Language of document : ECLI:EU:C:2011:561

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 8 de Setembro de 2011 (1)

Processo C‑327/10

Hypoteční banka, a.s.

contra

Udo Mike Lindner

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Okresní soud, Cheb (República checa)]

«Regulamento (CE) n.° 44/2001 – Designação de um de um mandatário ad litem a um consumidor, cujo domicílio não é conhecido – Regras sobre a competência judiciária internacional – Aplicabilidade – Artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001 – Comparência através de um mandatário ad litem designado sem a vontade nem o conhecimento do demandado – Artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001 – Pacto atributivo de jurisdição territorial que contém um pacto tácito atributivo de jurisdição internacional – Artigo 3.°, n.° 1, e artigo 6.° da Directiva 93/13 – Efeitos do carácter abusivo de um pacto atributivo de jurisdição territorial sobre o pacto atributivo de jurisdição internacional que daquele tacitamente decorre – Artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 – Averiguação para apurar se um consumidor tem o seu domicílio num Estado‑Membro – Artigo 4.° do Regulamento n.° 44/2001 – Competência no caso de o demandado não ter domicílio no território de um Estado‑Membro – Direitos de defesa do demandado – Artigo 26.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 – Artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais»





I –    Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial do Okresní soud de Cheb (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») tem por objecto a interpretação do Regulamento n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (2).

2.        O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se as disposições do Regulamento n.° 44/2001 se opõem à aplicação de uma regulamentação nacional, por força da qual, no caso de propositura de uma acção contra um demandado cujo domicílio seja desconhecido, pode ser designado um mandatário ad litem que representa este demandado no processo. O presente processo tem uma conexão material com o processo C‑292/10, Cornelia Buschmann (3), no qual são submetidas à apreciação questões parcialmente idênticas.

3.        Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio também pergunta se, nos termos do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, se pode considerar competente, no caso de esse mandatário ad litem litigar sobre o mérito, sem alegar a falta de competência do tribunal de reenvio (a seguir «comparência não questionada»).

4.        O órgão jurisdicional de reenvio pretende ainda determinar se de uma convenção sobre a competência territorial de um determinado tribunal também pode resultar tacitamente um pacto atributivo de jurisdição internacional, ao abrigo do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, e de que modo o eventual carácter não vinculativo da convenção sobre a competência territorial de um determinado tribunal, em razão da sua natureza abusiva à luz do artigo 3.°, n.° 1, e do artigo 6.° da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (4) é susceptível de afectar a validade do pacto atributivo de jurisdição internacional.

II – Direito aplicável

A –    Direito da União (5)

1.      A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

5.        O artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») regula o direito à acção e a um tribunal imparcial. Nos seus parágrafos primeiro e segundo, determina‑se que:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma acção perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.»

2.      O Regulamento n.° 44/2001

6.        O Regulamento n.° 44/2001 contém regras relativas à competência judiciária e ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (6). Nos seus considerandos 2, 3, 11 e 13 afirma‑se o seguinte:

«(2)      Certas disparidades das regras nacionais em matéria de competência judicial e de reconhecimento de decisões judiciais dificultam o bom funcionamento do mercado interno. São indispensáveis disposições que permitam unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem como simplificar as formalidades com vista ao reconhecimento e à execução rápidos e simples das decisões proferidas nos Estados‑Membros abrangidos pelo presente regulamento.

(3)      Esta matéria insere‑se no domínio da cooperação judiciária em matéria civil, nos termos do artigo 65.° do Tratado.

[…]

(11)      As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, excepto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. No respeitante às pessoas colectivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.

[…]

(13)      No respeitante aos contratos de seguro, de consumo e de trabalho, é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral.»

7.        O capítulo II do regulamento contém regras relativas à competência e, na sua secção 1, as disposições gerais. Os artigos 2.°, 3.° e 4.° do regulamento que se encontram nesta secção dispõem:

«Artigo 2.°

1.      Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.

2.      As pessoas que não possuam a nacionalidade do Estado‑Membro em que estão domiciliadas ficam sujeitas nesse Estado‑Membro às regras de competência aplicáveis aos nacionais.

Artigo 3.°

1.      As pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado‑Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.

2.      Contra elas não podem ser invocadas, nomeadamente, as regras de competência nacionais constantes do anexo I.

Artigo 4.°

1.      Se o requerido não tiver domicílio no território de um Estado‑Membro, a competência será regulada em cada Estado‑Membro pela lei desse Estado‑Membro, sem prejuízo da aplicação do disposto nos artigos 22.° e 23.°

2.      Qualquer pessoa, independentemente da sua nacionalidade, com domicílio no território de um Estado‑Membro, pode, tal como os nacionais, invocar contra esse requerido as regras de competência que estejam em vigor nesse Estado‑Membro e, nomeadamente, as previstas no anexo I.»

8.        A secção 4 regula as competências em matéria de contratos celebrados por consumidores. Contém os artigos 15.°, 16.° e 17.° O artigo 15.° dispõe:

«1.      Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua actividade comercial ou profissional, a seguir denominada ‘o consumidor’, a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.° e no ponto 5 do artigo 5.°:

[…]

b)      Quando se trate de empréstimo a prestações ou de outra operação de crédito relacionados com o financiamento da venda de tais bens; ou

c)      Em todos os outros casos, quando o contrato tenha sido concluído com uma pessoa que tem actividade comercial ou profissional no Estado‑Membro do domicílio do consumidor ou dirige essa actividade, por quaisquer meios, a esse Estado‑Membro ou a vários Estados incluindo esse Estado‑Membro, e o dito contrato seja abrangido por essa actividade.»

O artigo 16.°, n.° 2, do regulamento dispõe:

«A outra parte no contrato só pode intentar uma acção contra o consumidor perante os tribunais do Estado‑Membro em cujo território estiver domiciliado o consumidor.»

O artigo 17.°, n.° 3, do regulamento tem o seguinte teor:

«As partes só podem convencionar derrogações ao disposto na presente secção desde que tais convenções:

[…]

3.      Sejam concluídas entre o consumidor e o seu co‑contratante, ambos com domicílio ou residência habitual, no momento da celebração do contrato, num mesmo Estado‑Membro, e atribuam competência aos tribunais desse Estado‑Membro, salvo se a lei desse Estado‑Membro não permitir tais convenções.»

9.        A Secção 7 do Regulamento n.° 44/2001 diz respeito à extensão de competência e compreende os artigos 23.° e 24.°

10.      O artigo 23.°, n.° 5, do regulamento determina:

«Os pactos atributivos de jurisdição bem como as estipulações similares de actos constitutivos de ‘trust’ não produzirão efeitos se forem contrários ao disposto nos artigos 13.°, 17.° e 21.°, ou se os tribunais cuja competência pretendam afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 22.°»

11.      O Artigo 24.° do regulamento prevê:

«Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado‑Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22.°»

12.      O artigo 26.°, n.os 1 e 2, do regulamento dispõe:

«1.      Quando o requerido domiciliado no território de um Estado‑Membro for demandado perante um tribunal de outro Estado‑Membro e não compareça, o juiz declarar‑se‑á oficiosamente incompetente se a sua competência não resultar das disposições do presente regulamento.

2.      O juiz deve suspender a instância, enquanto não se verificar que a esse requerido foi dada a oportunidade de receber o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, em tempo útil para apresentar a sua defesa, ou enquanto não se verificar que para o efeito foram efectuadas todas as diligências.»

13.      O capítulo V do regulamento contém disposições gerais. O artigo 59.° do regulamento, constante deste capítulo, dispõe:

«1.      Para determinar se uma parte tem domicílio no território do Estado‑Membro a cujos tribunais é submetida a questão, o juiz aplica a sua lei interna.

2.      Quando a parte não tiver domicílio no Estado‑Membro a cujos tribunais foi submetida a questão, o juiz, para determinar se a parte tem domicílio noutro Estado‑Membro, aplica a lei desse Estado‑Membro.»

14.      No capítulo VII do regulamento regulam‑se as suas relações com os outros instrumentos. O artigo 67.°, constante deste capítulo, dispõe:

«O presente regulamento não prejudica a aplicação das disposições que, em matérias específicas, regulam a competência judiciária, o reconhecimento e a execução de decisões, contidas nos actos comunitários ou nas leis nacionais harmonizadas nos termos desses actos.»

3.      Directiva 93/13

15.      A Directiva 93/13 visa as cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores.

16.      O seu artigo 3.° determina:

«1.      Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

[…]

3.      O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.»

17.      Segundo a alínea q) do n.° 1 do Anexo, consideram‑se abrangidas pelo disposto no artigo 3.°, n.° 1, da directiva, as cláusulas que têm como objectivo ou como efeito suprimir ou entravar a possibilidade de intentar acções judiciais ou seguir outras vias de recurso, por parte do consumidor, nomeadamente obrigando‑o a submeter‑se exclusivamente a uma jurisdição de arbitragem não abrangida por disposições legais, limitando indevidamente os meios de prova à sua disposição ou impondo‑lhe um ónus da prova que, nos termos do direito aplicável, caberia normalmente a outra parte contratante.

18.      O artigo 5.°, primeira e segunda frases, da directiva tem o seguinte teor:

«No caso dos contratos em que as cláusulas propostas ao consumidor estejam, na totalidade ou em parte, consignadas por escrito, essas cláusulas deverão ser sempre redigidas de forma clara e compreensível. Em caso de dúvida sobre o significado de uma cláusula, prevalecerá a interpretação mais favorável ao consumidor.»

19.      O artigo 6.°, n.° 1, desta directiva dispõe:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respectivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

B –    Direito nacional

20.      O § 173, n.° 1, do Občanský soudní řád (Código de Processo Civil, a seguir «OSŘ») determina que a sentença condenatória deve ser pessoalmente notificada ao demandado.

21.      De acordo com o disposto no artigo 29.°, n.° 3, do OSŘ pode ser designado um mandatário ad litem para uma parte cujo domicílio seja desconhecido, ou que não tenha sido possível notificar na morada conhecida no estrangeiro, ou que sofra de perturbação mental, ou que, por outras razões de saúde, não possa intervir no processo, ainda que por um período temporário, ou que não seja capaz de se expressar de forma compreensível.

III – Matéria de facto, tramitação no órgão jurisdicional nacional e questões prejudiciais

A –    Matéria de facto

22.      A demandante no processo principal é uma pessoa colectiva de direito checo estabelecida na República Checa. O demandado no processo principal é um cidadão alemão.

23.      A demandante e o demandado no processo principal celebraram, em 19 de Agosto de 2005, um contrato de mútuo com garantia hipotecária, destinado a financiar a compra de um bem imóvel. No momento da celebração deste contrato, o demandado no processo principal tinha domicílio na República Checa.

24.      Na cláusula VIII, n.° 8, deste contrato de mútuo com garantia hipotecária a demandante e o demandado no processo principal acordaram que, em caso de litígio, seria competente o tribunal da sede estatutária da demandante no processo principal que constasse no registo comercial à data da propositura da acção.

B –    Tramitação processual no órgão jurisdicional nacional

25.      Em 16 de Setembro de 2008, a demandante no processo principal intentou uma acção no tribunal de reenvio contra o demandado, pedindo a sua condenação no pagamento de um montante de 4 383 584,60 CZK, acrescido de juros de mora, por incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de mútuo. Em 16 de Outubro de 2008, o tribunal de reenvio proferiu uma sentença condenando o devedor no pagamento.

26.      Não foi possível notificar pessoalmente o demandado no processo principal desta sentença, como exige o artigo 173.°, n.° 1, do OSŘ. O demandado já não residia na morada Velká Hled’sebe (CZ), Žižkova 356, que a demandante no processo principal havia indicado como sendo o domicílio do demandado no processo principal. No Registo Central da População, está registada a morada Mariánské Lázně (Marienbad), Třída Vítězství 30/30, como sendo o local de residência permanente do demandado no processo principal. De uma informação proveniente do serviço de estrangeiros da polícia checa, de 20 de Fevereiro de 2009, resulta que o demandado também não se encontrava naquela morada. Segundo informações da polícia, de 2 de Junho de 2009, sempre que o demandado no processo principal regressa à República Checa fica alojado em pensões e apartamentos particulares. Os serviços prisionais da República Checa informaram o tribunal, em 20 de Fevereiro de 2009, de que, até 18 de Fevereiro de 2009, o demandado não se encontrava a cumprir pena de prisão nem detido no território da República Checa. O tribunal de reenvio não conseguiu apurar se o demandado tinha parentes no território da República Checa que pudessem prestar informação sobre o seu local de residência. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, nenhum dos locais acima mencionados podia ser considerado domicílio segundo o direito nacional, pelo que concluiu que o demandado no processo principal não tinha domicílio no território da República Checa.

27.      Em 8 de Setembro de 2009, foi revogada a sentença condenatória aplicada ao devedor por impossibilidade de notificação. Para poder prosseguir o processo, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu, em aplicação do artigo 29.°, n.° 3, do OSŘ, por despacho de 3 de Junho de 2009, nomear ao demandado no processo principal, por se tratar de pessoa com domicílio desconhecido, o mandatário ad litem advogado Josef Heyduk. Na contestação apresentada em 26 de Outubro de 2009, este mandatário ad litem contestou o pedido no que respeita aos pedidos acessórios.

C –    Questões prejudiciais

28.      Na decisão de reenvio, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 5 de Julho de 2010, o órgão jurisdicional de reenvio colocou as questões prejudiciais seguintes:

1.      Quando uma das partes num processo é nacional de um Estado diferente do Estado do foro, esse facto [é] o elemento transfronteiriço, na acepção do artigo 81.° (anterior artigo 65.° do Tratado), que é um dos pressupostos da aplicação do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial («Regulamento Bruxelas I»)?

2.      O Regulamento Bruxelas I obsta à aplicação de disposições de direito nacional que permitem intentar acções contra pessoas com domicílio desconhecido?

3.      Em caso de resposta negativa à questão 2), as alegações apresentadas por um mandatário do réu, designado pelo tribunal, podem ser consideradas por si só como a aceitação, por parte do réu, da competência territorial do tribunal, para efeitos do artigo 24.° do Regulamento Bruxelas I, mesmo quando o objecto do litígio seja um pedido resultante de um contrato celebrado por consumidores e os tribunais da República Checa não tenham competência, nos termos do artigo 16.°, n.° 2, do mesmo regulamento, para dirimir esse litígio?

4.      Uma convenção sobre a competência territorial de um determinado tribunal pode ser considerada um pacto atributivo de jurisdição para efeitos do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento Bruxelas I e, na afirmativa, [...] é aplicável mesmo que a convenção sobre o tribunal territorialmente competente seja inválida por violação do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 93/13/CEE, do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores?

IV – Processo no Tribunal de Justiça

29.      A demandante no processo principal, os Governos checo, dinamarquês, francês, húngaro e neerlandês, bem como a Comissão, apresentaram observações escritas.

30.      Em 25 de Maio de 2011, realizou‑se uma audiência, na qual participaram os Governos checo e dinamarquês e a Comissão, que completaram as suas observações escritas e responderam a questões.

V –    Principais argumentos das partes

A –    Quanto à primeira questão prejudicial

31.      Através da sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as regras de competência do Regulamento n.° 44/2001 são aplicáveis a um caso como o que lhe foi submetido. Partindo do princípio de que a existência de um elemento transfronteiriço é um pressuposto da sua aplicação, questiona‑se também sobre se este elemento pode ser o facto de o demandado no processo principal ser nacional de outro Estado‑Membro.

32.      A demandante no processo principal, os Governos checo, dinamarquês, francês e húngaro, bem como a Comissão, entendem que é pressuposto da aplicação das regras de competência do Regulamento n.° 44/2001 a existência de um elemento transfronteiriço, defendendo a Comissão que este elemento deve ser determinado tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.

33.      Na opinião da demandante no processo principal, dos Governos checo e francês e da Comissão, para existir este elemento transfronteiriço, basta que o processo suscite questões relativas à determinação da competência internacional do tribunal, o que pode verificar‑se sempre que o demandado no processo principal seja nacional de outro Estado‑Membro. A Comissão também afirma que, no caso em apreço, o domicílio do demandado é incerto.

34.      Ao invés, os Governos húngaro, dinamarquês e neerlandês sustentam que o facto de um demandado ser nacional de outro Estado‑Membro, por si só, não é fundamento suficiente para justificar a aplicação das regras de competência do Regulamento n.° 44/2001. Segundo as regras de competência do Regulamento, a nacionalidade não desempenha papel algum.

B –    Quanto à segunda questão prejudicial

35.      Através da sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as disposições do Regulamento n.° 44/2001 se opõem à aplicação de disposições nacionais, tais como a contida no artigo 29.°, n.° 3, do OSŘ. De acordo com estas disposições, é possível intentar acções contra pessoas com domicílio desconhecido, mediante a designação de um mandatário ad litem para as mesmas. O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade de uma disposição como esta, em especial, com o artigo 2.° do regulamento.

36.      Todas as partes no processo que apresentaram observações sustentam que uma disposição nacional como esta é compatível com as exigências do direito da União. Na verdade, o direito processual não foi completamente harmonizado pelo regulamento e continua a reger‑se pelo direito nacional. Na medida em que os Estados‑Membros tomem em consideração as exigências do Regulamento n.° 44/2001, têm liberdade para determinar a aplicabilidade dessas disposições nacionais.

37.      Quanto às regras de competência internacional susceptíveis de serem tomadas em consideração, os Governos checo e dinamarquês alegam que a competência, em princípio, se rege pelo domicílio do demandado. Por conseguinte, defendem que o órgão jurisdicional de reenvio deve apurar, em primeiro lugar, se o demandado tem domicílio na República Checa ou noutro Estado‑Membro, caso em que, de acordo com o artigo 59.° do regulamento, se aplica o direito nacional do Estado‑Membro em causa. Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o demandado não tem domicílio num Estado‑Membro, a competência internacional é determinada pelo direito nacional, conforme o disposto no artigo 4.° do Regulamento n.° 44/2001. O Governo checo propõe um critério segundo o qual o juiz nacional, num caso como o dos autos, possa presumir que o domicílio do demandado é num Estado‑Membro, embora também admita que, nessa hipótese, se trata de uma solução de lege ferenda. A demandante salienta, a este propósito, que o demandado no processo principal, que não é um consumidor na acepção do regulamento, tem o seu domicílio na República Checa. A demandante confiava que, devido ao contrato a longo prazo celebrado com o demandado no processo principal, este permanecesse a longo prazo no território da República Checa.

38.      No que respeita ao direito de defesa do demandado, a demandante no processo principal e os Governos húngaro, neerlandês, francês e dinamarquês salientam que, na aplicação daquela disposição nacional, devem ser tidos em conta tanto o artigo 26.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001, como o direito de defesa do demandado nele expresso. Segundo esta disposição, o tribunal nacional deve tomar todas as medidas necessárias para permitir a um demandado defender‑se numa acção intentada contra ele. Se estas medidas fossem tomadas, o direito de defesa do demandado seria suficientemente protegido, de acordo com o disposto no artigo 47.°, n.° 2, da Carta. Todavia, sustentam que o regulamento não pode ser interpretado no sentido de que a demandante não pode proceder judicialmente contra uma parte com domicílio desconhecido. Com efeito, também há que ter em conta o direito da demandante à protecção jurídica efectiva, nos termos do artigo 47.°, n.° 1, da Carta.

39.      Em contrapartida, a demandante no processo principal e o Governo francês alegam que a designação de um mandatário ad litem ao demandado, nos termos do artigo 29.°, n.° 3, do OSŘ, não limita o seu direito de defesa. Pelo contrário, esta designação salvaguarda o direito de defesa. O Governo checo alega que, num caso em que a competência se determine pelo direito nacional, o Regulamento n.° 44/2001, em face do disposto no seu artigo 4.°, nem sequer é aplicável.

40.      Finalmente, os Governos neerlandês e húngaro alegam a este propósito que um acórdão proferido em aplicação de uma disposição nacional, como o artigo 29.°, n.° 3, do OSŘ, não pode ser reconhecido nem executado noutro Estado‑Membro, de acordo com o disposto no artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001. A Comissão alega também que o artigo 34.°, n.° 2, do regulamento pode ser aplicável em determinados casos.

C –    Quanto à terceira questão prejudicial

41.      Através da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se passou a ser competente à luz do estabelecido no artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, pelo facto de o mandatário ad litem, designado nos termos do artigo 29.°, n.° 3, do OSŘ, ter comparecido para intervir no processo, sem suscitar a questão da competência. Recorda neste contexto que o contrato de mútuo com garantia hipotecária celebrado entre a demandante e o demandado no processo principal é um contrato estabelecido por um consumidor, na acepção do artigo 15.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 44/2001. Por isso, acrescenta, são competentes, nos termos do artigo 16.°, n.° 2, do regulamento, os tribunais dos Estados‑Membros onde o consumidor tenha o seu domicílio.

42.      A Comissão e os Governos húngaro, francês e checo entendem que o artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001 também se aplica aos contratos celebrados por consumidores.

43.      No entanto, os Governos checo, neerlandês e francês, bem como a Comissão, sustentam que a comparência de um mandatário ad litem não equivale à comparência a que se refere o artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001. A Comissão afirma, a este respeito, que o conceito de comparência do demandado no processo, na acepção do artigo 24.° do regulamento, deve ser interpretado de forma autónoma. A protecção do direito de defesa não permite, numa situação como a do caso em apreço, considerar que houve comparência do demandado na acepção do artigo 24.° do regulamento, independentemente da posição do mandatário ad litem à luz do direito nacional.

44.      Ao invés, o Governo húngaro e a demandante no processo principal consideram que a comparência de um mandatário ad litem, nos termos do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, implica a competência do órgão jurisdicional de reenvio. Os poderes do mandatário ad litem devem ser apreciados à luz do direito nacional.

45.      O Governo dinamarquês entende que se deve considerar que a questão de saber se a comparência de um mandatário ad litem justifica a competência nos termos do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001 deve ser apreciada caso a caso.

D –    Quanto à quarta questão prejudicial

46.      Através da sua quarta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em primeiro lugar, se uma convenção sobre a competência territorial de um determinado tribunal também pode ser considerada, de modo concludente, uma convenção sobre a competência internacional dos tribunais do Estado‑Membro em causa, para efeitos do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001. Pretende também saber se o facto de a convenção sobre o tribunal territorialmente competente não ser vinculativa, devido a uma prática abusiva na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 93/13, pode produzir efeitos quanto ao pacto tácito atributivo de jurisdição internacional.

47.      Os Governos checo, dinamarquês e francês, bem como a Comissão sustentam que essa convenção constitui uma convenção tácita sobre a competência, nos termos do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001. O Governo húngaro entende que há que distinguir o seguinte: na medida em que exista um elemento transfronteiriço, essa cláusula pode ser uma cláusula de extensão da competência internacional de acordo com o disposto no artigo 17.°, n.° 3, do regulamento. Se não existir esse elemento, essa cláusula só poderá ser considerada cláusula de competência internacional se isso não for contrário à vontade das partes.

48.      O Governo francês e a Comissão alegam que o juiz nacional deve indagar oficiosamente se a cláusula é abusiva, na acepção do artigo 6.° da Directiva 93/13.

49.      A demandante no processo principal defende que uma cláusula como esta não deve ser considerada cláusula abusiva na acepção do artigo 6.° da Directiva 93/13, porque, em primeiro lugar, não se trata de um contrato com um consumidor e, em segundo lugar, a distância entre a sede da demandante, em Praga, e o domicílio do demandado não é muito grande.

50.      Por último, os Governos checo e húngaro sustentam que uma convenção como esta sobre a competência internacional é válida mesmo que a convenção sobre a competência territorial seja inválida à luz do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 93/13. O artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser considerado como lex specialis relativamente ao artigo 3.°, n.° 1, e ao artigo 6.° da Directiva 93/13. Em contrapartida, os Governos dinamarquês e francês e a Comissão entendem que uma cláusula inválida nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 93/13 também não pode constituir um pacto atributivo de jurisdição internacional válido, nos termos do disposto no artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001.

VI – Apreciação jurídica

51.      O processo principal caracteriza‑se pelo facto de a demandante ter intentado uma acção no órgão jurisdicional de reenvio contra um demandado cujo domicílio não é conhecido. Nos termos do artigo 29.°, n.° 3, do OSŘ, o órgão jurisdicional de reenvio pode, num caso como este, designar um mandatário ad litem para o demandado. Interroga‑se, porém, sobre se é compatível com as exigências do direito da União, em particular, com as do Regulamento n.° 44/2001, que, nessas circunstâncias, o processo prossiga contra o demandado.

52.      Dado que as quatro questões prejudiciais que o órgão jurisdicional de reenvio submete neste contexto estão estreitamente relacionadas, vou examiná‑las em conjunto. Em primeiro lugar, vou debruçar‑me sobre a questão de saber se a aplicação de uma disposição como o artigo 29.°, n.° 3, do OSŘ é, em princípio, compatível com o Regulamento n.° 44/2001 (A). A resposta a esta questão é afirmativa. Com efeito, um tribunal nacional, ao aplicar uma disposição como esta, deve observar as exigências do direito da União, em especial, as que decorrem do regulamento. Nestas, incluem‑se, em primeiro lugar, as regras de competência que estão estabelecidas no regulamento (B) a seguir analisarei as exigências mínimas relativas ao direito de defesa do demandado (C).

A –    Compatibilidade, em princípio, de uma disposição como o artigo 29.°, n.° 3, do OSŘ com o direito da União

53.      Resulta da decisão de reenvio que a designação do mandatário ad litem, nos termos do artigo 29.°, n.° 3, do OSŘ, permite que prossiga um processo contra o demandado no processo principal, apesar de o seu domicílio ser desconhecido e de a acção intentada não lhe ter sido pessoalmente notificada.

54.      As regras do Regulamento n.° 44/2001 não se opõem, em princípio, à aplicação de uma disposição nacional como esta. Com o Regulamento n.° 44/2001, deveriam, nomeadamente, unificar‑se as regras sobre a repartição das competências judiciárias nos litígios em matéria civil e comercial nas relações entre os Estados contratantes e facilitar‑se a execução das decisões judiciais, mas não harmonizar‑se o direito processual dos Estados‑Membros (7). Por conseguinte, fica, em princípio, ao critério dos Estados‑Membros a adopção de uma norma processual como a prevista no artigo 29.°, n.° 3, do OSŘ, segundo a qual pode ser designado um mandatário ad litem para um demandado com domicílio desconhecido, para permitir que o processo prossiga (8).

55.      Com efeito, um tribunal nacional, ao aplicar o seu direito nacional, deve assegurar a plena eficácia do direito da União. Num caso como o dos autos, deve, em especial, tomar em consideração as regras de competência previstas no Regulamento n.° 44/2001 e garantir a protecção do direito de defesa do demandado (9).

B –    Quanto à tomada em consideração das regras de competência do Regulamento n.° 44/2001

56.      A designação de um mandatário ad litem ao demandado no processo principal não dispensa o órgão jurisdicional de reenvio do cumprimento das regras de competência do Regulamento n.° 44/2001. Estas regras são aplicáveis numa situação como a do caso em apreço (1). Por essa razão, o órgão jurisdicional de reenvio deve averiguar se é competente de acordo com estas regras (2).

1.      Quanto à aplicabilidade das regras de competência do Regulamento n.° 44/2001

57.      Como decorre da primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, num caso como o dos autos, as regras de competência estabelecidas pelo Regulamento n.° 44/2001 impõem a sua aplicação.

58.      A resposta a esta questão é afirmativa.

59.      Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça (10), que, na verdade, foi proferida a respeito das regras de competência internacional da Convenção de Bruxelas, mas é transponível (11) para o Regulamento n.° 44/2001, a aplicação destas regras pressupõe um elemento transfronteiriço (12). Para existir um elemento transfronteiriço deste tipo, basta que um Estado‑Membro suscite questões relativas à sua competência internacional (13).

60.      Um processo como o dos autos suscita questões deste tipo.

61.      Essas questões podem colocar‑se, nomeadamente, quando estão implicados outros Estados devido ao domicílio das partes, ao fundamento do litígio ou ao local do evento litigioso. Também a circunstância de o demandado no processo principal ser nacional de outro Estado‑Membro (14) e o facto de o órgão jurisdicional de reenvio desconhecer o seu domicílio são susceptíveis de suscitar tais questões relativas à competência de um órgão jurisdicional na ordem jurídica internacional.

62.      Acresce que o sentido e o objectivo do artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 apontam para a aplicação das regras de competência do regulamento num caso como o dos autos. Segundo estas regras, um consumidor, em princípio, só pode ser demandado em juízo nos tribunais do seu domicílio. Se estas disposições não se aplicassem numa situação como a do caso em apreço, em que o tribunal nacional simplesmente declarou que o demandado não tem domicílio no seu Estado‑Membro, existiria o risco de um demandado ser demandado no Estado‑Membro do tribunal, apesar de ter o seu domicílio noutro Estado‑Membro. Isto frustraria o objectivo de protecção do artigo 16.°, n.° 2, do regulamento.

63.      Como argumento contra a aplicabilidade das regras de competência do Regulamento n.° 44/2001 num caso como o dos autos, o Governo húngaro objecta que, segundo o artigo 2.°, n.° 2, do regulamento, as mesmas regras devem ser indistintamente aplicáveis aos nacionais e aos não nacionais que tenham o seu domicílio no mesmo Estado‑Membro. O Governo neerlandês defende que as regras sobre a competência judiciária internacional estabelecidas no regulamento são conexas, em princípio, com o domicílio, sem tomar em consideração a nacionalidade.

64.      Estas objecções não conseguem convencer.

65.      Importa, nomeadamente, distinguir entre a questão de saber, por um lado, em que circunstâncias as regras de competência exigem a sua aplicação, e, por outro, a questão de saber por que critérios se rege a competência internacional segundo estas regras. As disposições que este Governo invoca contêm os critérios que definem a competência internacional, na medida em que as regras de competência do regulamento sejam aplicáveis. Em contrapartida, a partir desses critérios, não se pode inferir quando são aplicáveis as regras de competência do regulamento.

66.      Assim, importa reter, a título de conclusão provisória, que as regras de competência do Regulamento n.° 44/2001 são aplicáveis num caso como o dos autos e devem ser respeitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

2.      Quanto à competência do órgão jurisdicional de reenvio

67.      O órgão jurisdicional de reenvio deve, portanto, averiguar se é competente à luz das regras do Regulamento n.° 44/2001.

68.      Como resulta da terceira questão prejudicial, o tribunal de reenvio pretende, neste contexto, saber em primeiro lugar se, devido à comparência do mandatário ad litem, que foi designado ao demandado sem a vontade nem o conhecimento deste e não suscitou a questão da competência, se pode considerar competente de acordo com o disposto no artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001 (a). A seguir, através da sua quarta questão prejudicial, pretende saber se pode declarar‑se competente com base num pacto atributivo de jurisdição internacional, para efeitos do artigo 17.°, n.° 3, do regulamento (b).

69.      Na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio não poder fundar a sua competência em nenhuma das disposições acima mencionadas, deverá tomar em consideração as regras de competência previstas no artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001. Segundo estas regras, a acção do outro co‑contratante contra um consumidor só pode ser intentada nos tribunais do Estado‑Membro onde o consumidor tiver o seu domicílio (c). Se esta disposição não se aplicar então, em minha opinião, aplica‑se o artigo 4.° do regulamento segundo o qual a competência internacional se rege pelo direito nacional do órgão jurisdicional de reenvio (d).

a)      Quanto à comparência sem suscitar a questão da competência, de acordo com o artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001

70.      Segundo o artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, é competente o tribunal perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se essa comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22.°

71.      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se esta disposição também se aplica aos contratos celebrados por consumidores. A resposta a esta questão é afirmativa (i). De facto, deve considerar‑se de forma mais ampla a questão de saber se a comparência de um mandatário ad litem designado para um demandado, sem a vontade nem o conhecimento deste, pode equivaler à comparência do demandado na acepção desta disposição (ii).

i)      Aplicabilidade aos contratos celebrados por consumidores

72.      Deve observar‑se, em primeiro lugar, que o artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001 é aplicável aos contratos celebrados por consumidores, na acepção do seu capítulo II, secção 4.

73.      No acórdão «Bilas», o Tribunal de justiça declarou que o artigo 24.° do regulamento é aplicável aos processos em matéria de seguros, nos termos do seu capítulo II, secção 3 (15). Esta jurisprudência é transponível para os casos de contratos celebrados por consumidores, nos termos da secção 4 desse mesmo capítulo. Como o Tribunal de Justiça salientou neste acórdão, o artigo 24.°, primeiro período, do regulamento aplica‑se a todos os litígios em que a competência do tribunal onde foi intentada a acção não decorra de outras disposições deste regulamento. Esta disposição é aplicável também aos casos em que a acção foi intentada com violação das disposições do referido regulamento. Implica que a comparência do demandado no processo possa ser considerada aceitação tácita da competência do tribunal onde foi intentada a acção e, portanto, uma extensão da sua competência (16). O Tribunal de Justiça concluiu, ainda, que, na verdade, o artigo 24.°, segundo período, do regulamento prevê excepções ao princípio da comparência em que não se suscita a questão da competência, mas que esta excepção, que deve ser interpretada restritivamente, apenas se aplica aos casos aí expressamente mencionados (17). Com efeito, não se faz referência nem à inobservância das regras relativas aos processos em matéria de seguros, nos termos do capítulo II, secção 3, do regulamento, nem à inobservância das regras relativas aos contratos celebrados por consumidores, nos termos do capítulo II, secção 4, do regulamento.

74.      Por conseguinte, o artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001 também é aplicável aos contratos celebrados por consumidores, nos termos do capítulo II, secção 4, do regulamento (18).

ii)    Quanto ao conceito de comparência do demandado

75.      Com efeito, põe‑se ainda a questão de saber se, numa situação como a do caso em apreço, há comparência do demandado na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio nem sequer apresentou esta questão de forma expressa. Sucede que, no quadro de um processo de pedido prejudicial, o Tribunal de Justiça pode dar ao órgão jurisdicional de reenvio todas as indicações que considere úteis para a resolução do litígio no processo principal (19).

76.      No que concerne à definição de comparência do demandado, na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, trata‑se de um conceito do direito da União a interpretar uniformemente. Segundo jurisprudência assente, as disposições do regulamento devem, em princípio, ser interpretadas autonomamente e tomando em consideração a sistemática e os objectivos do regulamento (20). A situação é diferente quando se remete expressamente para o direito nacional ou quando resulta expressamente das disposições em causa que o legislador da União pretendia atribuir a decisão destas questões ao direito dos Estados‑Membros. Isto também não é claro no que diz respeito ao conceito de comparência do demandado na acepção do artigo 24.° do regulamento.

77.      Do conceito autónomo de comparência do demandado nos termos do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001 decorrem, portanto, as exigências mínimas do direito da União, que devem ser tomadas em consideração pelos Estados‑Membros (21). Todavia, isto não significa que o direito processual nacional seja completamente preterido. Ao invés, é aplicado complementarmente (22).

78.      Num caso como o dos autos coloca‑se a questão de saber se é compatível com estas exigências mínimas do direito da União considerar que há comparência do demandado, na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, quando se trata da comparência de um mandatário ad litem designado a um demandado consumidor, sem a sua vontade nem o seu conhecimento.

79.      No acórdão Hendrikman (23) o Tribunal de Justiça decidiu que a comparência de um mandatário judicial que não tenha sido pessoalmente mandatado pelo demandado não pode ser interpretada como comparência do demandado na acepção do artigo 27.°, n.° 2, da Convenção de Bruxelas I, disposição que antecedeu o artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 (24).

80.      Tendo em consideração esta jurisprudência, afigura‑se‑me que o conceito de comparência do demandado contido no artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que um mandatário judicial que tenha sido designado a um demandado consumidor, sem a vontade nem o conhecimento deste, não pode comparecer em nome dele. Com efeito, num caso como o dos autos, trata‑se de um mandatário ad litem designado pelo tribunal e não de um advogado sem mandato para esse efeito, como no processo Hendrikman. Além disso, está aqui concretamente em causa a interpretação do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001, que se aplica no primeiro processo e não a do artigo 34.°, n.° 2, do regulamento, que se aplica no processo de execução. Contudo, afigura‑se‑me que a ratio desta jurisprudência é transponível para um caso como o dos autos.

81.      Um objectivo importante do Regulamento n.° 44/2001 é, nomeadamente, a protecção do direito de defesa do demandado (25), que está consagrado como direito fundamental no artigo 47.°, n.° 2, da Carta. Em meu entender, não se pode conciliar com este objectivo o facto de, num caso como o dos autos, ser imputada ao demandado a comparência de um mandatário ad litem, nomeado sem a vontade nem o conhecimento do demandado. Com efeito, em primeiro lugar, num caso como este, o demandado não pode tomar uma decisão consciente em relação à condução do processo. Em segundo lugar, um mandatário ad litem que não tenha qualquer contacto com o demandado, não dispõe regularmente das informações necessárias para poder ajuizar se uma comparência nos termos do artigo 24.° do regulamento pode do interesse do demandado. Em terceiro lugar, existe o risco de que esta falta de informações do mandatário ad litem inviabilize a contestação da competência do tribunal em causa.

82.      Além disso, deve igualmente considerar‑se que o artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 deve proteger um consumidor contra a possibilidade de ser demandado em tribunais diferentes dos do seu Estado‑Membro. Se a comparência de um mandatário ad litem, designado a um consumidor sem a sua vontade nem o seu conhecimento, lhe for imputada e, deste modo, fundamentar a efectivação da competência do tribunal que designou o mandatário ad litem, então há o risco de a eficácia do artigo 16.°, n.° 2, do regulamento ficar limitada.

83.      Há também que ter presente que a comparência nos termos do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001 determina o local do tribunal e, portanto, também a lex fori, o que pode ter graves consequências na solução do litígio.

84.      Por todas as razões expostas, considero que a comparência de um mandatário ad litem do demandado, designado sem a vontade nem o conhecimento deste, não pode, em princípio, ser‑lhe imputada, nos termos do artigo 24.° do regulamento, como comparência própria.

iii) Conclusão

85.      Tudo ponderado, resta concluir que o artigo 24.° do regulamento se aplica, de facto, aos contratos celebrados por consumidores e que a comparência de um mandatário ad litem, designado para um demandado consumidor sem a sua vontade ou o seu conhecimento, não pode, todavia, ser‑lhe imputada como comparência na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio não pode fundamentar‑se nessa disposição para fundar a sua própria competência (26).

b)      Quanto à convenção sobre a competência internacional, nos termos do artigo 17.°, n.° 3, do regulamento

86.      Como resulta da quarta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ainda se, num caso como o dos autos, a sua competência internacional se pode fundar num pacto atributivo de jurisdição celebrado ao abrigo do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/200.

87.      Segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, o caso em apreço é um processo em matéria de contratos celebrados por consumidores, nos termos do artigo 15.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 44/2001, pelo que são aplicáveis as disposições mais específicas do capítulo II, secção 4, do Regulamento n.° 44/2001. Nos termos do artigo 16.°, n.° 2, do regulamento, em princípio, o consumidor só pode ser demandado nos tribunais do Estado‑Membro em que tiver domicílio. No entanto, pode ser convencionada uma derrogação a esta regra, respeitando os pressupostos do artigo 17.° do regulamento. Assim, nos termos do n.° 3 desta disposição, um consumidor e o seu co‑contratante podem convencionar que são competentes os tribunais do Estado‑Membro se, no momento da celebração do contrato, ambas as partes tiverem domicílio ou residência habitual no mesmo Estado‑Membro, desde que a lei deste Estado‑Membro não proíba esse acordo.

i)      Âmbito de aplicação do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001

88.      Num caso como o que nos ocupa, a primeira questão que se coloca é a de saber se o artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001 também se pode aplicar, mesmo que haja a possibilidade de o demandado no processo principal já não ter domicílio no território do Estado‑Membro no momento da apresentação do pedido.

89.      A resposta a esta questão deve ser afirmativa.

90.      Com efeito, para a aplicabilidade desta disposição, é suficiente que, no momento da celebração do contrato, as duas partes tenham domicílio no território do Estado‑Membro em causa (27). Esta interpretação corresponde à vontade do legislador, contida nesta disposição, que consiste em proteger a contraparte do consumidor (28). Este objectivo só pode ser alcançado com eficácia se uma convenção como esta não for afectada por uma alteração posterior da morada e, em particular, quando essa alteração se tiver verificado para um Estado terceiro (29).

ii)    Domicílio do consumidor e do seu co‑contratante no mesmo Estado‑Membro

91.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, tanto a demandante como o demandado no processo principal estavam domiciliados na República Checa no momento da celebração do contrato, pelo que está preenchido o primeiro pressuposto do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001.

iii) Convenção tácita sobre a competência internacional dos tribunais checos

92.      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se um pacto atributivo de jurisdição territorial, em conformidade com o qual o tribunal competente para dirimir os litígios é aquele em que a demandante no processo principal tinha a sua sede estatutária à data da propositura da acção, pode ser considerado uma convenção sobre a competência internacional, nos termos do disposto no artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001.

93.      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio tem de apurar se a demandante e o demandado acordaram que os tribunais checos devem ser internacionalmente competentes para litígios emergentes do contrato de mútuo com hipoteca. Na falta de regras correspondentes do direito da União, cumpre ao órgão jurisdicional de reenvio, mediante a aplicação da sua legislação nacional, averiguar se do pacto atributivo de jurisdição territorial, pode inferir‑se a existência de um pacto tácito sobre a competência internacional. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, isto parece ser possível por aplicação do direito checo. Efectivamente, parece‑me que duas partes com domicílio no mesmo Estado‑Membro, podem, para a hipótese de litígio, determinar regularmente através da convenção, quanto ao tribunal competente em concreto, não só o tribunal territorialmente competente, mas também, tacitamente, os tribunais internacionalmente competentes.

94.      Em seguida, coloca‑se ainda a questão de saber se tais convenções tácitas podem ser tomadas em consideração nos termos do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001. A resposta a esta questão é afirmativa. A redacção desta disposição não prevê nenhuma restrição aos acordos expressamente definidos. Além disso, a limitação do âmbito de aplicação desta disposição aos acordos expressamente definidos limitaria excessivamente o seu efeito útil. Regra geral, o artigo 17.°, n.° 3, do regulamento aplica‑se aos casos em que, à data da celebração do acordo, ainda não exista nenhum elemento de carácter internacional e este apenas ocorre posteriormente pelo facto de o consumidor ter mudado o seu domicílio para outro Estado‑Membro. Numa situação inicial como a dos autos, as partes contratantes não considerariam geralmente necessário convencionar a competência internacional dos tribunais do Estado‑Membro, no qual ambas tinham o seu domicílio. Uma restrição aos acordos expressamente definidos seria dificilmente compatível com o objectivo desta disposição, que é o de proteger o co‑contratante do consumidor do eventual deslocamento de competências que possa ocorrer em consequência da saída do consumidor de um Estado‑Membro (30).

iv)    Quanto à admissibilidade da convenção segundo o direito nacional

95.      Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que a demandante e o demandado no processo principal fizeram um pacto sobre a competência dos tribunais checos, deve então apreciar se, nos termos do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, essa cláusula é permitida pelo direito checo.

96.      O órgão jurisdicional de reenvio suscitou dúvidas sobre a força vinculativa deste pacto. A este respeito, chama a atenção para que a cláusula de competência territorial segundo a qual o tribunal da sede da demandante é o tribunal competente podia ser considerada abusiva, para efeitos do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 93/13 e, assim, não vinculativa, nos termos do artigo 6.° desta directiva, porque a demandante no processo principal, no momento em que o contrato foi celebrado, tinha a sua sede estatutária em Praga e o demandado no processo principal tinha domicílio em Marienbad.

97.      A este respeito, coloca‑se, em primeiro lugar, a questão de saber se e em que medida o pacto tácito atributivo de competência internacional deve, em si mesmo, ser aferido tendo em conta as exigências da Directiva 93/13. Em segundo lugar, coloca‑se a questão de saber se o eventual carácter não vinculativo do pacto sobre a competência territorial do tribunal também é susceptível de produzir efeitos sobre o pacto tácito relativo à competência internacional do tribunal. Em terceiro lugar, referir‑me‑ei aos critérios segundo os quais se determina o carácter abusivo de um pacto atributivo de jurisdição territorial.

–       Quanto à apreciação do pacto relativo à competência internacional à luz da Directiva 93/13

98.      Nos termos do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, o pacto relativo à competência internacional deve ser permitido pelo direito nacional. Uma vez que os Estados‑Membros devem observar as exigências do direito da União na conformação do seu direito nacional, importa ter presente, a este respeito, em especial, as exigências da Directiva 93/13 (31). Assim, as cláusulas de competência internacional, que são abrangidas pelo âmbito de aplicação desta directiva, que são, portanto, utilizadas nas condições gerais contratuais de um profissional, estão, em princípio, sujeitas ao controlo do carácter abusivo previsto no seu artigo 3.°, n.° 1, e dos imperativos de clareza e de compreensibilidade contidos no seu artigo 5.°

99.      Com efeito, na apreciação do carácter abusivo de uma cláusula como esta, não se pode deixar de ter em conta que o legislador da União, ao adoptar o artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, quis conceder ao co‑contratante do consumidor a possibilidade de impedir a transferência da competência internacional, na hipótese de saída do consumidor do Estado‑Membro comum. Tomando em consideração esta intenção do legislador, uma cláusula de competência internacional, que se insira no âmbito de aplicação da Directiva 93/13, não pode ser considerada abusiva, na acepção do seu artigo 3.°, n.° 1, só porque prevê que devem ter competência internacional para dirimir litígios entre o consumidor e o profissional, os tribunais do Estado‑Membro em que ambos tenham domicílio à data da celebração do acordo. Na hipótese de a aplicação do artigo 17.°, n.° 3, do regulamento ser limitada a convenções que não constituam condições gerais de transacção na acepção da Directiva 93/13, então seria significativamente limitado o efeito útil do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001.

100. Algo de semelhante se verifica com os requisitos que o artigo 5.°, primeira frase, da Directiva 93/13 estabelece, em termos de clareza e de compreensibilidade, para uma cláusula tácita de competência internacional acordada com a estipulação de uma cláusula de competência territorial. Também neste contexto deve ser tomada em consideração a apreciação do legislador emergente do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001. Um critério segundo o qual a clareza e a compreensibilidade obstam à inclusão de uma cláusula de competência internacional, como esta, tacitamente convencionada limitaria excessivamente o âmbito de aplicação do artigo 17.°, n.° 3, do regulamento (32).

–       Quanto aos efeitos do eventual carácter não vinculativo do pacto atributivo de jurisdição territorial sobre o pacto atributivo de jurisdição internacional

101. Em seguida, surge no caso vertente a questão de saber se o eventual carácter não vinculativo do pacto atributivo de jurisdição territorial nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 93/13, é susceptível de produzir efeitos sobre o pacto atributivo de jurisdição internacional tacitamente convencionado.

102. Segundo o disposto no artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 93/13, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado entre um consumidor e um profissional devem considerar‑se não vinculativas para o consumidor. Naturalmente, o contrato deve continuar a vincular as partes se puder subsistir sem as cláusulas abusivas. De acordo com estas exigências do direito da União, trata‑se, no caso de ineficácia da cláusula de extensão territorial, de determinar se o pacto sobre a competência territorial e a cláusula tácita de competência internacional, com ela conexa, devem considerar‑se, quanto ao seu conteúdo, como uma cláusula única, ou se a cláusula de competência internacional pode considerar‑se incluída no contrato e, assim, apesar do carácter não vinculativo da cláusula de competência territorial, continuar a produzir efeitos entre o consumidor e o outro co‑contratante.

103. Depende, finalmente, da vontade das partes, saber se a cláusula de competência territorial e a cláusula tácita de competência internacional devem ou não ser consideradas substancialmente como uma única. Na falta de disposições do direito da União a esse respeito, o órgão jurisdicional de reenvio deve apurá‑lo, mediante aplicação das respectivas normas nacionais. Neste contexto, compete, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio tomar em consideração que o facto de, num caso como o dos autos, a cláusula de competência internacional decorrer, em especial, da cláusula de competência territorial, não basta por si só para considerar as duas cláusulas como uma única. Além do mais, uma cláusula de competência territorial e uma cláusula de extensão internacional têm funções diferentes. Com efeito, uma cláusula de competência internacional também tem o efeito de delimitar territorialmente os tribunais competentes de acordo com as fronteiras dos Estados. Em regra, as partes também prosseguem outros objectivos com uma cláusula de competência internacional. A escolha dos tribunais internacionalmente competentes tem, nomeadamente, múltiplas consequências jurídicas e de facto, que podem reflectir‑se no tratamento do litígio e no resultado do processo. Nelas se incluem, em especial, a determinação da lex fori, as normas de conflito em vigor na área de jurisdição do tribunal e a língua do processo (33).

104. No caso de o órgão jurisdicional de reenvio, tomando em consideração o que foi exposto, chegar à conclusão de que o pacto sobre a competência territorial do tribunal e o pacto atributivo de jurisdição internacional, de acordo com a vontade das partes, não constituem uma única cláusula, então, o carácter não vinculativo da cláusula de competência territorial não pode produzir efeitos sobre a cláusula de competência internacional (34).

–       Quanto ao carácter abusivo do pacto atributivo de jurisdição territorial

105. Perante o exposto, num caso como o dos autos, o eventual carácter abusivo do pacto atributivo de competência territorial não pode, pois, produzir efeitos sobre o pacto de competência internacional. Todavia, tais efeitos não podem ser completamente excluídos. Como, além disso, é provável que o órgão jurisdicional de reenvio se ocupe, a propósito da competência territorial, com a apreciação do carácter abusivo da cláusula de competência territorial, farei seguidamente uma breve referência à apreciação do carácter abusivo dos pactos relativos à competência territorial.

106. Nos termos do artigo 3.° da Directiva 93/13, considera‑se abusiva uma cláusula contratual quando, a despeito da exigência da boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato. Assim, esta disposição define apenas factores abstractos que conferem carácter abusivo a uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual (35). Neste contexto, o artigo 3.°, n.° 3, da directiva remete para um anexo, do qual consta uma lista de cláusulas que podem ser consideradas abusivas. A alínea q) desta lista elenca cláusulas que têm como objectivo ou como efeito suprimir ou entravar a possibilidade de intentar acções judiciais ou seguir outras vias de recurso, por parte do consumidor, nomeadamente obrigando‑o a submeter‑se exclusivamente a uma jurisdição de arbitragem não abrangida por disposições legais, limitando indevidamente os meios de prova à sua disposição ou impondo‑lhe um ónus da prova que, nos termos do direito aplicável, caberia normalmente a outra parte contratante. Esta lista é, pois, meramente exemplificativa e não exaustiva (36). O carácter abusivo de uma determinada cláusula contratual é aferido à luz do disposto no artigo 4.° da Directiva 93/13, tomando em consideração o tipo de bens ou serviços que são objecto do contrato e todas as circunstâncias presentes na celebração de um contrato. A este respeito, também se devem examinar os efeitos que podem decorrer das cláusulas no âmbito do direito aplicável ao contrato. Isto implica um exame do ordenamento jurídico nacional (37).

107. Com base no quadro de direito da União apresentado, o Tribunal de Justiça limita‑se, nos pedidos de decisão prejudicial, a interpretar os critérios geralmente utilizados pelo legislador da União para definir o conceito de cláusula abusiva. Cumpre aos tribunais nacionais apreciar o carácter abusivo de uma cláusula tomando estes critérios em consideração. Como o Tribunal de Justiça tem frequentemente declarado na sua recente jurisprudência, esta repartição das tarefas aplica‑se também na apreciação de cláusulas exclusivas de competência territorial (38).

108. Como resulta da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, um tribunal nacional, ao apreciar o carácter abusivo de cláusulas exclusivas de competência territorial, deve tomar em consideração o facto de poderem surgir para um consumidor custos desproporcionalmente elevados para a sua comparência em tribunal, sempre que o tribunal em causa se situe longe do domicílio do consumidor e se trate de um litígio de valor reduzido. Ora, nestas circunstâncias, uma cláusula de competência territorial exclusiva pode, nomeadamente, dificultar a comparência do consumidor em juízo e levá‑lo mesmo a renunciar a qualquer acção judicial ou a qualquer defesa (39).

109. Todavia, num caso como o dos autos, não se trata de um litígio de valor reduzido, mas de um litígio de valor elevado, em concreto, de 4 383 584,60 CZK acrescido de juros de mora. Por conseguinte, da relação entre o valor e os custos que o consumidor terá de suportar como consequência da cláusula de competência territorial para comparecer em tribunal, não se pode desde logo concluir pela impossibilidade prática do exercício dos meios de recurso.

110. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio, na apreciação do carácter abusivo de uma cláusula de competência territorial, como no presente caso, deve tomar em consideração o facto de que uma cláusula como esta permite ao profissional reunir todo o contencioso relativo à sua actividade profissional num único órgão jurisdicional, que não é o do foro do consumidor. Mesmo que isto, como num caso como o dos autos, não leve a uma exclusão, de facto, das vias de recurso, pode dificultar a comparência do consumidor e elevar os seus custos. Além disso, uma cláusula como esta pode facilitar a organização da comparência do profissional e, com isso, reduzir custos que lhe estavam associados (40).

v)      Conclusão

111. Importa reter, como primeira conclusão provisória, que a competência internacional, nos termos do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, também pode resultar tacitamente de pactos atributivos de jurisdição territorial que correspondam à vontade das partes, o que deve ser determinado pelo tribunal nacional.

112. Em segundo lugar, a não vinculabilidade de um pacto sobre a competência territorial devido ao seu carácter abusivo, na acepção dos artigos 3.°, n.° 1, e 6.° da Directiva 93/13, só pode produzir efeitos sobre um pacto atributivo de jurisdição internacional tacitamente convencionado, como o dos autos, se este resultar da vontade das partes, o que, regra geral, não se deve pressupor.

c)      Quanto à tomada em consideração do foro do domicílio do consumidor, de acordo com o disposto no artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001

113. Na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio não possa fundar a sua competência internacional num pacto atributivo de jurisdição internacional, celebrado entre a demandante e o demandado no processo principal, está obrigado a observar os requisitos do artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001. Consequentemente, a acção contra o consumidor só pode ser intentada nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território esteja domiciliado o consumidor. Daqui resulta para um tribunal nacional a consideração de dois pressupostos, que são: um, que fundamenta a sua competência e outro que a exclui.

114. Em primeiro lugar, resulta desta disposição que um tribunal nacional tem competência internacional sempre que o consumidor esteja domiciliado no Estado‑Membro deste tribunal Por conseguinte, um tribunal nacional está obrigado, em primeiro lugar, a indagar se o demandado está domiciliado no território do seu Estado‑Membro. Segundo o artigo 59.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/200, aplica, para isso, o seu próprio direito.

115. Neste contexto, coloca‑se a questão de saber se, das condições em que o contrato foi celebrado, em particular, da cláusula segundo a qual o demandado está obrigado a comunicar à demandante a alteração do domicílio, resulta que as partes convencionaram como domicílio aquele que o demandado tinha à data da celebração do contrato. A este respeito, deve concluir‑se, em primeiro lugar, que, de acordo com o artigo 59.°, n.° 1, do regulamento, a determinação do domicílio do demandado se rege pelo direito nacional e, por essa razão, este deve, em princípio, ser averiguado pelo órgão jurisdicional de reenvio mediante aplicação do direito nacional. No seu despacho, o tribunal de reenvio afirmou que o demandado no processo principal não tem domicílio no território da República Checa. Em todo o caso afigura‑se‑me que a perspectiva de que, da obrigação de comunicar a alteração de domicílio, deriva uma convenção sobre a alteração do domicílio, é dificilmente compatível com as exigências do direito da União. Na medida em que se trate de uma cláusula abrangida pelo âmbito de aplicação da Directiva 93/13, essa perspectiva não pode ser compatível, em especial, com o imperativo de clareza e de compreensibilidade ínsito no artigo 5.° da Directiva 93/13.

116. Do mesmo modo, resulta do artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 que o tribunal de um Estado‑Membro não tem competência internacional se o consumidor estiver domiciliado noutro Estado‑Membro. Por isso, o órgão jurisdicional de reenvio também está obrigado a verificar se o demandado no processo principal está domiciliado noutro Estado‑Membro.

117. Para averiguar este facto, o juiz do tribunal tem de aplicar o direito do respectivo Estado‑Membro, nos termos do artigo 59.°, n.° 2, do regulamento.

118. Além disso, resulta do artigo 26.°, n.° 1, do regulamento, que o órgão jurisdicional de reenvio deve proceder oficiosamente a tal apreciação. É verdade que esta disposição só prevê uma obrigação de apreciar oficiosamente caso o demandado esteja domiciliado no território do Estado‑Membro. Todavia, o objectivo de protecção desta disposição exige que se considere que essa obrigação subsiste até que o órgão jurisdicional de reenvio dê como provado que o demandado não tem domicílio noutro Estado‑Membro.

119. O regulamento não contém outras exigências expressas a respeito desta apreciação. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio deve poder responder de acordo com o direito do respectivo Estado‑Membro (41) às questões de saber, designadamente, se os factos relevantes a este respeito devem ser oficiosamente averiguados, se a produção da prova de que o demandado não está domiciliado em nenhum outro Estado‑Membro pode ser facilitada à demandante, bem como a partir de quando se alcança o grau de convicção a partir do qual o tribunal de reenvio pode dar como provado que o consumidor não está domiciliado noutro Estado‑Membro.

120. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio, ao aplicar o direito nacional, deve assegurar a aplicação eficaz do artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001. A este respeito, importa ter presente, em especial, o objectivo desta disposição, que consiste em proteger um consumidor de ser demandado nos tribunais de outro Estado‑Membro, diferente do Estado do seu domicílio. Importa igualmente ter em conta que, numa situação como a do caso em apreço, o demandado não mandatou o mandatário ad litem e este também não recebeu nenhuma informação do demandado. Num caso como o dos autos, o tribunal nacional não está vinculado às informações dadas pelo demandante. Este tribunal não deve poder assumir como provadas as informações contidas na petição sem as analisar e deve considerar a possibilidade de não ter competência internacional (42).

121. Se o órgão jurisdicional de reenvio não puder concluir, com a certeza exigida pelo direito processual nacional, que um consumidor não tem domicílio noutro Estado‑Membro, então, deverá, de acordo com o preceituado no artigo 26.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, declarar‑se oficiosamente incompetente. O mesmo ocorre ainda que o tribunal, de acordo com uma disposição como o artigo 29.°, n.° 3, do OSŘ, tenha designado um mandatário ad litem para o demandado.

d)      Quanto ao artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001

122. Se o tribunal der como provado que o demandado no processo principal não tem domicílio nem na República Checa nem noutro Estado‑Membro, coloca‑se então a questão de saber por que critérios se rege, neste caso, a competência internacional.

123. De lege ferenda existem neste contexto diversas possibilidades/alternativas. Seria concebível considerar, em vez de domicílio, a residência habitual do demandado ou a competência necessária dos tribunais do Estado‑Membro em causa (43). Todavia, afigura‑se‑me que, de lege lata, um caso desses está abrangido pelo artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001. Segundo esta disposição, a competência internacional de um tribunal, num caso em que o demandado não tenha domicílio no território de um Estado‑Membro, determina‑se segundo as regras de competência internacional próprias de cada Estado contratante.

124. Se for aplicável o artigo 4.° do Regulamento n.° 44/2001, seria então compatível com as regras de competência internacional do regulamento que o órgão jurisdicional de reenvio designe para o demandado um mandatário ad litem de acordo com uma disposição como o artigo 29.°, n.° 3, do OSŘ e se declare competente, mediante aplicação do direito nacional.

3.      Conclusão

125. Numa situação como a do caso em apreço, o prosseguimento da instância contra o demandado é, portanto, compatível com as regras de competência do Regulamento n.° 44/2001, se o órgão jurisdicional de reenvio for competente, segundo as próprias regras de competência internacional do respectivo Estado, quer com fundamento num pacto atributivo de jurisdição internacional, ao abrigo do disposto no artigo 17.°, n.° 3, do regulamento, quer nos termos do artigo 4.° do regulamento. A aplicação do artigo 4.° do regulamento pressupõe que o órgão jurisdicional de reenvio, na averiguação que deve fazer oficiosamente, nos termos do artigo 26.°, n.° 1, do regulamento, tenha chegado à convicção de que o demandado não tem domicílio nem no seu próprio Estado‑Membro nem noutro Estado‑Membro.

C –    Observância do direito de defesa do demandado

126. Na aplicação de uma norma nacional como o artigo 29.°, n.° 3, do OSŘ, também deve ser tomado em consideração, a par das regras de competência do Regulamento n.° 44/2001, o direito de defesa do demandado. A este respeito, podem distinguir‑se duas hipóteses.

127. Numa primeira hipótese, o tribunal, no quadro da apreciação da sua competência, não chega à convicção de que o demandado não tem domicílio noutro Estado‑Membro. Isto pode acontecer, num caso como o dos autos, nomeadamente quando o tribunal fundamentar a sua competência internacional num acordo, nos termos do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, sem provar onde é que o demandado tem o seu domicílio. Nesta hipótese o órgão jurisdicional de reenvio deve tomar em consideração o disposto no artigo 26.°, n.° 2, do regulamento. A seguir, o juiz deve suspender a instância que se prove que o demandado teve a possibilidade de receber a petição inicial em tempo útil para apresentar a sua defesa, ou que foram tomadas todas as medidas necessárias para este efeito. É verdade que o artigo 26.°, n.° 2, do regulamento, só se aplica quando o demandado tiver domicílio no território do Estado‑Membro. Todavia, esta disposição deve ser interpretada, tomando em consideração o seu objectivo de protecção, pelas razões já expostas (44), no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio tem de tomar em consideração as exigências desta disposição enquanto for necessário, até dar como provado que o demandado não tem domicílio noutro Estado‑Membro.

128. De acordo com o disposto no artigo 26.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001, o tribunal pode, em primeiro lugar, ordenar o prosseguimento da instância, quando o demandado tiver recebido a petição inicial em tempo útil para poder apresentar a sua defesa. Esta disposição tem por objectivo permitir uma defesa efectiva.

129. A notificação de uma petição inicial a um mandatário que tenha sido designado ao demandado por um tribunal, sem a vontade nem o conhecimento deste demandado, não preenche, em princípio, esses pressupostos (45). Pelas razões já antes mencionadas (46), nesta hipótese não é geralmente garantida uma defesa efectiva do demandado.

130. O órgão jurisdicional de reenvio pode ordenar o prosseguimento da instância, nos termos do artigo 26.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001, quando tiverem sido tomadas todas as medidas que permitam a defesa do demandado. Apesar disso, a circunstância de o demandado ter de facto recebido a petição inicial, de modo a poder apresentar uma defesa efectiva não constitui um pressuposto necessário. Assim, o artigo 26.°, n.° 2, do regulamento não se opõe, em princípio, a uma disposição nacional como o artigo 29.°, n.° 3, do OSŘ, segundo a qual é designado um mandatário ad litem para um demandado com domicílio desconhecido. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio tem de assegurar que foram feitas antes todas as averiguações exigidas pela prudência e pela boa‑fé, para localizar o demandado (47). Neste contexto, impõem‑se exigências semelhantes às constantes do artigo 16.°, n.° 2, do regulamento, quanto à averiguação a realizar para saber se o demandado tem domicílio noutro Estado‑Membro. Por essa razão, remeto, neste ponto, para as considerações tecidas nos n.os 116 e seguintes das presentes conclusões.

131. Esta interpretação do artigo 26.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 também é compatível com o direito primário de defesa do demandado, consignado no artigo 47.°, n.° 2, da Carta. É verdade que a notificação de uma petição inicial a um mandatário ad litem designado sem a vontade nem o conhecimento do demandado afecta o direito de defesa do demandado, garantido nos termos do artigo 47.°, n.° 2, da Carta. Todavia esta ingerência justifica‑se, atendendo ao direito protegido da demandante à protecção jurídica efectiva nos termos do artigo 47.°, n.° 1, da Carta (48). Se um autor não pudesse intentar uma acção contra um demandado que também não conseguiu localizar, após empreender todas as averiguações exigidas pela diligência e pela boa‑fé, então existiria o risco de o direito da demandante à protecção jurídica efectiva ficar completamente esvaziado de todo o conteúdo. Acresce que tal eventualidade poderia integrar abuso do direito, caso uma pessoa que quisesse evitar um processo renunciasse intencionalmente ao seu domicílio ou o alterasse regularmente (49).

132. Numa segunda hipótese, ao invés, o artigo 26.°, n.° 2, do regulamento não é directamente aplicável. Isto sucede quando o órgão jurisdicional de reenvio fundamenta a sua competência não num pacto atributivo de jurisdição internacional, nos termos do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, mas no seu próprio direito, nos termos do artigo 4.° do regulamento. O artigo 4.° do regulamento pressupõe que o demandado não tem domicílio no território do Estado‑Membro. Todavia, o artigo 26.°, n.° 2, do regulamento, de acordo com a sua redacção, aplica‑se apenas quando o demandado tiver domicílio no território do Estado‑Membro. Neste contexto, coloca‑se a questão de saber se o artigo 26.°, n.° 2, do regulamento, tendo em conta o direito de defesa garantido pelo artigo 47.°, n.° 2, da Carta, deve ser objecto de aplicação analógica ou se o artigo 47.°, n.° 2, da Carta ser deve ser directamente aplicado (50).

133. No entanto, para efeitos do caso vertente, não é necessário aprofundar estas questões. O artigo 4.° do Regulamento n.° 44/2001 só pode aplicar‑se quando o órgão jurisdicional de reenvio tiver previamente chegado à convicção de que o artigo 16.°, n.° 2, não se opõe àquele. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio já deve ter procedido à averiguação descrita nos n.os 114 e seguintes destas conclusões. Esta averiguação suscita exigências semelhantes às do artigo 26.°, n.° 2, do regulamento ou do artigo 47.°, n.° 2, da Carta. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio já deve ter preenchido os requisitos destas disposições no que concerne ao apuramento do domicílio.

VII – Conclusão

134. Com base nas considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais do seguinte modo:

1.      A aplicação das regras de competência previstas no Regulamento n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial pressupõe que exista uma situação em que o tribunal nacional possa colocar questões relativas à sua competência internacional. Deve partir‑se desse pressuposto, numa situação como a do caso em apreço, em que é demandado num tribunal de um Estado‑Membro um nacional de outro Estado‑Membro que, no passado, teve o seu domicílio no Estado‑Membro do tribunal, mas cuja actual residência seja desconhecida do tribunal do Estado‑Membro.

2.      O Regulamento n.° 44/2001 não se opõe, em princípio, à aplicação de uma disposição nacional como o artigo 29.°, n.° 3, do Občanský soudní řád checo, segundo a qual pode ser designado um mandatário ad litem para um demandado cujo domicílio se desconhece. Evidentemente, na sua aplicação, devem ser respeitadas as exigências do direito da União que resultam em especial das regras de competência do Regulamento n.° 44/2001 e do direito de defesa do demandado.

3.      O artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que esta norma é aplicável aos contratos celebrados por consumidores, na acepção do seu capítulo II, secção 4. A comparência de um mandatário ad litem, designado ao demandado sem a sua vontade nem o seu conhecimento, não equivale, todavia, a uma comparência do demandado na acepção desta norma e, por conseguinte, não pode fundamentar a competência do tribunal no qual compareça o mandatário ad litem.

4.      Na medida em que resulta de um pacto sobre a competência territorial de um tribunal a vontade das partes de celebrarem tacitamente um pacto sobre a competência internacional dos tribunais do Estado‑Membro em causa, este pacto tácito é susceptível de fundamentar a competência internacional de um tribunal deste Estado‑Membro nos termos do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001. A eventual não vinculabilidade do pacto sobre a competência territorial em razão do seu carácter abusivo, nos termos dos artigos 3.°, n.° 1, e 6.° da Directiva 93/13/CEE do Conselho de 5 de Abril de 1993 relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, não é susceptível, por regra, de produzir efeitos sobre o pacto relativo à competência internacional, excepto se outra coisa resultar da vontade das partes.


1 – Língua original: alemão; língua do processo: checo.


2 – JO L 12, p. 1.


3 – JO C 346, p. 23.


4 – JO L 95, p. 29.


5 – Com base na terminologia utilizada no TUE e no TFUE, utilizarei o conceito de «direito da União» para designar quer o direito comunitário quer o direito da União. As referências feitas a seguir às disposições do direito primário referem‑se às aplicáveis ratione temporis.


6 – As disposições do Regulamento n.° 44/2001 subsequentemente reproduzidas são as aplicáveis ratione temporis.


7 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 2004, DFDS Torline (C‑18/02, Colect., p. I‑1417 5, n.° 23). V. sobre a Convenção de Bruxelas, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1990, Hagen (C‑365/88, Colect., p. I‑1845, n.° 17) e de 7 de Março de 1995, Shevill e o. (C‑68/93, Colect., p. I‑415, n.° 35).


8 – V., a este respeito, Acórdão do Tribunal de Justiça, de 11 de Junho de 1985, Debaecker e Plouvier, 49/84, Recueil, p. 1779, n.os 10 e segs.), em que o Tribunal de Justiça reconhece a existência dessas normas e considera que não é, em princípio, incompatível com o sistema instituído pela Convenção de Bruxelas.


9 – Acórdãos do Tribunal de Justiça, Hagen (já referido na nota 7, n.° 20), e Shevill (já referido na nota 7, n.° 36).


10 – Acórdão de 1 de Março de 2005, Owusu (C‑281/02, Colect., p. I‑1383, n.os 25 e seg).


11 – Quanto ao princípio da aplicabilidade da jurisprudência ver acórdãos do Tribunal de 16 de Julho de 2009, Zuid‑Chemie (C‑189/08, Colect., p. I‑6917, n.° 18), e de 14 de Maio de 2009, Ilsinger (C‑180/06, Colect., p. I‑3961, n.° 41).


12 – Acórdão Owusu (já referido na nota 10, n.° 25).


13 – Acórdão Owusu (já referido na nota 10, n.° 26).


14 – Neste sentido considero que se devem entender também os argumentos de p. 8 do relatório sobre a Convenção de Bruxelas, elaborado por P. Jenard (JO 1979, C 59, p. 1), segundo o qual existe um elemento transfronteiriço na acepção da Convenção de Bruxelas I, quando o demandado for estrangeiro.


15 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 2010, Bilas (C‑111/09, ainda não publicado na Colectânea, n.os 19 a 33).


16 – Ibidem, n.° 21.


17 – Ibidem, n.os 23 a 26.


18 – No mesmo sentido, Geimer, R., in: Geimer, R., Schütze, R., Europäisches Zivilverfahrensrecht, Beck, 2.ª ed., 2004, artigo 24.°, n.° 36; Staudinger, A., in: Rauscher, T., Europäisches Zivilprozess‑ und Kollisionsrecht, Sellier 2011, artigo 24.°, n.° 11. Quanto ao ponto de situação sobre o estado de opinião, com votos predominantemente neste sentido, v. Mankowski, P., «Besteht der Europäische Gerichtsstand der rügelosen Einlassung auch gegen von Schutzregimes besonders geschützte Personen?», Recht der Internationalen Wirtschaft 2010, pp. 667 e segs., que, todavia, critica uma insuficiente tomada em consideração da protecção pretendida do consumidor como objectivo de protecção da parte mais fraca.


19 – Acórdãos de 28 de Fevereiro de 1984, Einberger (294/82, Recueil, p. 1177, n.° 6), e de 16 de Junho de 1992, Belovo (C‑187/91, Colect., p. I‑4937, n.° 13).


20 – Acórdãos de 16 de Julho de 2009, Zuid‑Chemie (C‑189/08, Colect., p.. 2009, I‑6917, n.° 17), de2 de Outubro de 2008, Hassett e Doherty (C‑372/07, Colect., p. I‑7403, n.° 17), e de 23 de Abril de 2009, Draka NK Cables e o. (C‑167/08, Colect., p. I‑7403, n.° 19).


21 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 1981, Elefanten Schuh (150/80, Recueil, p. 1671, n.° 16). Também no mesmo sentido, Geimer, R. (já referido na nota 18), artigo 24.°, n.° 30.


22 – Calvo Caravaca, A. L., Carrascosa Gonzalez, J., in Mangus, U., Mankowski, P., Brussels I Regulation, Sellier 2007, artigo 24.°, n.° 10; Kropholler, J., Europäisches Zivilprozessrecht, Verlag Recht und Wirtschaft, 8.ª ed., 2005, artigo 24.°, n.° 7. Pelo contrário, também não me parecem as considerações feitas na p. 38 do relatório elaborado por P. Jenard (já referido na nota 14), onde é afirmado que a questão de saber como deve ser interpretado o conceito de comparência se deve reger pelo direito nacional. Considero que não poderia ser interpretado no sentido de que a questão de saber se existe comparência se rege, exclusivamente, pelo direito nacional. Ao invés, deveria ser interpretado no sentido de que resulta das exigências do direito da União relativas à definição de comparência que, todavia, podem ser completadas pelas correspondentes regras processuais nacionais.


23 – Acórdão do Tribunal de Justiça, de 10 de Outubro de 1996, Hendrikman e Feyen (C‑78/95, Colect., p. I‑4943).


24 – Ibidem, n.° 18. Importa não esquecer, neste contexto, o acórdão Bilas (já referido na nota 15, n.° 33), segundo o qual, um tribunal deve averiguar, embora não oficiosamente, se um demandado, considerado a parte mais fraca, na acepção do capítulo II, secções 3 a 5, do Regulamento n.° 44/2001, deveria estar em condições de ter pleno conhecimento dos efeitos da sua contestação do mérito da acção. Todavia é sempre possível ao tribunal nacional, atendendo ao objectivo, como é expresso nas disposições em causa, garantir uma protecção mais forte à parte que for considerada mais fraca, de que a parte demandada perante si nessas circunstâncias tem pleno conhecimento das consequências da sua aceitação em comparecer no processo.


25 – Acórdão Hendrikman (já referido na nota 23, n.° 18).


26 – Assim, para efeitos do caso em apreço, pouco interessa saber se o artigo 24.° do regulamento seria aplicável, caso o demandado não tivesse domicílio num Estado‑Membro. V. sobre esta questão Geimer, R., (já referido na nota 18), artigo 24.°, n.os 22 a 25; Calvo Caravaca, A. L., Carrascosa Gonzalez, J. (já referido na nota 22), artigo 24.°, n.os 28 e segs.


27 – Também neste sentido, Geimer, R. (já referido na nota 18), artigo 17.°, n.° 10.


28 – V. p. 33 do relatório Jenard (já referido na nota 14); Geimer, R. (já referido na nota 18), artigo 17.°, n.° 7.


29 – A consequência é que o artigo 4.° do regulamento, que indica que a competência será regulada em cada Estado contratante pela lei desse Estado, se o demandado não tiver domicílio no Estado‑Membro, deve ser interpretado no sentido de que se aplica, sem prejuízo de um acordo na acepção do artigo 17.°, n.° 3.


30 – V. p. 33 do relatório Jenard (já referido na nota 14).


31 – Parecer favorável: Heinig, J., Grenzen von Gerichtsstandsvereinbarungen im Europäischen Zivilprozessrecht, Jenaer Wissenschaftliche Verlagsgesellschaft 2010, pp. 337 e segs.; Staudinger, A., in: Rauscher, T. (já referido na nota 18), artigos 17.°, n.° 3 e 6.°; Nielsen, P. A., in: Magnus, U., Mankowsky, P. (já referido na nota 22), artigo 17.°, n.° 4. Conclusão/parecer desfavorável: Geimer, R. (já referido na nota 18), artigo 17.° n.° 3, com fundamento no princípio da lex posteriori derrogat prior. Com efeito, de facto, este princípio não pode justificar a substituição integral da Directiva 93/13 pelo Regulamento n.° 44/2001, uma vez que o artigo 17.°, n.° 3, do regulamento prevê expressamente a reserva da admissibilidade à face do direito nacional. Acresce que a abordagem segundo a qual não fossem tomadas em consideração as exigências previstas na Directiva 93/13 implicaria resultados muito inadequados. A directiva prevê uma simples harmonização mínima; assim, os Estados‑Membros podem ter adoptado disposições nacionais que prevêem uma protecção mais ampla do consumidor. No caso de ser negada uma vinculação à Directiva 93/13, a disposições de forma mais ampla declaradas, ao invés, como disposições de direito nacional, existiria o risco de tal levar a uma incoerência na aplicação do direito nacional.


32 – A este respeito, pode remeter‑se para os fundamentos mencionados no n.° 95 destas conclusões.


33 – V., quanto a este ponto, para maior esclarecimento Heinig, Jens (já referido na nota 31), pp. 62 e 69.


34 – Se, pelo contrário, o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão de que, em relação à cláusula de extensão da competência internacional e à cláusula de extensão da competência territorial, se trata de uma cláusula uniforme, então esta cláusula seria, em princípio, não vinculativa, de acordo com o preceituado no artigo 6.°, primeiro período, da Directiva 93/13. Nesse caso, pode‑se perguntar se deve considerar‑se que esta cláusula uniforme pode ser reduzida, mantendo a validade, de modo a que o elemento internacional permaneça válido. Em princípio, advoga contra a compatibilidade de uma redução que permaneça válida com o artigo 6.° da directiva, a possibilidade de o profissional não ser suficientemente dissuadido da aplicação de cláusulas abusivas.


35 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Abril de 2004, Freiburger Kommunalbauten (C‑237/02, Colect., p. I‑3403, n.° 19).


36 – Ibidem, n.° 20.


37 – Ibidem, n.° 21.


38 – V. acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2009, Pannon (C‑243/08, Colect., p. I‑4713, n.os 42 e seg.) e de 9 de Novembro de 2010, VB Pénzügyi Lízing (C‑137/08, ainda não publicado na Colectânea, n.os 42 e seg.). Nestes acórdãos o tribunal de Justiça afastou‑se da sua posição defendida no acórdão de 27 de Junho de 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (C‑240/98 a C‑244/98, Colect., p. I‑4941, n.os 21 e segs.), segundo a qual a apreciação definitiva de uma cláusula de extensão da competência pelo Tribunal de Justiça deve, em si mesma, constituir a possibilidade, quando se trate de uma cláusula em benefício exclusivo do profissional e sem contrapartida para o consumidor, pondo em causa, independentemente do tipo de contrato, a eficácia da protecção judicial dos direitos reconhecidos ao consumidor pela directiva.


39 – Acórdãos Océano Grupo (já referido na nota 38, n.° 22); Pannon (já referido na nota 38, n.° 41) e Pénzügyi Lízing (já referido na nota 38, n.° 54).


40 – Acórdãos Océano Grupo (já referido na nota 38, n.° 23) e Pénzügyi Lízing (já referido na nota 38, n.° 55).


41 – Queirolo, I., in Mangus, U., Mankowsky, P. (já referido na nota 22); Mankowsky, P., in: Rauscher, T. (já referido na nota 18), artigo 26.°, n.° 5.


42 – Mankowsky, P., in: Rauscher, T. (já referido na nota 18), artigo 26.°, n.° 6.


43 – Quanto aos vários critérios possíveis, v. Staudinger, A., in: Rauscher, T. (já referido na nota 18), artigo 59.°, n.° 8; Kropholler, J. (já referido na nota 18), artigo 59.°, n.° 9.


44 – V. n.° 119 das presentes conclusões.


45 – Segundo o relatório Jenard (já referido na nota 14, p. 40) deve ser pressuposto que a citação deva ser feita na pessoa do demandado ou no seu domicílio. Em contrapartida, não é necessário que o demandado também tenha tomado conhecimento da citação, de facto, em tempo útil.


46 – V. n.° 82 das presentes conclusões.


47 – V. p. 40 do relatório Jenard (já referido na nota 14).


48 – Quanto aos pressupostos para a justificação de tal ingerência, v. artigo 52.°, n.° 1 da Carta bem como o acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 2009, Gambazzi (C‑394/07, Colect. P. I‑2563, n.os 28 e segs.)


49 – Queirolo, I., in Magnus, U., Mankowski, P. (já referido na nota 22), artigo 26.°, n.° 20.


50 – O âmbito de aplicação de direitos fundamentais da União pode ser aberto, num caso como o vertente, em que um cidadão de um outro Estado‑Membro tenha feito uso dos direitos de circulação que lhe são garantidos. À aplicação do artigo 47.°, n.° 2, da Carta parece não se opor o seu artigo 51.°, n.° 1, segundo o qual as instituições da UE e os Estados‑Membros estão vinculados pelos direitos fundamentais. Com efeito, trata‑se agora de um direito de tutela judicial e, assim, da relação entre um cidadão e os tribunais de um Estado‑Membro.