Language of document : ECLI:EU:C:2015:566

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO Mengozzi

apresentadas em 9 de setembro de 2015 (1)

Processo C‑115/14

RegioPost GmbH & Co. KG

contra

Stadt Landau

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Koblenz (Alemanha)]

«Situação puramente interna — Identidade nacional — artigo 4.°, n.° 2, TUE — Livre prestação de serviços — Artigo 56.° TFUE — Diretiva 96/71/CE — Artigo 3.°, n.° 1 — Diretiva 2004/18/CE — Artigo 26.° — Contratos públicos — Serviços postais — Regulamentação nacional que impõe aos proponentes e seus subcontratantes o compromisso de pagarem um salário mínimo ao pessoal que executa as prestações que são objeto do contrato público»





I –    Introdução

1.        Num processo de adjudicação de um contrato público, uma entidade adjudicante de um Estado‑Membro tem o direito de exigir aos proponentes e seus subcontratantes, à luz das disposições do direito da União, que se obriguem a pagar o salário horário mínimo legal ao pessoal encarregado de executar as prestações que são objeto do referido contrato?

2.        Em substância, é este o cerne das questões submetidas pelo Oberlandesgericht Koblenz (Alemanha) no litígio que opõe a RegioPost GmbH & Co. KG (a seguir «RegioPost»), um prestador de serviços postais, à Stadt Landau in der Pfalz, um município do Land da Renânia‑Palatinado.

3.        Esta problemática, com a qual o Tribunal de Justiça já foi confrontado nos processos que deram origem aos acórdãos Rüffert (C‑346/06, EU:C:2008:189) e Bundesdruckerei (C‑549/13, EU:C:2014:2235), mas em circunstâncias jurídicas e factuais diferentes, necessita, em substância, da interpretação das disposições da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (2), e do artigo 56.° TFUE, relativo à livre prestação de serviços.

4.        Resulta da decisão de reenvio que, em 23 de abril de 2013, a Stadt Landau in der Pfalz lançou um concurso público à escala da União Europeia para adjudicação de um contrato público relativo aos serviços postais dessa cidade, dividido em dois lotes.

5.        É incontroverso que, ao tempo dos factos do processo principal, não havia na Alemanha nem salário mínimo geral, uma vez que este só foi criado a partir de 1 de janeiro de 2015 ao nível de 8,50 euros (brutos) por hora, nem convenção coletiva de aplicação geral obrigatória que abrangesse as relações de trabalho no setor dos serviços postais.

6.        Assim sendo, nas indicações do concurso lançado pela Stadt Landau in der Pfalz relativas à «capacidade económica e financeira» do adjudicatário, este devia respeitar as disposições da lei do Land da Renânia‑Palatinado relativa à garantia do cumprimento das convenções coletivas e do salário mínimo na adjudicação dos contratos públicos [Landesgesetz zur Gewährleistung von Tariftreue und Mindestentgelt bei öffentlichen Auftragsvergaben (Landestariftreuegesetz), a seguir «LTTG»], de 1 de dezembro de 2010.

7.        O artigo 1.° da LTTG dispõe que esta lei tem por objetivo lutar contra as distorções da concorrência na adjudicação de contratos públicos que resultam da utilização de pessoal com baixos salários e atenuar os encargos daí resultantes para os sistemas de segurança social. A entidade adjudicante só pode, por isso, adjudicar contratos públicos a empresas que paguem aos seus trabalhadores o salário mínimo previsto na lei.

8.        O artigo 3.°, n.° 1, da LTTG precisa que os contratos públicos só podem ser adjudicados a empresas que, no momento da apresentação das propostas, se obriguem por escrito a pagar aos trabalhadores que utilizam na execução do contrato uma remuneração mínima de 8,50 euros (brutos) por hora (remuneração mínima) e a aceitar as alterações à remuneração mínima favoráveis aos seus trabalhadores que venham a ser fixadas durante o período de execução do contrato. Ao tempo dos factos do litígio no processo principal, o salário horário mínimo referido no artigo 3.° da LTTG foi aumentado para 8,70 euros (brutos) em conformidade com o procedimento previsto no artigo 3.° n.° 2, da LTTG, por regulamento do Land da Renânia‑Palatinado. Além disso, o artigo 3.°, n.° 1, da LTTG acrescenta que, se a declaração de pagamento da remuneração mínima não for junta no momento da apresentação da proposta nem após ter sido solicitada a sua apresentação, a proposta deve ser excluída da avaliação.

9.        O caderno de encargos do concurso em questão continha uma «declaração‑modelo» nos termos do artigo 3.° da LTTG, convidando os proponentes a apresentarem, no momento da entrega da proposta, a sua própria declaração relativa à observância do salário mínimo e declarações em nome dos seus subcontratantes.

10.      Em 16 de maio de 2013, a RegioPost alegou que as declarações relativas ao salário mínimo referidas no artigo 3.° da LTTG eram contrárias ao direito dos contratos públicos. Anexou à sua proposta, apresentada no prazo previsto, declarações dos subcontratantes redigidas por ela, mas não apresentou declaração dela própria.

11.      Em 25 de junho de 2013, a Stadt Landau in der Pfalz deu à RegioPost a possibilidade de apresentar a posteriori, no prazo de catorze dias, as declarações relativas ao salário mínimo referidas no artigo 3.° da LTTG, informando que excluiria a proposta da RegioPost no caso de esta não respeitar esse pedido.

12.      Em 27 de junho de 2013, sem ter apresentado as declarações exigidas pela entidade adjudicante, a RegioPost reiterou as suas críticas e anunciou que, em caso de exclusão da sua proposta, exerceria o direito de recurso.

13.      Em 11 de julho de 2013, a entidade adjudicante informou a RegioPost de que a sua proposta não podia ser avaliada por falta das declarações pedidas. Na mesma ocasião, informou que os dois lotes do contrato em causa seriam adjudicados à PostCon Deutschland GmbH e à Deutsche Post AG, respetivamente.

14.      Em 23 de outubro de 2013, a Vergabekammer Rheinland‑Pfalz (Secção dos contratos públicos do Land da Renânia‑Palatinado) julgou improcedente o recurso interposto pela RegioPost, considerando, nomeadamente, que a proposta desta tinha sido excluída com razão, por falta das declarações relativas ao salário mínimo que tinham sido legitimamente solicitadas pela entidade adjudicante.

15.      O órgão jurisdicional de reenvio, para o qual foi interposto recurso, entende que a decisão em causa depende da questão de saber se o artigo 3.° da LTTG é compatível com o direito da União.

16.      Mais precisamente, considera que o artigo 3.° da LTTG contém uma «condição especial respeitante ao cumprimento do contrato» que se refere a «considerações sociais» na aceção do artigo 26.° da Diretiva 2004/18, condição que só é lícita se for compatível com as disposições do direito da União relativas à livre prestação de serviços.

17.      Ora, o órgão jurisdicional de reenvio entende que não está em condições de verificar esta compatibilidade, mesmo tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, em especial o acórdão Rüffert (C‑346/06, EU:C:2008:189).

18.      No que respeita à compatibilidade do artigo 3.° da LTTG com o artigo 56.°, primeiro parágrafo, TFUE, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a obrigação de as empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros adaptarem os salários pagos aos seus empregados ao nível de remuneração, normalmente superior, aplicável no local de execução do contrato na Alemanha lhes faz perder uma vantagem competitiva. Por conseguinte, a obrigação constante do artigo 3.° da LTTG constitui uma restrição proibida, em princípio, pelo artigo 56.°, primeiro parágrafo, TFUE.

19.      O órgão jurisdicional de reenvio considera, porém, que o direito da União não se opõe à aplicação do artigo 3.° da LTTG às referidas empresas se se vier a constatar que estão reunidas as condições de aplicação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 96/71/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços (3).

20.      Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas a esse respeito.

21.      Por um lado, observa que, embora o artigo 3.° da LTTG seja uma disposição legislativa que fixa por si mesma o nível de salário mínimo, este artigo não garante a todo o pessoal dos adjudicatários o pagamento desse salário. Com efeito, limita‑se a proibir às entidades adjudicantes a adjudicação de um contrato público a proponentes que não se obriguem a pagar o salário mínimo apenas aos trabalhadores utilizados na execução do referido contrato.

22.      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que a obrigação prevista no artigo 3.° da LTTG apenas se aplica aos contratos públicos e não à execução de contratos privados. Ora, um trabalhador utilizado na execução de um contrato privado não é menos digno de proteção social do que um trabalhador que executa um contrato público. A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio anota que a aplicação do acórdão Rüffert (C‑346/06, EU:C:2008:189) numa situação como a que está em causa no processo principal é objeto de controvérsia na Alemanha. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta sérias dúvidas quanto à tese de que a exigência de aplicação geral de um nível de salário mínimo a todos os tipos de contratos em causa apenas se aplica à situação em que este nível é fixado por convenções coletivas e não por disposições legais, como a que deu origem ao acórdão Rüffert.

23.      Finalmente, se se vier a concluir pela compatibilidade da exigência estabelecida no artigo 3.° da LTTG com o artigo 56.° TFUE, o órgão jurisdicional de reenvio entende que haveria então que suscitar a questão da compatibilidade da sanção prevista pelo artigo 3.° da LTTG, a saber, a exclusão do proponente da participação no procedimento de adjudicação do contrato, com o artigo 26.° da Diretiva 2004/18. Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio suscita dúvidas quanto à questão de saber se a condição do artigo 3.° da LTTG pode ser qualificada como critério de seleção qualitativo, cuja inobservância seja suscetível de justificar a exclusão do proponente. Além disso, entende que a sanção prevista pelo artigo 3.° da LTTG é inútil, porquanto o adjudicatário seria contratualmente obrigado a pagar o salário mínimo legal depois de celebrado o contrato, sendo o incumprimento desta obrigação punido com uma penalidade prevista pelo artigo 7.° da LTTG.

24.      Foi nestas circunstâncias que o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 56.°, primeiro parágrafo, [TFUE,] em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva [96/71], ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime nacional que obriga as entidades adjudicantes de direito público a apenas adjudicarem contratos às empresas, e suas subcontratadas, que, no momento da apresentação das propostas, se obriguem por escrito a pagar aos trabalhadores que utilizem na execução do contrato um salário mínimo estabelecido pelo Estado, apenas para os contratos de direito público e não para os contratos de direito privado, dado não existir um salário mínimo legal geral nem uma convenção coletiva obrigatória aplicável aos potenciais adjudicatários e às eventuais empresas subcontratadas?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão:

Deve o direito da União em matéria de adjudicação de contratos públicos, nomeadamente o artigo 26.° da Diretiva [2004/18], ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime nacional como o do § 3, n.° 1, terceiro período, da LTTG (Lei estadual sobre a garantia da observância das convenções coletivas e da remuneração mínima nas adjudicações de contratos públicos), que prevê a exclusão obrigatória da proposta se o operador económico, no momento em que apresenta a proposta, não se vincular, por declaração separada, a proceder de uma determinada forma a que, de qualquer modo, em caso de adjudicação do contrato, ficaria contratualmente obrigado mesmo sem a apresentação dessa declaração?»

25.      A Stadt Landau in der Pfalz, a Deutsche Post AG, os Governos alemão, dinamarquês, italiano, austríaco e norueguês e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas sobre estas questões. Com exceção dos Governos italiano e austríaco, estas partes e a RegioPost fizeram alegações na audiência de 29 de abril de 2015.

II – Análise

A –    Quanto à primeira questão prejudicial

26.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade com o artigo 56.° TFUE e com o artigo 3.°, n.° 1, da diretiva 96/71 de uma legislação adotada por uma entidade federada de um Estado‑Membro que impõe aos proponentes e aos seus subcontratantes a obrigação de assumirem, por escrito, o compromisso, que deve ser anexado à sua proposta, de pagarem ao pessoal que vierem a utilizar na execução das prestações que são objeto de um contrato público um salário horário mínimo de 8,70 euros (brutos), fixado pela referida legislação.

1.      Quanto à competência do Tribunal de Justiça

27.      A Stadt Landau in der Pfalz e os Governos alemão e italiano sustentam que, na medida em que todos os elementos do processo principal se situam no interior da República Federal da Alemanha, não há necessidade de responder a esta questão, visto que as disposições do direito da União relativas à livre prestação de serviços não se aplicam numa situação deste tipo.

28.      Esta argumentação, em meu entender, não pode ter sucesso.

29.      É certo que, como resulta da decisão de reenvio, todas as empresas que participaram no procedimento de adjudicação do contrato público em causa têm a sede na Alemanha, que este contrato é executado no território alemão e que, além disso, nenhum elemento dos autos demonstra que empresas subcontratantes com sede no território de outros Estados‑Membros tenham sido chamadas a participar na execução do referido contrato.

30.      Também é verdade que as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços não são aplicáveis a atividades em que todos os elementos pertinentes se situam no interior de um único Estado‑Membro (4).

31.      O Tribunal de Justiça considera‑se, porém, competente para responder a questões relativas, nomeadamente, a disposições do Tratado relativas às liberdades fundamentais em contextos em que todos os elementos se circunscrevem a um único Estado‑Membro em três situações: ou quando «não se pode excluir» que nacionais de outros Estados‑Membros possam, em situações semelhantes, ser confrontados com as medidas nacionais controvertidas do Estado‑Membro em causa ao exercerem uma das referidas liberdades (5), ou quando o direito interno proíbe as chamadas «discriminações inversas» (6) e/ou quando, para decidir um litígio puramente interno, o direito interno remete, em princípio, de maneira «direta e incondicional», para as normas do direito da União (7).

32.      No contexto da primeira corrente jurisprudencial que acabo de mencionar, o Tribunal de Justiça precisou, nos seus acórdãos Venturini e o. e Sokoll‑Seebacher, que tinha competência para responder a questões prejudiciais que, apesar da natureza puramente interna das situações que lhes deram origem, se referiam à compatibilidade com a liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado de regulamentações nacionais suscetíveis de produzir efeitos que não ficavam confinados a um único Estado‑Membro. Com efeito, nestes casos, não era «de modo algum de excluir» que nacionais de outros Estados‑Membros tivessem estado ou estivessem interessados em usufruir da liberdade fundamental em causa nesses processos (8).

33.      Independentemente da situação particular do litígio no processo principal, o Tribunal de Justiça parece, assim, fazer questão de verificar se, em virtude do seu objeto ou da sua própria natureza, a disposição nacional em causa é suscetível de produzir efeitos transfronteiriços. Se for esse o caso, o Tribunal de Justiça aceitará responder às questões que lhe são submetidas.

34.      Essa jurisprudência pode ser transposta para o presente processo.

35.      A LTTG tem por objetivo impor aos adjudicatários de contratos públicos organizados por entidades adjudicantes do Land da Renânia‑Palatinado o respeito pelo salário mínimo fixado por este Land na execução destes contratos. O artigo 3.° da LTTG obriga cada um dos proponentes e os seus eventuais subcontratantes, independentemente da sua nacionalidade ou do lugar da sua residência, a assumirem, no momento da entrega da proposta, o compromisso escrito de respeitarem o referido salário mínimo no caso de o contrato lhes via a ser adjudicado. A LTTG por si mesma pode, por isso, produzir efeitos fora do território alemão, uma vez que as exigências que estabelece se aplicam indistintamente a todos os concursos, incluindo os realizados à escala da União Europeia, lançados por entidades adjudicantes do Land da Renânia‑Palatinado.

36.      Aliás, era essa a situação no momento do concurso que deu origem ao processo principal. Com efeito, como resulta do processo transmitido pelo órgão jurisdicional de reenvio e como foi confirmado na audiência pela Stadt Landau in der Pfalz, o contrato público em questão foi lançado à escala da União e o seu valor estimado excede amplamente o limiar de 200 000 euros previsto no artigo 7.°, alínea b), da Diretiva 2004/18, aplicável, no momento dos factos do litígio no processo principal, aos contratos públicos de serviços (9).

37.      Por conseguinte, não se pode excluir de modo nenhum que, no momento da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, este concurso possa ter interessado um certo número de empresas estabelecidas em Estados‑Membros que não a República Federal da Alemanha, mas que estas empresas não tenham finalmente participado no procedimento de adjudicação por razões eventualmente ligadas às exigências estabelecidas pelo artigo 3.° da LTTG.

38.      Mas é principalmente a conexão do processo principal com as disposições da Diretiva 2004/18, cuja aplicabilidade não suscita dúvidas, que funda a minha convicção de que é necessário rejeitar a exceção de incompetência ou de inadmissibilidade suscitada pela Stadt Landau in der Pfalz e pelos Governos alemão e italiano (10).

39.      Como observou com razão o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 26.° dessa diretiva confere às entidades adjudicantes o direito de «fixar condições especiais de execução do contrato» e visar «considerações de índole social», desde que as mesmas sejam indicadas no anúncio de concurso ou no caderno de encargos e sejam «compatíveis com o direito [da União]».

40.      A remissão assim feita pelo artigo 26.° da Diretiva 2004/18 para as disposições do direito da União significa que as condições que se referem ao respeito do salário mínimo previstas pelo artigo 3.° da LTTG, que estão ligadas à execução do contrato público, devem ser compatíveis com as referidas disposições, inclusivamente, portanto, com a livre prestação de serviços garantida pelo Tratado.

41.      Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já decidiu, o dever de respeitar o princípio da igualdade de tratamento corresponde à própria essência das diretivas em matéria de contratos públicos, que têm em vista, nomeadamente, favorecer o desenvolvimento de uma concorrência efetiva e que enunciam critérios de adjudicação dos concursos tendentes a garantir tal concorrência (11).

42.      Devendo o órgão jurisdicional de reenvio, tal como a entidade adjudicante, assegurar que seja garantida a igualdade de tratamento entre os proponentes que participam num concurso relativo a um contrato abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18, esta diretiva impõe, por isso, ao referido órgão jurisdicional o dever de se conformar, no que respeita às soluções a adotar para uma situação puramente interna, com as soluções adotadas no direito da União, em especial para evitar a ocorrência de qualquer discriminação entre os operadores económicos ou eventuais distorções da concorrência (12).

43.      Por estas razões, entendo que, em todo o caso, na medida em que o anúncio de concurso no processo principal se inclui no âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18, são na realidade as condições de aplicação do artigo 26.° desta diretiva que constituem o objeto da interpretação pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua primeira questão prejudicial. Por isso, se a primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio for reformulada de modo a que tenha por objeto a interpretação do artigo 26.° da Diretiva 2004/18, o Tribunal de Justiça é necessariamente competente para interpretar este artigo. Com efeito, a aplicabilidade das disposições da Diretiva 2004/18 não depende de uma conexão efetiva com a livre circulação entre os Estados‑Membros, essas disposições são pertinentes porque o montante do contrato em causa no processo principal ultrapassa os limiares de aplicação desta diretiva (13), o que é o caso no processo principal.

44.      Nestas condições, entendo que o Tribunal de Justiça é competente para responder à primeira questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio. Como indiquei, essa competência é, a meu ver, evidente se esta questão vier a ser reformulada no sentido de que visa a interpretação do alcance das condições previstas pelo artigo 26.° da Diretiva 2004/18.

2.      Quanto ao mérito

45.      À luz das observações precedentes quanto à reformulação da questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, entendo que este procura saber, em substância, se o artigo 26.° da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de uma entidade regional de um Estado‑Membro que obriga os proponentes e seus subcontratantes a assumirem, em declaração escrita anexa à sua proposta, o compromisso de pagar ao pessoal que será utilizado na execução das prestações que são objeto do contrato público um salário horário mínimo de 8,70 euros (brutos), fixado pela referida legislação.

46.      O artigo 26.° da Diretiva 2004/18 autoriza as entidades adjudicantes a sujeitar a execução do contrato público a «condições especiais», que podem referir‑se a «considerações de índole social», desde que as mesmas sejam indicadas no anúncio de concurso ou no caderno de encargos e «sejam compatíveis com o direito [da União]».

47.      No caso vertente, a observância das disposições da LTTG, em especial do seu artigo 3.°, pelo adjudicatário estava claramente indicada tanto no anúncio de concurso como no caderno de encargos a que se refere o processo principal. Além disso, a meu ver, não restam dúvidas de que as «considerações de índole social» visadas pelo artigo 26.° da Diretiva 2004/18 incluem a observância, por uma empresa adjudicatária e pelos seus eventuais subcontratantes, de um nível salarial mínimo fixado pela lei para os trabalhadores utilizados na execução de um contrato público.

48.      O trigésimo quarto considerando dessa diretiva confirma que «as leis, regulamentações, […] nacionais […], em vigor em matéria de condições de trabalho […] aplicam‑se durante a execução de um contrato público, desde que tais regras e a respetiva aplicação sejam conformes com o direito [da União]» (14). A observância de um nível salarial mínimo pode perfeitamente fazer parte da categoria das condições de trabalho (15).

49.      Nos termos do artigo 26.° da Diretiva 2004/18, interpretado à luz do seu 34.° considerando, a possibilidade de impor a observância de um nível salarial mínimo deve, porém, ser compatível com o direito da União.

50.      Por conseguinte, trata‑se de examinar se a exigência de respeitar um nível salarial mínimo durante a execução de um contrato público, como a que está em causa no processo principal, é compatível com as disposições pertinentes do direito da União.

51.      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio e as partes interessadas consideram que esse exame deve ser feito, antes de mais, se não exclusivamente, à luz do artigo 3.°, n.° 1, da diretiva 96/71, na medida em que esta disposição regula as condições de trabalho e de emprego que os Estados‑Membros podem exigir às empresas que destacam trabalhadores, a título temporário, no contexto de uma prestação de serviços.

52.      Esta abordagem não me convence.

53.      A razão disso é que é evidente que o processo principal não diz respeito a nenhuma das medidas de destacamento de trabalhadores referidas no artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 96/71. Em especial, a RegioPost, que tem sede na Alemanha, não tencionava recorrer, para a execução do contrato público a que concorreu, a um estabelecimento ou a uma empresa do seu grupo que destacaria trabalhadores para o território alemão nem sequer utilizar os serviços de uma empresa de trabalho temporário ou de locação de mão‑de‑obra de outro Estado‑Membro, beneficiando do destacamento destes trabalhadores para a Alemanha.

54.      Do ponto de vista da aplicação da diretiva 96/71, a situação na origem do presente processo não difere substancialmente da que deu origem ao acórdão Bundesdruckerei (C‑549/13, EU:C:2014:2235), no qual o Tribunal de Justiça se recusou a examinar a compatibilidade com as disposições desta diretiva de uma regulamentação de um Land alemão que impunha às empresas adjudicatárias de um contrato público a observância de um nível salarial mínimo fixado por essa regulamentação, com o fundamento de que a situação em causa no processo principal não correspondia a nenhuma das três medidas transnacionais referidas no artigo 1.°, n.° 3, da diretiva 96/71 (16).

55.      Com efeito, resultava do pedido de decisão prejudicial nesse processo que a empresa Bundesdruckerei não tencionava executar o contrato público em causa (que se referia à digitalização de documentos e à conversão de dados para um município alemão) com o destacamento de trabalhadores para o território alemão, mas confiando a respetiva execução a trabalhadores de uma das suas filiais estabelecida no território de outro Estado‑Membro, a saber, a Polónia (17).

56.      Noutros termos, segundo o raciocínio do Tribunal de Justiça, embora se tratasse de uma situação transnacional, esta não implicava a deslocação de trabalhadores, a título temporário, para território alemão para executar a prestação de serviços em causa.

57.      Importa ainda realçar que, para afastar a aplicação da diretiva 96/71, o Tribunal de Justiça prestou atenção não à situação prevalecente no momento em que a entidade adjudicante lançou o anúncio de concurso à escala da União Europeia, momento em que ainda havia a possibilidade de fazer um destacamento de trabalhadores para o território alemão, mas, pelo contrário, à situação precisa da empresa Bundesdruckerei, na origem do pedido prejudicial.

58.      O Tribunal de Justiça deduziu, pois, destas circunstâncias que, no caso Bundesdruckerei (C‑549/13, EU:C:2014:2235, n.° 29), só era pertinente a interpretação do artigo 56.° TFUE.

59.      A meu ver, deve ser esta a abordagem que se deve adotar no caso vertente.

60.      Por conseguinte, numa situação como a do processo principal, entendo que a remissão para o direito da União feita pelo artigo 26.° da Diretiva 2004/18 apenas visa o artigo 56.° TFUE.

61.      Quanto ao exame da compatibilidade de uma norma do direito nacional, como a do artigo 3.° da LTTG, com o artigo 56.° TFUE, é essencialmente necessário determinar se o nível salarial mínimo previsto pela legislação do Land da Renânia‑Palatinado constitui uma restrição à livre prestação de serviços, suscetível de ser justificada por objetivos de luta contra a distorção da concorrência ou de proteção dos trabalhadores, como sustentaram a Stadt Landau in der Pfalz e o Governo alemão.

62.      Antes de mais, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, não há qualquer dúvida de que, ao exigir a observância de um nível salarial mínimo de 8,70 euros (brutos) por parte dos adjudicatários de contratos públicos e dos seus eventuais subcontratantes, uma regulamentação, como a do Land da Renânia‑Palatinado, pode impor aos prestadores de serviços estabelecidos em Estados‑Membros que não a República Federal da Alemanha, onde as remunerações salariais mínimas são mais baixas, um encargo económico suplementar que é suscetível de impedir, perturbar ou tornar menos atrativa a execução das suas prestações na República Federal da Alemanha. Uma medida nacional desse tipo pode, portanto, constituir uma restrição na aceção do artigo 56.° TFUE (18).

63.      Em seguida, trata‑se de examinar se essa medida nacional pode ser justificada, nomeadamente, à luz do objetivo da proteção dos trabalhadores.

64.      A este respeito, tanto a RegioPost como a Comissão entendem, referindo‑se em especial aos n.os 29 e 39 do acórdão Rüffert (C‑346/06, EU:C:2008:189), que não é esse o caso, uma vez que a proteção conferida pelo artigo 3.°, n.° 1, da LTTG não abrange os trabalhadores utilizados na execução de contratos privados.

65.      Não partilho desse entendimento.

66.      No processo Rüffert, fora submetida ao Tribunal de Justiça a questão de saber se a legislação de um Land alemão, que exigia aos adjudicatários de contratos públicos de construção e de transportes públicos locais que respeitassem, na execução dos referidos contratos, o nível salarial previsto por uma convenção coletiva para a qual a legislação desse Land remetia, era compatível com o artigo 3.°, n.° 1, da diretiva 96/71 e com o artigo 56.° TFUE.

67.      Relativamente à interpretação da Diretiva 96/71, que, segundo o raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Rüffert (C‑346/06, EU:C:2008:189) também tem pertinência para a interpretação do artigo 56.° TFUE, colocava‑se a questão de saber se a convenção coletiva em causa nesse processo tinha sido declarada de aplicação geral, na aceção do artigo 3.°, n.° 1, dessa diretiva. O Tribunal de Justiça declarou que não era esse o caso e que, por conseguinte, a fixação da remuneração salarial mínima prevista pela Diretiva 96/71 não tinha sido decidida segundo um dos modos previstos nesta diretiva.

68.      Indo um pouco além deste problema (19) e examinando o efeito geral e vinculativo de uma convenção coletiva como a que estava em causa nesse processo, o Tribunal de Justiça declarou, no n.° 29 do acórdão Rüffert (C‑346/06, EU:C:2008:189), que não podia constatar‑se esse efeito, uma vez que, em especial, a «legislação» do Land em questão, que remetia para a observância da remuneração salarial prevista por essa convenção, «se aplicava unicamente aos contratos públicos, com exclusão dos contratos privados».

69.      No n.° 39 do acórdão Rüffert (C 346/06, EU:C:2008:189), que faz parte do raciocínio «confirmativo» do Tribunal de Justiça relativo ao artigo 56.° TFUE, este reproduziu textualmente a apreciação acima citada, que consta do n.° 29 do referido acórdão.

70.      O alcance da apreciação constante dos n.os 29 e 39 do acórdão Rüffert deve, porém, ser agora relativizado à luz do artigo 26.° da Diretiva 2004/18, disposição inteiramente nova no direito da União relativo aos contratos públicos, que não era aplicável no momento dos factos na origem desse acórdão (20).

71.      Como já afirmei, o artigo 26.° da Diretiva 2004/18 autoriza os Estados‑Membros a exigirem aos adjudicatários de contratos públicos a observância de condições especiais, incluindo condições de trabalho, na execução destes contratos. A fim de preservar o efeito útil desta autorização, deve, na minha opinião, ser reconhecida aos Estados‑Membros a competência para adotarem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas que determinem as condições de trabalho, incluindo uma remuneração mínima, no contexto específico dos contratos públicos, a favor dos trabalhadores que prestam serviços para a realização destes contratos.

72.      É evidente que, no exercício desta competência, os Estados‑Membros e as entidades adjudicantes devem garantir o respeito dos princípios da transparência e da não discriminação, tal como resultam do artigo 26.° da Diretiva 2004/18, com referência ao direito da União.

73.      Todavia, o exercício desta competência não pode, a meu ver, estar subordinado a que as condições de trabalho em causa, como, no caso vertente, a remuneração mínima, também sejam aplicáveis aos trabalhadores que executam contratos privados. Se assim fosse, estas condições perderiam então a sua natureza de «condições especiais», na aceção do artigo 26.° da Diretiva 2004/18. Acresce que impor essa extensão à execução de contratos privados conduziria, in fine, a que os Estados‑Membros fossem obrigados a criar uma remuneração mínima de aplicação geral na totalidade ou numa parte do seu território, o que o direito da União não impõe atualmente (21).

74.      Num contexto como o do processo principal, essa extensão, que seria motivada pela preocupação de coerência da legislação do Land, parece‑me até suscetível de afetar as competências dos Länder.

75.      Tal como foi exposto por várias partes interessadas, apesar de os Länder serem competentes, segundo o direito alemão, para aprovarem normas relativas à remuneração mínima no âmbito da adjudicação dos contratos públicos, não têm nenhuma competência para fixar remunerações mínimas aplicáveis a todos os trabalhadores.

76.      Se tivesse de ser acolhida a tese da RegioPost e da Comissão, daí resultaria que, num caso como o do processo principal, um Land não poderia aplicar a sua legislação destinada a transpor a autorização conferida pela Diretiva 2004/18 pelo facto de o respetivo âmbito de aplicação dever tornar‑se extensivo para além do setor específico dos contratos públicos relativamente ao qual o Land exerceu a sua competência.

77.       Por conseguinte, o Land seria obrigado a não aplicar essa legislação até que o Estado Federal decidisse instituir um salário mínimo de aplicação geral.

78.      Ao nível do Estado Federal, esta decisão, que, a seguir‑se a lógica da argumentação da RegioPost e da Comissão, seria necessária para respeitar a exigência de extensão aos contratos privados do tratamento até agora reservado aos contratos públicos, equivaleria, na realidade, a transformar a faculdade conferida aos Estados‑Membros de instituírem um salário mínimo no seu território numa verdadeira obrigação, o que, como já precisei, não resulta de modo algum do atual estado de desenvolvimento do direito da União.

79.      Ao nível do Land, a instituição de tal nível de salário mínimo pelo Estado Federal tornaria supérfluas as disposições legislativas do Land que visassem especificamente garantir o respeito do pagamento do salário mínimo pelos adjudicatários aos trabalhadores que executem um contrato público no seu território.

80.      Nessas circunstâncias, a competência do Land nessa matéria ficaria consideravelmente reduzida ou seria mesmo inexistente.

81.      É verdade que se pode tentar sustentar que, na hipótese exposta nos pontos precedentes das presentes conclusões, os Länder poderiam continuar a adotar um nível salarial (mínimo) superior ao fixado a nível federal, designadamente para tomar em conta o custo de vida local. Todavia, continuaria a colocar‑se a questão de saber se esse nível continuaria a qualificar‑se como nível salarial mínimo e, sobretudo, se esse mesmo nível não deveria, por sua vez, ser alargado aos trabalhadores utilizados na execução de contratos privados. Definitivamente, os Länder deveriam simplesmente renunciar a exercer a sua competência no setor dos contratos públicos, aplicando neste setor o nível salarial mínimo adotado a nível federal.

82.      Ora, deve notar‑se que, nos termos do artigo 4, n.° 2, TUE, a União deve respeitar a identidade nacional dos Estados‑Membros, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles, incluindo no que se refere à autonomia local e regional.

83.      É verdade que os Estados‑Membros com uma estrutura federal, como a República Federal da Alemanha, não podem invocar a repartição interna de competências entre as autoridades das entidades regionais ou locais e as autoridades federais para contornarem o respeito das obrigações que lhe impõe o direito da União (22). Essas várias autoridades têm de coordenar o exercício das respetivas competências (23).

84.      Esta exigência pressupõe, porém, que as competências destas autoridades possam ser efetivamente exercidas. Na minha opinião, decorre do artigo 4, n.° 2, TUE que o direito da União não pode privar uma entidade regional ou local do exercício efetivo das competências que lhe tiverem sido conferidas no seio do Estado‑Membro em causa. Ora, como tendem a demonstrar as observações precedentes, seria essa, afinal, a consequência do argumento da RegioPost e da Comissão segundo o qual, para ser compatível com o artigo 56.° TFUE, a regra imposta pelo artigo 3.° da LTTG a favor dos trabalhadores que executem um contrato público deveria estender‑se aos trabalhadores utilizados na execução de contratos privados.

85.      Por conseguinte, parece‑me perfeitamente coerente, tendo em conta a competência do Land da Renânia‑Palatinado, que o âmbito de aplicação do artigo 3.° da LTTG se limite aos trabalhadores que executam contratos públicos.

86.      Esta abordagem, na minha opinião, também é compatível com a jurisprudência do Tribunal de Justiça desenvolvida no contexto das considerações ambientais especiais indistintamente aplicáveis que as entidades adjudicantes podem impor. Assim, esta jurisprudência admite, nomeadamente, que tais considerações possam ser tomadas em conta no contexto da apreciação dos critérios de adjudicação de prestações de serviços de transporte urbano que sejam objeto de contratos públicos e sejam compatíveis com o princípio da não discriminação, sem se exigir que estas considerações sejam, além disso, alargadas às empresas de transporte urbano quando executam contratos privados (24). Ora, há que realçar que o artigo 26.° da Diretiva 2004/18 se refere às considerações ambientais do mesmo modo que se refere às considerações de caráter social em apreciação no presente processo. A analogia, esboçada pelo Governo alemão, entre estes dois tipos de considerações parece‑me claramente pôr em evidência a necessidade de permitir aos Estados‑Membros a adoção de medidas específicas para o setor económico que o domínio dos contratos públicos constitui.

87.      Além disso, uma medida nacional como a do artigo 3.° da LTTG parece‑me perfeitamente proporcionada. Com efeito, só impõe o respeito da remuneração mínima fixada pelo Land da Renânia‑Palatinado pelos adjudicatários e seus subcontratantes a favor dos seus trabalhadores utilizados na execução dos contratos públicos e não a favor de todos os seus trabalhadores.

88.      Por consequência, considero que o artigo 3.° da LTTG pode ser justificado pelo objetivo da proteção dos trabalhadores e, portanto, que o artigo 56.° TFUE não se opõe à aplicação dessa disposição numa situação como a do processo principal, sem necessidade de ser alargado o âmbito de aplicação dessa disposição aos contratos privados.

89.      Por todas estas considerações, proponho que se responda do modo seguinte à primeira questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio: o artigo 26.° da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à regulamentação de uma entidade regional de um Estado‑Membro que obriga os proponentes e os seus subcontratantes a assumirem, por declaração escrita que deve ser anexada à sua proposta, o compromisso de pagarem ao pessoal utilizado na execução das prestações que são objeto de um contrato público uma remuneração mínima de 8,70 euros (brutos), fixada pela referida regulamentação.

B –    Quanto à segunda questão prejudicial

90.      Com a segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 26.° da Diretiva 2004/18 deve, apesar disso, ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de uma entidade regional de um Estado‑Membro, como o artigo 3.°, n.° 1, da LTTG, que prevê a exclusão obrigatória de uma proposta no caso de o proponente não se obrigar, no momento da apresentação da mesma, em declaração separada, a respeitar o nível salarial mínimo fixado pela referida disposição, ao qual estaria, de qualquer modo, contratualmente vinculado mesmo no caso de adjudicação do contrato.

91.      Esta questão pressupõe a apreciação, por um lado, dos meios pelos quais os Estados‑Membros podem verificar o cumprimento das condições impostas pelo artigo 26.° da Diretiva 2004/18 e, por outro, na hipótese de estas condições não estarem reunidas, da questão de saber se uma sanção como a exclusão da participação no processo de adjudicação do contrato público é apropriada.

92.      Com exceção da RegioPost, todas as partes que apresentaram observações sobre esta questão entendem que os Estados‑Membros têm competência para controlar o respeito das condições previstas pelo artigo 26.° da Diretiva 2004/18, em particular através de um sistema de declaração de compromisso no momento da apresentação da proposta do proponente e que, na falta de apresentação dessa declaração, a entidade adjudicante pode excluir o proponente do processo de adjudicação.

93.      Concordo com a posição sustentada por estas últimas partes.

94.      Quanto ao primeiro ponto, é evidente, na minha opinião, que, se os Estados‑Membros, como penso, podem legitimamente adotar, ao abrigo do direito da União, as disposições legislativas ou regulamentares destinadas a impor às empresas adjudicatárias condições especiais de trabalho, tais como o respeito de um nível salarial mínimo, no contexto da execução de contratos públicos, essa legitimação implica necessariamente que possam tomar as medidas que permitam à entidade adjudicante assegurar‑se de que os proponentes e os seus subcontratantes concordam em respeitar aquelas condições no caso de o contrato lhes ser adjudicado.

95.      No caso vertente, a medida em causa tem a forma de uma declaração de compromisso escrito que o proponente tem de apresentar por ele próprio e, sendo caso disso, pelos seus subcontratantes.

96.      Contrariamente ao que parece ter sido indicado no anúncio de concurso a que se refere o processo principal, esta declaração não parece corresponder a um documento relativo à capacidade económica e financeira que pode ser exigida ao proponente, nos termos do artigo 47.° da Diretiva 2004/18, nível que pode ser demonstrado por uma ou várias referências indicadas nesse artigo ou por qualquer documento considerado apropriado pela entidade adjudicante, nomeadamente os relativos ao balanço ou ao volume de negócios total ou setorial do operador económico.

97.      Com efeito, trata‑se, antes de mais, de uma declaração de compromisso do respeito da lei, a saber, mais precisamente, das condições de trabalho exigidas pela regulamentação do Land da Renânia‑Palatinado na execução das prestações que são objeto do contrato público.

98.      É naturalmente possível sustentar, como fez a Comissão na audiência no Tribunal de Justiça, que a demonstração do facto de que os proponentes e os seus subcontratantes estão em condições de pagar o salário mínimo fixado pela regulamentação do Land da Renânia‑Palatinado aos trabalhadores utilizados na execução do contrato público necessita de uma certa capacidade financeira.

99.      Se o Tribunal de Justiça viesse a considerar que a declaração de compromisso do pagamento de um salário mínimo está ligada à capacidade financeira do proponente, a exigência da apresentação dessa declaração não seria, de qualquer modo, proibida pelo artigo 47.° da Diretiva 2004/18. Com efeito, o Tribunal de Justiça já precisou que a enumeração dos elementos que permitem apreciar o nível mínimo exigido de capacidade económica e financeira não é taxativa (25).

100. Em todo o caso, essa declaração de compromisso de pagar a remuneração mínima fixada pela regulamentação do Land da Renânia‑Palatinado não é, por si só, suscetível de impor ao proponente um encargo adicional de tal modo insuportável que tornaria o processo de adjudicação mais incómodo do que seria sem a exigência de apresentação dessa declaração. Com efeito, com essa declaração, a entidade adjudicante apenas pretende verificar que o proponente se obriga a respeitar a condição de execução do contrato prevista no artigo 3.° da LTTG. Essa declaração é, aliás, como sustenta a Comissão, um meio já testado de verificar o cumprimento das condições de execução dos contratos públicos pelos proponentes e os seus subcontratantes. Exigir a apresentação de tal declaração permite também assegurar a transparência das condições particulares do anúncio de concurso e/ou do caderno de encargos, sensibilizando os proponentes para a importância que a entidade adjudicante atribui às referidas condições.

101. Quanto ao segundo ponto, a saber, a questão da exclusão do processo de adjudicação no caso de o proponente se recusar a apresentar essa declaração de compromisso, subscrevo o argumento da Comissão de que essa situação permite supor que o proponente não pretende submeter‑se à condição prevista pelo artigo 3.° da LTTG.

102. Seria paradoxal e pouco compatível com a utilização racional das finanças públicas prosseguir um processo de adjudicação de um contrato com tal operador económico e, eventualmente, celebrar o contrato com esse operador, para, em seguida, ter de lhe aplicar as penalidades contratuais por incumprimento da condição prevista no artigo 3.° da LTTG.

103. É adequado observar de passagem que o trigésimo quarto considerando da Diretiva 2004/18 prevê nomeadamente que, no caso de incumprimento das obrigações relativas à observância das leis e regulamentações em vigor, nomeadamente em matéria de condições de trabalho, os Estados‑Membros podem qualificar esse incumprimento como falta grave ou como uma infração que afeta a moralidade profissional do operador económico em questão, suscetível de levar à exclusão desse operador do processo de adjudicação de um contrato público.

104. Embora a recusa de apresentação de uma declaração de compromisso sobre a remuneração mínima não possa em si mesma, em meu entender, ser considerada uma falta grave, a ideia subjacente ao trigésimo quarto considerando da Diretiva 2004/18 é seguramente admitir que os Estados‑Membros têm o direito de excluir um operador económico que não tenha nenhuma intenção de respeitar as condições de trabalho aplicáveis no local de execução do contrato público. Na minha perspetiva, não se pode exigir aos Estados‑Membros que reservem uma medida desse tipo apenas para as situações em que as suas autoridades verifiquem o incumprimento das obrigações de observância das referidas condições de trabalho pelo adjudicatário do contrato público.

105. A exclusão do proponente do processo de adjudicação do contrato pelo facto de se recusar a apresentar a declaração de compromisso referida no artigo 3.° da LTTG constitui, pois, na minha opinião, uma medida adequada para evitar que a entidade adjudicante possa ser levada a selecionar um candidato que não tem a intenção de cumprir os requisitos exigidos por esta entidade no que respeita à observância da remuneração mínima.

106. Finalmente, como resulta dos factos do processo principal, há que realçar que a exclusão de um proponente que não tenha apresentado uma declaração de compromisso relativa à remuneração mínima no momento da apresentação da sua proposta não é automática. Com efeito, segundo o artigo 3.° da LTTG, antes de poder excluir tal proposta, a entidade adjudicante deve pedir de novo a apresentação da declaração de compromisso dentro de um certo prazo, o que permite retificar os casos de esquecimento ou de erro por parte do proponente no momento da apresentação da proposta. Essa obrigação da entidade adjudicante parece ser uma medida perfeitamente proporcionada.

107. À luz destas considerações, proponho que se responda do modo seguinte à segunda questão prejudicial: o artigo 26.° da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à regulamentação de uma entidade regional de um Estado‑Membro que prevê a exclusão obrigatória de uma proposta no caso de o proponente num contrato público não assumir, numa declaração separada, o compromisso de respeitar o nível salarial mínimo fixado pela referida regulamentação, no caso de lhe vir a ser adjudicada a execução das prestações que constituem o objeto do contrato público em questão, por si mesmo e pelos seus subcontratantes, no momento da apresentação da proposta e depois de ter sido de novo convidado pela entidade adjudicante a fazê‑lo.

III – Conclusão

108. À luz de todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Oberlandesgericht Koblenz, do seguinte modo:

«1)      O artigo 26.° da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à regulamentação de uma entidade regional de um Estado‑Membro que obriga os proponentes e os seus subcontratantes a assumirem, por declaração escrita que deve ser anexada à sua proposta, o compromisso de pagarem ao pessoal utilizado na execução das prestações que são objeto de um contrato público uma remuneração mínima de 8,70 euros (brutos), fixada pela referida regulamentação.

2)      O artigo 26.° da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que também não se opõe à regulamentação de uma entidade regional de um Estado‑Membro que prevê a exclusão obrigatória de uma proposta no caso de o proponente num concurso público não assumir, numa declaração separada, o compromisso de respeitar a remuneração salarial mínima fixada pela referida regulamentação, no caso de lhe vir a ser adjudicada a execução das prestações que constituem o objeto do contrato público em questão, por si mesmo e pelos seus subcontratantes, no momento da apresentação da proposta e depois de ter sido de novo convidado a fazê‑lo pela entidade adjudicante.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      JO L 134, p. 114; retificação no JO L 351, p. 44. Esta diretiva foi modificada pela última vez pelo Regulamento (UE) n.° 1251/2011 da Comissão, de 30 de novembro de 2011, que altera as Diretivas 2004/17/CE, 2004/18/CE e 2009/81/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no respeitante aos seus limiares de aplicação no contexto dos processos de adjudicação de contratos (JO L 319, p. 43), e foi revogada pela Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO L 94, p. 65). Porém, esta última diretiva não era aplicável à data dos factos que deram origem ao litígio no processo principal.


3 —      JO 1997, L 18, p. 1.


4 —      V., nomeadamente, acórdão Omalet (C‑245/09, EU:C:2010:808, n.° 12) e despacho Tudoran (C‑92/14, EU:C:2014:2051, n.° 37).


5 —      V., nomeadamente, em matéria de liberdade de estabelecimento, acórdão Blanco Pérez e Chao Gómez (C‑570/07 e C‑571/07, EU:C:2010:300, n.° 40) e, em matéria de livre prestação de serviços, acórdãos Garkalns (C‑470/11, EU:C:2012:505, n.° 21) e Citroën Belux (C‑265/12, EU:C:2013:498, n.° 33).


6 —      V., em especial, acórdãos Guimont (C‑448/98, EU:C:2000:663, n.° 23); Salzmann (C‑300/01, EU:C:2003:283, n.° 34); Susisalo e o. (C‑84/11, EU:C:2012:374, n.os 21 e 22); e Ordine degli Ingegneri di Verona e Provincia e o. (C‑111/12, EU:C:2013:100, n.° 34).


7 —      V., entre outros, acórdãos Dzodzi (C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.° 37); Cicala (C‑482/10, EU:C:2011:868, n.° 19); Nolan (C‑583/10, EU:C:2012:638, n.° 47); e Romeo (C‑313/12, EU:C:2013:718, n.° 23).


8 —      Acórdãos Venturini e o. (C‑159/12 a C‑161/12, EU:C:2013:791, n.os 25 e 26) e Sokoll‑Seebacher (C‑367/12, EU:C:2014:68, n.os 10 e 11).


9 —      Os serviços visados pela Diretiva 2004/18 incluem os serviços de transporte terrestre de correio, nos termos do n.° 4 do anexo II A [N. do T: substituído pelo Anexo VI do Regulamento (CE) n.° 213/2008 da Comissão]. O limiar de 200 000 euros referido no artigo 7.°, alínea b) da Diretiva 2004/18 foi fixado pelo artigo 2.°, n.° 1, alínea b) do Regulamento (UE) n.° 1251/2011.


10 —      Embora estas partes sustentem que a primeira questão é inadmissível, as consequências da constatação da existência de uma situação puramente interna deveriam conduzir o Tribunal de Justiça a declarar, em princípio, a sua incompetência para responder à questão. Com efeito, trata‑se neste caso de uma situação que, em princípio, não tem nenhuma conexão com o direito da União e que, por isso, não pode ser retificada pelo reenvio de um novo pedido de decisão prejudicial.


11 —      V. acórdãos Concordia Bus Finland (C‑513/99, EU:C:2002:495, n.° 81) e Fabricom (C‑21/03 e C‑34/03, EU:C:2005:127, n.° 26).


12 —      V., por analogia, no que respeita à obrigação resultante da aplicação da legislação nacional de alargar as soluções adotadas pelo direito da União às situações puramente internas: acórdãos Modehuis A. Zwijnenburg (C‑352/08, EU:C:2010:282, n.° 33) e Isbir (C‑522/12, EU:C:2013:711, n.° 28).


13 —      V., por analogia, no que respeita à Diretiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54), que foi revogada pela Diretiva 2004/18, acórdão Michaniki (C‑213/07, EU:C:2008:731, n.os 29 e 30).


14 —      O sublinhado é meu.


15 —      A título de exemplo, o artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 96/71, que enumera as «condições de trabalho e de emprego» que os Estados‑Membros têm o direito de exigir às empresas que destacam trabalhadores para o seu território para a realização de prestações de serviços refere‑se, nomeadamente, a «remunerações salariais mínimas».


16 —      Acórdão Bundesdruckerei (C‑549/13, EU:C:2014:2235, n.° 27).


17 —      Idem (n.os 25 e 26).


18 —      V. acórdão Rüffert (C‑346/06, EU:C:2008:189, n.° 37). V. também o acórdão Bundesdruckerei (C‑549/13, EU:C:2014:2235, n.° 30).


19 —      O Tribunal de Justiça examinou, com efeito, se a convenção coletiva em questão respondia às condições materiais do artigo 3.°, n.° 8, da Diretiva 96/71, disposição que apenas se aplica, como o próprio Tribunal de Justiça confirmou no n.° 27 do acórdão Rüffert (C‑346/06, EU:C:2008:189), aos Estados‑Membros que não têm um sistema de declaração da aplicação geral das convenções coletivas [como era o caso do Reino da Suécia no processo Laval un Partneri (C‑341/05, EU:C:2007:809)]. Ora, uma vez que a República Federal da Alemanha tem esse sistema, não havia necessidade de examinar se estavam reunidas as condições do artigo 3.°, n.° 8, da Diretiva 96/71.


20 —      Com efeito, enquanto o prazo de transposição da Diretiva 2004/18 estava fixado para 31 de janeiro de 2006, os factos na origem do processo Rüffert ocorreram nos anos de 2003 e 2004.


21 —      Sobre a inexistência dessa obrigação que alegadamente resulta especialmente da Diretiva 96/71, v. acórdão Comissão/Alemanha (C‑341/02, EU:C:2005:220, n.° 26) e as minhas conclusões no processo Laval un Partneri (C‑341/05, EU:C:2007:291, n.° 196).


22 —      V., nomeadamente, acórdão Carmen Media Group (C‑46/08, EU:C:2010:505, n.° 69 e jurisprudência aí referida).


23 —      V. acórdãos Carmen Media Group (C‑46/08, EU:C:2010:505, n.° 70) e Digibet e Albers (C‑156/13, EU:C:2014:1756, n.° 35).


24 —      V. acórdão Concordia Bus Finland (C‑513/99, EU:C:2002:495, n.os 83 a 86).


25 —      V. acórdão Édukövízig e Hochtief Construction (C‑218/11, EU:C:2012:643, n.° 28).