua essência, atribuída ao Tribunal de Justiça também no processo de apreciação prévia previsto no artigo 3.°, n.° 6 do Projeto de Acordo.

70.    Certamente que o quadro processual em que o Tribunal de Justiça exercerá esta função no processo de apreciação prévia não será o mesmo previsto para o recurso de anulação e para o reenvio prejudicial (artigos 263.° e 267.° TFUE). Podem, especialmente, existir diferenças no tocante à legitimidade das partes, à tramitação, aos prazos processuais e aos efeitos das decisões do Tribunal de Justiça.

71.    Não será apenas por causa dessas diferenças que o sistema de competências do Tribunal de Justiça e das outras instituições da União que venham a participar no processo de apreciação prévia será alterado. Mas, em qualquer caso, não será nunca de tal modo afetado que levasse a ter de se declarar o Projeto de Adesão incompatível com os Tratados (37).

72.    E sobretudo porque o processo de apreciação prévia, como o próprio Tribunal de Justiça salientou, constitui uma condição essencial da adesão da União à CEDH (38). A instituição desse processo visa preservar as características próprias da União e do direito da União e as competências do Tribunal de Justiça (artigos 1.° e 2.°, primeiro período do Protocolo n.° 8) (39).

73.    Assim, este processo integra as medidas necessárias a tomar no processo de adesão, a cuja concretização a União está não apenas autorizada, mas também obrigada pelo artigo 6.°, n.° 2, primeiro período do TUE e pelo Protocolo n.° 8. Além disso, está expressamente previsto no artigo 1.°, alínea a), do Protocolo n.° 8 que devem ser criadas «regras específicas da eventual participação da União nas instâncias de controlo» da CEDH.

74.    Quanto à concreta conformação do processo de apreciação prévia no plano da União, será necessário proceder a uma alteração do Estatuto do Tribunal de Justiça, que não terá, no entanto, o caráter de «revisão constitucional» e pode, portanto, ser realizada de acordo com o processo legislativo ordinário (artigo 281.°, segundo parágrafo, TFUE), não sendo necessário um processo de revisão formal (artigo 48.° TUE) (40).

75.    Em contrapartida, considero que não seria suficiente a simples consignação do regime processual na decisão do Conselho que autorize a celebração do Projeto de Acordo de Adesão, porque o processo legislativo ordinário previsto no segundo parágrafo do artigo 281.°, segundo parágrafo, TFUE não seria respeitado e a regulamentação processual não teria a mesma eficácia e o mesmo valor hierárquico das disposições do Estatuto.

76.    Só quando as disposições necessárias — especialmente as referentes à legitimidade, à tramitação e à eficácia da decisão do Tribunal de Justiça — forem consignadas no Estatuto do Tribunal de Justiça é que o processo de apreciação prévia ficará totalmente operacional e poderá integrar‑se «nos casos previstos pelos Tratados» do artigo 19.°, n.° 3, alínea c), TUE, conjugado com os artigos 281.°, primeiro parágrafo TFUE, e 51.° TUE, em que o Tribunal de Justiça tem competência para decidir.

b)      A obrigação de execução dos acórdãos do TEDH

77.    Também a obrigação, consignada no artigo 46.°, n.° 1, da CEDH, de execução das sentenças do TEDH em que tenha sido declarada uma violação da CEDH pelas instituições, órgãos ou organismos da União, não obriga à transferência de novas competências para a União.

78.    As sentenças do TEDH têm caráter declarativo e a CEDH não regula concretamente a forma como as Partes Contratantes devem executar as sentenças que lhe sejam dirigidas, deixando‑lhes um certo espaço de discricionariedade para esse efeito (41).

79.    No plano interno da União, uma violação da CEDH declarada pelo TEDH será normalmente sanada quando o ato da instituição da União for revogado ou alterado. Sem qualquer dúvida, a União dispõe das necessárias competências para praticar tal actus contrarius, que são as mesmas que estiveram na base da prática desse mesmo ato. A isto acresce a competência dos tribunais da União para anularem ou declararem inválidos os atos da União nas condições previstas nos Tratados (artigos 263.° e 267.° TFUE).

80.    Também é possível que uma sentença do TEDH pela primeira vez obrigue à prática de um ato da União ou dê origem ao pagamento de uma indemnização. Também estas obrigações poderão ser cumpridas sem qualquer problema pelas instituições da União no quadro das competências que lhes são atribuídas nos Tratados, uma vez que o artigo 1.°, n.° 3, segundo período, do Projeto de Acordo torna claro que a CEDH não impõe à União qualquer ato ou medida para cuja prática não disponha das necessárias competências nos termos dos Tratados.

81.    No caso de o TEDH declarar a existência de uma violação da CEDH resultante de uma decisão definitiva de um tribunal da União, pode, em determinados casos, ser necessário proceder à revisão dessa decisão. O aditamento necessário para esse efeito ao artigo 44.° do Estatuto do Tribunal de Justiça (42) pode ser levado a cabo, nos termos do segundo parágrafo do artigo 281.°, segundo parágrafo, TFUE, sem qualquer risco de desvirtuamento das atribuições dos tribunais da União. A este ponto é correspondentemente aplicável o que se referiu acima sobre o processo de apreciação prévia (43).

c)      A tutela jurisdicional no domínio da PESC

82.    Muito mais controvertida do que os dois aspetos anteriormente analisados é a questão de saber se as atuais competências da União — rectius, as competências da instituição Tribunal de Justiça da União Europeia (artigo 19.°, primeiro parágrafo, primeiro período TUE) — são suficientes para garantir que, no domínio da Política Externa e de Segurança Comum, existe um nível de tutela jurisdicional que satisfaz as exigências do artigos 6.° e 13.° da CEDH (44).

83.    Por um lado, a adesão à CEDH terá indiscutivelmente como consequência que a União terá de respeitar em todos os seus domínios de atividade, incluindo a PESC, as garantias dos direitos fundamentais resultantes da CEDH — e necessariamente também o princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado nos artigos 6.° e 13.° da CEDH (45). Nem mesmo através da formulação de uma reserva de direito internacional no momento da assinatura do Acordo de Adesão ou no instrumento de ratificação a União poderia subtrair‑se a esta obrigação, uma vez que o artigo 57.°, n.° 1, último período, da CEDH não autoriza «reservas de carácter geral»(46) e o artigo 11.° do Projeto de Acordo não permite a formulação de reservas ao Acordo de Adesão.

84.    Por outro lado, vigora no Direito da União o princípio de que o Tribunal de Justiça da União Europeia não tem competência no que diz respeito às disposições do direito primário sobre a PESC, nem quanto aos atos jurídicos cujo fundamento sejam essas disposições (artigos 24.°, primeiro parágrafo, sexto período, TUE e 275.°, primeiro parágrafo TFUE). Só nos casos previstos no segundo parágrafo do artigo 275.° TFUE, e a título muito excecional, é que existe, no domínio da PESC, competência dos tribunais da União: abrange, por um lado, a fiscalização da observância da chamada cláusula de não afetação das competências (artigo 40.° TUE) e, por outro, os recursos de anulação interpostos por particulares contra medidas restritivas tomadas pelo Conselho no domínio da PESC (artigo 263.°, quarto parágrafo TFUE).

85.    Tendo em conta as já descritas restrições às competências jurisdicionais dos tribunais da União, pode a tutela jurisdicional garantida pela ordem jurídica da União Europeia no domínio da PESC ser considerada uma tutela jurisdicional efetiva, no sentido dos artigos 6.° e 13.° CEDH? Ou, com a sua adesão à CEDH, nos termos previstos no Projeto de Acordo de Adesão, a União assumirá, no que diz respeito à tutela jurisdicional no domínio da PESC, obrigações de direito internacional para cujo cumprimento as suas instituições — designadamente o Tribunal de Justiça da União Europeia — não dispõem das necessárias competências? Se o Tribunal de Justiça concluísse que se verifica esta última situação, não só a União estaria impedida de aderir à CEDH, como se revelaria, no plano interno da União, existir uma lacuna no sistema de tutela jurisdicional que, mesmo atualmente — desde logo tendo em conta o princípio da equivalência consagrado no artigo 52.°, n.° 3, primeiro período, da Carta dos Direitos Fundamentais —, já seria muito problemática.

86.    A Comissão (47) propõe que se ultrapassem eventuais reservas no respeitante ao princípio da tutela jurisdicional efetiva dos particulares no domínio da PESC recorrendo a uma interpretação particularmente extensiva da segunda alternativa prevista no segundo parágrafo do artigo 275.°TFUE. A Comissão gostaria que essa disposição fosse interpretada no sentido de que o Tribunal de Justiça dispõe de competências não apenas para julgar recursos de anulação interpostos por particulares contra medidas restritivas, mas também para julgar pedidos de indemnização e de que o Tribunal de Justiça pode apreciar pedidos de decisão prejudicial apresentados pelos tribunais nacionais no domínio da PESC. Além disso, a Comissão defende que as possibilidades de tutela jurisdicional dos particulares no domínio da PESC devem ser tratadas no sentido de abrangerem não apenas os atos previstos no primeiro parágrafo do artigo 263.° TFUE, que são os que produzem efeitos jurídicos, mas também os atos puramente materiais, ou seja atos que não produzem efeitos jurídicos.

87.    Na audiência, a Comissão acrescentou que a fiscalização prevista na primeira alternativa do segundo parágrafo do artigo 275.° TFUE, i.e., a fiscalização da observância do artigo 40.° TUE, permite aos tribunais da União garantir uma adequada tutela jurisdicional no domínio da PESC.

88.    Na esteira de muitas das partes no processo (48), tenho dúvidas substanciais de que a interpretação dada pela Comissão às duas alternativas do segundo parágrafo do artigo 275.°TFUE seja uma solução juridicamente viável para garantir aos particulares uma tutela jurisdicional efetiva no domínio da PESC, no sentido dos artigos 6.° e 13.° CEDH.

89.    Por um lado, a interpretação da Comissão ignora que ao artigo 275.° TFUE subjaz uma relação de regra e exceção; a Comissão converte o princípio da incompetência dos tribunais da União no domínio da PESC, consagrado no artigo 24.°, n.° 1, segundo parágrafo, sexto período, TUE e no primeiro parágrafo do artigo 275.° TFUE no seu contrário. Por outro, ao admitir a competência do Tribunal de Justiça para decidir reenvios prejudiciais e pedidos de indemnização no âmbito da PESC, vai contra o claro teor literal da segunda alternativa do segundo parágrafo do artigo 275.°TFUE, que apenas prevê a competência do Tribunal de Justiça para conhecer de recursos de anulação interpostos por particulares nos termos do quarto parágrafo do artigo 263.° TFUE das decisões que estabeleçam medidas restritivas, mas não para outros tipos de atos ou outros tipos de recursos e muito menos para conhecer de reenvios de tribunais nacionais nos termos do artigo 267.° TFUE.

90.    Que a opinião da Comissão não pode ser acolhida é o que é confirmado se se chamar à colação a história legislativa do artigo 275.° TFUE (49). Esta disposição corresponde originariamente ao artigo III‑376.° do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa. A sua formulação remonta, no essencial, aos trabalhos da Convenção Europeia, que, por seu turno, a consagrou no artigo III‑282.° do Projeto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa (50). Como resulta da documentação da Convenção Europeia, foi então amplamente discutida a formulação em termos gerais das competências dos tribunais da União no domínio da PESC, simplesmente as propostas que dessa discussão resultaram não se mostraram passíveis de uma aceitação consensual (51). No final, a Convenção e as duas Conferências que se lhe seguiram sobre a Constituição Europeia e sobre o Tratado de Lisboa tomaram como modelo uma conceção sobretudo intergovernamental da PESC, em cujo contexto aos tribunais da União só deveria ser dada uma competência estritamente limitada.

91.    Além disso, uma interpretação do artigo 275.° TFUE como a que a Comissão pretende conduziria a um alargamento das competências da União incompatível com o artigo 6.°, n.° 1, segundo parágrafo, e n.° 2, segundo período do TUE, ou, melhor, a um alargamento das competências jurisdicionais da instituição Tribunal de Justiça da União Europeia (52).

92.    Da jurisprudência «Les Verts», «Kadi», «Gestoras Pro Amnistía» e «Segi» (53), trazida a terreiro pela Comissão, nada se retira que possa apoiar a opinião expendida por aquela instituição. Nos mencionados casos, o Tribunal de Justiça salientou que a União é uma comunidade de direito — atualmente, uma União de direito. Partindo desta premissa fundamental, o Tribunal de Justiça recordou que nem os Estados‑Membros, nem as instituições da União estão isentos da fiscalização da conformidade dos seus atos com os Tratados, que são o fundamento constitucional da União (54). Mas de modo algum o Tribunal de Justiça tirou desta constatação básica a conclusão de que se devam aceitar nos tribunais europeus, por assim dizer praeter legem, recursos ou tipos de processos não previstos no direito primário.

93.    Concedendo um pouco, o Tribunal de Justiça, no mencionado acórdão, pronunciou‑se a favor de uma interpretação do direito primário que permita assegurar o melhor possível a concretização dos efeitos práticos dos tipos de processos expressamente previstos nos Tratados. Assim, o Tribunal de Justiça reconheceu, no acórdão «Les Verts», que o recurso de anulação previsto no artigo 173.° do Tratado CEE também podia ser interposto contra atos do Parlamento que produzissem efeitos relativamente a terceiros (55). Da mesma forma, nos acórdãos «Gestoras Pro Amnistía» e «Segi», o Tribunal de Justiça interpretou o âmbito de aplicação do processo de reenvio prejudicial previsto no artigo 35.°, n.° 1, do Tratado UE (56), no âmbito do então «terceiro pilar», no sentido de que esse processo se podia aplicar a todas as medidas do Conselho que pudessem produzir efeitos relativamente a terceiros.

94.    Porém, mais importante para a problemática aqui em discussão me parece ser a circunstância de o Tribunal de Justiça, nos processos «Gestoras Pro Amnistía» e «Segi» se ter expressamente recusado a aceitar, no domínio do então «terceiro pilar», tipos de ações não expressamente previstos no Tratado UE na versão do Tratado de Amesterdão. Especificamente, não aceitou, naquele domínio, a admissibilidade de ações de indemnização (57). O mesmo se pode, sem mais considerações, transpor para a questão aqui debatida da tutela jurídica no domínio do então «segundo pilar», ou seja, no domínio da PESC, no qual as competências dos tribunais da União são tradicionalmente ainda mais restringidas (58).

95.    Neste quadro, a interpretação do artigo 275.° TFUE avançada pela Comissão não é convincente. Para além da total implausibilidade dos argumentos da Comissão, a interpretação particularmente ampla das competências dos tribunais da União que propõe não é sequer necessária para garantir a efetiva tutela jurisdicional dos particulares no domínio da PESC, porque a afirmação, totalmente relevante, de que nem os Estados‑Membros nem as instituições da União estão isentos da fiscalização da conformidade dos seus atos com a carta constitucional de base que é o Tratado, não tem de conduzir sempre ao reconhecimento da competência dos tribunais da União.

96.    Além disso, como indica o artigo 19.°, n.° 1, TUE, o sistema de tutela jurisdicional instituído pelos Tratados assenta em dois pilares, um baseado nos órgãos jurisdicionais da União e o outro nos órgãos jurisdicionais nacionais (59). Assim, mesmo não existindo — como é normalmente o caso no domínio da PESC — a possibilidade de interpor um recurso direto para os tribunais da União, subsiste sempre a competência dos tribunais nacionais. Tal resulta, em última análise, do princípio da atribuição expressa, segundo o qual as competências que não tenham sido previstas nos Tratados pertencem aos Estados‑Membros (artigo 4.°, n.° 1, TUE, em conjugação com o artigo 5.°, n.° 1, primeiro período, e n.° 2, TUE) (60).

97.    Além disso, os Estados‑Membros, nos termos do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do TUE, estão expressamente obrigados a estabelecer as vias de recurso necessárias para que, no domínio da PESC — que é um domínio abrangido pelo Direito da União —, seja assegurada uma tutela jurisdicional efetiva (61).

98.    Em muitos casos, a PESC tem de ser executada pelos Estados‑Membros (artigos 26.°, n.° 3, 42.°, n.° 3, e 44.°, n.° 1, todos do TUE), pelo que, para os particulares, é a via dos tribunais nacionais que tem de ser seguida quando quiserem submeter a fiscalização jurisdicional os atos, medidas ou omissões no domínio da PESC que possam sobre eles produzir algum efeito (62).

99.    Mas mesmo quando a PESC seja conduzida pelas instituições, órgãos, e outros organismos próprios da União, de forma que afete direta e individualmente os particulares, não lhes fica vedado o acesso aos tribunais nacionais, desde que não possam, excecionalmente, encontrar tutela jurisdicional direta pelos tribunais da União, nos termos da segunda alternativa do n.° 2 do artigo 275.° do TFUE, pois quando os Tratados não atribuem competência ao Tribunal de Justiça da União Europeia, os litígios em que a União seja parte, nos termos do artigo 274.° TFUE, não ficam subtraídos à competência dos órgãos jurisdicionais nacionais. Tendo presente o regime decorrente do sexto período do segundo parágrafo do n.° 1 do artigo 24.° TUE e do primeiro parágrafo do artigo 275.° TFUE, será este o caso normal no domínio da PESC.

100. Se lhes forem submetidos semelhantes litígios em matéria de PESC, os tribunais nacionais estão obrigados a aplicar o Direito da União. Nesse caso, terão eventualmente de apreciar a compatibilidade, com o Direito da União hierarquicamente superior, de atos, medidas ou omissões das instituições, órgãos ou organismos da União no domínio da PESC, não os aplicando ao caso concreto, se constatarem essa incompatibilidade (63). Isto porque, como já mencionado (64), resulta do artigo 24.°, n.° 1, segundo parágrafo, sexto período TUE e do artigo 275.°, n.° 1, TFUE que, ao contrário do que sucede no domínio das políticas comuns, os Tratados não atribuem ao Tribunal de Justiça, no domínio da PESC, nenhuma competência para decidir a título prejudicial. Por isso, o Tribunal de Justiça não pode, no quadro da PESC, exercer o seu monopólio, que lhe é reconhecido nos outros domínios, de fiscalização da legalidade dos atos das instituições, órgãos e organismos da União. Na minha opinião, a sua jurisprudência constante, que remonta ao acórdão Foto‑Frost (65), não pode ser transposta para o domínio da PESC. Ao contrário do que acontece nos domínios estruturados no plano supranacional do Direito da União, no domínio da PESC não existe qualquer princípio geral que prescreva que a legalidade dos atos das instituições da União só pode ser fiscalizada pelos tribunais da União.

101. A inexistência de competência prejudicial e de um monopólio de apreciação do Tribunal de Justiça do tipo acórdão Foto‑Frost nas matérias da PESC é, sem dúvida, lamentável do ponto de vista da integração política, pois desta forma não se pode assegurar a interpretação e aplicação uniformes do Direito da União no domínio da PESC. Porém, isto é a consequência lógica da decisão do legislador do Tratado de continuar a definir a PESC como uma política essencialmente intergovernamental e de limitar o elemento supranacional, inerente a qualquer competência do Tribunal de Justiça, a casos excecionais bem delimitados, taxativamente enumerados no segundo parágrafo do artigo 275.°TFUE.

102. A efetiva tutela jurisdicional dos particulares, exigida pelos artigos 6.° e 13.° da CEDH, pode ser assegurada sem uma competência prejudicial e sem o monopólio de fiscalização do Tribunal de Justiça.

103. Em resumo, pode concluir‑se que, no plano da PESC, a projetada adesão da União CEDH pode ser concretizada sem a atribuição de novas competências ao Tribunal de Justiça da União Europeia, porque em matéria da PESC pode ser assegurada a tutela jurisdicional efetiva dos particulares em parte através dos tribunais da União (artigo 275.°, n.° 2 TFUE), e em parte através dos tribunais nacionais (artigo 19.° n.° 1, segundo parágrafo, TUE e artigo 274.° TFUE).

4.      Conclusão intercalar

104. Atendendo ao que precede, não há que temer que o Projeto de Acordo possa alterar as competências da União previstas no Tratado. Além disso, a transposição do Acordo de Adesão para o Direito da União não implica a atribuição de novas competências à União.

B –    Garantia das competências das Instituições da União

105. Decorre do primeiro período do artigo 2.° e do artigo 3.° do Protocolo n.° 8 que a adesão à CEDH não deve afetar as atribuições das instituições da União. Este imperativo deve ser analisado em primeiro lugar (v. capítulo 1 infra), em relação às atribuições do Tribunal de Justiça da União Europeia (artigo 19.°, n.° 1, primeiro período, TUE). Por dever de exaustividade, analisarei depois, brevemente, as atribuições das outras instituições da União (v. capítulo 2 infra), dedicando especial atenção ao sistema de direito da União de aplicação de sanções pecuniárias no domínio do Direito da Concorrência (v. capítulo 2, alínea b), infra).

1.      As atribuições do Tribunal de Justiça da União Europeia

106. A função do Tribunal de Justiça da União Europeia, ao qual compete garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados (artigo 19, n.° 1, TUE), é de importância fundamental para o ordenamento jurídico instituído pelos Tratados (66). Tendo em vista a projetada adesão da União à CEDH, devem ser discutidos, especialmente dois aspetos: por um lado, o monopólio de resolução dos litígios dos tribunais da União [v. sobre este ponto a alínea a), já a seguir] e, por outro, as suas atribuições no que se refere à interpretação do Direito da União e à fiscalização da legalidade dos atos jurídicos da União [v. alínea b) infra]. Depois analisarei brevemente o Protocolo Adicional n.° 16 à CEDH [v. alínea c) infra].

a)      O monopólio de resolução dos litígios dos tribunais da União (artigo 344.° TFUE)

107. Pelo artigo 344.° TFUE, os Estados‑Membros da União comprometeram‑se a «não submeter qualquer diferendo relativo à interpretação ou aplicação dos Tratados a um modo de resolução diverso dos que neles estão previstos». Segundo jurisprudência constante, esta disposição consagra a competência exclusiva do Tribunal de Justiça da União Europeia para resolver todos os litígios entre os Estados‑Membros, desde que digam respeito ao Direito da União (67) (v. artigo 259.° TFUE). O mesmo se aplica, por maioria de razão, aos litígios entre a União e um ou mais Estados‑Membros (v., mais concretamente, os artigos 258.° TFUE, 263.°, n.° 2 TFUE, 265.°, n.° 1 TFUE e 268.° TFUE). Dizendo de outra forma, os Estados‑Membros atribuíram aos tribunais da União um monopólio de resolução dos litígios que envolvem o direito da União, que tem o seu fundamento de direito primário no artigo 344.° TFUE.

108. Para proteger esta função fundamental dos tribunais da União, o artigo 3.° do Protocolo n.° 8 prevê que nenhuma disposição do Acordo de Adesão pode afetar o artigo 344.° TFUE.

109. Neste contexto, carece de análise especialmente o processo de queixa dos Estados previsto no artigo 33.° da CEDH (68), que prevê que qualquer parte contratante pode apresentar ao TEDH uma queixa sobre qualquer infração à CEDH aos Protocolos adicionais praticada por outra parte contratante (69). Esta disposição deve ser apreciada em conjugação com o artigo 55.° da CEDH, nos termos do qual as partes contratantes basicamente renunciam reciprocamente a recorrer a processos de resolução de litígios sobre a interpretação e aplicação da CEDH diferentes dos processos previstos na própria CEDH.

110. Existe manifestamente uma relação de alguma tensão entre a obrigação dos Estados‑Membros, resultante do artigo 344.° TFUE, de submeter os litígios de direito da União exclusivamente ao Tribunal de Justiça e a obrigação, estabelecida no artigo 55.° da CEDH, de submeter os litígios relativos à CEDH ao TEDH, através de uma queixa de um Estado. Pois, como já mencionado, com a adesão da União, a CEDH passa a ser parte integrante da ordem jurídica da União (70) (v. igualmente o artigo 216.°, n.° 2, TFUE). Contrariamente à surpreendente opinião da Comissão, pode muito bem surgir, após a adesão aqui em causa, entre os Estados‑Membros da União, ou entre os Estados‑Membros e a União, um litígio, no âmbito de aplicação do Direito da União, sobre a interpretação ou aplicação da CEDH.

111. Se, para resolução desse litígio, for seguido o processo de queixa do Estado nos termos do artigo 33.° CEDH no TEDH, isso configurará uma violação da competência exclusiva do Tribunal de Justiça e uma violação do artigo 344.° TFUE.

112. Nas negociações sobre a projetada adesão da União à CEDH, este problema foi amplamente reconhecido. Para a sua solução ficou consagrado, no artigo 5.° do Projeto de Acordo, que os processos no Tribunal de Justiça da União Europeia não serão considerados «uma forma de resolução de um litígio no sentido do artigo 55.° da CEDH». O Relatório Explicativo precisa esta disposição do Projeto de Acordo, esclarecendo que «o artigo 55.° da CEDH não exclui a aplicação da disposição do artigo 344 TFUE» (71).

113. Desta forma, o artigo 5.° do Projeto de Acordo, na interpretação que lhe é dada pelo Relatório Explicativo, resolve o possível conflito entre o artigo 55.° CEDH e o artigo 344.° TFUE no sentido de que a União e os seus Estados‑Membros podem continuar a levar os eventuais litígios entre si sobre a interpretação e a aplicação da CEDH aos tribunais da União, não estando obrigados a seguir o processo de queixa de Estado no TEDH previsto no artigo 33.° CEDH.

114. Simplesmente, nem o Projeto de Acordo de Adesão nem os seus documentos de apoio excluem que os Estados‑Membros da União levem ao TEDH, através de uma queixa de Estado, um litígio que tenham entre si sobre a interpretação e a aplicação da CEDH, embora a isso não estejam obrigados segundo o direito internacional, como resulta do artigo 55.° da CEDH, em conjugação com o artigo 5.° do Projeto de Acordo.

115. Se se quisesse garantir que os litígios em matéria de Direito da União em relação à CEDH em nenhum caso poderão levar a que os Estados‑Membros da União incorram numa violação deste tipo da competência exclusiva do Tribunal de Justiça, seria necessário que o Projeto de Adesão — talvez à semelhança do artigo 282.° da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (72) — contivesse uma disposição que vai para além do Artigo 5.° do Projeto de Acordo e que não só não prejudicasse a aplicação do artigo 344.° TFUE, como previsse a sua primazia sobre o artigo 33.° da CEDH. Contra um processo de queixa de um Estado poderia então suscitar‑se, no TEDH, uma exceção de incompetência. Além disso, o TEDH, antes de decidir um litígio num processo de queixa de Estado entre Estados‑Membros da União, estaria obrigado — pelo menos em casos de dúvida — a dar ao Tribunal de Justiça, pela via do processo de apreciação prévia, a oportunidade de se pronunciar sobre se o objeto de um litígio constitui ou não um diferendo sobre o Direito da União, no sentido do artigo 344.° TFUE.

116. Mas uma disposição tão ampla, que não corresponde sequer a nenhuma prática internacional corrente em tratados internacionais, não me parece estritamente necessária para garantir o efeito prático do artigo 344.° TFUE e o monopólio jurisdicional do Tribunal de Justiça.

117. Mais: se se pretendesse neste caso introduzir uma disposição expressa que tornasse impossíveis as queixas de Estados no TEDH e previsse o primado do artigo 344.° TFUE como condição da compatibilidade do projetado Acordo de Adesão com o direito primário da União, isso significaria, implicitamente, que inúmeros acordos internacionais celebrados no passado pela União ficariam marcados por uma mancha, pelo facto de não preverem uma cláusula desse tipo.

118. Em minha opinião, para garantir o efeito prático do artigo 344.° TFUE é suficiente a possibilidade de ser proposta, contra os Estados‑Membros que submetam os seus litígios do âmbito do Direito da União a outras instâncias internacionais e não ao Tribunal de Justiça da União Europeia, uma ação por incumprimento dos Tratados (artigo 258.° TFUE a 260.° TFUE)(73), em cujo âmbito poderão eventualmente ser tomadas medidas provisórias (artigo 279.° TFUE) (74).

119. Tudo considerado, sou portanto de opinião de que o Projeto de Acordo não suscita quaisquer reservas jurídicas do ponto de vista do artigo 344.° TFUE, em conjugação com o artigo 3.° do Protocolo n.° 8.

120. Mas se o Tribunal de Justiça, ainda assim, considerar necessário que os efeitos práticos do artigo 344.° TFUE tenham uma proteção mais forte do que a consagrada no Projeto de Acordo, poderá fazer depender a compatibilidade com os tratados da adesão da União à CEDH de uma declaração da União e seus Estados‑Membros, a fazer no momento da adesão da União, em que a União e os Estados‑Membros se comprometessem, para com as outras partes da CEDH, de forma juridicamente vinculativa no plano do Direito Internacional, a não intentarem no TEDH os processos previstos no artigo 33.° CEDH por eventuais violações da CEDH, se o seu objeto se situar no âmbito de aplicação do direito da União (75).

b)      As atribuições dos tribunais da União no tocante à interpretação do Direito da União e à fiscalização da legalidade dos atos jurídicos da União

121. Para além do seu monopólio de resolução de litígios, previsto no artigo 344.° TFUE, que acabou de ser analisado, no sistema jurisdicional da União Europeia é atribuída aos tribunais da União a missão de interpretarem, em última instância, o Direito da União e é‑lhes conferido o monopólio (76) da fiscalização da legalidade dos atos das instituições, órgãos e organismos da União (77).

122. Em princípio, a adesão da União à CEDH nada muda nesta matéria, pois os acórdãos do TEDH que constatem a violação da CEDH têm natureza puramente declaratória e deixam às partes contratantes envolvidas uma certa margem para a sua execução (artigo 46.°, n.° 1 CEDH) (78). Além disso, o TEDH não inclui nos seus acórdãos qualquer declaração sobre a interpretação vinculativa ou a validade de disposições legais da parte contratante em causa (79). O TEDH limita‑se a interpretar a CEDH e a declarar a existência de eventuais violações dos direitos fundamentais nela consagrados.

123. Contudo, o TEDH, nos seus acórdãos, não pode deixar de confrontar o direito interno das partes contratantes envolvidas sempre que isso seja necessário para poder tomar posição sobre uma queixa que lhe seja apresentada sobre a violação de direitos fundamentais consagrados na CEDH. O TEDH estabelece forçosamente, nos seus acórdãos, uma determinada compreensão do conteúdo e âmbito das disposições do direito interno. Só assim fará sentido que avalie, por exemplo, se os meios de recurso previstos na ordem jurídica interna são suficientes para garantir o «direito a um recurso efetivo» (artigo 13.° da CEDH) e se as restrições a determinados direitos fundamentais consagrados na CEDH estão legalmente previstas na ordem jurídica interna (artigos 5.°, n.° 1, 8.°, n.° 2, 9.°, n.° 2, 10.°, n.° 2, e 11.°, n.° 2, da CEDH) (80). Neste contexto, também o Direito da União Europeia, incluindo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, foram já objeto de análise em decisões do TEDH (81).

124. Para garantir que, nesses casos, as atribuições dos tribunais da União permanecem asseguradas e, simultaneamente, é respeitado o princípio da subsidiariedade no sistema de fiscalização da CEDH, o artigo 3.°, n.° 6 do Projeto de Acordo prevê o processo de apreciação prévia, nos termos do qual, em processos pendentes no TEDH em que a União seja parte como corresponsável, deve ser dado ao Tribunal de Justiça da União Europeia o tempo necessário para se pronunciar sobre a compatibilidade de uma disposição do Direito da União com a CEDH, se não o tiver já feito anteriormente.

125. Como o próprio Tribunal de Justiça afirmou no seu documento de reflexão (82), tal processo de apreciação prévia é adequado e também necessário para garantir, com vista à adesão da União à CEDH, as competências dos tribunais da União.

126. Contudo, ainda está por analisar a questão de saber se os requisitos do processo de apreciação prévia previstos no artigo 3.°, n.° 6, do Projeto de Acordo não são demasiado restritivos e por isso podem vir a pôr em causa as competências dos tribunais da União. Esses requisitos são de três ordens:

–        O âmbito de aplicação do processo de apreciação prévia está inseparavelmente ligado ao estatuto de corresponsável, de forma que, à partida, a apreciação prévia do Tribunal de Justiça só será possível se a União tiver o estatuto de corresponsável num processo pendente no TEDH;

–        A apreciação prévia só está prevista para casos em que o Tribunal de Justiça ainda não se tenha pronunciado sobre a compatibilidade da disposição em causa do Direito da União com a CEDH;

–        O objeto da apreciação prévia é a compatibilidade dessa disposição do Direito da União com os direitos fundamentais da CEDH invocados no processo pendente no TEDH.

127. No que respeita, em primeiro lugar, à conexão do âmbito de aplicação do processo de apreciação prévia com o estatuto da União como parte corresponsável, tal conexão parece adequada a garantir as competências dos tribunais da União. Na verdade, deste fator de conexão resulta, a contrario, que não será possível a apreciação prévia do Tribunal de Justiça quando for apresentada uma queixa no TEDH contra a própria União, enquanto demandada, ou quando a União não seja, em absoluto, parte num processo pendente no TEDH — nem como demandada, nem como corresponsável. Em nenhum destes dois casos a inexistência de parecer prévio poderá afetar as competências dos tribunais da União.

128. Se a própria União for, com efeito, demandada num processo pendente no TEDH, o requisito de esgotamento das vias de recurso internas da União (artigo 35.°, n.° 1 da CEDH) já garante que o litígio não pode chegar ao TEDH antes de os tribunais da União terem tido a possibilidade, no âmbito das suas competências, de se pronunciarem sobre a interpretação e a legalidade da disposição em causa do Direito da União. Se, pelo contrário, a União não for demandada, nem corresponsável — não sendo, portanto, parte no processo pendente no TEDH —, não há que temer que as competências dos tribunais da União sejam afetadas, porque o acórdão que o TEDH venha a proferir, mesmo que contenha observações sobre o Direito da União, não será vinculativo para a União (v. artigo 46.°, n.° 1 da CEDH).

129. Em segundo lugar, tão‑pouco a restrição do processo de apreciação prévia aos casos em que os tribunais da União ainda não se tiverem pronunciado sobre a compatibilidade da disposição da União em apreço com a CEDH põe em risco as competências daqueles tribunais. Mas se os tribunais da União já se tiverem pronunciado, em decisão vinculativa, sobre a questão jurídica concreta que venha a ser objeto de uma queixa apresentada ao TEDH, então já exerceram a sua competência (83). Neste caso de acte éclairé nem sequer se espera que os tribunais de última instância dos Estados‑Membros da União recorram ao Tribunal de Justiça. O mesmo se deve aplicar nas relações entre o TEDH e os tribunais da União.

130. Em terceiro lugar, o que é problemático, em contrapartida, é a restrição prevista no artigo 3.°, n.° 6, do Projeto de Acordo do objeto da apreciação prévia a questões de compatibilidade (em francês compatibilité, em inglês compatibility) do Direito da União com os direitos fundamentais previstos na CEDH invocados no processo pendente no TEDH. Pois, como acima mencionado (84), as competências dos tribunais da União não se esgotam na apreciação da legalidade das disposições do Direito da União, mas estendem‑se também à respetiva interpretação. É precisamente no quadro de questões sobre direitos fundamentais que esta competência interpretativa dos tribunais da União tem uma importância especial, pois na maior parte dos casos é possível assegurar, logo pela via interpretativa, que a disposição em causa do Direito da União não está em contradição com os direitos fundamentais (85), o que é aplicável quer às disposições do direito primário da União quer às do direito derivado.

131. Ao contrário do que a Comissão parece pensar (86), verificar‑se‑ia uma séria inobservância das competências da Comissão se se pretendesse restringir o objeto da apreciação prévia a puras questões de legalidade ou de validade, isto é, como se o Tribunal de Justiça só tivesse a possibilidade de escolher entre preto e branco.

132. Felizmente, a referência, constante do artigo 3.°, n.° 6, do Projeto de Acordo é, per se, suficientemente aberta para incluir também questões de interpretação do Direito da União Europeia e possibilitar uma apreciação prévia, por parte do Tribunal de Justiça, que assegure uma interpretação de normas de Direito da União Europeia em consonância com a CEDH.

133. Porém, como resulta do Relatório Explicativo, a «apreciação da compatibilidade», na aceção do artigo 3.°, n.° 6, do Projeto de Acordo consistirá, no caso do direito derivado da União, apenas em que o Tribunal de Justiça decide da «validade» das disposições de atos normativos dos órgãos, instituições e demais organismos da União (87).

134. Face a esta equiparação, no Relatório Explicativo, das questões de «validade» do direito derivado às questões de «compatibilidade», suscitam‑se sérias dúvidas sobre se o âmbito de aplicação material da apreciação prévia, conforme está definido no artigo 3.°, n.° 6, do Projeto de Acordo, basta realmente para conservar as competências da União Europeia. Na verdade, algumas das partes no processo procuraram minimizar a importância do Relatório Explicativo para a interpretação do artigo 3.°, n.° 6, do Projeto de Acordo. Porém, este ponto de vista não pode convencer, pois o Relatório Explicativo faz parte do pacote global negociado para a adesão da União à CEDH e, por vontade dos redatores desse pacote, terá valor idêntico ao do próprio Acordo (88).

135. Em última análise, as referidas dúvidas sobre o alcance do procedimento de apreciação prévia só podem ser resolvidas mediante um esclarecimento no sentido de que a fiscalização da compatibilidade do Direito da União com a CEDH, que o Tribunal de Justiça terá oportunidade de fazer através do procedimento de apreciação prévia, inclui questões de interpretação, não só no caso do direito primário da União, mas também no caso do direito derivado da União. Esse esclarecimento parece‑me necessário para garantir a segurança jurídica. Em meu entender, só se poderá considerar o Projeto de Acordo compatível com os Tratados sob a condição de ser feito esse esclarecimento.

c)      Efeitos do Protocolo Adicional n.° 16 à CEDH nas competências do Tribunal

136. Por último, há que examinar brevemente o Protocolo Adicional n.° 16 à CEDH. Os seus possíveis efeitos nas competências do Tribunal de Justiça foram discutidos perfunctoriamente com as partes na fase oral do presente processo de emissão de parecer, devido a questões dos membros do Tribunal de Justiça.

137. Este Protocolo Adicional n.° 16, que até à data (89) só foi assinado por sete Estados‑Membros da União, e ainda não foi ratificado por nenhum deles, prevê a introdução de um «processo de decisão prejudicial» voluntário no sistema da CEDH, através do qual determinados supremos tribunais dos Estados Contratantes da CEDH podem requerer ao TEDH a emissão de um parecer não vinculativo sobre a interpretação da CEDH.

138. Em primeiro lugar, refira‑se que o 16.° Protocolo Adicional não é, per se, objeto do presente parecer, porque não pertence aos textos jurídicos a que a União acederá nos termos do Projeto de Acordo.

139. Contudo, não se exclui que o papel do Tribunal de Justiça possa ser indiretamente prejudicado pelo Protocolo Adicional n.° 16, mesmo que este não seja ratificado pela própria União e que só alguns Estados‑Membros venham a ser partes no mesmo. Isto porque, como já se referiu, com a adesão da União à CEDH, esta passa, enquanto tal, a fazer parte integrante da ordem jurídica da União, pelo que o Tribunal de Justiça passa a ser competente para a sua interpretação, através do processo de decisão prejudicial (artigo 267.° TFUE) (90). Porém, o seu papel na interpretação da CEDH no espaço interno da União pode ser prejudicado, porquanto os supremos tribunais dos Estados‑Membros que ratificaram o Protocolo Adicional n.° 16 à CEDH podem sentir‑se compelidos, em aplicação das normas desse protocolo adicional, a submeter ao TEDH, e não ao Tribunal de Justiça, questões sobre a interpretação da CEDH.

140. Em última análise, este fenómeno não é consequência da adesão da União à CEDH. Mesmo sem a projetada adesão da União, os tribunais dos Estados‑Membros que ratificaram o Protocolo Adicional n.° 16 podem submeter ao TEDH questões — de interpretação da CEDH — sobre direitos fundamentais, em vez de ocuparem o Tribunal de Justiça com questões, de teor substantivamente idêntico, sobre a interpretação da Carta dos Direitos Fundamentais.

141. Para resolver este problema, basta fazer referência ao artigo 267.°, terceiro parágrafo, do TFUE, que prescreve a obrigação dos tribunais de última instância dos Estados‑Membros de submeterem questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. O artigo 267.°, terceiro parágrafo, do TFUE prevalece sobre o direito interno dos Estados‑Membros e, consequentemente, também sobre uma convenção internacional eventualmente ratificada por alguns Estados‑Membros, como o Protocolo Adicional n.° 16 à CEDH. Daqui resulta que os tribunais de última instância dos Estados‑Membros, sempre que tenham de decidir uma causa no âmbito de aplicação do direito da UE, têm de dar prevalência à submissão de questões ao Tribunal de Justiça e dar prevalência à observância das suas decisões.

d)      Conclusão intercalar

142. Em resumo e conclusão, o Projeto de Acordo não afeta as competências do Tribunal de Justiça da União Europeia de uma forma que seja incompatível com o artigo 2.°, n.° 1, do Protocolo n.° 8, no pressuposto de que o âmbito de aplicação do procedimento de apreciação prévia seja esclarecido no sentido referido no n.° 135.

2.      As competências de outras instituições da União

143. No que toca às competências de outras instituições da União, especialmente as do Parlamento, do Conselho e da Comissão, não se vislumbra em que medida é que estas podem ser afetadas pela adesão da União à CEDH. No processo de emissão de parecer no Tribunal de Justiça não surgiram nenhuns indícios de que essas competências possam de algum modo ser afetadas.

a)      Em geral

144. Em geral, há que notar que, em consequência da adesão da União à CEDH, todos os órgãos daquela têm de exercer as suas competências com observância dos direitos do homem e das liberdades fundamentais consagrados na CEDH. Porém, e como já noutra ocasião se observou (91), esta é uma consequência necessária e pretendida da adesão à CEDH, que não deve ser erradamente entendida no sentido de que afeta as atribuições das instituições, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, do Protocolo n.° 8.

145. No tocante à discussão, entre as instituições da União e os Estados‑Membros que participam no processo de parecer, sobre quem, no futuro, terá de determinar a posição da União nas instâncias da CEDH e/ou do Conselho da Europa, e sobre quem nelas representará a União, trata‑se de problemas que serão resolvidos na elaboração concreta das medidas internas da União de execução do planeado Acordo de Adesão. Com efeito, um prejuízo para as competências de uma ou outra instituição que venha a verificar‑se neste contexto não resultará do próprio Acordo de Adesão, mas sim e unicamente das medidas de execução (92), e não pode ser erigido — por assim dizer, a título cautelar — em objeto do presente processo de emissão de parecer, em que estas questões têm natureza puramente hipotética.

b)      Sistema institucional da União de aplicação de sanções por infração das normas sobre concorrência

146. Na audiência no Tribunal de Justiça, discutiu‑se brevemente, com as partes no processo, a questão de saber se a projetada adesão da União à CEDH exige a alteração das atuais competências das instituições da União ou outras adaptações sistémicas na área das normas da União sobre concorrência, mais precisamente no tocante à aplicação de sanções financeiras por infração aos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE. Nesse contexto, foi abordado, em primeiro lugar, o papel institucional da Comissão Europeia enquanto autoridade da concorrência, em segundo lugar o princípio ne bis in idem e em terceiro lugar o princípio da duração razoável do processo.

i)      Papel institucional da Comissão enquanto autoridade da concorrência

147. No tocante à execução dos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE ao nível da União, a Comissão funciona como uma autoridade da concorrência e tem competência para aplicar sanções financeiras (coimas e sanções pecuniárias compulsórias) de montante considerável a empresas e associações de empresas, sem recorrer previamente a um tribunal [v. artigos 103.°, n.° 2, alínea a), TFUE, artigo 105.° TFUE e artigos 23.° e 24.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (93)]. Este papel institucional da Comissão (94) reveste especial importância no sistema dos tratados fundadores, estreitamente conexa com a atribuição fundamental de garantir o funcionamento do mercado comum europeu.

148. Ocasionalmente, é alegado que semelhante sistema, que assenta na aplicação de sanções administrativas por uma autoridade, é problemático à luz da garantia de um processo equitativo nos termos do artigo 6.° da CEDH.

149. Porém, no estado atual da jurisprudência do TEDH, semelhantes dúvidas não têm fundamento, pois, como o TEDH esclareceu, as sanções administrativas, logo também as aplicadas em sede de direito da concorrência, também estão abrangidas pelo âmbito de aplicação das garantias processuais penais previstas no artigo 6.° da CEDH. Essas sanções não pertencem ao «núcleo duro» do direito penal — também se pode dizer: são apenas análogas às sanções penais (95) —, o que tem a consequência de as garantias penais resultantes do artigo 6.° da CEDH não serem necessariamente aplicáveis com todo o seu rigor (96).

150. Mais recentemente, o TEDH reconheceu expressamente que uma autoridade pode aplicar coimas por infração à proibição de acordos, decisões e práticas concertadas, desde que a empresa afetada possa recorrer de toda e qualquer decisão de aplicação de coima em matéria de cartéis para um órgão jurisdicional com competência de plena jurisdição (francês: «pleine juridiction»; inglês: «full jurisdiction»). Este pressuposto verifica‑se no sistema de tutela jurisdicional da União, como é possível inferir quer da jurisprudência do Tribunal de Justiça (97), quer da jurisprudência do TEDH (98).

151. Nesse sentido, a projetada adesão da União à CEDH não implica, no que toca ao artigo 6.° da CEDH, nenhuma alteração institucional ao sistema de aplicação de sanções financeiras na área do direito da concorrência.

ii)    O princípio ne bis in idem

152. Tão‑pouco no tocante à proibição da dupla condenação (ne bis in idem), consagrada no artigo 4.°, n.° 1, do Protocolo Adicional n.° 7 à CEDH, resulta da projetada adesão da União à CEDH qualquer necessidade de alteração do sistema, de Direito da União, de execução dos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE. Com efeito, o Projeto de Acordo não cobre de todo o Protocolo Adicional n.° 7 à CEDH. Assim, a União, ao aderir à CEDH, não assumirá nenhumas obrigações, no plano do direito internacional, na área do princípio ne bis in idem. Consequentemente, a adesão, atualmente projetada, da União à CEDH não gerará nenhuma necessidade de tratamento dos processos em que está em causa o princípio ne bis in idem, ainda se quisesse partir da premissa de que — ao contrário do que defendo (99) — a conceção deste princípio fundamental no Direito da União atualmente (ainda) não está totalmente coberto pelo princípio consagrado na CEDH para os processos penais.

iii) Princípio da duração razoável do processo

153. Por último, no tocante ao princípio da duração razoável do processo, que também pode ser extraído do artigo 6.° da CEDH, em geral é reconhecida a sua validade no Direito da União (v. artigos 41.°, n.° 1, e 47.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais) e o Tribunal de Justiça já foi frequentemente chamado a apreciar a sua observância, especialmente nos processos de direito da concorrência.

154. A mera circunstância de, em vários casos concretos, ter vindo a ser reconhecida a violação desse princípio pela Comissão, enquanto autoridade da concorrência (100), ou pelo Tribunal Geral enquanto órgão de fiscalização judicial de primeira instância (101), não permite, por si só, concluir que será necessário efetuar alterações institucionais na União com vista à projetada adesão da União à CEDH.

155. Pelo contrário, a mim parece‑me decisivo o facto de, em todas as instituições da União, terem sido tomadas todas as precauções para acautelar eventuais violações do princípio da duração razoável do processo e, em caso de violação desse princípio, para aplicar sanções eficazes. Não vejo nenhuns indícios concretos de que essas precauções não foram tomadas (102).

iv)    Conclusão

156. Em consonância com a Comissão e com o Conselho, chego, pois, à conclusão de que a projetada adesão da União à CEDH pode ser concretizada sem nenhuma alteração das competências existentes e sem qualquer adaptação sistémica na área do direito da concorrência.

C –    A preservação das características próprias da União e do Direito da União

157. Além disso, segundo o artigo 1.° do Protocolo n.° 8, o Acordo de Adesão deverá incluir cláusulas que «preservem as características próprias da União e do Direito da União». De resto, a pretensão fundamental de «preservar as especificidades do ordenamento jurídico da União» está expressa no primeiro período da Declaração n.° 2.

158. A referência às especificidades, no Protocolo n.° 8 e na Declaração n.° 2, tem dois significados: por um lado, a autonomia do ordenamento jurídico da União não pode ser prejudicada pela adesão da União à CEDH. Por outro, esta adesão deve respeitar as peculiaridades da União, por se tratar de um sistema com vários níveis.

159. Quanto à autonomia do ordenamento jurídico da União, refira‑se que, com os tratados fundadores da União Europeia, foi criado um ordenamento jurídico novo e de natureza específica, por outras palavras: um ordenamento jurídico autónomo. A proteção deste ordenamento é, há mais de 50 anos, um das traves‑mestras da jurisprudência do Tribunal de Justiça (103) e, entretanto, goza de reconhecimento geral. A referida autonomia não só é caraterística da relação do Direito da União com o direito dos Estados‑Membros, mas também exige observância na relação com Estados terceiros e com organizações internacionais: se a União celebrar uma convenção internacional, então haverá que assegurar que essa convenção não prejudica a autonomia do ordenamento jurídico da União (104).

160. No contexto que ora interessa, das peculiaridades da União enquanto sistema com vários níveis, destaca‑se a de as competências e responsabilidades resultantes de numerosas normas do direito primário e do direito derivado estarem repartidas entre instituições nacionais e instituições da União.

161. Adiante será necessário discutir se o Projeto de Acordo está orientado em função destas características da União e do Direito da União. Neste contexto, e partindo do artigo 1.°, serão abordados, designadamente, os seguintes pontos de vista:

–        O reconhecimento da jurisdição do TEDH pela União (ponto 1) (105),

–        Os princípios do efeito direto e do primado do Direito da União (ponto 2) (106), e

–        Os mecanismos de definição de quem é corretamente demandado nos processos no TEDH (ponto 3) (107).

1.      O reconhecimento da jurisdição do TEDH

162. Em primeiro lugar, há que discutir, em conexão com as características próprias da União e do Direito da União (artigo 1.° do Protocolo n.° 8), se as mesmas podem ser prejudicadas pelo projetado reconhecimento da jurisdição do TEDH pela União. Surpreendentemente, a Comissão, no pedido de emissão de parecer, não disse uma palavra sobre esta questão, de importância fundamental para a apreciação jurídica do Projeto de Acordo, que no entanto foi detalhadamente discutida na audiência no Tribunal, com as partes no processo.

a)      Considerações gerais

163. Em ponto algum do Projeto de Acordo se estabelece expressamente que a União fica sujeita à jurisdição do TEDH. Contudo, este projeto deixa necessariamente implícito que a União, como todas as outras partes da CEDH, ao aderir à CEDH reconhece a jurisdição do TEDH (108).

164. Em consonância com numerosas partes no processo, acrescento que este elemento de fiscalização judicial externa da observância dos padrões elementares dos direitos fundamentais fará a maior das diferenças em comparação com o atual enquadramento jurídico, e poderá ser comummente considerado o valor acrescentado da projetada adesão da União à CEDH (109). Neste contexto, o reconhecimento da jurisdição do TEDH pela União não deve ser visto como uma simples submissão (110), mas antes como uma oportunidade para intensificar o já existente diálogo sobre questões de direitos fundamentais entre o Tribunal de Justiça e o TEDH, enquanto órgãos jurisdicionais genuinamente europeus (v., neste sentido, também o segundo período da Declaração n.° 2). Idealmente, esta cooperação levará a um reforço da tutela jurisdicional dos direitos fundamentais e, por isso, também à concretização dos valores fundamentais em que a União assenta (artigo 2.° TUE).

165. Como resulta claro da referência expressa do artigo 1.°, alínea a), do Protocolo n.° 8 às «regras específicas da eventual participação da União nas instâncias de controlo da Convenção Europeia», os redatores do Tratado de Lisboa partem da premissa do reconhecimento da jurisdição do TEDH pela União Europeia, desde que sejam tomadas precauções, no Acordo de Adesão, para preservar as características próprias da União e do Direito da União.

166. No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça já decidiu que não é, em princípio, incompatível com o Direito da União que a União, mediante a celebração de uma convenção internacional, se submeta à jurisprudência de um tribunal internacional, a que é confiada a interpretação e aplicação das normas dessa mesma convenção (111).

167. Face à ampla e já existente convergência entre as decisões do TEDH e as dos tribunais da União sobre questões de direitos fundamentais, o reconhecimento formal da jurisprudência do TEDH enquanto consequência da adesão da União à CEDH não levantará problemas práticos na maioria dos casos. Porém, há que sublinhar que a adesão à CEDH tem de implicar necessariamente a disponibilidade da União para reconhecer também as decisões do TEDH de que resulta uma incompatibilidade do Direito da União em vigor com a CEDH ou em que se declara que a União, num caso concreto, violou a CEDH (112).

168. Na fase oral deste processo de emissão de parecer foi discutida em profundidade a questão de saber se o Tribunal de Justiça deve reservar‑se o direito de recusar o reconhecimento de acórdãos do TEDH, se estiverem em conflito com a identidade constitucional da União — uma espécie de ordem pública (ordre public) do Direito da União — ou acarretarem uma clara ultrapassagem, pelos juízes de Estrasburgo, das suas competências, logo, se tiverem sido proferidos ultra vires.

169. Em meu entender, no estado atual das coisas não há motivo nenhum para o Tribunal de Justiça emitir semelhante reserva judicial, assente em princípios constitucionais.

170. É certo que é possível inferir semelhantes reservas da jurisprudência de alguns tribunais constitucionais dos Estados‑Membros da União sobre a relação do Direito da União com o direito nacional (113). Porém, parece‑me pouco convincente transpor o mesmo procedimento para a relação entre o Direito da União e a CEDH e para a relação entre o Tribunal de Justiça e o TEDH, independentemente de se considerar se a referida reserva é, em princípio, legítima ou não. Com efeito, a CEDH não cria um ordenamento jurídico supranacional equivalente ao Direito da União, que desde logo tenha, per se, primado e efeito direto nos ordenamentos jurídicos das partes contratantes. Além disso, normalmente é deixado às partes contratantes da CEDH, na execução dos acórdãos do TEDH, uma margem claramente mais ampla do que a que os Estados‑Membros da União têm face à jurisprudência dos tribunais da União.

171. Contudo, se no futuro vier a verificar‑se o caso, improvável, de um acórdão do TEDH suscitar dúvidas quanto à sua compatibilidade com princípios fundamentais do ordenamento da União ou com características essenciais da estrutura institucional da União, então caberá ao Tribunal de Justiça, e também aos órgãos políticos e aos Estados‑Membros da União, procurar soluções adequadas (114). Para o efeito, bastará o leque de opções disponíveis, que vão da alteração do Direito da União — incluindo o direito primário — até à denúncia da CEDH pela União, no sistema de Estrasburgo (artigo 58.° da CEDH) (115).

b)      Precauções especiais, no Projeto de Acordo, para conservar a autonomia do ordenamento jurídico da União

172. Em especial, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para conservar a autonomia do ordenamento jurídico da União em convenções internacionais há que assegurar que as competências da União e das suas instituições permanecem intactas, e que o tribunal internacional não interpreta o Direito da União de forma vinculativa para a União e para os seus órgãos (116).

173. O primeiro destes pontos de vista, isto é, a conservação das competências da União e das suas instituições, já o discuti supra, em conexão com o artigo 6.°, n.° 2, segundo período, TUE e com o artigo 2.° n.° 2, segundo período, do Protocolo n.° 8 (117). Pelo contrário, fica por apurar, no tocante ao segundo ponto de vista mencionado, se é assegurado, no Projeto de Acordo, que o TEDH não interpreta, direta ou indiretamente, o Direito da União de forma vinculativa para a União e para as suas instituições.

174. Em princípio, no projetado Acordo de Adesão, através de disposições sobre a imputação de atos, medidas e omissões (artigo 1.°, n.° 3, primeiro período, e n.° 4, primeiro período, do Projeto de Acordo) bem como sobre o mecanismo da corresponsabilidade e o procedimento de apreciação prévia (artigo 3.° do Projeto de Acordo), foram tomadas precauções que são adequadas a assegurar que o TEDH não interpreta o Direito da União de forma vinculativa para as instituições ou também para os Estados‑Membros da União. Porém, saber se estas precauções bastam para garantir uma tutela eficaz da autonomia do Direito da União depende da apreciação da configuração concreta dessas precauções. Nesse aspeto, parece‑me que o Projeto de Acordo levanta três problemas, sobre os quais se debruçarei a seguir.

i)      Quanto à determinação das responsabilidades na relação entre a União e os seus Estados‑Membros (artigo 3, n.° 7, do Projeto de Acordo)

175. O primeiro problema que se levanta no tocante à autonomia do Direito da União diz respeito à determinação das responsabilidades na relação entre a União e os seus Estados‑Membros, quando aquela e estes são, conjuntamente, partes num processo no TEDH, como demandados ou corresponsáveis, e o TEDH declara, no seu acórdão, a existência de uma violação da CEDH.

176. Na verdade, o artigo 3.°, n.° 7, primeira parte, do Projeto de Acordo estabelece a regra de que o demandado e o corresponsável são conjuntamente responsáveis por uma violação da CEDH cuja existência foi declarada pelo TEDH. Desta forma, o TEDH fica dispensado da necessidade de determinar, por referência ao Direito da União, quem tem de responder, nos termos do artigo 46.°, n.° 1, pela violação da CEDH: a União ou o(s) seu(s) Estado(s)‑Membro(s). Na maioria dos casos, esta regra poderá levar a que o TEDH não tenha de emitir uma interpretação vinculativa das competências e responsabilidades que, de acordo com o Direito da União em vigor, cabem à União e aos seus Estados‑Membros (118).

177. Porém, o artigo 3.°, n.° 7, segunda parte, do Projeto de Acordo também proporciona ao TEDH a possibilidade de decidir se só o demandado ou só o corresponsável tem de responder pela violação da CEDH cuja existência foi declarada. Semelhante declaração exige uma delimitação precisa das competências e das responsabilidades do demandado e do corresponsável, o que pressupõe que o TEDH tem, no mínimo, de se pronunciar indiretamente sobre disposições do Direito da União.

178. É notório que o Projeto de Acordo restringe a possibilidade, prevista no artigo 3.°, n.° 7, do Projeto de Acordo, de afastar o princípio da responsabilidade conjunta aos casos em que o demandado e o corresponsável apresentaram argumentos nesse sentido. Mesmo que a formulação dessa cláusula não esteja isenta de incertezas (119), com essa cláusula pretender‑se‑á que o TEDH só em consonância com argumentos concordantes do demandado e do corresponsável se possa afastar do princípio da responsabilidade conjunta dos mesmos por violações da CEDH.

179. Contudo, a associação, feita no artigo 3.°, n.° 7, do Projeto de Acordo, aos argumentos do demandado e do corresponsável em nada altera a circunstância de o TEDH, ao aplicar esta cláusula, se pronunciar, de forma vinculativa para a União e para os seus Estados‑Membros, sobre a delimitação das respetivas competências e responsabilidades, tal como as mesmas resultam do Direito da União. Porém, o TEDH não é chamado a fazê‑lo, mesmo que as instituições ou Estados‑Membros solicitem, através de posições concordantes, a sua aprovação. Isto porque do princípio da autonomia do Direito da União decorre que só o Tribunal de Justiça pode ser competente para emitir uma interpretação vinculativa de normas do Direito da União. Consequentemente, o artigo 3.°, n.° 7, segunda parte, do Projeto de Acordo está em conflito com o princípio da autonomia do Direito da União.

ii)    Quanto à apreciação da questão de saber se é necessária a apreciação prévia pelo Tribunal de Justiça

180. O segundo problema que se suscita no tocante à autonomia do Direito da União diz respeito à apreciação da necessidade de abrir, num caso concreto, o processo de apreciação prévia pelo Tribunal de Justiça.

181. Nos termos do artigo 3.°, n.° 6, do Projeto de Acordo, será dado ao Tribunal de Justiça da União Europeia, no processo de apreciação prévia, o tempo necessário para apreciar a compatibilidade de uma norma de Direito da União com a CEDH, se ainda não tiver feito essa apreciação. Assim, a questão de saber se o Tribunal de Justiça já alguma vez se pronunciou sobre a compatibilidade de uma disposição do Direito da União com a CEDH tem uma importância decisiva para a abertura de um processo de apreciação prévia.

182. É certo que, em muitos casos, a apreciação desta questão não suscitará dificuldades especiais, porque da jurisprudência do Tribunal de Justiça facilmente se infere se, no passado, esse Tribunal alguma vez se pronunciou sobre a compatibilidade de uma disposição do Direito da União Europeia com a CEDH. Porém, pode perfeitamente haver casos de fronteira, em que, não obstante o Tribunal de Justiça anteriormente se ter debruçado sobre a disposição de Direito da União em causa, não tenha ficado claro se, desde logo, se pronunciou suficientemente sobre a compatibilidade dessa disposição com o direito fundamental da CEDH então invocado (120) e, em geral, se discutiu essa compatibilidade sob pontos de vistas jurídicos idênticos aos agora relevantes no TEDH (121).

183. Seria incompatível com a autonomia do Direito da União deixar também nestes casos de fronteira a decisão sobre a necessidade da apreciação prévia pelo Tribunal de Justiça unicamente nas mãos do TEDH. Isto porque, em última análise, só o próprio Tribunal de Justiça pode informar, com segurança, se já alguma vez se debruçou sobre a questão jurídica concreta pendente no TEDH relativa à compatibilidade de uma determinada disposição do Direito da União com um ou mais direitos fundamentais da CEDH.

184. Consequentemente, para honrar o princípio da autonomia do ordenamento jurídico da União e manter a competência jurisdicional do Tribunal de Justiça, há que assegurar que o TEDH, em caso de dúvida, dará sempre início a um processo de apreciação prévia nos termos do artigo 3.°, n.° 6, do Projeto de Acordo. O TEDH só poderá então dispensar a abertura de um processo de apreciação prévia pelo Tribunal de Justiça se for manifesto que os tribunais da União já se debruçaram sobre a questão jurídica concreta suscitada no processo pendente no TEDH (122). Em meu entender, um esclarecimento saído dessa apreciação prévia, vinculativo em termos de direito internacional, é indispensável para assegurar que a autonomia do ordenamento jurídico da União se mantém intacta face ao mecanismo da apreciação prévia.

iii) Quanto à discrepância entre a amplitude das competências do TEDH e a das competências do Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito da PESC

185. O terceiro problema que se pode suscitar no tocante à autonomia do Direito da União Europeia diz respeito à tutela dos direitos fundamentais e à fiscalização de atos normativos da União no âmbito da PESC (123).

186. É indubitável que, no âmbito da PESC, há uma certa discrepância entre as competências do Tribunal de Justiça da União Europeia (artigo 19.°, n.° 1, primeiro período, TUE) e as do TEDH. O próprio Conselho o admitiu na fase oral deste processo.

187. Assim, após a adesão da União à CEDH, o TEDH terá a missão de analisar as queixas apresentadas por pessoas e por Estados em todas as áreas do Direito da União, logo, também na área da PESC, e de declarar a existência de eventuais violações da CEDH, pelas quais a União possa responder enquanto demandada nos termos do artigo 1.°, n.° 3, primeiro período, do Projeto de Acordo, ou enquanto corresponsável, nos termos do artigo 1.°, n.° 4, segundo período, desse Projeto de Acordo (124).

188. Pelo contrário, os tribunais da União só têm, como já se referiu, uma competência limitada na PESC (artigo 24.°, n.° 1, segundo parágrafo, sexto período, TUE, conjugado com o artigo 275.° TFUE) e, no essencial, compete aos tribunais dos Estados‑Membros da União garantir uma tutela jurisdicional efetiva na PESC (artigo 19.°, n.° 1, segundo período, TUE, conjugado com o artigo 274.° TFUE). Naturalmente, também o processo de apreciação prévia (artigo 3.°,.° n.° 6, do Projeto de Acordo) só pode ser aplicado se o Tribunal de Justiça da União Europeia for, de acordo com os Tratados fundadores, efetivamente competente para interpretar o Direito da União na PESC e fiscalizar a legalidade das atividades das instituições da União; caso contrário, verificar‑se‑ia um alargamento das suas competências incompatível com o artigo 4.°, n.° 1, TUE, 5.°, n.° 1, primeiro período, e n.° 2, TUE, e com o artigo 6.°, n.° 2, segundo período, TUE.

189. Pode, neste contexto, a União reconhecer a jurisdição do TEDH? É compatível com a autonomia do Direito da União que o TEDH possa apreciar a compatibilidade com a CEDH de atos, medidas e omissões das instituições da UE no âmbito da PESC, ao passo que os tribunais da União — ressalvadas as exceções previstas no artigo 275.°, n.° 2, TFUE — não têm competência para procederem, por seu lado, a essa apreciação? É aceitável que a União, em conexão com a PESC, seja considerada responsável, em termos de direito internacional, por eventuais violações da CEDH, enquanto demandada ou corresponsável, sem ter tribunais internos — supranacionais — competentes para punir essas violações e colaborar no cumprimento da CEDH?

190. Estas questões são inteiramente novas, pois, tanto quanto é possível perceber, até agora a problemática da autonomia do Direito da União na celebração de convenções internacionais só se levantou em casos em que eram de recear conflitos de competência entre os tribunais da União e um tribunal internacional, mas já não num caso em que as competências dos tribunais da União ficam aquém das do tribunal internacional.

191. Em meu entender, o princípio da autonomia do Direito da União não impede a União de reconhecer a jurisdição de um tribunal internacional, cujas competências numa determinada área — aqui a área da Política Externa e de Segurança Comum — são mais amplas do que as de uma instituição da União, o Tribunal de Justiça da União Europeia.

192. É certo que, segundo jurisprudência assente, o princípio da autonomia do Direito da União impõe que, na celebração de convenções internacionais, seja assegurado que as competências da União e das suas instituições não sejam afetadas e que um tribunal internacional não emita interpretações do Direito da União que sejam vinculativas para a União e para as suas instituições (125). Porém, e em última análise, assim só serão evitados possíveis conflitos entre a jurisprudência dos tribunais da União, por um lado, e a jurisprudência do tribunal internacional, por outro, e conservada a estrutura supranacional única da União (126).

193. Pelo contrário, à partida, não se podem verificar conflitos jurisprudenciais nem perigos para a estrutura supranacional da União, nos casos em que os redatores dos tratados fundadores da União Europeia tenham renunciado conscientemente, numa área determinada — como sucede, aqui, no caso da PESC — à estrutura supranacional e à interpretação uniforme e autónoma do Direito da União por um órgão jurisdicional próprio da União. A inexistência de precauções suficientes dentro da União, único meio pelo qual a autonomia do Direito da União pode ser protegida, dificilmente pode ser invocada contra o reconhecimento da jurisdição do órgão jurisdicional de uma organização internacional. Aliás, numa situação como esta a efetividade da tutela jurisdicional dos particulares é reforçada, e não enfraquecida, pelo reconhecimento de uma jurisdição internacional.

194. E tudo isto ainda mais se aplica à projetada adesão da União à CEDH quanto é certo que os redatores do Tratado de Lisboa, através do artigo 6.°, n.° 2, TUE, atribuíram, conscientemente, aos órgãos da União o poder e o dever de concretizar esse projeto, sem previamente dotarem a PESC de uma estrutura supranacional nem, sobretudo, de uma jurisdicão ampla por parte dos tribunais da União. Assim, tudo indica que nem os próprios redatores do Tratado de Lisboa viram qualquer contradição entre a fortemente limitada jurisdição dos tribunais da União em matéria de PESC, por um lado, e o reconhecimento da jurisdição do TEDH por via da adesão da União à CEDH, por outro.

195. Como já se referiu supra, nada disto causa qualquer prejuízo à efetividade da aplicação da CEDH, nem à eficácia da tutela dos particulares na área da PESC. Nesse sentido, os redatores do Tratado de Lisboa estabeleceram os tribunais nacionais como segundo pilar do sistema de tutela jurisdicional da União Europeia. Compete a esses tribunais sancionar eventuais violações da CEDH em conexão com a PESC e colaborar no cumprimento da CEDH (artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, conjugado com o artigo 274.° TFUE), desde que não se verifiquem as competências excecionais dos tribunais da União previstas no artigo 275.°, segundo parágrafo, TFUE (127).

c)      Conclusão intercalar

196. Não é incompatível com os Tratados que a União, mediante a sua adesão à CEDH, reconheça a jurisdição do TEDH, no pressuposto de que, no Projeto de Acordo, sejam consagrados os necessários esclarecimentos quanto à necessidade de uma apreciação prévia pelo Tribunal de Justiça (artigo 3.°, n.° 6, do Projeto de Acordo) e quanto à determinação das responsabilidades do demandado e do corresponsável (artigo 3.°, n.° 7, do Projeto de Acordo). Além disso, a circunstância de poderem ser submetidas ao TEDH questões na área da PESC que são subtraídas à competência dos tribunais da União não afeta a compatibilidade do Projeto de Acordo com os Tratados.

2.      Princípios do efeito direito e do primado do Direito da União

197. Além disso, entre as características essenciais que distinguem o ordenamento jurídico da União enquanto ordenamento jurídico novo e autónomo incluem‑se o seu primado relativamente aos direitos dos Estados‑Membros e o efeito direto de toda uma série de disposições do Direito da União (128). Em segundo lugar há, pois, que averiguar, no âmbito do artigo 1.° do Protocolo n.° 8, se a projetada adesão da União à CEDH é suscetível de prejudicar o efeito direto e a eficácia do Direito da União.

198. Antes de mais, no tocante ao efeito direto do Direito da União, a adesão da União à CEDH não poderá suscitar problemas especiais. Com a entrada em vigor do projetado Acordo de Adesão, a CEDH torna‑se parte integrante do ordenamento jurídico da União (129). Nesta qualidade, a CEDH passará, em regra, a participar no efeito direto do Direito da União, pois as disposições da CEDH, em que são consagrados direitos fundamentais clássicos ou estabelecidas regras processuais para a apresentação de queixas por particulares no TEDH, são, do ponto de vista substantivo, incondicionais e suficientemente precisas, pelo que os cidadãos da União e, se for caso disso, as empresas as podem invocar.

199. Do mesmo modo, com a adesão da União, a CEDH participará — em casos regulados pelo Direito da União — no primado do Direito da União sobre o direito nacional dos Estados‑Membros. Isto resulta do artigo 216.°, n.° 2, TFUE, segundo o qual todos os acordos internacionais celebrados pela União vinculam as instituições da União e os Estados‑Membros (130).

200. Porém, é mais difícil qualificar a futura posição da CEDH na hierarquia das normas do ordenamento jurídico da União.

201. Com efeito, por um lado a CEDH, enquanto acordo internacional celebrado pela União, situar‑se‑á hierarquicamente entre o direito primário e o restante direito derivado (artigo 216.°, n.° 2, TFUE): a CEDH terá então primado sobre o restante direito derivado, porque vincula as instituições da União (artigo 216.°, n.° 2, TFUE), mas, simultaneamente, fica subordinada ao direito primário, porque o projetado Acordo de Adesão é negociado pela Comissão e será aprovado pelo Conselho, pelo que, enquanto ato praticado pelas instituições da União, está sujeito à fiscalização da sua legalidade pelo Tribunal de Justiça (v. artigos 263.°, primeiro parágrafo, TFUE, 267.°, primeiro parágrafo, TFUE e, logo na linha da frente, artigo 218.°, n.° 11, TFUE). Isto também não é de modo algum afetado pelo facto de este Acordo de Adesão carecer da ratificação pelos Estados‑Membros, em conformidade com as respetivas normas constitucionais (artigo 218.°, n.° 8, segundo parágrafo, último período, TFUE).

202. Por outro lado, não seria feita justiça à especial importância da CEDH para o ordenamento jurídico da União, se se pretendesse inferir da «posição hierárquica intermédia» deste projetado acordo internacional entre o direito primário e o restante direito derivado que os Tratados fundadores poderão reclamar um «primado» ilimitado sobre a CEDH.

203. Com efeito, é concebível que o dever de observar os critérios decorrentes da CEDH no âmbito da proteção dos Direitos Fundamentais tenha valor constitucional na União. Por um lado, isto resulta do artigo 6.°, n.° 3, TUE, segundo o qual do Direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como garantidos pela CEDH. Por outro, para efeitos da interpretação e aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais, que tem, por seu lado, valor de direito primário vinculativo (artigo 6.°, n.° 1, segundo período, TUE), deve considerar‑se que a CEDH representa, por força do ditame de homogeneidade constante do artigo 52.°, n.° 3, primeiro período, da Carta, o nível mínimo de tutela dos direitos fundamentais na União.

204. Neste contexto, um eventual conflito entre um direito fundamental da CEDH e uma norma de direito primário da União não pode ser resolvido através da simples remissão para o valor hierarquicamente inferior da CEDH face aos Tratados fundadores da União (131). Pelo contrário, resulta dos artigos 6.°, n.° 3, TUE e 52.°, n.° 3, primeiro período, da Carta dos Direitos Fundamentais que os direitos fundamentais da CEDH devem ser levados em conta na interpretação e aplicação do direito primário da União e que deve ser sempre procurado um cuidadoso equilíbrio entre esses direitos e as normas do direito primário da União em causa.

205. A projetada adesão da União à CEDH não implicará qualquer alteração fundamental deste dever de procurar um equilíbrio cuidadoso, que hoje decorre, desde logo, do artigo 6.°, n.° 3, TUE e do artigo 52.°, n.° 3, primeiro período, da Carta dos Direitos Fundamentais.

206. É possível que nem sempre o TEDH venha a definir o equilíbrio entre as exigências da tutela dos direitos fundamentais, por um lado, e os interesses gerais ou também os interesses económicos exatamente da mesma maneira que o Tribunal de Justiça o tem feito até agora, na sua jurisprudência (132). Nesse sentido, com a iminente vinculação das instituições da União à jurisprudência do TEDH, em consequência da adesão, pode perfeitamente verificar‑se uma mudança de enfâse, por exemplo na relação entre os direitos fundamentais e as liberdades fundamentais do mercado interno europeu. Porém, este possível desenvolvimento será uma consequência inevitável da adesão da União à CEDH e do reconhecimento da jurisdição do TEDH, que os redatores do Tratado de Lisboa aceitaram como pressuposto no artigo 6.°, n.° 2, primeiro período, TUE e no artigo 1.°, alínea a), do Protocolo n.° 8 (133).

207. Tudo visto, não se verifica qualquer perigo para o efeito direto, nem para o primado do Direito da União, se a União aderir à CEDH nos termos previstos no Projeto de Acordo.

3.      Mecanismos de determinação correta do corresponsável nos processos no TEDH

208. Em terceiro e último lugar, há que analisar os requisitos do artigo 1.°, alínea b), do Protocolo n.° 8. Esta norma prescreve que devem ser preservadas as caraterísticas próprias da União e do Direito da União «no que se refere […] [a]os mecanismos necessários para assegurar que os recursos interpostos por Estados terceiros e os recursos interpostos por indivíduos sejam dirigidos corretamente contra os Estados‑Membros e/ou a União, conforme o caso».

209. Ao contrário do que uma análise superficial, em particular, da versão alemã do artigo 1.°, n.° 1, alínea b), do Protocolo n.° 8 *(134) pode sugerir, neste contexto não está tanto em causa a transmissão das queixas em sentido próprio como, e antes pelo contrário, a correta determinação do demandado responsável. Como uma vista de olhos a outras versões linguísticas, especialmente as versões francesa e inglesa (135), esclarece, há que assegurar que as queixas apresentadas no TEDH são corretamente dirigidas, consoante a respetiva matéria de facto, contra os Estados‑Membros e/ou a União, isto é, em termos mais simples, que essas queixas sejam propostas contra o ou os demandados certos.

210. Subjacente a este requisito estabelecido no artigo 1.°, alínea b), do Protocolo n.° 8 está o facto de muitas matérias da União Europeia darem frequentemente origem a um jogo complexo de negociações e competências ao nível da União e dos Estados‑Membros, em especial porque os Estados‑Membros estão, por norma, envolvidos na implementação do Direito da União. Gera‑se, pois, uma mistura, inabitual no sistema da CEDH, em que uma ou mais partes contratantes da CEDH aprovam disposições (o direito primário dos Estados‑Membros da União, o direito derivado das instituições da União) implementadas por uma ou mais partes contratantes da CEDH (de vez em quando, pela própria União, mas frequentemente pelos órgãos nacionais) (136). Isto pode levar a dificuldades na determinação do demandado em processos no TEDH relacionados com o Direito da União.

211. O requisito de prever os «mecanismos necessários» para a escolher corretamente o demandado, que o artigo 1.°, alínea b), do Protocolo n.° 8 estabelece como pressuposto para a adesão da União à CEDH, tem de ser visto neste contexto. A esse requisito está subjacente um duplo objetivo: por um lado, essas precauções garantem uma vigilância eficaz, por parte do TEDH, em processos de petições individuais (artigo 34.° da CEDH), se o Direito da União for aplicado a particulares de forma alegadamente contrária à CEDH; do mesmo modo, as outras partes contratantes da CEDH podem garantir mais eficazmente a missão de fiscalização que lhes cabe, através das queixas em assuntos interestatais (artigo 33.° da CEDH) (137). Por outro, garante‑se que, por seu lado, o Direito da União possa ser eficazmente defendido de críticas de que não está em consonância com a CEDH.

212. A concretizar ambos os objetivos destinam‑se as regras, constantes do Projeto de Acordo, sobre a imputação de atos, medidas ou omissões da União e dos seus Estados‑Membros (v. artigo 1.°, n.° 3, primeira frase, e artigo 1.°, n.° 4, primeiro período, desse projeto), a par do mecanismo da corresponsabilidade (v. artigo 3.° do Projeto de Acordo).

a)      Garantia de uma vigilância eficaz no sistema de fiscalização da CEDH

213. No que respeita ao primeiro dos dois objetivos do artigo 1.°, n.° 1, alínea b), do Protocolo n.° 8 — isto é, garantir uma vigilância eficaz no sistema de fiscalização da CEDH —, as regras de imputação constantes do Projeto de Acordo garantem que não pode suscitar‑se nenhuma dúvida sobre qual o demandado contra o qual os particulares ou as partes contratantes da CEDH devem dirigir as suas queixas, em que invocam a violação da CEDH pelo Direito da União ou na sua implementação.

214. De acordo com as referidas regras de imputação, a União só é responsável pelos atos, medidas ou omissões das suas instituições, órgãos, organismos ou agências, e bem assim das pessoas que atuem por conta dos mesmos (artigo 1.°, n.° 3, primeiro período, do Projeto de Acordo), ao passo que os atos, medidas ou omissões dos órgãos nacionais só são imputáveis aos Estados‑Membros, mesmo que esses atos, medidas ou omissões se verifiquem em virtude da implementação do Direito da União (artigo 1.°, n.° 4, primeiro período, do Projeto de Acordo).

215. Simultaneamente, o mecanismo da corresponsabilidade providencia pela efetiva execução dos acórdãos do TEDH em que seja declarada a violação da CEDH pelo Direito da União ou pelos atos para a sua implementação (artigo 46, n.° 1, CEDH):

–        De acordo com o artigo 3.°, n.° 2, do Projeto de Acordo, é atribuído à União o papel de corresponsável, se o queixoso, através da sua alegação de que a CEDH foi violada por órgãos nacionais, puser em causa a compatibilidade do Direito da União com a CEDH (138), em especial se a alegada violação da CEDH por órgãos nacionais só pudesse ter sido evitada mediante a inobservância de um dever decorrente do Direito da União;

–        Pelo contrário, nos termos do artigo 3.°, n.° 3, do Projeto de Acordo o papel de corresponsável está previsto para os Estados‑Membros da União quando o queixoso, através da sua alegação de que as instituições, órgãos ou demais organismos da União violaram a CEDH, põe em causa a compatibilidade do Tratado UE, do Tratado FUE ou de outra norma de direito primário (139), em especial se a alegada violação da CEDH por órgãos nacionais só pudesse ter sido evitada mediante a inobservância de um dever decorrente do Direito da União.

216. Simplificando, será, pois, demandado aquele a quem for imputável o ato, medida ou omissão sob censura, ao passo que o papel de corresponsável caberá àquele que tem o poder de fazer, se for caso disso, uma alteração às normas de Direito da União conexas com esse ato, medida ou omissão (140): no caso do direito derivado, a própria União, no caso do direito primário os Estados‑Membros.

217. É certo que poderá ser problemático o facto de, segundo o Projeto de Acordo, nenhuma das partes da CEDH ser obrigada a assumir o papel de corresponsável num processo pendente no TEDH (141). Assim, é concebível, em teoria, que uma parte contratante da CEDH — seja a União, seja um Estado‑Membro da União — se abstenha de apresentar um requerimento de intervenção como corresponsável ou de aceitar um convite do TEDH para intervir no processo como corresponsável, mesmo que se verifiquem os pressupostos para essa intervenção, previstos no artigo 3.°, n.° 2, do Projeto de Acordo. Num caso como este, verifica‑se o perigo de o acórdão do TEDH em que é declarada a existência de uma violação da CEDH imputável ao Direito da União não poder ser devidamente executado, porque aquele a quem compete, se for caso disso, alterar o Direito da União não está vinculado pelo acórdão, por não ter participado no processo como corresponsável.

218. Numa consideração superficial, a melhor solução para este problema seria tornar obrigatória a participação nos processos do TEDH, como corresponsáveis, quer da União quer dos seus Estados‑Membros, sempre que verificados os respetivos pressupostos, previstos no artigo 3.°, n.° 2 ou 3, do Projeto de Acordo. Porém, semelhante automatização do mecanismo da corresponsabilidade — por exemplo, através do chamamento pelo TEDH à demanda — pode conflituar com a autonomia do Direito da União (142), porque então deixa de estar na mão dos órgãos internos da União (seja ao nível da União, seja ao nível dos Estados‑Membros) apreciar, sob a sua própria responsabilidade e em última instância, se está em causa o Direito da União e se é necessário defender esse Direito da União no TEDH.

219. Os negociadores levaram em conta estes interesses divergentes, ao preverem a emissão de uma declaração unilateral da União no momento da assinatura do Acordo de Adesão (143). Na declaração projetada, a União compromete‑se a, inter alia, assegurar que, num processo no TEDH, requererá a intervenção como corresponsável ou aceitará um convite do TEDH para intervir como corresponsável, se se verificarem os pressupostos do artigo 3.°, n.° 2, do Projeto de Acordo. Deste modo, por um lado assegura‑se a autonomia do Direito da União e, por outro, garante‑se que a União ficará vinculada, enquanto corresponsável, a todos os eventuais acórdãos do TEDH para cuja execução sejam necessários atos das instituições, órgãos ou demais organismos da União.

220. É certo que não está prevista, nem no Projeto de Acordo nem nos documentos que o acompanham, nenhuma declaração de compromisso comparável por parte dos Estados‑Membros da União, se alguma vez estiver em jogo, no TEDH, a compatibilidade do direito primário da União com a CEDH. Porém, do ponto de vista do Direito da União semelhante compromisso não é forçosamente necessário, porque aqueles ficarão obrigados, desde logo por força do dever de cooperação leal que o Direito da União que lhes impõe (artigo 4.°, n.° 3, TUE), a intervir, enquanto corresponsáveis, em todos os processos no TEDH em que se verifiquem os pressupostos estabelecidos no artigo 3.° n.° 3, do Projeto de Acordo. Isto vale, por maioria de razão, para os casos em que uma instituição da União exige aos Estados‑Membros que requeiram ao TEDH a intervenção como corresponsáveis.

b)      Garantia de uma defesa eficaz do Direito da União no TEDH

221. No tocante ao segundo dos dois objetivos do artigo 1.°, alínea b), do Protocolo n.° 8 — isto é, a garantia de uma defesa eficaz do Direito da União no TEDH —, então é necessário, para a sua concretização, que a União e os seus Estados‑Membros sejam efetivamente colocados em condições de intervir num processo no TEDH, se o considerarem necessário.

i)      A falta de informação suficiente sobre o processo pendente no TEDH

222. Em primeiro lugar, a defesa eficaz do Direito da União pressupõe que a União seja informada, de forma fiável, de todos os processos pendentes no TEDH contra um ou mais Estados‑Membros, em que se suscite, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, a intervenção da União enquanto corresponsável. Do mesmo modo, deve ser dado conhecimento aos Estados‑Membros da União de todos os processos pendentes no TEDH em que possam intervir enquanto corresponsáveis, nos termos do artigo 3.°, n.° 3, do Projeto de Acordo.

223. De acordo com o relatório explicativo do Projeto de Acordo, os negociadores parecem partir do princípio de que o sistema existente de publicação de todos os processos de que os correspondentes demandados foram notificados deverá garantir a divulgação das informações necessárias (144).

224. Refira‑se, a este propósito, que, ao contrário do alegado pela Comissão na audiência, atualmente não é feita a publicação sistemática de todos os processos pendentes, nem tão‑pouco dos processos de que o correspondente demandado já foi notificado. Em especial, ao contrário do Tribunal de Justiça, que dispõe do Jornal Oficial da União Europeia, o TEDH não dispõe de uma publicação oficial e regular, em que esses processos sejam indicados, com menção do respetivo objeto. No motor de pesquisa do TEDH («HUDOC»), livremente acessível na Internet, também não se encontra, ao contrário do que sucede no sítio Web do Tribunal de Justiça, nenhuma lista sistemática de todos os processos pendentes e notificados. Além disso, tanto quanto é possível vislumbrar, não está previsto que o TEDH transmita automaticamente à União todas queixas de que tenha notificado um ou mais Estados‑Membros da União, e, inversamente, tão‑pouco está projetada a remessa sistemática aos Estados‑Membros da União de todas as queixas de que a União seja notificada.

225. Nestas circunstâncias, atualmente não se pode partir do princípio de que o sistema de notificação e publicação de processos pendentes em prática no TEDH é adequado a informar, de forma fiável, potenciais corresponsáveis da existência de todos os processos em que os mesmos possam ser levados a apresentar um requerimento de intervenção, nos termos do artigo 3.°, n.° 5, primeiro período, do Projeto de Acordo.

226. Algumas partes no processo são de opinião que os Estados‑Membros e as instituições da União são obrigados pelo direito da União Europeia, por força do seu dever de cooperação leal (artigo 4.°, n.° 3, TUE), a prestar informação recíproca de todas as queixas de que sejam notificados pelo TEDH, dever este que ainda terá eventualmente de ser concretizado nas medidas internas da União de execução do Acordo de Adesão.

227. Não partilho desta opinião. A possibilidade de invocar os direitos processuais de potenciais corresponsáveis não pode depender de estes tomarem conhecimento indiretamente — através de outras partes no processo — da existência de um processo de queixa com conexões com o Direito da União. Para garantir a plena eficácia prática das possibilidades de a União e/ou os seus Estados‑Membros intervirem em processos, nos termos do artigo 3.°, n.os 2, 3 e 5, do Projeto de Acordo, e lhes possibilitar, nas melhores condições possíveis, a defesa do Direito da União no TEDH, tem de ser incumbência do próprio TEDH informar automaticamente a União de todas as queixas de que tenha notificado um ou mais Estados‑Membros e, inversamente, informar sistematicamente todos os Estados‑Membros de todas as queixas de que tenha notificado a União. Na era das comunicações eletrónicas e da prática de atos processuais por computador, este dever não pode ser visto como um encargo administrativo excessivo para o TEDH. A título de comparação: o próprio Tribunal de Justiça também dá informações, importantes na prática, a todos aqueles que eventualmente possam ter direito a intervir no processo (145), e de modo algum deixa isso a cargo do demandante ou do demandado num processo nele pendente.

228. A não prestação sistemática de informação, à União e aos seus Estados‑Membros, sobre as queixas das quais o TEDH tenha notificado o respetivo demandado principal não é suprida pela possibilidade de o TEDH formular, nos termos do artigo 3.°, n.° 5, primeiro período, do Projeto de Acordo, em processos que a isso se prestem, um convite à intervenção como corresponsável. Isto porque, de acordo com essa disposição, o TEDH não é obrigado a formular sistematicamente esse convite, mas antes conserva um poder discricionário de escolha dos processos em que considera necessário esse convite.

ii)    Competência do TEDH para a análise da plausibilidade, em conexão com requerimentos de intervenção como corresponsável

229. Além disso, a defesa eficaz do Direito da União pressupõe que a União possa intervir em todos os processos em que, em seu entender, esteja em causa a compatibilidade do Direito da União com a CEDH. Do mesmo modo, tem de estar aberta a todos os Estados‑Membros da União a faculdade de intervir em todos os processos em que, na sua opinião, esteja em causa a compatibilidade do Direito da União com a CEDH.

230. Porém, do artigo 3.°, n.° 5, terceiro período, do Projeto de Acordo resulta que será atribuída ao TEDH a competência para proceder a uma análise, do ponto de vista substantivo, da plausibilidade de requerimentos de intervenção como corresponsável, apresentados pela União e pelos seus Estados‑Membros. Deste modo, será atribuída ao TEDH uma margem de apreciação no tocante à admissão de corresponsáveis. É certo que algumas partes no processo procuraram minimizar a importância dessa margem de apreciação. Contudo, no cômputo geral as partes no processo foram tudo menos unânimes quanto ao alcance que a margem de apreciação do TEDH deverá ter (146). Isto mostra que as possibilidades de potenciais corresponsáveis intervirem no processo estão afetadas por inseguranças significativas, devido à prevista apreciação da plausibilidade.

231. Entendo que esta apreciação da plausibilidade é suscetível de pôr em perigo o objetivo da defesa eficaz do Direito da União no TEDH, subjacente ao artigo 1.°, alínea b), do Protocolo n.° 8. É que, mesmo que seja de esperar que, em regra, o TEDH defera os requerimentos de intervenção como corresponsável, não será contudo de excluir que, em determinados casos, o TEDH possa negar a plausibilidade dos fundamentos aduzidos a favor desse requerimento. Será então excluída a intervenção da União e/ou dos seus Estados‑Membros num processo no TEDH, ainda que esta ou aqueles considerem necessário defender o Direito da União nesse processo.

232. De resto, esta circunstância também não será compatível com a autonomia do ordenamento jurídico da União. Esta autonomia pressupõe que a União e/ou os seus Estados‑Membros decidem, sob a sua própria responsabilidade e sem qualquer colaboração de órgãos externos à União, se um processo judicial afeta o Direito da União e se, por isso, se afigura necessária a participação no processo como corresponsável.

233. Este défice manifesto na configuração do mecanismo da corresponsabilidade, tal como previsto no Projeto de Acordo, não chega a ser compensado pela possibilidade, que as Partes Contratantes têm nos termos do artigo 36.°, n.° 2, da CEDH, de intervir como «terceiros» em processos pendentes no TEDH. Com efeito, de acordo com esta última disposição, a admissão desses terceiros também não é automática, antes caindo no poder discricionário do TEDH («pode»).

234. Neste contexto, pode ter interesse fazer uma comparação com as normas processuais em vigor no Tribunal de Justiça. Estas normas atribuem às instituições da União implicadas no procedimento legislativo e aos Estados‑Membros o direito de participarem em todos os processos pendentes, independentemente de fazerem prova de um interesse legítimo, sem que esse direito seja de algum modo restringido por alguma espécie de poder discricionário ou por alguma espécie de apreciação da plausibilidade por parte do Tribunal de Justiça (147). Aqui fica expressa a especial responsabilidade das referidas instituições da União e dos Estados‑Membros pelo ordenamento jurídico da União.

c)      Resumo

235. O projetado mecanismo da corresponsabilidade, tal como está previsto no artigo 3.° do Projeto de Acordo, só pode ser considerado compatível com o artigo 1.°, alínea b), do Protocolo n.° 8, se for assegurado que os potenciais corresponsáveis serão informados, sistematicamente e sem exceções, de todos os processos em que possam ser levados a apresentar um pedido de participação no processo como corresponsáveis, nos termos do artigo 3.°, n.° 5, primeiro período, do Projeto de Acordo, e que os eventuais pedidos de participação no processo como corresponsável não ficam sujeitos a uma análise da respetiva plausibilidade, nos termos do artigo 5.°, n.° 3, primeiro período, desse projeto.

4.      Conclusão intercalar

236. Em resumo e conclusão, verifica‑se que só se pode admitir que o Projeto de Acordo é compatível com as especificidades da União e do direito da União se o projeto for alterado nos termos esboçados nos n.os 179, 184 e 235.

D –    Precauções necessárias à participação da União nas instâncias de controlo da CEDH

237. Além disso, o artigo 1.°, alínea a), do Protocolo n.° 8 impõe que o projetado Acordo de Adesão preserve as características próprias da União e do Direito da União «no que se refere […] [à]s regras específicas da eventual participação da União nas instâncias de controlo» da CEDH.

238. A União, através da sua projetada adesão à CEDH, participará em ambos as instâncias de controlo da CEDH: no TEDH enquanto órgão de fiscalização judicial, e no Comité de Ministros do Conselho da Europa enquanto órgão de fiscalização política.

1.      Participação da União na CEDH

239. Em primeiro lugar, no que toca à participação da União no CEDH, o projetado mecanismo da corresponsabilidade, e o projetado procedimento de apreciação prévia, ambos previstos no artigo 3.° do Projeto de Acordo, constituem regras específicas na aceção do artigo 1.°, alínea a), do Protocolo n.° 8. Como já afirmei noutro lugar, estas regras específicas são, em princípio, adequadas a preservar as características específicas da União e do Direito da União quando da adesão à União. Só são necessárias algumas alterações, complementos e esclarecimentos pontuais sobre o funcionamento destes mecanismos (148).

240. Além do mais, é evidente que a União terá o direito de, através de uma delegação do Parlamento Europeu na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, colaborar na seleção dos juízes do TEDH (artigo 6.° do Projeto de Acordo e artigo 22.° da CEDH). O mesmo vale para o direito da União de propor os seus próprios candidatos ao cargo de juiz do TEDH. Neste contexto, não são necessárias precauções específicas para preservar as características próprias da União e do Direito da União. Pelo contrário, para efeitos do artigo 1.°, alínea a), do Protocolo n.° 8 basta que a União, como está previsto no Projeto de Acordo, colabore, enquanto parte contratante da CEDH num plano de igualdade com as demais, na seleção dos juízes do TEDH e que o juiz nomeado por proposta da União participe, enquanto membro do TEDH num plano de igualdade com os demais, na atividade jurisprudencial desse tribunal (149).

2.      Participação da União no Comité de Ministros do Conselho Europeu

241. Seguidamente, e no que toca à participação da União nos trabalhos do Comité de Ministros, o artigo 7.° do Projeto de Acordo, conjugado com a projetada «Regra n.° 18» (150), contém algumas regras especiais quanto à maioria exigida para as deliberações dessa instância, quando a mesma exerce, relativamente a processos em que a União é parte, a sua função de supervisão da execução de acórdãos definitivos do TEDH (artigo 46.°, n.os 2 a 5, da CEDH) e de resoluções amigáveis (artigo 39.°, n.° 4, CEDH).

242. Em especial, nos termos do n.° 2 da Regra n.° 18, para a aprovação de deliberações definitivas com a finalidade de recorrer ao TEDH bastam os votos de um quarto dos representantes com o direito de tomar parte no Comité de Ministros. De acordo com esta regra, semelhante «hiperminoria» pode, desde logo, determinar a instauração, no TEDH, de ações por incumprimento e de processos de interpretação dos acórdãos.

243. Estas regras especiais devem‑se ao facto de a União e os seus Estados‑Membros terem, por força do dever de cooperação leal que o Direito da União lhes impõe (artigo 4.°, n.° 3, TFUE), de exprimir votos concordantes entre si no Comité de Ministros, se estiver em causa uma potencial violação da CEDH em conexão com o Direito da União (151). Não obstante, para possibilitar uma fiscalização externa eficaz dos atos, medidas e omissões da União e dos seus Estados‑Membros, foi necessário adaptar as regras sobre a votação, de modo a que a União não possa, por si só, bloquear desde logo a aprovação de uma deliberação (152).

244. É notório que as referidas regras especiais têm a consequência de ser dado aos Estados Contratantes do Conselho da Europa que não são Estados‑Membros da União um peso especial nos trabalhos do Comité de Ministros, quando está em causa a supervisão da observância, pela União, das obrigações que a CEDH lhe impõe. Essas regras especiais podem levar a que a União e os seus Estados‑Membros, apesar de, em termos puramente numéricos, estarem na realidade em maioria, possam «ficar em minoria» na supervisão de acórdãos e de resoluções amigáveis em que a União é parte. Além disso, como o Comité de Ministros é um órgão político, não se pode excluir que, em caso de litígio, os Estados Contratantes que não pertencem à União possam exprimir os seus votos sem dar a necessária consideração às características próprias da União e do Direito da União.

245. Contudo, é próprio de um sistema de garantia coletiva com fiscalização externa eficaz (153) que os Estados Contratantes do Conselho da Europa que não pertencem à União possam levar à aprovação dessas deliberações, contra a vontade da União e dos seus Estados‑Membros, se entenderem que a União violou os deveres que lhe foram impostos por um acórdão do TEDH ou resultantes de uma resolução amigável que celebrou. Sem as regras especiais projetadas, a União e os seus Estados‑Membros teriam um direito de veto no Comité de Ministros em assuntos que lhes dizem respeito, o que, em última análise, levaria o sistema de fiscalização externa ad absurdum.

246. Contudo, parece reduzido o risco de serem prejudicadas as características próprias da União e do Direito da União, pois o próprio Comité de Ministros não decide definitivamente se a União não deu o devido cumprimento a um acórdão de que é destinatária ou a uma resolução amigável que celebrou. Pelo contrário, uma eventual deliberação, politicamente motivada, do Comité de Ministros leva unicamente a que o TEDH seja (novamente) incumbido da análise jurídica do processo.

247. Globalmente, as regras para os trabalhos do Comité de Ministros parecem, pois, adequadas a preservar as características próprias da União no tocante à sua participação nas instâncias da CEDH, e não suscitam nenhumas dúvidas quanto à sua compatibilidade com os Tratados.

3.      Conclusão intercalar

248. Tudo visto, não há indícios (sem prejuízo das minhas observações nos n.os 135, 179, 184 e 235 supra, e no n.° 265 infra, desta tomada de posição) de que as regras, constantes do Projeto de Acordo, sobre a participação da União nas instâncias de controlo da CEDH não preservem as características próprias da União e do Direito da União, ou possam ser, de outro modo, incompatíveis com os Tratados.

E –    Consideração da situação especial dos Estados‑Membros face à CEDH

249. Por último, de acordo com o artigo 2.°, segundo período, do Protocolo n.° 8, deve ser assegurado que o projetado Acordo de Adesão não afeta «a situação dos Estados‑Membros» da União em relação à CEDH, nomeadamente no tocante a três aspetos:

–        Primeiro, no tocante aos protocolos adicionais à CEDH (v., já de seguida, o ponto 1),

–        Segundo, no tocante às eventuais medidas que os Estados‑Membros tomarem em caso de estado de necessidade, ao abrigo do artigo 15.° da CEDH (v. ponto 2, infra), e

–        Terceiro, no tocante a eventuais reservas que os Estados‑Membros da União tenham formulado ao abrigo do artigo 57.° da CEDH (v. ponto 3, infra).

250. A par destes aspetos, será analisado brevemente o possível perigo para a situação especial dos Estados‑Membros na CEDH em conexão com o mecanismo da corresponsabilidade (v. ponto 4, infra).

1.      A situação especial dos Estados‑Membros face aos protocolos adicionais à CEDH

251. Em primeiro lugar, no tocante à situação especial dos Estados‑Membros da União face aos protocolos adicionais à CEDH, recorde‑se, que nem todos os Estados‑Membros necessariamente ratificaram todos esses diplomas (154). Nesse sentido, o artigo 2.°, segundo período, do Protocolo n.° 8 destina‑se a assegurar que a adesão da União à CEDH não implica, indiretamente, a vinculação dos Estados‑Membros a protocolos adicionais à CEDH, de que eles próprios (ainda) não são partes contratantes.

252. Ainda assim o projetado Acordo de Adesão só implicará a adesão da União ao Primeiro e Sexto Protocolos Adicionais. Todos os Estados‑Membros já são partes nestes Protocolos. Assim, não se verifica uma «situação dos Estados‑Membros» que possa ser afetada pela projetada adesão da União à CEDH.

253. No presente processo de parecer, não é necessário esclarecer a questão de saber uma eventual adesão, a posteriori, da União a outros Protocolos Adicionais, de que nem todos os Estados‑Membros sejam parte, será compatível com as normas de direito primário do artigo 2.°, segundo período, do Protocolo n.° 8, porque essa é atualmente uma questão puramente hipotética, que não é objeto do procedimento de adesão em curso. Independentemente disso, e face aos requisitos de ratificação especiais constantes do artigo 218.°, n.° 8, segundo parágrafo, último período, TFUE, está nas mãos dos próprios Estados‑Membros respeitar, no momento de qualquer futura adesão da União a um protocolo adicional à CEDH, a coerência entre as obrigações de direito internacional a que a União ficará então sujeita e as suas próprias obrigações de direito internacional.

254. Por questões de exaustividade, recorde‑se que, do ponto de vista substantivo, o direito da União já desde há muito se inspira nos protocolos adicionais à CEDH, mesmo que nem todos os Estados‑Membros sejam partes neles. Por um lado, esses protocolos adicionais são levados em conta na Carta dos Direitos Fundamentais (155), por outro podem ser importantes quando está em causa a definição do conteúdo de princípios gerais fundamentais do Direito da União (156) (v. também artigo 6.°, n.° 3, TUE). Não é de excluir que estas meras referências, do ponto de vista substantivo, do Direito da União e dos tribunais da União aos protocolos adicionais à CEDH tenham efeitos na situação dos Estados‑Membros: por exemplo, nas obrigações que lhes incumbem na aplicação do Direito da União, na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Porém, trata‑se de um fenómeno que já se verifica no estado atual do Direito da União, e não, por exemplo, de uma consequência da projetada adesão da União à CEDH.

255. Consequentemente, tudo visto não resultam da projetada adesão da União à CEDH quaisquer alterações à situação dos Estados‑Membros face aos protocolos adicionais à CEDH que contrariem o disposto no artigo 2.°, segundo período, do Protocolo n.° 8.

2.      A situação especial dos Estados‑Membros face ao artigo 15.° da CEDH

256. No tocante, pois, à cláusula de estado de necessidade constante do artigo 15.° da CEDH, a mesma permite às partes contratantes da CEDH tomar, dentro de determinados limites, «providências» que derroguem as obrigações previstas na CEDH, «[e]m caso de guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da nação».

257. A adesão da União à CEDH em nada alterará esta possibilidade de tomar medidas em caso de estado de necessidade. Nenhuma cláusula do Projeto de Acordo restringe a possibilidade de os Estados‑Membros recorrerem ao artigo 15.° da CEDH. A circunstância, de a CEDH, com a adesão da União, fazer parte integrante da ordem jurídica da União e, por força do artigo 216.°, n.° 2, TFUE, participar no primado do Direito da União sobre o direito nacional (157), tão‑pouco afeta a aplicação, pelos Estados‑Membros, de medidas em caso de estado de necessidade. Com efeito, o artigo 15.° da CEDH será, tal como as demais normas da CEDH, incorporado no Direito da União. Aliás, o Direito da União contém, por seu lado, no artigo 347.° TFUE, uma cláusula de estado de necessidade que é comparável ao artigo 15.° da CEDH e, no essencial, permite aos Estados‑Membros tomar medidas idênticas às que também são admissíveis nos termos da CEDH.

258. Assim, não há motivo nenhum para recear que a projetada adesão da União à CEDH possa de algum modo afetar a situação especial dos Estados‑Membros face ao artigo 15.° da CEDH.

3.      A situação especial dos Estados‑Membros face às reservas que formularam à CEDH

259. Resta analisar se o Projeto de Acordo pode afetar a situação especial dos Estados‑Membros, desde que estes tenham formulado, ao abrigo do artigo 57.° da CEDH, reservas a esta ou aquela disposição da CEDH. Esta problemática pode ser discutida sob dois pontos de vista: por um lado, face ao princípio da responsabilidade comum do demandado e do corresponsável, previsto no Projeto de Acordo [v., a esse respeito, alínea a) infra], e, por outro, no tocante ao primado do Direito da União sobre o direito nacional, em que a CEDH participará, com a adesão da União [v., a este respeito, alínea b), infra].

a)      Princípio da responsabilidade comum do demandado e do corresponsável

260. Um dos objetivos do regime consagrado no artigo 2.°, segundo período, do Protocolo n.° 8 é impedir que um Estado‑Membro da União, com base na adesão da União à CEDH, seja condenado pelo TEDH por violação de uma disposição da CEDH, apesar de esse mesmo Estado‑Membro, enquanto estado contratante da CEDH, ter formulado uma reserva precisamente a essa disposição.

261. Ao contrário do que a Comissão parece entender, de modo algum está eliminado o perigo de se verificar essa condenação pelo TEDH, face às normas constantes do artigo 1.°, n.os 3 e 4, do Projeto de Acordo.

262. Com efeito, no artigo 1.°, n.° 3, do Projeto de Acordo esclarece‑se que a União, através da sua adesão à CEDH, apenas assume obrigações decorrentes da CEDH quanto aos atos, medidas e omissões das suas próprias instituições, órgãos, organismos ou agências, e de pessoas que atuem em seu nome. Além disso, resulta do artigo 1.°, n.° 4, do Projeto de Acordo que os atos, medidas e omissões de órgãos nacionais só são imputáveis aos Estados‑Membros da União, ainda que tenham ocorrido na aplicação de Direito da União.

263. Porém, entre os elementos centrais do Projeto de Acordo inclui‑se o mecanismo, já várias vezes mencionado, da corresponsabilidade e a regra — a este associada — da responsabilidade comum da União e de um ou mais Estados‑Membros por eventuais violações da CEDH na aplicação do Direito da União (artigo 3.°, n.° 7, do Projeto de Acordo).

264. Face a este regime, podem verificar‑se situações em que, num acórdão do TEDH, um ou mais Estados‑Membros, enquanto corresponsáveis (v. artigo 3.°, n.° 3, do Projeto de Acordo), sejam julgados, juntamente com a União, responsáveis pela violação de um direito fundamental constante da CEDH, apesar de os Estados‑Membros em causa terem, eles próprios, enquanto partes contratantes da CEDH, formulado uma reserva à disposição da CEDH em causa. Neste caso, a adesão da União à CEDH, e a regra, a ela associada, da responsabilidade comum, poderia ter como consequência o alargamento da responsabilidade dos Estados‑Membros em causa para lá das obrigações que eles assumiram enquanto partes contratantes da CEDH.

265. Semelhante configuração do Projeto de Acordo está em gritante contradição com o artigo 2.°, segundo período, do Protocolo n.° 8, nos termos do qual a adesão da União não pode prejudicar a situação especial dos Estados‑Membros em relação à CEDH. Nestas circunstâncias, a União só pode celebrar o projetado Acordo de Adesão se, nesse acordo, for adequadamente esclarecido que o princípio da responsabilidade comum dos demandados e dos corresponsáveis não afeta eventuais reservas das partes contratantes na aceção do artigo 57.° da CEDH.

b)      A CEDH enquanto parte integrante do Direito da União, com primado sobre o direito nacional

266. Além disso, é indubitável que a adesão da União à CEDH também implicará, no interior da União e em comparação com a situação atual, uma vinculação reforçada dos Estados‑Membros à CEDH. É que, como já foi referido várias vezes, com a adesão da União a CEDH passa a ser parte integrante do ordenamento jurídico da União e a participar no primado do Direito da União sobre o direito nacional, por força do artigo 216.°, n.° 2, TFUE (158).

267. Na maioria dos casos, na realidade isto apenas poderá ter escassos efeitos práticos, já que o Direito da União também garante, independentemente da adesão da União à CEDH (artigo 6.°, n.° 2, TUE), numerosos direitos fundamentais, que oferecem um nível de tutela no mínimo idêntico, senão mesmo superior, aos da CEDH — quer no âmbito da Carta dos Direitos Fundamentais (artigo 6.°, n.° 1, TUE), quer sob a forma de princípios gerais de direito (artigo 6.°, n.° 3, TUE). Contudo, todos os Estados‑Membros estão vinculados, sem limites, a estes direitos fundamentais da União na aplicação do Direito da União, na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta, independentemente de, enquanto partes contratantes da CEDH, terem ou não formulado reservas a disposições comparáveis da CEDH ou dos seus protocolos adicionais.

268. No entanto, se se verificar o caso, improvável, de um determinado direito fundamental só ser reconhecido na CEDH e não poder ser, simultaneamente, extraído da Carta dos Direitos Fundamentais ou dos princípios gerais do Direito da União, então dar‑se‑á — na aplicação do Direito da União — a vinculação dos Estados‑Membros a esse direito fundamental, por força do artigo 216.°, n.° 2, TFUE. Assim, em tal caso, um Estado‑Membro poderá ver‑se, no futuro, vinculado a uma disposição da CEDH à qual tinha eventualmente formulado uma reserva enquanto parte contratante da CEDH.

269. Contudo, estes eventuais efeitos do artigo 216.°, n.° 2, TFUE na situação jurídica dos Estados‑Membros constituem uma problemática puramente de Direito da União, que não pode ser objeto do projetado Acordo de Adesão, e antes tem de ser resolvida exclusivamente ao nível interno da União, no âmbito da autonomia do Direito da União (159). Para o presente processo de emissão de parecer basta concluir que o artigo 2.°, segundo período, do Protocolo n.° 8 não exige, de modo algum, que seja consagrado, no Projeto de Acordo, semelhante regime para as relações jurídicas internas entre a União e os seus Estados‑Membros. Pelo contrário, a consagração de semelhante regime no Acordo de Adesão entraria necessariamente em conflito com a autonomia do Direito da União.

4.      A situação especial dos Estados‑Membros no âmbito do mecanismo da corresponsabilidade

270. Finalmente, há que referir que a enumeração, constante do artigo 2.°, segundo período, do Protocolo n.° 8, das perspetivas nas quais a situação especial dos Estados‑Membros em relação à CEDH deve ser preservada, não tem natureza taxativa (v. a fórmula «nomeadamente»). Assim, pode levantar‑se ainda outro problema jurídico, não expressamente considerado mas conexo com a projetada adesão da União à CEDH, que possivelmente pode implicar um prejuízo para a situação especial dos Estados‑Membros.

271. Neste contexto, é recomendável abordar brevemente mais uma vez o mecanismo da corresponsabilidade, previsto no artigo 3.° do Projeto de Acordo.

272. Como já foi referido antes, o Projeto de Acordo não prevê a participação automática da União ou dos seus Estados‑Membros, enquanto corresponsáveis, em processos no TEDH (160). No caso — decerto improvável — de a União não participar, enquanto corresponsável, num processo contra um ou mais Estados‑Membros, não obstante se verificarem os pressupostos para tanto, constantes do artigo 3.°, n.° 2, do Projeto de Acordo, o TEDH não poderá obrigar a União a participar no processo. Pelo contrário, o TEDH terá de se limitar a imputar unicamente ao ou aos Estados‑Membros a responsabilidade pela eventual violação da CEDH (artigo 46.°, n.° 1, da CEDH), mesmo que essa violação tenha ocorrido na execução do Direito da União.

273. Este risco marginal, de os Estados‑Membros virem a ser exclusivamente responsabilizados por violações da CEDH imputáveis à CEDH, leva a que seja prejudicada a situação especial daqueles em relação à CEDH, na aceção do artigo 2.°, segundo período, da CEDH? Entendo que não.

274. Por um lado, este risco de responsabilidade para os Estados‑Membros já tem existido até agora, sem a adesão da União. Com efeito, reconhecidamente os Estados‑Membros não podem, no atual estado de coisas, eximir‑se aos seus deveres de direito internacional no âmbito da CEDH quando transferem direitos de soberania para a União. Nesse sentido, hoje já são possíveis processos por incumprimento no TEDH contra os Estados‑Membros, que têm como objetivo responsabilizar esses Estados‑Membros por alegadas violações da CEDH, resultantes da transferência de direitos de soberania para a União. Por seu lado, o TEDH debruça‑se sobre semelhantes acusações, e até agora também procurou ainda desenvolver um critério de análise limitado, como ressalta da jurisprudência Bosphorus (161). Mesmo que o TEDH, após a adesão da União à CEDH, venha a desenvolver um critério de análise mais rigoroso do que o da jurisprudência Bosphorus, em princípio isso nada altera à obrigação, existente desde sempre, dos Estados‑Membros de respeitarem a CEDH e de não se lhe subtraírem mediante a transferência de direitos de soberania para organizações internacionais.

275. Por outro, a projetada declaração unilateral da União, cujo texto foi apresentado ao Tribunal de Justiça como parte dos documentos anexos ao Projeto de Acordo, e considerando simultaneamente a autonomia do Direito da União, oferece uma garantia adequada de que a União não deixa os seus Estados‑Membros «em apuros» no TEDH, se se verificarem os pressupostos para a sua participação como corresponsável, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Projeto de Acordo.

276. Por conseguinte, tudo visto, a circunstância de a União não ser automaticamente chamada a intervir, como corresponsável, em todas as queixas apresentadas contra os seus Estados‑Membros relativamente ao Direito da União, mas antes poder decidir autonomamente da sua participação em processos no TEDH, não leva a nenhuma alteração essencial da situação dos Estados‑Membros face à CEDH. Por maioria de razão, não se pode falar de uma deterioração da situação destes por comparação com o estado de coisas anterior à adesão da União à CEDH.

5.      Conclusão intercalar

277. Em resumo e conclusão, não há motivo para recear que o Projeto de Acordo possa implicar um prejuízo para a situação especial dos Estados‑Membros em relação à CEDH, na aceção do artigo 2.°, segunda frase, do Protocolo n.° 8, no pressuposto de que será feito o esclarecimento mencionado no n.° 265 supra.

 Observações finais

278. A análise do Projeto de Acordo segundo os critérios jurídicos constantes do artigo 6.°, n.° 2, TUE e do Protocolo n.° 8, e à luz da Declaração n.° 2, nada revelou que possa pôr em causa, de modo fundamental, a compatibilidade com os Tratados da projetada adesão da União à CEDH. O Projeto de Acordo carece unicamente de algumas alterações ou aditamentos relativamente reduzidos, que podem ser feitos sem grande esforço.

279. Neste contexto, não me parece adequado julgar o Projeto de Acordo, tal como ele está formulado atualmente, incompatível com os Tratados. Pelo contrário, o Tribunal de Justiça deverá, a exemplo do que fez no seu segundo parecer sobre o Espaço Económico Europeu (162), declarar que o Projeto de Acordo é compatível com os Tratados, no pressuposto de que serão feitas as alterações, aditamentos e esclarecimentos que referi.

VII – Conclusão

280. Atendendo às considerações supra expostas, proponho que o Tribunal profira o seguinte parecer:

O projeto revisto de Acordo de Adesão da União à Convenção Europeia Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, apresentado em Estrasburgo em 10 de junho de 2013, é compatível com os Tratados, no pressuposto de que é assegurado, em termos vinculativos no direito internacional, que:

–        A União e os seus Estados‑Membros, para efeitos da eventual apresentação de pedidos de participação no processo como corresponsáveis, nos termos do artigo 3.°, n.° 5, do Projeto de Acordo, serão informados sistematicamente e sem exceções de todos os processos pendentes no TEDH, desde que e logo que o respetivo demandado deles seja notificado,

–        Os pedidos, apresentados pela União e pelos Estados‑Membros, de participação no processo como corresponsáveis, nos termos do artigo 3.°, n.° 5, do Projeto de Acordo, não ficam sujeitos, de modo algum, a uma análise da respetiva plausibilidade;

–        A apreciação prévia do Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 3.°, n.° 6, do Projeto de Acordo se estende a todas as questões jurídicas relativas à interpretação do direito primário da União e do direito secundário da União em consonância com a CEDH;

–        Só se pode, então, prescindir do procedimento de apreciação prévia previsto no artigo 3.°, n.° 6, do Projeto de Acordo se for manifesto que o Tribunal de Justiça da União Europeia já se debruçou sobre a questão jurídica concreta que é objeto da queixa pendente no TEDH;

–        O princípio da responsabilidade comum do demandado e do corresponsável, nos termos do artigo 3.°, n.° 7, do Projeto de Acordo não afeta eventuais reservas das partes contratantes, na aceção do artigo 57.° da CEDH, e

–        No mais, o TEDH não pode, em circunstância alguma, afastar o princípio, consagrado no artigo 3.°, n.° 7, do Projeto de Acordo, da responsabilidade comum do demandado e do corresponsável por violações da CEDH cuja existência o TEDH tenha declarado.


1 —      Língua original: alemão.


2 —      Assinada em Roma em 4 de novembro de 1950.


3 —      Da primeira vez que se pronunciou sobre este tema, o Tribunal de Justiça, como é sabido, concluiu em 28 de março de 1996 que a então Comunidade Europeia não tinha competência para aderir à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. (Parecer 2/94, EU:C:1996:140, n.°36 e conclusão).


4 —      Esta disposição inspirou‑se no artigo I ‑ 9.°, n.° 2, do malogrado Tratado que Estabelece uma Constituição Para a Europa (assinado em Roma em 29 de outubro de 2004, JO L 2004, p. 1).


5 —      Relatório final apresentado ao Comité Diretor para os Direitos Humanos (Rapport final au CDDH), Doc. n.° 47+1(2013)008 rev2, apresentado em Estrasburgo em 10 de junho de 2013, a seguir «Relatório Final».


6 —      A seguir «Projeto de Acordo».


7 —      A seguir «Relatório Explicativo».


8 —      N.° 9 do Relatório Final.


9 —      Protocolo (n.° 8) relativo ao n.° 2 do artigo 6.° do Tratado da União Europeia respeitante à adesão da União à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.


10 —      Declaração n.° 2 anexada à Ata Final da Conferência Intergovernamental que adotou o Tratado de Lisboa, assinado em 13 de dezembro de 2007.


11 —      Parecer 2/94 (EU:C:1996:140, n.° 3), Parecer 1/08 (EU:C:2009:739, n.° 107) e Parecer 1/09 (EU:C:2011:123, n.° 47).


12 —      Parecer 2/94 (EU:C:1996:140, n.os 20, 21 e 22) e Parecer 1/09 (EU:C:2011:123, n.° 49).


13 —      Cf., sobre este ponto também o parecer 2/94 (EU:C:1996:140, n.° 20).


14 —      Parecer 1/09 (EU:C:2011:123, n.° 55).


15 —      Acórdão Parlamento/Conselho (C‑70/88, EU:C:1990:217, n.° 22) e Parlamento/Conselho (C‑133/06, EU:C:2008:257, n.° 57) e Parecer 1/09 (EU:C:2011:123, n.° 55).


16 —      O que pode dever‑se, em muitos casos, à violação do dever de reenvio por parte dos tribunais de última instância, previsto no terceiro parágrafo do artigo 267.° TFUE, mas pode também resultar de uma das três exceções ao dever de reenvio que o Tribunal de Justiça reconheceu no seu acórdão «CILFIT» (v. acórdão Cilfit e o., 283/81, EU:C:1982:335).


17 —      N.os 33 a 104 desta tomada de posição.


18 —      N.os 105 a 156 desta tomada de posição.


19 —      N.os 157 a 236 desta tomada de posição.


20 —      N.os 237 a 248 desta tomada de posição.


21 —      N.os 249 a 279 desta tomada de posição.


22 —      V., a este respeito, n.os 162 a 196 e, especialmente no tocante à PESC, n.os 185 a 194 desta tomada de posição.


23 —      V. n.os 82 a 103 desta tomada de posição.


24 —      V. o segundo parágrafo do n.° 1 do artigo 6.° TUE e n.° 2 do artigo 51.° da Carta dos Direitos Fundamentais, em que foi vertido o conteúdo do artigo I‑9.°, n.° 2, segundo período e do artigo. II‑111.°, n.° 2, do Tratado que Estabelece uma Constituição para a Europa.


25 —      Neste sentido, Parecer 2/94 (EU:C:1996:140, n.° 35, último período).


26 —      Este princípio está expressado, em larga medida, no artigo 218.°, n.° 11, segundo período, TFUE.


27 —      No mesmo sentido também o acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.° 285), segundo o qual as obrigações decorrentes de um acordo internacional não podem violar os princípios constitucionais dos Tratados.


28 —      No mesmo sentido se pronunciava já anteriormente a jurisprudência do Tribunal de Justiça: v., por todos, Acórdãos Hauer (44/79, EU:C:1979:290, n.° s 15 e 17), Johnston (222/84, EU:C:1986:206, n.° 18) e Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.° 283).


29 —      Parecer 2/94 (EU:C:1996:140, n.° 27).


30 —      N.° 2 da Resolução do Parlamento Europeu, de 19 de maio de 2010, sobre os aspetos institucionais da adesão da União Europeia à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (2009/2241(INI), a seguir «Resolução do Parlamento Europeu de 2010».


31 —      V. o artigo 1.°, n.° 2, primeiro parágrafo do Projeto de Acordo.


32 —      V. igualmente o n.° 17 do Relatório Explicativo.


33 —      A doutrina AETR remonta ao acórdão Comissão/Conselho 22/70 (EU:C:1971:32, n.os 15 a 19); um resumo mais recente encontra‑se no Parecer 1/03 (EU:C:2006:81, n.os 114 a 133).


34 —      Acórdãos Haegeman (181/73, EU:C:1974:41, n.° 5), IATA e ELFAA (C‑344/04, EU:C:2006:10, n.° 36) e Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864, n.° 73).


35 —      Pareceres 1/92 (EU:C:1992:189, n.° 32) e 1/09 (EU:C:2011:123, n.° 75).


36 —      No mesmo sentido, Parecer 1/00 (EU:C:2002:231, n.° 24).


37 —      No mesmo sentido Parecer 1/00 (EU:C:2002:231, n.° 14, conjugado com os n.os 18 e 23).


38 —      Documento de reflexão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre determinados aspetos da adesão da União Europeia à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 5 de maio de 2010, acessível na página da Internet do Tribunal de Justiça da União Europeia em http://curia.europa.eu/jcms/jcms/P_64268/ (consultada em 12 de maio de 2014), em especial n.os 9, 11 e 12; no mesmo sentido, a Comunicação comum dos presidentes do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do Tribunal de Justiça da União Europeia, na sequência do encontro entre os dois órgãos jurisdicionais em janeiro de 2011, acessível na página da Internet do Tribunal de Justiça da União Europeia em http://curia.europa.eu/jcms/jcms/P_64268/ (consultada em 12 de maio de 2014), especialmente n.° 2, último parágrafo.


39 —      V., sobre este ponto, os n.os 121 a 135 e 180 a 184 desta tomada de posição.


40 —      As novas disposições do Estatuto do Tribunal de Justiça poderão, no entanto, ter de ser complementadas por algumas alterações de pormenor no Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.


41 —      V. também o n.° 11 da Declaração dos Estados Contratantes da CEDH na Conferência de alto nível sobre o futuro do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem («Declaração de Brighton»), tornada pública em Brighton em abril de 2012, acessível nas línguas francesa e inglesa no página da Internet do Conselho da Europa em http://hub.coe.int/de/20120419‑brighton‑declaration/ (consultada em 14 de maio de 2014).


42 —      V., a este respeito, a Recomendação do Conselho de Ministros do Conselho Europeu de 19 de janeiro de 2000 n.° R (2000) 2 aos Estados Contratantes sobre a reanálise ou revisão de determinados processos no plano do direito interno em consequência de acórdãos proferidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Como modelo, podiam seguir‑se os fundamentos de revisão que o Direito Alemão reconhece no n.° 8 do § 580 do Zivilprozessordnung (Código de Processo Civil) e no n.° 6 do § 359 do Strafprozessordnung (Código de Processo Penal).


43 —      V. os n.os 64 a 74 desta tomada de posição.


44 —      Sobre a problemática relacionada com esta, de saber se as especificidades da PESC obstam ao reconhecimento da competência jurisdicional do TEDH pela União, v. os n.os 185 a 195 desta tomada de posição.


45 —      De acordo com o n.° 23 do Relatório Explicativo, a responsabilidade da União existe independentemente do contexto em que ocorram os atos, medidas ou omissões das suas instituições, órgãos ou organismos, incluindo os respeitantes à PESC; v. ainda o artigo 3.°, n.° 2 do Projeto de Acordo, que inclui na responsabilidade da União as decisões tomadas com fundamento no Tratado da União Europeia.


46 —      Os juízes do Tribunal de Estrasburgo avaliam muito aprofundadamente, no caso concreto, se uma reserva formulada por uma Parte Contratante é admissível e, em especial, se ela está formulada de forma suficientemente precisa; v. acórdão do TEDH de 4 de março de 2014, Grande Stevens e outros/Itália (Processo n.os 18640/10, 18647/10, 18663/10, 18668/10 e 18698/10, n.os 204 a 211).


47 —      No mesmo sentido pronunciou‑se uma minoria de Estados‑Membros que participaram no processo de emissão de parecer.


48 —      Contra a opinião da Comissão pronunciaram‑se especialmente a França, o Reino Unido e o Conselho, nas suas alegações escritas e orais.


49 —      Quanto à possibilidade de ter em conta a história legislativa na interpretação das disposições dos Tratados v. acórdãos Pringle (C‑370/12, EU:C:2012:756, n.° 135), Comissão/Parlamento e Conselho (C‑427/12, EU:C:2014:170, Rn. 36) e Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.os 50, 59 e 70) e também as minhas conclusões apresentadas no processo citado em último lugar (EU:C:2013:21, n.° 32).


50 —      Aprovado pela Convenção Europeia em 13 de junho e 10 de julho de 2003 e entregue ao Presidente do Conselho Europeu em Roma em 18 de julho de 2003.


51 —      Secretariado da Convenção Europeia, Relatório complementar sobre a questão da fiscalização jurisdicional em matéria de Política Externa e de Segurança Comum [Documento CONV 689/1/03 de 16 de abril de 2003, n.os 5 e 7, alínea c)], assim como a nota de envio do Praesidium relativa aos artigos sobre o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Grande Instância da União Europeia (Documento CONV 734/03 de 2 de maio de 2003; v., em especial, as considerações dele constantes sobre o projeto de artigo 240.°A].


52 —      V. acórdão Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.° 97), assim como as minhas conclusões nesse processo (EU:C:2013:21, n.os 112 e 113).


53 —      Acórdãos Les Verts/Parlamento (294/83, EU:C:1986:166), Gestoras Pro Amnistía e o./Conselho (C‑354/04 P, EU:C:2007:115), Segi e o./Conselho (C‑355/04 P, EU:C:2007:116) e Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461).


54 —      Acórdãos Les Verts/Parlamento (294/83, EU:C:1986:166, n.° 23); Gestoras Pro Amnistía e o./Conselho (C‑354/04 P, EU:C:2007:115, n.° 51), e Segi e o./Conselho (C‑355/04 P, EU:C:2007:116, n.° 51); v., no mesmo sentido, os acórdãos Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.° 281), E e F (C‑550/09, EU:C:2010:382, n.° 44), Polónia/Comissão (C‑336/09 P, EU:C:2012:386, n.° 36) e Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.° 91).


55 —      Acórdão Les Verts/Parlamento (294/83, EU:C:1986:166, n.° 25).


56 —      Tratado da União Europeia, na versão do Tratado de Amesterdão.


57 —      Acórdãos Gestoras Pro Amnistía e o./Conselho (C‑354/04 P, EU:C:2007:115, n.os 46 a 48) e Segi e o./Conselho (C‑355/04 P, EU:C:2007:116, n.os 46 a 48).


58 —      No mesmo sentido — embora no quadro jurídico anterior à entrada em vigor do Tratado de Lisboa — acórdãos Gestoras Pro Amnistía e o./Conselho (C‑354/04 P, EU:C:2007:115, n.° 50) e Segi e o./Conselho (C‑355/04 P, EU:C:2007:116, n.° 50).


59 —      Parecer 1/09 (EU:C:2011:123, Rn. 66) e acórdão Inuit Tapiriit Kanatami e o. /Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.° 90).


60 —      No mesmo sentido — embora ainda no contexto anterior à entrada em vigor do Tratado de Lisboa — as conclusões do advogado‑geral Mengozzi, Gestoras Pro Amnistía e o./Conselho (C‑354/04 P e C‑355/04 P, EU:C:2006:667, em especial n.os 99 e 104).


61 —      No mesmo sentido, v. já acórdãos Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, EU:C:2002:462, n.° 41); Gestoras Pro Amnistía e o. /Conselho (C‑354/04 P, EU:C:2007:115, n.° 56); Segi e o. /Conselho (C‑355/04 P, EU:C:2007:116, n.° 56), e Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.os 100 e 101).


62 —      Em conformidade com isto, o artigo 1, n.° 4, primeiro período, do Projeto de Acordo imputa aos Estados‑Membros os atos, medidas e omissões dos órgãos nacionais que aplicam o Direito da União.


63 —      Neste sentido — embora num contexto um pouco diferente — v. as conclusões do advogado‑geral Mengozzi, Gestoras Pro Amnistía e o./Conselho (C‑354/04 P e C‑355/04 P, EU:C:2006:667, n.os 121 a 132).


64 —      V os n.os 88 a 95 desta tomada de posição.


65 —      Acórdão Foto‑Frost (314/85, EU:C:1987:452, n.os 15 a 20).


66 —      Neste sentido, Parecer 1/91 (EU:C:1991:490, n.° 46) e acórdão Comissão/Irlanda (C‑459/03, EU:C:2006:345, n.° 169), onde, no contexto das funções do Tribunal de Justiça, se fala dos «fundamentos da Comunidade» e de uma «característica fundamental do sistema jurisdicional da Comunidade»; no mesmo sentido vai o acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.os 285 e 304).


67 —      Protocolo 1/91 (EU:C:1991:490, n.° 46) e acórdão Comissão/Irlanda (C‑459/03, EU:C:2006:345, n.os 123 e 169).


68 —      O artigo 4.°, n.° 2, do Projeto de Acordo prevê a redenominação deste processo, após a adesão da União à CEDH, passando a chamar‑se «processos entre as Partes Contratantes». Por comodidade de expressão, mantenho o conceito de «queixa de Estado».


69 —      Na prática, estes processos são raros.


70 —      Acórdãos Haegeman (181/73, EU:C:1974:41, n.° 5), IATA e ELFAA (C‑344/04, EU:C:2006:10, n.° 36) e Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864, n.° 73).


71 —      N.° 74, último período, do Relatório Explicativo.


72 —      Assinada em 10 de dezembro de 1982 em Montego Bay (JO 1998, L 179, p. 8).


73 —      Foi o que aconteceu no processo Comissão/Irlanda (C‑459/03, EU:C:2006:345).


74 —      O Tribunal de Justiça poderia obrigar um Estado‑Membro, através de medidas provisórias, a declarar no TEDH que não pretende prosseguir o processo iniciado com a sua queixa (artigo 37.°, alínea a), CEDH). Se o Tribunal de Justiça viesse a considerar depois improcedente a ação por incumprimento, o TEDH teria a possibilidade de reabrir a queixa (artigo 37.°, n.° 2 CEDH).


75 —      Neste sentido, o n.° 8 da Resolução do Parlamento de 2010 (citada na nota 30 supra).


76 —      Sobre este monopólio, v. Parecer 1/00 (EU:C:2002:231, n.° 24) e acórdão Foto‑Frost (314/85, EU:C:1987:452, n.os 15 a 20).


77 —      Só não é assim relativamente à PESC (v. artigo 24.°, n.° 1, segundo parágrafo, sexto período, TUE e o artigo 275.° TFUE, e as minhas observações nos n.os 85 a 100 desta tomada de posição).


78 —      V. o n.° 78 desta tomada de posição.


79 —      V. o último período do n.° 62 do Relatório Explicativo; v. também acórdão do TEDH de 24 de abril de 1990, Kruslin/França (recurso n.° 11801/85, Serie A, n.° 176‑A, § 29), e decisão de 20 de janeiro de 2009, W/Países Baixos (processo n.° 20689/08).


80 —      V., por exemplo, acórdão do TEDH de 7 de junho de 2007, Smirnov/Rússia (processo n.° 71362/01, Recueil des arrêts et décisions 2007‑VII, n.° 45), assim como os acórdãos de 15 de fevereiro de 2011, Harju/Finlândia (processo n.° 56716/09, n.os 40 e 44) e Heino/Finlândia (processo n.° 56720/09, n.° 45).


81 —      V., por exemplo, acórdãos do TEDH de 15 de novembro de 1996, Cantoni/França (processo n.° 17862/91, Recueil des arrêts et décisions 1996‑V); de 18 de fevereiro de 1999, Matthews/Reino Unido (processo n.° 24833/94, Recueil des arrêts e décisions 1999‑I); de 30 de junho de 2005, Bosphorus/Irlanda (processo n.° 45036/98, Recueil des arrêts et décisions 2005‑VI), e de 21 de janeiro de 2011, M. S. S./Bélgica e Grécia (processo n.° 30696/09, Recueil des arrêts et décisions 2011), assim como decisão de 20 de janeiro de 2009, Cooperatieve Producentenorganisatie van de Nederlandse Kokkelvisserij et al./Países Baixos (processo n.° 13645/05).


82 —      Citado no n.° 38 supra.


83 —      Quanto à questão de saber quem tem a competência para dizer se os tribunais da União já se pronunciaram sobre a compatibilidade da disposição do Direito da União em litígio com a CEDH, v. os n.os 180 a 184 desta tomada de posição.


84 —      N.° 121 desta tomada de posição.


85 —      Neste sentido, v., por todos, os acórdãos Orkem/Comissão (374/87, EU:C:1989:387, em especial os n.os 28 e 32 a 35), Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (C‑305/05, EU:C:2007:383, em especial o n.° 28), e Promusicae (C‑275/06, EU:C:2008:54, em especial o n.° 68); no mesmo sentido, também o acórdão NS (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865, especialmente n.os 99, 100 e 106).


86 —      Na audiência no Tribunal de Justiça, a Comissão insistiu no entendimento de que é inteiramente satisfatório restringir o âmbito de aplicação da apreciação prévia, em conexão com atos normativos de direito derivado da União, às questões de validade.


87 —      Relatório Explicativo, n.° 66.


88 —      N.° 9 do Relatório Final.


89 —      Até 6 de maio de 2014.


90 —      Acórdãos Haegeman (181/73, EU:C:1974:41, n.° 6) e Brita (C‑386/08, EU:C:2010:91, n.° 39).


91 —      V. n.os 40 a 42 supra desta tomada de posição.


92 —      V., como exemplo desta ideia, o processo pendente C‑73/14, Conselho/Comissão, em que se suscitam questões jurídicas semelhantes, ainda que não no âmbito da CEDH.


93 —      Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° do Tratado (JO 2003, L 1, p. 1).


94 —      Por questões de exaustividade, refira‑se que a Comissão não tem nenhuma competência exclusiva de execução dos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE. Porém, na medida em que está prevista a respetiva execução a nível nacional, numerosos Estados‑Membros criaram autoridades da concorrência, com atribuições e competências análogas às da Comissão.


95 —      V., a este respeito, as minhas conclusões no processo ETI e o. (C‑280/06, EU:C:2007:404, n.° 71), Toshiba Corporation e o. (C‑17/10, EU:C:2011:552, n.° 48) e Schenker e o. (C‑681/11, EU:C:2013:126, n.° 40). Em jurisprudência assente, os tribunais da União aplicam princípios de direito penal em sede de direito da concorrência (v., quanto à presunção da inocência, acórdão Hüls/Comissão, C‑199/92 P, EU:C:1999:358, n.os 149 e 150, e quanto à proibição da dupla condenação — ne bis in idem — o acórdão Toshiba Corporation e o., C‑17/10, EU:C:2012:72, n.° 94).


96 —      TEDH, acórdão de 23 de novembro de 2006, Jussila/Finlândia (Processo n.° 73053/01, Recueil des arrêts et décisions 2006‑XIV, n.° 43); no mesmo sentido, TEDH, acórdão de 27 de setembro de 2011, Menarini Diagnostics/Itália (Processo n.° 43509/08, n.° 62); v. também Tribunal da EFTA, acórdão de 18 de abril de 2012, Posten Norge/Órgão de fiscalização da EFTA (E‑15/10, EFTA Court Reports 2012, p. 246, n.os 87 e 88), e acórdão do Tribunal de Justiça Schindler Holding e o./Comissão (C‑501/11 P, EU:C:2013:522, n.os 33 a 35).


97 —      Acórdãos Otis e o. (C‑199/11, EU:C:2012:684, em especial n.° 63), Chalkor/Comissão (C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.° 67) e Schindler Holding e o./Comissão (C‑501/11 P, EU:C:2013:522, em especial n.os 33 a 38), e, complementarmente, as minhas conclusões neste último processo (EU:C:2013:248, n.os 27 a 30).


98 —      TEDH, acórdão Menarini Diagnostics/Itália (referido no n.° 96 supra, n.os 57 a 67), sobre um sistema nacional de execução das normas sobre acordos, decisões e práticas concertadas que apresenta fortes semelhanças com o sistema em vigor a nível da União.


99 —      Conclusões no processo Toshiba Corporation e o. (C‑17/10, EU:C:2011:552, n.° 111 a 124).


100 —      Acórdãos Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão (C‑105/04 P, EU:C:2006:592, n.os 35 a 62), e Technische Unie/Comissão (C‑113/04 P, EU:C:2006:593, n.os 40 a 72); v., além disso, as minhas conclusões nos processos Solvay/Comissão (C‑109/10 P, EU:C:2011:256, n.os 305 a 310) e Solvay/Comissão (C‑110/10 P, EU:C:2011:257, n.os 146 a 151).


101 —      Acórdãos Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, EU:C:1998:608, n.os 26 a 47); Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão (C‑385/07 P, EU:C:2009:456, n.os 183 a 188); Gascogne Sack Deutschland/Comissão (C‑40/12 P, EU:C:2013:768, n.os 97 a 102), e FLSmidth/Comissão (C‑238/12 P, EU:C:2014:284, n.os 118 a 123).


102 —      V., a este respeito, em especial os acórdãos, recentemente proferidos, Gascogne Sack Deutschland/Comissão (C‑40/12 P, EU:C:2013:768, n.os 89 a 96) e FLSmidth/Comissão (C‑238/12 P, EU:C:2014:284, n.os 116 e 117).


103 —      V., por todos, os acórdãos van Gend & Loos (26/62, EU:C:1963:1); Costa (6/64, EU:C:1964:66), e Internationale Handelsgesellschaft (11/70, EU:C:1970:114, n.° 3), assim como, mais recentemente, o parecer 1/09 (EU:C:2011:123, n.° 65).


104 —      Parecer 1/91 (EU:C:1991:490, n.° 30); parecer 1/92 (EU:C:1992:189, n.° 18), parecer 1/00 (EU:C:2002:231, n.° 11), e parecer 1/09 (EU:C:2011:123, n.° 67).


105 —      N.os 162 a 196 desta tomada de posição.


106 —      N.os 197 a 207 desta tomada de posição.


107 —      N.os 208 a 235 desta tomada de posição.


108 —      V. também n.° 26 do Relatório Explicativo, em que se sublinha que as decisões do TEDH em processos relativos a queixas de particulares, e também em processos relativos a queixas de Estados, em que a União seja parte, são vinculativas para as instituições da União, incluindo o Tribunal de Justiça.


109 —      V., desde logo, o n.° 1 desta tomada de posição, supra.


110 —      V., a este respeito, também a resolução do Parlamento de 2010 (o seu n.° 1, último travessão), segundo a qual a relação entre os dois tribunais europeus não é de natureza hierárquica, mas sim de especialização.


111 —      Parecer 1/91 (EU:C:1991:490, n.os 40 e 70) e parecer 1/09 (EU:C:2011:123, n.° 74).


112 —      Neste sentido, também os pontos 3 e 26 da Declaração de Brighton.


113 —      Neste contexto, as reservas mais conhecidas serão as do Bundesverfassungsgericht (tribunal constitucional federal) alemão, que podem ser descritas sob os conceitos de «fiscalização ultra vires» (v., a este propósito, Bundesverfassungsgericht, acórdãos BVerfGE 89, 155 sobre o Tratado de Maastricht e BVerfGE 123, 267 sobre o Tratado de Lisboa), assim como a teoria, desenvolvida pelo Tribunal Constitucional italiano, dos «controlimiti» (nesse sentido, é fundamental o acórdão da Corte costituzionale n.° 170, de 8 de junho de 1984, Granital).


114 —      Como o Tribunal de Justiça afirmou no acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.° 285), as obrigações impostas por um acordo internacional não podem ter por efeito a violação dos princípios constitucionais dos Tratados.


115 —      A Comissão também referiu, na audiência, a possibilidade da denúncia da CEDH.


116 —      Parecer 1/00 (EU:C:2002:231, n.os 11 a 13); v. também pareceres 1/91 (EU:C:1991:490, n.os 41 a 46 e 61 a 65) e Parecer 1/92 (EU:C:1992:189, n.os 32 e 41).


117 —      V., a este respeito, supra n.os 33 a 104 e 105 a 156 desta tomada de posição.


118 —      Neste sentido, também o n.° 62 do Relatório Explicativo.


119 —      O Relatório Explicativo não dá explicações que permitam eliminar estas incertezas. Em especial, o seu n.° 62 também só faz referência aos argumentos aduzidos pelo demandado e pelo(s) corresponsável(is).


120 —      É concebível que o Tribunal de Justiça tenha fiscalizado a compatibilidade de um ato normativo da União com um direito fundamental da CEDH (p. ex. com o artigo 8.° da CEDH), mas não com outro direito fundamental (p. ex. com o artigo 6, n.° 1, da CEDH), cuja alegada violação é agora objeto de uma queixa no TEDH.


121 —      Por exemplo, o Tribunal de Justiça debruçou‑se, de duas perspetivas muito diferentes, sobre a validade da diretiva sobre a conservação de dados, designadamente, da primeira vez, quanto à sua base jurídica, e só da segunda vez face a determinados direitos fundamentais (v., por um lado, acórdão Irlanda/Parlamento e Conselho, C‑301/06, EU:C:2009:68, e, por outro, acórdão Digital Rights Ireland e Seitlinger e o., C‑293/12 e C‑594/12, EU:C:2014:238).


122 —      Em última análise, suscitam‑se aqui problemas comparáveis aos que se suscitam na questão da dispensa, dos tribunais nacionais de última instância, da obrigação que lhes incumbe de submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça por força do artigo 267.°, terceiro parágrafo, TFUE (v., por todos, acórdão Cilfit e o., 283/81, EU:C:1982:335), e afigura‑se que esses problemas deverão ser resolvidos de forma análoga.


123 —      Quanto à problemática conexa, de saber se as especificidades da PESC permitem garantir uma tutela jurisdicional efetiva nessa área de política, v., desde logo, os n.os 82 a 103 supra.


124 —      V., nesse sentido, n.° 83 supra, desta tomada de posição.


125 —      V. supra, n.° 172 desta tomada de posição.


126 —      Neste sentido, em especial, e relativamente à instituição do Espaço Económico Europeu, parecer 1/91 (EU:C:1991:490, n.os 34 e 35, 41 a 46 e 61 a 65) e parecer 1/92 (EU:C:1992:189, n.o 32 e 41).


127 —      V. n.os 96 a 103 supra desta tomada de posição.


128 —      Parecer 1/91 (EU:C:1991:490, n.° 21) e parecer 1/09 (EU:C:2011:123, n.° 65).


129 —      Acórdãos Haegeman (181/73, EU:C:1974:41, n.° 5); IATA e ELFAA (C‑344/04, EU:C:2006:10, n.° 36), e Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864, n.° 73).


130 —      Quanto à eventual necessidade de considerar, neste contexto, a situação específica dos Estados‑Membros face à CEDH v. infra, n.os 249 a 277 desta tomada de posição.


131 —      Neste sentido, também acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.os 285 e 304), segundo o qual entre os princípios constitucionais da União figura o princípio de que todos os atos da União devem respeitar os direitos fundamentais e de que a tutela dos direitos fundamentais faz parte dos próprios fundamentos do ordenamento jurídico da União.


132 —      Encontram‑se exemplos práticos desta problemática, por exemplo, nos acórdãos Schmidberger (C‑112/00, EU:C:2003:333), Omega (C‑36/02, EU:C:2004:614), International Transport Workers’ Federation und Finnish Seamen’s Union (acórdão dito «Viking», C‑438/05, EU:C:2007:772), Laval un Partneri (C‑341/05, EU:C:2007:809), Dynamic Medien (C‑244/06, EU:C:2008:85) e Digital Rights Ireland (C‑293/12 e C‑594/12, EU:C:2014:238).


133 —      Quanto ao reconhecimento da jurisdição do TEDH, v. também, em especial, n.os 163 a 171 supra desta tomada de posição.


134*N. T.: A tradução oficial alemã do artigo 1.°, alínea b), do Protocolo n.° 8 é a seguinte: «in Bezug auf die nötigen Mechanismen […] um sicherzustellen, dass Beschwerden von Nichtmitgliedstaaten und Individualbeschwerden den Mitgliedstaaten und/oder gegebenenfalls der Union ordnungsgemäß übermittelt werden», o que literalmente significa: «no que se refere […] [a]os mecanismos necessários para assegurar que as queixas apresentadas por Estados terceiros e as queixas apresentadas por particulares sejam corretamente transmitidas aos Estados‑Membros e/ou à União, consoante os casos» (tradução livre e itálico do tradutor). Na tradução oficial portuguesa deste preceito é utilizado o termo «dirigidos».


135 —      Francês: «pour garantir que les recours formés par des États non membres et les recours individuels soient dirigés correctement contre […]»; inglês: «to ensure that proceedings by non‑Member States and individual applications are correctly addressed to […]» (Itálicos da autora).


136 —      Relatório explicativo, n.° 38.


137 —      V. também n.° 39 do Relatório Explicativo, em que o que está em causa é evitar lacunas no sistema da CEDH quanto à participação, à responsabilidade e à vinculação aos acórdãos (francês: «éviter toute lacune dans le système de la Convention liée à la participation, à la responsabilité et à l’opposabilité»).


138 —      Como exemplos disto, v. TEDH, acórdão de 30 de junho de 2005, Bosphorus/Irlanda (processo n.° 45036/98, Recueil des arrêts et décisions 2005‑VI), e decisão de 20 de janeiro de 2009, Cooperatieve Producentenorganisatie van de Nederlandse Kokkelvisserij e o./Países Baixos (processo n.° 13645/05).


139 —      Este problema também já se colocou no passado; v. TEDH, acórdão de 18 de fevereiro de 1999, Matthews/Reino Unido (Queixa n.° 24833/94, Recueil des arrêts et décisions 1999‑I).


140 —      Neste sentido, também ponto 56 do Relatório Explicativo.


141 —      Relatório Explicativo, n.° 53.


142 —      Sobre o princípio da autonomia, v., em geral, n.° 159 desta tomada de posição.


143 —      Anexo II do Relatório Final.


144 —      Relatório Explicativo, ponto 52, último período.


145 —      Para esse efeito, é logo feita, numa fase processual precoce, uma publicação sobre cada processo pendente nos tribunais da União no sítio web do Tribunal de Justiça e no Jornal Oficial da União Europeia.


146 —      Enquanto algumas partes no processo entendiam que, nos termos do artigo 3.°, n.° 5, terceiro período, do Projeto de Acordo, o TEDH só se pode certificar de que um requerimento está pelo menos fundamentado, outras partes no processo sustentavam que o TEDH poderá ainda avaliar, do ponto de vista substantivo, se os fundamentos aduzidos são, prima facie, válidos.


147 —      Quanto à participação no processo prejudicial, v. artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia; quanto à intervenção em recursos diretos e em recursos de decisões do Tribunal Geral, v. artigo 40, n.° 1, desse Estatuto e artigo 131.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.


148 —      V., a este respeito, em especial os n.os 135, 179, 184 e 235 supra desta tomada de posição.


149 —      N.° 77 do Relatório Explicativo.


150 —      Esta nova regra processual, epigrafada «Acórdãos e resoluções amigáveis em processos em que a União Europeia seja parte», será aditada às «Regras do Comité de Ministros para a supervisão da execução de acórdãos e de resoluções amigáveis» (v. Anexo III do Relatório Final).


151 —      N.° 82 do Relatório Explicativo.


152 —      N.os 84 a 92 do Relatório Explicativo.


153 —      A importância de uma supervisão eficaz e equitativa pelo Comité de Ministros também é sublinhada no n.° 27 da Declaração de Brighton.


154 —      Os Protocolos Adicionais n.os 4, 7, 12 e 13 à CEDH ainda não foram ratificados por todos os Estados‑Membros da União.


155 —      V., em especial, as anotações aos artigos 19.°, 50.° e 52.° da Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17).


156 —      V., por exemplo, sobre o princípio geral de direito «ne bis in idem», os acórdãos Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.° 59) e Showa Denko/Comissão (C‑289/04 P, EU:C:2006:431, n.° 50).


157 —      V. n.° 198 supra, desta tomada de posição.


158 —      V. n.° 198 supra, desta tomada de posição.


159 —      Tomar posição sobre esta problemática excederia o âmbito do presente processo de emissão de parecer. Neste âmbito, só se pode apontar que é concebível, mas de modo algum imperativo, levar em conta, a nível interno da União, as conceções jurídicas expressas no artigo 2.°, segundo período, do Protocolo n.° 8 na interpretação e aplicação do artigo 216.°, n.°2, TFUE e assim, se necessário, restringir a vinculação dos Estados‑Membros à CEDH, ratificada sem reservas pela União.


160 —      V. n.os 217 a 219, supra, desta tomada de posição.


161 —      EGMR, acórdão de 30 de junho de 2005, Bosphorus/Irlanda (processo n.° 45036/98, Recueil des arrêts et décisions 2005‑VI).


162 —      Parecer 1/92 (EU:C:1992:189, n.° 1 do dispositivo).