Language of document : ECLI:EU:C:2011:807

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

6 de Dezembro de 2011 (*)

«Espaço de liberdade, de segurança e de justiça – Directiva 2008/115/CE – Normas e procedimentos comuns em matéria de regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular – Regulamentação nacional que prevê uma pena de prisão e uma multa, em caso de permanência irregular»

No processo C‑329/11,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela cour d’appel de Paris (França), por decisão de 29 de Junho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 5 de Julho de 2011, no processo

Alexandre Achughbabian

contra

Préfet du Val‑de‑Marne,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot, J. Malenovský, U. Lõhmus e M. Safjan, presidentes de secção, A. Borg Barthet, M. Ilešič (relator), A. Arabadjiev, C. Toader e J.‑J. Kasel, juízes,

advogado‑geral: J. Mazák,

secretário: R. Şereş, administradora,

visto o despacho do presidente do Tribunal, de 30 de Setembro de 2011, que decidiu submeter o reenvio prejudicial a tramitação acelerada nos termos do artigo 23.°‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 104.°‑A, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Outubro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de A. Achughbabian, por C. Papazian e P. Spinosi, avocats,

–        em representação do Governo francês, por E. Belliard, G. de Bergues e B. Beaupère‑Manokha, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo dinamarquês, por C. Vang, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e N. Graf Vitzthum, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo estónio, por M. Linntam, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Condou Durande, na qualidade de agente,

ouvido o advogado‑geral,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Directiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO L 348, p. 98).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A. Achughbabian ao préfet du Val‑de‑Marne, relativamente à situação irregular de A. Achughbabian no território francês.

 Quadro jurídico

 Directiva 2008/115

3        O quarto, quinto e décimo sétimo considerandos da Directiva 2008/115 enunciam:

«(4)      Importa estabelecer normas claras, transparentes e justas para uma política de regresso eficaz, enquanto elemento necessário de uma política de migração bem gerida.

(5)      A presente directiva deverá estabelecer um conjunto de normas horizontais aplicáveis a todos os nacionais de países terceiros que não preencham ou tenham deixado de preencher as condições de entrada, permanência ou residência num Estado‑Membro.

[…]

(17)      […] Sem prejuízo da detenção inicial pelas entidades competentes para a aplicação da lei, que se rege pelo direito nacional, a detenção deverá, por norma, ser executada em centros de detenção especializados.»

4        O artigo 1.° da Directiva 2008/115, sob a epígrafe «Objecto», dispõe:

«A presente directiva estabelece normas e procedimentos comuns a aplicar nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, no respeito dos direitos fundamentais enquanto princípios gerais do direito comunitário e do direito internacional, nomeadamente os deveres em matéria de protecção dos refugiados e de direitos do Homem.»

5        O artigo 2.° desta directiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

«1.      A presente directiva é aplicável aos nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro.

2.      Os Estados‑Membros podem decidir não aplicar a presente directiva aos nacionais de países terceiros que:

a)      Sejam objecto de recusa de entrada […] ou sejam detidos ou interceptados pelas autoridades competentes quando da passagem ilícita das fronteiras externas terrestres, marítimas ou aéreas de um Estado‑Membro […];

b)      Estejam obrigados a regressar por força de condenação penal ou em consequência desta, nos termos do direito interno, ou sejam objecto de processo de extradição.

[…]»

6        O artigo 3.° da referida directiva, sob a epígrafe «Definições», enuncia:

«Para efeitos da presente directiva, entende‑se por:

[…]

2)      ‘Situação irregular’, a presença no território de um Estado‑Membro de um nacional de um país terceiro que não preenche, ou deixou de preencher, as condições […] aplicáveis à entrada, permanência ou residência nesse Estado‑Membro;

3)      ‘Regresso’, processo de retorno de nacionais de países terceiros, a título de cumprimento voluntário de um dever de regresso ou a título coercivo:

–      ao país de origem, ou

–      a um país de trânsito, ao abrigo de acordos de readmissão comunitários ou bilaterais ou de outras convenções,

–      a outro país terceiro, para o qual a pessoa em causa decida regressar voluntariamente e no qual seja aceite;

4)      ‘Decisão de regresso’, uma decisão ou acto administrativo ou judicial que estabeleça ou declare a situação irregular de um nacional de país terceiro e imponha ou declare o dever de regresso;

5)      ‘Afastamento’, a execução do dever de regresso, ou seja, o transporte físico para fora do Estado‑Membro;

[…]»

7        Os artigos 6.° a 9.° da Directiva 2008/115 dispõem:

«Artigo 6.°

Decisão de regresso

1.      Sem prejuízo das excepções previstas nos n.os 2 a 5, os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.

2.      Os nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro, que sejam detentores de um título de residência válido ou de outro título, emitido por outro Estado‑Membro e que lhes confira direito de permanência estão obrigados a dirigir‑se imediatamente para esse Estado‑Membro. […]

3.      Os Estados‑Membros podem abster‑se de emitir a decisão de regresso em relação a nacionais de países terceiros que se encontrem em situação irregular no seu território e sejam aceites por outros Estados‑Membros […].

4.      Os Estados‑Membros podem, a qualquer momento, conceder autorizações de residência autónomas ou de outro tipo que, por razões compassivas, humanitárias ou outras, confiram o direito de permanência a nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território. Neste caso, não pode ser emitida qualquer decisão de regresso […]

5.      Sempre que estiver em curso o processo de renovação do título de residência ou de outra autorização que confira um direito de permanência a favor de nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro, este deve ponderar a hipótese de não emitir decisões de regresso até à conclusão do referido processo […].

[…]

Artigo 7.°

Partida voluntária

1.      A decisão de regresso deve prever um prazo adequado para a partida voluntária, entre sete e trinta dias, sem prejuízo das excepções previstas nos n.os 2 e 4. […]

[…]

2.      Sempre que necessário, os Estados‑Membros estendem o prazo previsto para a partida voluntária por um período adequado, tendo em conta as especificidades do caso concreto, tais como a duração da permanência, a existência de filhos que frequentem a escola e a existência de outros membros da família e de laços sociais.

3.      Podem ser impostas determinadas obrigações para evitar o risco de fuga, designadamente a apresentação periódica às autoridades, o depósito de uma caução adequada, a apresentação de documentos ou a obrigação de permanecer em determinado local durante o prazo de partida voluntária.

4.      Se houver risco de fuga ou se tiver sido indeferido um pedido de permanência regular por ser manifestamente infundado ou fraudulento, ou se a pessoa em causa constituir um risco para a ordem ou segurança pública ou para a segurança nacional, os Estados‑Membros podem não conceder um prazo para a partida voluntária ou podem conceder um prazo inferior a sete dias.

Artigo 8.°

Afastamento

1.      Os Estados‑Membros tomam todas as medidas necessárias para executar a decisão de regresso se não tiver sido concedido qualquer prazo para a partida voluntária, nos termos do n.° 4 do artigo 7.°, ou se a obrigação de regresso não tiver sido cumprida dentro do prazo para a partida voluntária concedido nos termos do artigo 7.°

[…]

4.      Se os Estados‑Membros utilizarem – como último recurso – medidas coercivas para impor o afastamento de um nacional de país terceiro que resista a este, tais medidas devem ser proporcionadas e não devem exceder o uso razoável da força. Essas medidas devem ser executadas em conformidade com a legislação nacional, de acordo com os direitos fundamentais e no devido respeito pela dignidade e integridade física dos nacionais de países terceiros em causa.

[…]

Artigo 9.°

Adiamento do afastamento

1.      Os Estados‑Membros adiam o afastamento nos seguintes casos:

a)      O afastamento representa uma violação do princípio da não‑repulsão; ou

b)      Durante a suspensão concedida [na sequência da interposição de um recurso contra uma decisão relacionada com o regresso].

2.      Os Estados‑Membros podem adiar o afastamento por um prazo considerado adequado, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso concreto:

a)      O estado físico ou a capacidade mental do nacional de país terceiro;

b)      Razões técnicas, nomeadamente a falta de capacidade de transporte ou o afastamento falhado devido à ausência de identificação.

3.      Caso o afastamento seja adiado nos termos dos n.os 1 e 2, podem ser impostas aos nacionais de países terceiros em causa as obrigações previstas no n.° 3 do artigo 7.°»

8        Os artigos 15.° e 16.° da Directiva 2008/115 têm a seguinte redacção:

«Artigo 15.°

Detenção

1.      A menos que no caso concreto possam ser aplicadas com eficácia outras medidas suficientes mas menos coercivas, os Estados‑Membros só podem manter detidos nacionais de países terceiros objecto de procedimento de regresso, a fim de preparar o regresso e/ou efectuar o processo de afastamento, nomeadamente quando:

a)      Houver risco de fuga; ou

b)      O nacional de país terceiro em causa evitar ou entravar a preparação do regresso ou o procedimento de afastamento.

A detenção tem a menor duração que for possível, sendo apenas mantida enquanto o procedimento de afastamento estiver pendente e for executado com a devida diligência.

[…]

4.      Quando, por razões de natureza jurídica ou outra ou por terem deixado de se verificar as condições enunciadas no n.° 1, se afigure já não existir uma perspectiva razoável de afastamento, a detenção deixa de se justificar e a pessoa em causa é libertada imediatamente.

5.      A detenção mantém‑se enquanto se verificarem as condições enunciadas no n.° 1 e na medida do necessário para garantir a execução da operação de afastamento. Cada Estado‑Membro fixa um prazo limitado de detenção, que não pode exceder os seis meses.

6.      Os Estados‑Membros não podem prorrogar o prazo a que se refere o n.° 5, excepto por um prazo limitado que não exceda os doze meses seguintes, de acordo com a lei nacional, nos casos em que, independentemente de todos os esforços razoáveis que tenham envidado, se preveja que a operação de afastamento dure mais tempo, por força de:

a)      Falta de cooperação do nacional de país terceiro em causa; ou

b)      Atrasos na obtenção da documentação necessária junto de países terceiros.

Artigo 16.°

Condições de detenção

1.      Regra geral, a detenção tem lugar em centros de detenção especializados. Se um Estado‑Membro não tiver condições para assegurar aos nacionais de países terceiros a sua detenção num centro especializado e tiver de recorrer a um estabelecimento prisional, os nacionais de países terceiros colocados em detenção ficam separados dos presos comuns.

[…]»

9        Nos termos do artigo 20.° da Directiva 2008/115, os Estados‑Membros deviam pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à directiva, o mais tardar, até 24 de Dezembro de 2010.

 Legislação nacional

 Código da Entrada e Permanência dos Estrangeiros e do Direito de Asilo

10      Nos termos do artigo L. 211‑1 do Código da Entrada e Permanência dos Estrangeiros e do Direito de Asilo (Code de l’entrée et du séjour des étrangers et du droit d’asile, a seguir «Ceseda»), «[p]ara entrar em França, o estrangeiro deve possuir […] os documentos e vistos exigidos pelas convenções internacionais e os regulamentos em vigor […]».

11      Segundo o artigo L. 311‑1 deste código, «[…] o estrangeiro maior de dezoito anos que pretenda residir em França deve, depois de decorrido o prazo de três meses após a sua entrada em França, possuir um cartão de residência».

12      O artigo L. 551‑1 do Ceseda, na versão em vigor à data dos factos no processo principal, tinha a seguinte redacção:

«A detenção de um estrangeiro em locais não pertencentes à jurisdição da Administração Penitenciária pode ser ordenada quando esse estrangeiro:

[…]

3°      Sendo objecto de uma ordem de condução à fronteira […], proferida há menos de um ano, ou devendo ser conduzido à fronteira, em execução de uma expulsão judicial do território francês prevista no […] Código Penal, não possa abandonar imediatamente o território francês;

[…]

6°      Tendo sido decretada […] há menos de um ano a obrigação de abandonar o território francês e tendo decorrido o prazo de um mês para o fazer voluntariamente, não possa abandonar imediatamente o referido território.»

13      O artigo L. 552‑1, primeira frase, do Ceseda, na versão em vigor à data dos factos no processo principal, previa que, «[q]uando tenham decorrido 48 horas desde a decisão de detenção, recorre‑se ao juiz competente em matéria de liberdades e de detenção, para que decida da prorrogação da detenção.»

14      O artigo L. 621.1 do Ceseda dispõe:

«O estrangeiro que tenha entrado ou permanecido em França sem cumprir o disposto nos artigos L. 211‑1 e L. 311‑1, ou que permaneça em França após o termo do prazo permitido pelo seu visto, é punido com pena de prisão de um ano e multa de 3 750 euros.

O tribunal poderá ainda proibir o estrangeiro condenado de entrar ou permanecer em França, por um período não superior a três anos. A expulsão judicial implica de pleno direito a condução do condenado à fronteira, eventualmente após o cumprimento da pena de prisão.»

15      Algumas destas disposições do Ceseda foram alteradas pela Lei n.° 2011‑672, de 16 de Junho de 2011, relativa à imigração, à integração e à nacionalidade (loi n° 2011‑672 du 16 juin 2011 relative à l’immigration, à l’intégration et à la nationalité; JORF de 17 de Julho de 2011, p. 10290), entrada em vigor em 18 de Julho de 2011. O artigo L. 621‑1 do Ceseda não faz parte das disposições alteradas.

 Código de Processo Penal

16      Nos termos do artigo 62‑2 do Código de Processo Penal, na versão em vigor à data dos factos no processo principal:

«A prisão preventiva é uma medida coerciva decidida por um agente da polícia judiciária, sob a fiscalização da autoridade judiciária, pela qual uma pessoa de quem haja uma ou várias razões plausíveis para suspeitar que cometeu ou tentou cometer um crime ou um delito punido com uma pena de prisão é mantida à disposição dos investigadores.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

17      Em 24 de Junho de 2011, em Maisons‑Alfort (França), a polícia efectuou controlos de identidade na via pública. Um dos indivíduos interrogados durante esse controlo declarou chamar‑se Alexandre Achughbabian e ter nascido na Arménia, em 9 de Julho de 1990.

18      Segundo o auto lavrado pela polícia, A. Achughbabian declarou também ser de nacionalidade arménia. Contudo, este nega ter feito essa declaração.

19      Suspeito de ter cometido e de continuar a cometer o delito previsto no artigo L. 621‑1 do Ceseda, A. Achughbabian foi preso preventivamente.

20      Um exame mais aprofundado da situação de A. Achughbabian revelou então que o interessado tinha entrado em França em 9 de Abril de 2008 e tinha solicitado uma autorização de residência e que este pedido tinha sido indeferido em 28 de Novembro de 2008, tendo este indeferimento sido confirmado em 27 de Janeiro de 2009 pelo préfet du Val‑d’Oise, o qual emitiu um despacho, notificado a A. Achughbabian em 14 de Fevereiro de 2009, ordenando‑lhe que deixasse o território francês no prazo de um mês.

21      Em 25 de Junho de 2011, o préfet du Val‑de‑Marne adoptou um despacho de condução à fronteira e um despacho determinando a detenção de A. Achughbabian, os quais lhe foram notificados.

22      Em 27 de Junho de 2011, o juiz competente em matéria de liberdades e de detenção do tribunal de grande instance de Créteil, chamado a pronunciar‑se por força do artigo L. 552‑1 do Ceseda sobre a prorrogação da detenção além de 48 horas, ordenou a referida prorrogação e julgou improcedentes as excepções de nulidade suscitadas por A. Achughbabian contra, nomeadamente, a prisão preventiva de que tinha sido objecto.

23      Uma das referidas excepções baseava‑se no acórdão de 28 de Abril de 2011, El Dridi (C‑61/11 PPU, ainda não publicado na Colectânea), no qual o Tribunal de Justiça declarou que a Directiva 2008/115 se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que determina a aplicação de uma pena de prisão a um nacional de um país terceiro em situação irregular, unicamente porque este, sem motivo justificado, permanece no território desse Estado, em violação de uma ordem de deixar o referido território num prazo determinado. Segundo A. Achughbabian, decorre deste acórdão que a pena de prisão prevista no artigo L. 621‑1 do Ceseda é incompatível com o direito da União. Considera que, tendo em conta a referida incompatibilidade e a regra segundo a qual a prisão preventiva só pode ter lugar em caso de suspeita de delito punível com pena de prisão, o procedimento seguido no caso em apreço é irregular.

24      Em 28 de Junho de 2011, A. Achughbabian recorreu para a cour d’appel de Paris do despacho do juiz competente em matéria de liberdades e de detenção do tribunal de grande instance de Créteil. Esse órgão jurisdicional verificou que A. Achughbabian tem nacionalidade arménia, foi colocado em prisão preventiva e posteriormente em detenção, por se encontrar em situação irregular, e alegou que o artigo L. 621‑1 do Ceseda é incompatível com a Directiva 2008/115, conforme interpretada no acórdão El Dridi, já referido.

25      Nestas circunstâncias, a cour d’appel de Paris decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:

«Tendo em conta o seu âmbito de aplicação, a Directiva [2008/115] opõe‑se a uma regulamentação nacional, como o artigo L. 621‑1 do [Ceseda], que prevê a aplicação de uma pena de prisão a um nacional de um país terceiro com fundamento apenas na sua entrada ou permanência irregular no território nacional?»

26      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio decretou o fim da detenção de A. Achughbabian.

27      A pedido do órgão jurisdicional de reenvio, a secção designada examinou a necessidade de submeter o presente processo à tramitação urgente prevista no artigo 104.°‑B do Regulamento de Processo. A referida secção, ouvido o advogado‑geral, decidiu indeferir esse pedido.

 Quanto à questão prejudicial

28      Antes de mais, deve observar‑se que a Directiva 2008/115 apenas se aplica ao regresso de nacionais de países terceiros que se encontrem em situação irregular num Estado‑Membro, não tendo, portanto, por objecto harmonizar completamente as regras nacionais relativas à permanência de estrangeiros. Consequentemente, esta directiva não se opõe a que o direito de um Estado‑Membro qualifique a permanência irregular de delito e preveja sanções penais para dissuadir e reprimir a prática dessa infracção às regras nacionais em matéria de permanência.

29      Na medida em que as normas e procedimentos comuns instituídos pela Directiva 2008/115 apenas se aplicam à adopção de decisões de regresso e à execução dessas decisões, importa também observar que esta directiva não se opõe a uma detenção com o objectivo de determinar se um nacional de um país terceiro está ou não em situação regular.

30      Esta constatação é corroborada pelo décimo sétimo considerando da referida directiva, do qual decorre que as condições da detenção inicial de nacionais de países terceiros de quem se suspeite estarem em situação irregular num Estado‑Membro são reguladas pelo direito nacional. Por outro lado, como o Governo francês observou, se os Estados‑Membros não pudessem evitar, mediante a privação de liberdade, como a prisão preventiva, que uma pessoa de quem se suspeite estar em situação irregular fugisse antes mesmo de a sua situação poder ser esclarecida, o objectivo da Directiva 2008/115, isto é, o regresso eficaz de nacionais de países terceiros em situação irregular, poderia ser frustrado.

31      A este propósito, há que considerar que as autoridades competentes devem dispor de um prazo, breve mas razoável, para identificar a pessoa controlada e para recolher os elementos que permitam determinar se essa pessoa é nacional de um país terceiro em situação irregular. A determinação do nome e da nacionalidade pode revelar‑se difícil, no caso de o interessado não cooperar. A verificação de que uma pessoa está em situação irregular pode também revelar‑se complexa, nomeadamente quando o interessado invoca o estatuto de requerente de asilo ou de refugiado. Dito isto, as autoridades competentes devem, de modo a não frustrar o objectivo da Directiva 2008/115, como recordado no número anterior, agir com diligência e tomar posição o mais rapidamente possível sobre a questão de saber se a pessoa em causa está ou não em situação regular. Uma vez verificado que a pessoa se encontra em situação irregular, as referidas autoridades devem emitir uma decisão de regresso, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da referida directiva e sem prejuízo das excepções nela previstas.

32      Embora decorra do que precede que a Directiva 2008/115 não se opõe a uma regulamentação nacional, como o artigo L. 621‑1 do Ceseda, na medida em que qualifica de delito a permanência irregular de um nacional de um país terceiro e prevê sanções penais, incluindo uma pena de prisão, para reprimir essa permanência, nem à detenção de um nacional de um país terceiro com vista a determinar se esse nacional está ou não em situação regular, importa, em seguida, examinar se esta directiva se opõe a uma regulamentação como o artigo L. 621‑1 do Ceseda, na medida em que pode conduzir à prisão no decurso do procedimento de regresso regulado pela referida directiva.

33      A este respeito, o Tribunal de Justiça já afirmou que, embora, em princípio, a legislação penal e as regras do processo penal sejam da competência dos Estados‑Membros, este domínio do direito pode, não obstante, ser afectado pelo direito da União. Consequentemente, apesar de nem o artigo 63.°, primeiro parágrafo, n.° 3, alínea b), CE, disposição reproduzida no artigo 79.°, n.° 2, alínea c), TFUE, nem a Directiva 2008/115, adoptada nomeadamente com fundamento nessa disposição do Tratado CE, excluírem a competência penal dos Estados‑Membros no domínio da imigração clandestina e da permanência ilegal, estes últimos devem adaptar a sua legislação nesse domínio, de modo a garantir a observância do direito da União. Os referidos Estados não podem aplicar uma legislação penal susceptível de pôr em causa a realização dos objectivos prosseguidos pela referida directiva e, por isso, privá‑la do seu efeito útil (acórdão El Dridi, já referido, n.os 53 a 55 e jurisprudência referida).

34      A fim de responder à questão de saber se a Directiva 2008/115 se opõe, por razões análogas às expostas pelo Tribunal de Justiça no acórdão El Dridi, já referido, a uma regulamentação como o artigo L. 621‑1 do Ceseda, deve declarar‑se, antes de mais, que a situação do recorrente no processo principal se enquadra na situação prevista no artigo 8.°, n.° 1, desta directiva.

35      Com efeito, decorre dos autos e da resposta do órgão jurisdicional de reenvio a um pedido de esclarecimentos que lhe foi enviado pelo Tribunal de Justiça que, em 14 de Fevereiro de 2009, A. Achughbabian foi notificado de uma ordem de deixar o território francês, que estabelecia o prazo de um mês para uma partida voluntária, e que essa ordem não foi por ele respeitada. Uma vez que esta decisão de regresso já não estava em vigor em 24 de Junho de 2011, data do controlo e da prisão preventiva de A. Achughbabian, foi adoptada em 25 de Junho de 2011 uma nova decisão de regresso, desta vez sob a forma de ordem de condução à fronteira, que não estabelecia um prazo para a partida voluntária. Daqui se conclui que, independentemente da questão de saber se o recorrente no processo principal está na situação de uma pessoa que não respeitou uma obrigação de regresso no prazo fixado para a partida voluntária ou de uma pessoa sujeita a uma decisão de regresso sem fixação de prazo para a partida voluntária, a situação do recorrente está, em qualquer caso, prevista no artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 2008/115 e, portanto, faz nascer a obrigação, imposta por este artigo ao Estado‑Membro em causa, de adoptar todas as medidas necessárias para proceder ao afastamento, a saber, por força do artigo 3.°, ponto 5, da referida directiva, ao transporte físico do interessado para fora do referido Estado‑Membro.

36      Seguidamente, deve salientar‑se que decorre claramente do artigo 8.°, n.os 1 e 4, da Directiva 2008/115 que os termos «medidas» e «medidas coercivas» que aí figuram se referem a qualquer intervenção que conduza, de forma eficaz e proporcionada, ao regresso do interessado. O artigo 15.° da dita directiva prevê que a detenção do interessado só é permitida para preparar e permitir o afastamento e que essa privação de liberdade só pode ser mantida por um período máximo de seis meses, apenas podendo ser prorrogado por um período de detenção suplementar de doze meses no caso de a não execução da decisão de regresso durante os referidos seis meses se dever a falta de cooperação do interessado ou a atrasos na obtenção dos documentos necessários junto de países terceiros.

37      Ora, é evidente que a imposição e a execução de uma pena de prisão no decurso do procedimento de regresso previsto pela Directiva 2008/115 não contribuem para a realização do afastamento que esse procedimento tem em vista, a saber, o transporte físico do interessado para fora do Estado‑Membro em causa. Consequentemente, essa pena não constitui uma «medida» ou uma «medida coerciva» na acepção do artigo 8.° da Directiva 2008/115.

38      Por último, é pacífico que a regulamentação nacional em causa no processo principal, na medida em que prevê uma pena de prisão para qualquer nacional de um país terceiro com mais de 18 anos, que esteja em situação irregular em França após o decurso do prazo de três meses desde a sua entrada em território francês, pode ter como consequência a aplicação de uma pena de prisão, ao passo que, segundo as normas e os procedimentos comuns enunciados nos artigos 6.°, 8.°, 15.° e 16.° da Directiva 2008/115, esse nacional de um país terceiro deve prioritariamente ser objecto de um procedimento de regresso e, no que respeita a uma privação de liberdade, pode, quando muito, ser objecto de detenção.

39      Consequentemente, uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal pode frustrar a aplicação das normas e dos procedimentos comuns instituídos pela Directiva 2008/115 e retardar o regresso, podendo assim, da mesma forma que a regulamentação em causa no processo que deu origem ao acórdão El Dridi, já referido, pôr em causa o efeito útil da referida directiva.

40      Esta conclusão não é infirmada nem pela circunstância, salientada pelo Governo francês, de, em aplicação de circulares dirigidas às instâncias judiciárias, as penas previstas na regulamentação nacional em causa no processo principal raramente serem aplicadas fora dos casos em que a pessoa em situação irregular, além do delito de permanência irregular, tenha cometido outro delito, nem pelo facto, também invocado por esse governo, de A. Achughbabian não ter sido condenado nas referidas penas.

41      A este propósito, deve salientar‑se antes de mais que os nacionais de países terceiros que, além do delito de permanência irregular, tenham cometido um ou vários outros delitos podem, se for caso disso, ao abrigo do artigo 2.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2008/115, ser subtraídos ao âmbito de aplicação desta. Contudo, nenhum elemento dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça sugere que A. Achughbabian tenha cometido outro delito além daquele que consiste em permanecer irregularmente no território francês. A situação do recorrente no processo principal não pode, portanto, ser excluída do âmbito de aplicação da Directiva 2008/115, não podendo manifestamente o seu artigo 2.°, n.° 2, alínea b), sob pena de privar a directiva do seu objecto e do seu efeito vinculativo, ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros têm a possibilidade de não aplicar as normas e os procedimentos comuns enunciados na directiva aos nacionais de países terceiros que só tenham cometido a infracção de permanência irregular.

42      No que respeita à circunstância de A. Achughbabian não ter, até agora, sido condenado nas penas de prisão e de multa previstas no artigo L. 621‑1 do Ceseda, deve observar‑se que não é contestado que a adopção de uma ordem de condução à fronteira resultou do facto de se ter concluído que o recorrente cometeu o delito de permanência irregular previsto no referido artigo, que pode, independentemente do conteúdo das circulares mencionadas pelo Governo francês, levar a uma condenação nas ditas penas. Consequentemente, o artigo L. 621‑1 do Ceseda e a questão da sua compatibilidade com o direito da União são pertinentes no processo principal, não tendo por outro lado o órgão jurisdicional de reenvio nem o Governo francês feito referência a um arquivamento nem, de forma mais geral, a uma decisão que exclua definitivamente qualquer possibilidade de iniciar um processo contra A. Achughbabian pelo referido delito.

43      De resto, como foi recordado no n.° 33 do presente acórdão, importa salientar o dever que incumbe aos Estados‑Membros, decorrente do artigo 4.°, n.° 3, TUE e recordado no n.° 56 do acórdão El Dridi, já referido, de adoptarem todas as medidas adequadas para garantir a execução das obrigações resultantes da Directiva 2008/115 e de se absterem de qualquer medida susceptível de pôr em causa a realização dos seus objectivos. É importante que as disposições nacionais aplicáveis não sejam susceptíveis de comprometer a boa aplicação das normas e dos procedimentos comuns instituídos pela referida directiva.

44      Por último, não pode ser acolhida a argumentação dos Governos alemão e estónio, segundo a qual, embora os artigos 8.°, 15.° e 16.° da Directiva 2008/115 obstem efectivamente à aplicação de uma pena de prisão durante o procedimento de afastamento previsto nesses artigos, não se opõem a que um Estado‑Membro aplique uma pena de prisão a um nacional de um país terceiro em situação irregular, antes de proceder ao afastamento dessa pessoa segundo as modalidades previstas na directiva.

45      A este propósito, basta verificar que decorre tanto do dever de lealdade dos Estados‑Membros como das exigências de eficácia recordadas, nomeadamente, no quarto considerando da Directiva 2008/115 que a obrigação imposta aos Estados‑Membros pelo artigo 8.° desta directiva, de procederem ao afastamento nas hipóteses enunciadas no n.° 1 deste artigo, deve ser cumprida o mais rapidamente possível. Obviamente, não seria esse o caso se, depois de ter verificado que o nacional do país terceiro está em situação irregular, o Estado‑Membro em causa fizesse preceder a execução da decisão de regresso, ou mesmo a adopção dessa decisão, de um processo penal seguido, eventualmente, de uma pena de prisão. Tal medida atrasaria o afastamento (acórdão El Dridi, já referido, n.° 59) e, de resto, não faz parte das justificações de adiamento do afastamento referidas no artigo 9.° da Directiva 2008/115.

46      Embora resulte do conjunto das considerações precedentes que os Estados‑Membros vinculados pela Directiva 2008/115 não podem prever uma pena de prisão para os nacionais de países terceiros em situação irregular, nos casos em que, por força das normas e procedimentos comuns instituídos por esta directiva, estes devem ser afastados e em que, com vista a preparar e a realizar esse afastamento, podem, quando muito, ser detidos, isso não exclui a faculdade de os Estados‑Membros aprovarem ou manterem disposições, eventualmente de carácter penal, que regulem, no respeito dos princípios e do objectivo da referida directiva, a situação em que as medidas coercivas não permitiram efectivar o afastamento de um nacional de um país terceiro em situação irregular (acórdão El Dridi, já referido, n.os 52 e 60).

47      Tendo em conta esta faculdade, há que concluir que a tese avançada pelos governos que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, segundo a qual uma interpretação como a apresentada poria termo à possibilidade de os Estados‑Membros dissuadirem a permanência irregular, é improcedente.

48      Em especial, a Directiva 2008/115 não se opõe a que, ao abrigo das regras nacionais de processo penal, sejam aplicadas sanções penais a nacionais de países terceiros que tenham sido objecto do procedimento de regresso instituído por esta directiva e que permanecem em situação irregular no território de um Estado‑Membro, sem motivo justificado de não regresso.

49      A este respeito, cabe sublinhar que, no quadro da aplicação das referidas regras de processo penal, a imposição das sanções mencionadas no número anterior está sujeita à observância total dos direitos fundamentais, designadamente os garantidos pela Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950.

50      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que a Directiva 2008/115 deve ser interpretada no sentido de que:

–      se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que reprime a permanência irregular através de sanções penais, na medida em que essa regulamentação permite a prisão de um nacional de um país terceiro que, permanecendo em situação irregular no território do referido Estado‑Membro e não estando na disposição de deixar esse território voluntariamente, não foi sujeito às medidas coercivas referidas no artigo 8.° desta directiva e em relação ao qual, em caso de detenção com vista a preparar e a realizar o seu afastamento, não expirou o período de duração máxima dessa detenção; e

–      não se opõe a tal regulamentação na medida em que esta permite a prisão de um nacional de um país terceiro ao qual foi aplicado o procedimento de regresso instituído pela referida directiva e que permanece em situação irregular no referido território, sem motivo justificado para o não regresso.

 Quanto às despesas

51      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

A Directiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, deve ser interpretada no sentido de que:

–        se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que reprime a permanência irregular através de sanções penais, na medida em que essa regulamentação permite a prisão de um nacional de um país terceiro que, permanecendo em situação irregular no território do referido Estado‑Membro e não estando na disposição de deixar esse território voluntariamente, não foi sujeito às medidas coercivas referidas no artigo 8.° desta directiva e em relação ao qual, em caso de detenção com vista a preparar e a realizar o seu afastamento, não expirou o período de duração máxima dessa detenção; e

–        não se opõe a tal regulamentação na medida em que esta permite a prisão de um nacional de um país terceiro ao qual foi aplicado o procedimento de regresso instituído pela referida directiva e que permanece em situação irregular no referido território, sem motivo justificado para o não regresso.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.