Language of document : ECLI:EU:C:2013:519

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

18 de julho de 2013 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Radiodifusão televisiva — Diretiva 89/552/CEE — Artigo 3.°‑A — Medidas tomadas pelo Reino Unido relativamente aos eventos de grande importância para a sociedade deste Estado‑Membro — Campeonato Europeu de Futebol — Decisão que declara as medidas compatíveis com o direito da União — Fundamentação — Artigos 49.° CE e 86.° CE — Direito de propriedade»

No processo C‑201/11 P,

que tem por objeto um recurso de decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 27 de abril de 2011,

Union des associations européennes de football (UEFA), representada por D. Anderson, QC, e D. Piccinin, barrister, mandatados por B. Keane e T. McQuail, solicitors,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por E. Montaguti e N. Yerrell bem como por A. Dawes, na qualidade de agentes, assistidos por M. Gray, barrister,

recorrida em primeira instância,

Reino da Bélgica,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por L. Seeboruth e J. Beeko, na qualidade de agentes, assistidos por T. de la Mare, barrister,

intervenientes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, K. Lenaerts, E. Juhász, J. Malenovský (relator) e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 13 de setembro de 2012,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de dezembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a Union des associations européennes de football (UEFA) pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 17 de fevereiro de 2011, UEFA/Comissão (T‑55/08, Colet., p. II‑271, a seguir «acórdão recorrido»), através do qual o Tribunal Geral julgou improcedente o seu pedido de anulação parcial da Decisão 2007/730/CE da Comissão, de 16 de outubro de 2007, relativa à compatibilidade com o direito comunitário das medidas adotadas pelo Reino Unido em aplicação do n.° 1 do artigo 3.°‑A da Diretiva 89/552/CEE do Conselho relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de atividades de radiodifusão televisiva (JO L 295, p. 12, a seguir «decisão controvertida»).

 Quadro jurídico

2        A Diretiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de atividades de radiodifusão televisiva (JO L 298, p. 23), conforme alterada pela Diretiva 97/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de junho de 1997 (JO L 202, p. 60, a seguir «Diretiva 89/552»), contém um artigo 3.°‑A, aditado por esta última diretiva, que dispõe:

«1.      Cada Estado‑Membro poderá tomar medidas de acordo com o direito comunitário por forma a garantir que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não transmitam com carácter de exclusividade acontecimentos que esse Estado‑Membro considere de grande importância para a sociedade de forma a privar uma parte considerável do público do Estado‑Membro da possibilidade de acompanhar esses acontecimentos em direto ou em diferido na televisão de acesso não condicionado. Se tomar essas medidas, o Estado‑Membro estabelecerá uma lista de acontecimentos, nacionais ou não nacionais, que considere de grande importância para a sociedade. Fá‑lo‑á de forma clara e transparente, e atempadamente. Ao fazê‑lo, o Estado‑Membro em causa deverá também determinar se esses acontecimentos deverão ter uma cobertura ao vivo total ou parcial, ou, se tal for necessário ou adequado por razões objetivas de interesse público, uma cobertura diferida total ou parcial.

2.      Os Estados‑Membros notificarão imediatamente à Comissão as medidas tomadas ou a tomar ao abrigo do n.° 1. No prazo de três meses a contar da notificação, a Comissão verificará se essas medidas são compatíveis com o direito comunitário e comunicá‑las‑á aos outros Estados‑Membros, pedindo o parecer do comité criado pelo artigo 23.°‑A. A Comissão publicará de imediato as medidas adotadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e, pelo menos uma vez por ano, a lista consolidada das medidas tomadas pelos Estados‑Membros.

3.      Os Estados‑Membros assegurarão, através dos meios adequados, no âmbito da sua legislação, que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não exerçam os direitos exclusivos comprados após a data de publicação da presente diretiva de forma a que uma proporção substancial de público em outro Estado‑Membro seja impedida de seguir acontecimentos considerados nesse outro Estado‑Membro como estando nas condições referidas nos números anteriores através de uma cobertura em direto total ou parcial ou, sempre que necessário ou adequado por razões objetivas de interesse público, uma cobertura diferida total ou parcial na televisão de acesso não condicionado, tal como estabelecido nesse outro Estado‑Membro de acordo com o n.° 1.»

3        Os considerandos 18 a 22 da Diretiva 97/36 têm a seguinte redação:

«(18) Considerando que é essencial que os Estados‑Membros possam adotar medidas tendentes à proteção do direito à informação e a assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva de acontecimentos nacionais ou não nacionais de grande importância para a sociedade, tais como os Jogos Olímpicos, os Campeonatos do Mundo e Europeu de Futebol [a seguir ‘EURO’]; que, para este efeito, os Estados‑Membros mantêm o direito de adotar medidas compatíveis com o direito comunitário, tendentes a regular o exercício pelos emissores sob a sua jurisdição dos direitos de exclusividade para a cobertura televisiva dos referidos acontecimentos;

(19)      Considerando que é necessário adotar disposições no âmbito comunitário que permitam evitar potenciais incertezas jurídicas e distorções de mercado e conciliar a livre circulação dos serviços de televisão com a necessidade de evitar eventuais evasões às medidas nacionais de proteção de um interesse geral legítimo;

(20)      Considerando, em especial, que é conveniente estabelecer na presente diretiva disposições relativas ao exercício pelos organismos de radiodifusão televisiva de direitos de exclusividade por eles comprados para acontecimentos considerados de grande importância para a sociedade num Estado‑Membro que não aquele que tem jurisdição sobre esses organismos; […]

(21)      Considerando que os acontecimentos ‘de grande importância para a sociedade’ deverão, para efeitos da presente diretiva, preencher determinados critérios, ou seja, deverá tratar‑se de acontecimentos particularmente relevantes que tenham interesse para o público em geral na União Europeia ou num Estado‑Membro determinado ou em parte importante de determinado Estado‑Membro e que sejam organizados com antecedência por um organizador com a possibilidade jurídica de vender os direitos relativos ao acontecimento em causa;

(22)      Considerando que, para efeitos da presente diretiva, ‘televisão de acesso não condicionado’ significa a teledifusão num canal, público ou comercial, de programas acessíveis ao público sem qualquer pagamento adicional para além das formas de financiamento de teledifusão mais comuns nos Estados‑Membros (como a taxa televisiva e/ou a assinatura de uma rede de distribuição por cabo);»

 Antecedentes do litígio

4        Os antecedentes do litígio são apresentados como se segue nos n.os 5 a 15 do acórdão recorrido:

«5      [A UEFA], é a instância dirigente do futebol europeu. A sua missão principal é velar pelo desenvolvimento do futebol europeu e organiza um certo número de competições internacionais de futebol nas quais se inclui a fase final do Campeonato Europeu de Futebol [a seguir (‘fase final do EURO’)], no qual se confrontam de quatro em quatro anos 16 equipas nacionais no âmbito de um total de 31 jogos. São os rendimentos resultantes da venda dos direitos comerciais relacionados com essas competições que lhe permitem promover o desenvolvimento do futebol europeu. Neste contexto, a UEFA alega que 64% dos rendimentos provenientes da venda dos direitos comerciais relativos [à fase final do] EURO resultam da cessão dos direitos de transmissão televisiva dos jogos.

6      Por decisão de 25 de junho de 1998, o Ministro da Cultura, dos Media e do Desporto do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (a seguir ‘Ministro’) elaborou, por força da parte IV do Broadcasting Act 1996 (Lei de 1996 relativa à radiodifusão), uma lista de [eventos] de grande importância para a sociedade do Reino Unido, incluindo [a fase final do] EURO.

7      A adoção desta lista foi precedida de uma consulta de 42 órgãos diferentes feita pelo Ministro a propósito dos critérios à luz dos quais deveria ser apreciada a importância de diversos [eventos] para a sociedade do Reino Unido. Este procedimento levou à adoção de uma lista de critérios que constam de um documento do Ministério da Cultura, dos Media e do Desporto datado de novembro de 1997, que o Ministro aplica para fins da elaboração da lista de [eventos] de grande importância para a sociedade do Reino Unido. Segundo este documento, um [evento] pode ser inscrito na lista designadamente quando tem um eco especial a nível nacional e não apenas em relação a quem acompanha habitualmente o desporto em causa. Pode ser assim qualificado, segundo este mesmo documento, um evento desportivo nacional ou internacional de grande importância ou que envolva a equipa nacional ou atletas do Reino Unido. Entre os [eventos] que preencham estes critérios, têm maiores probabilidades de serem incluídos na lista os que atraem numerosos telespectadores ou que tradicionalmente são transmitidos em direto em canais de televisão gratuitos. Além disso, o Ministro também tem em conta, para fins da sua apreciação, outros fatores relativos às consequências para o desporto em causa, como a oportunidade de oferecer uma transmissão em direto de um [evento] na íntegra, o impacto nas receitas no domínio desportivo em causa, as consequências para o mercado da radiodifusão e a existência de circunstâncias que garantam o acesso ao [evento] através de uma transmissão televisiva ou radiofónica em diferido.

8      A seguir, o Ministro efetuou, em conformidade com o artigo 97.° do Broadcasting Act 1996, uma consulta sobre os [eventos] particulares a inscrever na lista. No âmbito desta consulta, o Ministro solicitou o parecer de diversos órgãos e operadores em causa assim como dos titulares dos direitos de transmissão televisiva, como a UEFA. Além disso, um comité consultivo instituído pelo ministro e intitulado ‘Advisory Group on listed events’ (Grupo consultivo sobre os [eventos] inscritos na lista) emitiu o seu parecer sobre os [eventos] a inscrever propondo, relativamente [à fase final do] EURO, a inscrição da final, das meias‑finais e dos jogos que envolvessem as equipas nacionais do Reino Unido.

9      Por força do artigo 98.° do Broadcasting Act 1996, conforme alterado pelas Television Broadcasting Regulations 2000 (Regulamentos de 2000 sobre a radiodifusão televisiva), os organismos de radiodifusão televisiva estão repartidos em duas categorias. A primeira categoria inclui os organismos que forneçam um serviço gratuito que, além disso, possa ser captado por, pelo menos, 95% da população do Reino Unido [a seguir ‘radiodifusores que exploram canais de acesso livre’]. A segunda categoria inclui os organismos que não satisfazem estes requisitos [e engloba designadamente os radiodifusores que exploram os canais a pagar].

10      Além disso, por força do artigo 101.° do Broadcasting Act 1996, conforme alterado pelas Television Broadcasting Regulations 2000, um fornecedor de programas televisivos que pertença a uma destas categorias só pode transmitir em direto a totalidade ou parte de um [evento] incluído na lista se um fornecedor inserido na outra destas categorias tiver adquirido o direito de transmitir em direto a integralidade ou a referida parte do mesmo [evento] na mesma região, ou substancialmente na mesma região. Se esta condição não estiver satisfeita, o organismo que pretenda transmitir em direto a integralidade ou parte do [evento] em questão deve obter previamente a autorização do Office of Communications (Gabinete das Comunicações).

11      Segundo o artigo 3.° do Code on Sports and Other Listed and Designated Events (Código relativo aos [eventos] desportivos e outros inscritos na lista), na sua redação em vigor em 2000, os [eventos] inscritos na lista de [eventos] de grande importância para a sociedade são divididos em dois grupos. O ‘grupo A’ inclui [eventos] que só podem ser objeto de transmissão exclusiva em direto caso se respeitem certos critérios. O ‘grupo B’ inclui [eventos] que apenas podem ser objeto de transmissão exclusiva em direto se tiverem sido tomadas medidas para assegurar uma transmissão em diferido.

12      Segundo o artigo 13.° do Code on Sports and Other Listed and Designated Events, pode ser concedida uma autorização do Office of Communications para os [eventos] do ‘grupo A’ da lista, ao qual pertence [a fase final do] EURO, quando os direitos de transmissão que se referem a este evento tenham sido abertamente oferecidos em condições equitativas e razoáveis a todos os organismos de radiodifusão televisiva, sem que um organismo pertencente a outra categoria tenha expressado o seu interesse em comprá‑los.

13      Por carta de 25 de setembro de 1998, o Reino Unido transmitiu à Comissão das Comunidades Europeias, ao abrigo do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Diretiva 89/552, a lista dos [eventos] estabelecida pelo Ministro. Na sequência de uma troca de correspondência entre o Reino Unido e a Comissão e de uma nova notificação das medidas que ocorreu em 5 de maio de 2000, o diretor‑geral da Direcção‑Geral (DG) ‘Educação e Cultura’ da Comissão informou o Reino Unido, por carta de 28 de julho de 2000, de que a Comissão não levantava objeções às medidas desse Estado‑Membro, que seriam, portanto, proximamente publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

14      Por acórdão de 15 de dezembro de 2005, Infront WM/Comissão (T‑33/01, Colet., p. II‑5897), o Tribunal Geral anulou a decisão contida na carta de 28 de julho de 2000, por esta constituir uma decisão na aceção do artigo 249.° CE, que deveria ter sido adotada pelo próprio colégio dos membros da Comissão […].

15      Na sequência do [referido acórdão], a Comissão adotou a [decisão controvertida].»

 Decisão controvertida

5        O artigo 1.° da decisão controvertida enuncia:

«As medidas adotadas em conformidade com o n.° 1 do artigo 3.°‑A da [Diretiva 89/552] e notificadas pelo Reino Unido à Comissão em 5 de maio de 2000, publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias C 328 de 18 de novembro de 2000, são compatíveis com o direito comunitário.»

6        Em conformidade com o seu artigo 3.°, a referida decisão «é aplicável a partir de 18 de novembro de 2000».

7        Os considerandos 3 a 6, 18 a 21, 24 e 25 da decisão controvertida têm a seguinte redação:

«(3)      No seu exame, a Comissão tomou em consideração os dados disponíveis sobre o quadro geral dos meios de comunicação social britânicos.

(4)      A lista dos eventos de grande importância para a sociedade incluída nas medidas do Reino Unido foi elaborada de um modo claro e transparente, após uma consulta alargada a nível nacional.

(5)      A Comissão considerou que os eventos enumerados pelo Reino Unido satisfaziam, pelo menos, dois dos seguintes critérios, considerados indicadores fiáveis da importância dos eventos para a sociedade: i) ter um eco generalizado especial no Estado‑Membro e não simplesmente significado para quem acompanha habitualmente o desporto ou a atividade em causa; ii) ter importância cultural específica e generalizadamente reconhecida para a população do Estado‑Membro, nomeadamente como evento catalisador da sua identidade cultural; iii) envolver a participação da seleção nacional numa competição ou torneio de importância internacional; iv) tratar‑se de um evento tradicionalmente transmitido nos canais de televisão de acesso livre e registar grandes índices de audiência.

(6)      Um número significativo de eventos incluídos na lista do Reino Unido, nomeadamente os Jogos Olímpicos de verão e de inverno e as [fases] finais dos Campeonatos Mundial e [do EURO], inserem‑se na categoria de eventos tradicionalmente considerados de grande importância para a sociedade, conforme expressamente referido no considerando 18 da Diretiva [97/36]. Tais eventos têm um eco generalizado especial no Reino Unido, já que são particularmente populares entre o grande público (independentemente da nacionalidade dos participantes) e não apenas para quem acompanha habitualmente os eventos desportivos.

[…]

(18)      Os eventos inscritos na lista, incluindo os que devem ser considerados no seu conjunto e não como uma série de eventos individuais, são tradicionalmente transmitidos na televisão de acesso livre e registam grandes índices de audiência. Nos casos, excecionais, em que não é assim (jogos da Taça do Mundo de Críquete), a lista é limitada (incluindo apenas as finais, as meias‑finais e os jogos em que participam as equipas nacionais) e exige apenas uma cobertura secundária adequada e, em todo o caso, os eventos satisfazem dois dos critérios considerados indicadores fiáveis da sua importância para a sociedade (considerando 13).

(19)      As medidas notificadas pelo Reino Unido parecem ser proporcionadas e justificar, por isso, uma derrogação à liberdade fundamental de prestação de serviços consagrada no Tratado CE por razões imperativas de interesse público, que consistem em garantir o acesso generalizado do público às transmissões televisivas de eventos de grande importância para a sociedade.

(20)      As medidas notificadas pelo Reino Unido são compatíveis com as regras comunitárias da concorrência, na medida em que a definição dos organismos de radiodifusão televisiva qualificados para a transmissão dos eventos enumerados assenta em critérios objetivos que permitem uma concorrência real e potencial para a aquisição dos direitos de transmissão desses eventos. Além disso, o número de eventos incluídos na lista não é desproporcionado de modo a falsear a concorrência nos mercados, a jusante, da televisão de acesso livre e da televisão a pagar.

(21)      A proporcionalidade das medidas notificadas pelo Reino Unido é reforçada pelo facto de alguns dos eventos incluídos na lista apenas exigirem uma cobertura secundária adequada.

[…]

(24)      Infere‑se do despacho do Tribunal [Geral] no processo [Infront WM/Comissão, já referido], que a declaração de que as medidas adotadas nos termos do n.° 1 do artigo 3.°‑A da [Diretiva 89/552] são compatíveis com o direito comunitário constitui uma decisão, devendo, por conseguinte, ser adotada pela Comissão. Por consequência, é necessário declarar, através da presente decisão, que as medidas notificadas pelo Reino Unido são compatíveis com o direito comunitário. As medidas constantes do anexo da presente decisão devem ser publicadas no Jornal Oficial da União Europeia em conformidade com o disposto no n.° 2 do artigo 3.°‑A da [Diretiva 89/552].

(25)      Para garantir segurança jurídica, a presente decisão deverá aplicar‑se a partir da data da primeira publicação no Jornal Oficial da União Europeia das medidas notificadas pelo Reino Unido.»

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

8        Em apoio do seu pedido de anulação parcial da decisão controvertida, a UEFA invocou oito fundamentos no Tribunal Geral. No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou todos estes fundamentos improcedentes e negou provimento ao recurso na sua totalidade. Julgou igualmente improcedente um pedido de medidas de organização do processo, apresentado pela UEFA, para que o Tribunal Geral convidasse a Comissão a apresentar vários documentos.

 Quanto ao recurso

9        No âmbito do seu recurso, a UEFA invoca, em substância, sete fundamentos relativos, em primeiro lugar, a erros de direito e de apreciação a respeito da exigência de clareza e de transparência, em segundo lugar, a erros de direito e de apreciação a respeito da qualificação da fase final do EURO de evento de grande importância para a sociedade do Reino Unido, em terceiro lugar, a erros de direito na aplicação das disposições do Tratado relativas às empresas públicas e às empresas às quais os Estados‑Membros concedem direitos especiais ou exclusivos, em quarto lugar, a erros de direito na aplicação de outras disposições do Tratado relativas à concorrência, em quinto lugar, a erros de direito na aplicação das disposições do Tratado relativas à liberdade de prestação de serviços e ao princípio da proporcionalidade, em sexto lugar, a erros de direito na aplicação do direito de propriedade e, em sétimo lugar, a erros de direito relativos à fundamentação da decisão controvertida.

 Observações preliminares

10      Importa começar por salientar que, com o artigo 3.°‑A, n.° 1, da Diretiva 89/552, o legislador da União autorizou os Estados‑Membros a designar certos eventos de eventos de grande importância para a sociedade do Estado‑Membro em causa (a seguir «evento de grande importância») e admitiu assim expressamente, no âmbito da margem de apreciação que lhe é conferida pelo Tratado, os entraves à livre prestação de serviços, à liberdade de estabelecimento, à livre concorrência e ao direito de propriedade, que são uma consequência inelutável desta designação. Tal como resulta do considerando 18 da Diretiva 97/36, o legislador considerou que estes entraves são justificados pelo objetivo que visa proteger o direito à informação e assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva dos referidos eventos.

11      A legitimidade de prosseguir esse objetivo já foi, de resto, reconhecida pelo Tribunal de Justiça que salientou que a comercialização com carácter exclusivo dos eventos de grande interesse para o público é suscetível de limitar, de maneira considerável, o acesso do público à informação relativa a estes eventos. Ora, numa sociedade democrática e pluralista, o direito à informação tem uma importância particular que é tão mais manifesta no caso destes eventos (v. acórdão de 22 de janeiro de 2013, Sky/Österreich, C‑283/11, n.os 51 e 52).

12      Em seguida, importa precisar que, em conformidade com o artigo 3.°‑A, n.° 1, da Diretiva 89/552, a determinação dos eventos de grande importância compete apenas aos Estados‑Membros que gozam, a este respeito, de uma importante margem de apreciação.

13      Com efeito, em vez de harmonizar a lista desses eventos, a Diretiva 89/552 baseia‑se na premissa de que existem, na União, divergências consideráveis de ordem social e cultural no que respeita à sua importância para o grande público. Consequentemente, o artigo 3.° ‑A, n.° 1, desta diretiva prevê que cada Estados‑Membro estabelece uma lista de eventos que «considere de grande importância» para a sua sociedade. O considerando 18 da Diretiva 97/36 sublinha igualmente este poder de apreciação dos Estados‑Membros, enunciando que é «essencial» poderem adotar medidas tendentes a proteger o direito à informação e a assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva de eventos de grande importância.

14      A importância da referida margem de apreciação resulta, por outro lado, do facto de as Diretivas 89/552 e 97/36 não enquadrarem o exercício da mesma através de um dispositivo preciso. Com efeito, os únicos critérios que fixam para um Estado‑Membro interessado poder qualificar um evento de evento de grande importância são referidos no considerando 21 da Diretiva 97/36, segundo o qual se deve tratar de um evento particularmente relevante que tenha interesse para o público em geral na União ou num Estado‑Membro determinado ou em parte importante de determinado Estado‑Membro e que seja organizado com antecedência por um organizador com a possibilidade jurídica de vender os direitos relativos ao evento em causa.

15      Tendo em conta a relativa imprecisão destes critérios, compete a cada Estado‑Membro dar‑lhes um caráter concreto e apreciar o interesse dos eventos em causa para o grande público relativamente às especificidades sociais e culturais da sua sociedade.

16      Em terceiro lugar, importa salientar que, por força do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Diretiva 89/552, a Comissão dispõe de um poder de verificação da legalidade das medidas nacionais que indicam eventos de grande importância, que lhe permite rejeitar medidas que sejam incompatíveis com o direito da União.

17      No âmbito deste exame, a Comissão deve, em particular, verificar se estão cumpridos os seguintes requisitos:

―        o evento em causa foi inscrito na lista prevista no artigo 3.°‑A, n.° 1, da Diretiva 89/552, de forma clara e transparente, e atempadamente;

―        esse evento pode de forma válida ser considerado de grande importância;

―        a designação do evento em causa de evento de grande importância é compatível com os princípios gerais do direito da União, como os princípios da proporcionalidade e da não discriminação, com os direitos fundamentais, com os princípios da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento, bem como com as regras da livre concorrência.

18      Não obstante, esse poder de verificação é limitado, designadamente no que diz respeito ao exame do segundo e terceiro requisitos enunciados no número precedente.

19      Com efeito, por um lado, resulta da importância da margem de apreciação dos Estados‑Membros, referida no n.° 12 do presente acórdão, que o poder de verificação da Comissão se deve limitar à procura de erros manifestos de apreciação cometidos pelos Estados‑Membros quando da designação dos eventos de grande importância. Para verificar se tal erro de apreciação foi cometido, a Comissão deve nomeadamente fiscalizar se o Estado‑Membro em causa analisou, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto, elementos esses que apoiam as conclusões deles extraídas (v., por analogia, acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, Colet., p. I‑5469, n.° 14, e de 22 de dezembro de 2010, Gowan Comércio Internacional e Serviços, C‑77/09, Colet., p. I‑13533, n.os 56 e 57).

20      Por outro lado, no que respeita mais precisamente ao terceiro requisito referido no n.° 17 do presente acórdão, não se pode ignorar que a designação válida de um evento de evento de grande importância levanta entraves inelutáveis à livre prestação de serviços, à liberdade de estabelecimento, à livre concorrência e ao direito de propriedade, tidos em conta pelo legislador da União e por este considerados, como já foi dito no n.° 10 do presente acórdão, justificados pelo objetivo de interesse geral que visa proteger o direito à informação e assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva dos referidos eventos.

21      A fim de assegurar o efeito útil do artigo 3.°‑A da Diretiva 89/552, há assim que constatar que, se um evento foi validamente designado pelo Estado‑Membro em causa de evento de grande importância, a Comissão apenas tem de examinar os efeitos dessa designação sobre a livre circulação dos serviços, a liberdade de estabelecimento, a livre concorrência e o direito de propriedade que vão além dos efeitos intrinsecamente ligados à inclusão deste evento na lista prevista no n.° 1 do artigo 3.°‑A.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de direito e de apreciação a respeito da exigência de clareza e transparência

 Argumentação das partes

22      O primeiro fundamento refere‑se ao n.° 94 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal Geral declarou que a exigência de clareza e de transparência prevista no artigo 3.°‑A da Diretiva 89/552 não tem por objeto nem por efeito obrigar a autoridade nacional competente a expor as razões pelas quais não seguiu os pareceres ou as observações que lhe foram apresentadas durante a consulta. A UEFA alega que, em conformidade com esta exigência, um Estado‑Membro não pode rejeitar sem a mínima explicação os conselhos convergentes de várias partes independentes, incluindo os do grupo consultivo, que o próprio tinha criado para o aconselhar quando da elaboração da lista prevista no n.° 1 deste artigo 3.°‑A, e os da autoridade da concorrência, emitidos acerca de uma questão muito importante.

23      O Reino Unido e a Comissão contestam a procedência do primeiro fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

24      Resulta do n.° 12 do presente acórdão que a autoridade nacional encarregada da designação de um evento de evento de grande importância goza de uma importante margem de apreciação. De onde decorre que não tem que seguir os pareceres de órgãos consultivos consultados por esta autoridade antes da sua decisão.

25      No que respeita aos motivos pelos quais esses pareceres não foram respeitados pela referida autoridade, é verdade que, conforme exigido pelos autores dos atos da União (v., acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, Colet., p. I‑4951, n.° 166), esta autoridade deve indicar as razões pelas quais um evento foi designado de evento de grande importância, de modo a, por um lado, permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada para fazerem valer os seus direitos e, por outro, permitir à Comissão e aos órgãos jurisdicionais competentes exercer a sua fiscalização.

26      Todavia, contrariamente ao que alega a UEFA, para cumprir esse objetivo, não é necessário que a referida autoridade revele as razões específicas pelas quais não seguiu os pareceres formulados por certos órgãos consultivos, até porque não era obrigada a segui‑los. A este respeito, é irrelevante que estes pareceres emanem de vários órgãos consultivos que partilham a mesma opinião.

27      Nestas condições, importa julgar o primeiro fundamento improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de direito e de apreciação a respeito da qualificação da fase final do EURO de evento de grande importância

28      No que respeita à qualificação da fase final do EURO de evento de grande importância, o Tribunal Geral declarou o seguinte, no n.° 103 do acórdão recorrido:

«[…] nenhuma consideração válida permite concluir que, em princípio, apenas os jogos de ‘gala’ e os jogos que envolvem uma equipa nacional do Reino Unido podem ser assim qualificados em relação à sociedade desse Estado‑Membro e, por isso, fazer parte de tal lista. Com efeito, [a fase final do] EURO é uma competição que pode razoavelmente ser vista mais como um [evento] único do que como um conjunto de [eventos] individuais divididos em jogos de ‘gala’, em jogos de ‘não gala’ e em jogos que envolvem a equipa nacional correspondente. A este respeito, é notório que, no âmbito [da fase final do] EURO, os resultados dos jogos de ‘não gala’ determinam a carreira das equipas, pelo que a sua participação em jogos de ‘gala’, como os que envolvem a correspondente equipa nacional, pode depender desses jogos. Assim, os jogos de ‘não gala’ definem os adversários da equipa nacional correspondente nas fases seguintes da competição. Além disso, os resultados dos jogos de ‘não gala’ podem mesmo determinar a presença ou a ausência de certa equipa nacional na fase seguinte da competição.»

29      No n.° 120 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral pronunciou‑se da seguinte forma:

«[…] a menção [à fase final do] EURO no considerando 18 da Diretiva 97/36 implica que a Comissão não pode considerar a inscrição de jogos desta competição numa lista de [eventos] como contrária ao direito comunitário pelo facto de o Estado‑Membro em causa não lhe ter comunicado as razões específicas que justificam o seu caráter de [evento] de grande importância para a sociedade […]. No entanto, a eventual conclusão da Comissão segundo a qual a inscrição [da fase final do] EURO na sua totalidade numa lista de [eventos] de grande importância […] é compatível com o direito comunitário, por esta competição ser, pelas suas características, validamente vista como um [evento] único, pode ser posta em causa com base em elementos específicos que demonstrem que os jogos de ‘não gala’ não são dessa importância para a sociedade desse Estado.»

 Argumentos das partes

30      A UEFA acusa o Tribunal Geral de não ter acolhido a sua argumentação de acordo com a qual a Comissão não podia concluir que o Reino Unido tinha validamente considerado a fase final do EURO, na sua totalidade, um evento de grande importância. Segundo a UEFA, este Estado‑Membro só podia designar como tal evento os jogos de «gala», que são a final, as meias‑finais e os jogos das equipas desse Estado. Assim, a lista destes eventos estabelecida pelo Reino Unido não devia incluir os jogos de «não gala», ou seja, todos os outros jogos desta fase final.

31      Neste contexto, a UEFA alega, com a primeira parte do seu segundo fundamento, que o Tribunal Geral declarou erradamente que o facto de o legislador da União ter simplesmente referido o EURO, no considerando 18 da Diretiva 97/36, tinha por consequência a Comissão não ter necessidade de exigir que os Estados‑Membros fundamentem especialmente a sua decisão de inscrever a totalidade da competição na lista de eventos de grande importância. Essa análise visa erradamente dispensar a Comissão da sua obrigação de verificar se o evento em causa é efetivamente um evento de grande importância. Este considerando fornece apenas uma lista indicativa do tipo de eventos suscetíveis de apresentar essa importância, de forma que não constitui uma presunção segundo a qual os eventos que refere são de grande importância.

32      Com a segunda parte do referido fundamento, a UEFA acusa o Tribunal Geral de ter baseado muitas das suas conclusões no exame de elementos que a própria Comissão não tinha tido em consideração.

33      Com a terceira parte deste fundamento, a UEFA alega que o Tribunal Geral efetuou esta análise com base em elementos apreciados de forma manifestamente errada.

34      Segundo a Comissão, o segundo fundamento é em parte inadmissível, na medida em que põe em causa a apreciação dos factos efetuada pelo Tribunal Geral. Por outro lado, este fundamento é desprovido de qualquer fundamento, sendo essa conclusão partilhada pelo Reino Unido.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

35      No que respeita à primeira parte do segundo fundamento, importa salientar, desde logo, que o Tribunal Geral enunciou, no n.° 103 do acórdão recorrido, que o EURO é uma competição que pode razoavelmente ser vista mais como um evento único do que como um conjunto de eventos individuais divididos em jogos de «gala», em jogos de «não gala» e em jogos que envolvem a equipa nacional correspondente. Por outro lado, como decorre do n.° 5 do acórdão recorrido, considerou o conceito de «Campeonato Europeu de Futebol», a que se refere o considerando 18 da Diretiva 97/36, no sentido de que este inclui unicamente a fase final desta competição.

36      Contudo, nem o referido considerando nem qualquer outro elemento das Diretivas 85/552 ou 97/36 contêm indícios suscetíveis de demonstrar que os termos «Campeonato Europeu de Futebol» se referem unicamente à fase final desta competição. Assim, estes termos devem, em princípio, abranger igualmente a fase inicial deste campeonato, ou seja, a totalidade dos jogos de qualificação. Ora, é pacífico que os jogos de qualificação anteriores à fase final podem, em geral, não suscitar junto do grande público de um Estado‑Membro um interesse comparável ao que esse público manifesta quando da realização da fase final. Com efeito, apenas certos jogos de qualificação específicos, nomeadamente aqueles que envolvem a equipa nacional do Estado‑Membro em causa ou os das outras equipas do grupo de qualificação em que esta equipa está inserida, podem suscitar tal interesse.

37      Por outro lado, não se pode pôr em causa, de forma razoável, que a importância dos jogos de «gala» é, em geral, superior à que é atribuída aos jogos da fase final do EURO que os precedem, ou seja, os jogos da fase de grupos. Assim, não se pode defender a priori que a importância concedida a esta última categoria de jogos é equivalente à da primeira e que, por isso, todos os jogos da fase de grupos são indistintamente considerados parte de um único evento de grande importância como os jogos de «gala». Assim, a designação de cada jogo de evento de grande importância pode diferir de um Estado‑Membro para outro.

38      Resulta das considerações que precedem que o legislador da União não quis indicar que o «Campeonato Europeu de Futebol», na aceção do considerando 18 da Diretiva 97/36, se limita apenas à fase final e que constitui um evento único e indivisível. Pelo contrário, o EURO deve ser considerado um evento que é, em princípio, divisível por diferentes jogos ou etapas, que não são necessariamente todos abrangidos pela qualificação de evento de grande importância.

39      Todavia, importa precisar que tal leitura errada do Tribunal Geral do considerando 18 da Diretiva 97/36 e, em particular, do conceito de EURO, não teve incidência no presente processo.

40      No que respeita, por um lado, à exclusão dos jogos de qualificação da definição do EURO, basta recordar que o Reino Unido não incluiu estes jogos na lista de eventos de grande importância e que, portanto, a decisão controvertida não diz respeito a estes jogos.

41      Em seguida, há que constatar que o Tribunal Geral examinou, nos n.os 128 a 139 do acórdão recorrido, com base nos elementos fornecidos pela UEFA e à luz da perceção concreta do público do Reino Unido, se todos os jogos da fase final do EURO suscitavam efetivamente, junto desse público, um interesse suficiente para poderem fazer parte de um evento de grande importância. Ora, ao concluir que era esse o caso, o Tribunal Geral constatou legitimamente que a totalidade dos jogos da fase final do EURO podia ser considerada, no Reino Unido, um evento único de grande importância. De facto, a sua apreciação estava portanto conforme à que resulta do n.° 38 do presente acórdão.

42      Por fim, decorre das considerações enunciadas nos n.os 107 a 114 do presente acórdão que a leitura errada do considerando 18 da Diretiva 97/36 não teve incidência na conclusão do Tribunal Geral, segundo a qual a fundamentação da decisão controvertida satisfaz os requisitos enunciados no artigo 253.° CE.

43      Assim sendo, prosseguindo o raciocínio apresentado no n.° 35 do presente acórdão, o Tribunal Geral chegou à constatação, que figura no n.° 120 do acórdão recorrido, de que nenhum Estado‑Membro tem que comunicar à Comissão as razões específicas pelas quais a fase final do EURO é designada, na sua totalidade, como o único evento de grande importância no Estado‑Membro em causa.

44      Ora, dado que a fase final do EURO não pode ser validamente incluída, na sua totalidade, numa lista de eventos de grande importância, independentemente do interesse que suscitam os seus jogos no Estado‑Membro em causa, este não fica dispensado da sua obrigação de comunicar à Comissão as razões que permitem considerar que, no contexto específico da sociedade deste Estado, a fase final do EURO constitui um evento único, que deve ser considerado, na sua totalidade, um evento de grande importância para a referida sociedade, mais do que um conjunto de eventos individuais divididos em jogos de diversos níveis de interesse.

45      Assim, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, no n.° 120 do acórdão recorrido, ao declarar que a Comissão não podia considerar a inscrição de jogos da fase final do EURO contrária ao direito da União pelo facto de o Estado‑Membro em causa não lhe ter comunicado as razões específicas que justificam o seu caráter de evento de grande importância para a sociedade.

46      Nestas condições, há que examinar se, à luz deste erro, o acórdão recorrido deve ser anulado.

47      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral não é suscetível de invalidar o acórdão recorrido se a sua parte decisória se mostrar fundada por outras razões jurídicas (v., neste sentido, acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., p. I‑1719, n.° 47, e de 29 de março de 2011, ThyssenKrupp Nirosta/Comissão, C‑352/09 P, Colet., p. I‑2359, n.° 136).

48      No presente processo, há que salientar, em primeiro lugar, que, de modo a permitir à Comissão exercer o respetivo poder de verificação, a fundamentação que levou um Estado‑Membro a designar um evento de grande importância pode ser sucinta, desde que a mesma seja pertinente. Assim, não se pode exigir, designadamente, que o Estado‑Membro indique, na própria notificação das medidas em causa, dados pormenorizados e numéricos no que diz respeito a cada elemento ou parte do evento que tenha sido objeto de uma notificação à Comissão.

49      A este respeito, importa precisar que, caso a Comissão tenha dúvidas, com base nos elementos à sua disposição, quanto à designação de um evento de evento de grande importância, compete‑lhe pedir esclarecimentos ao Estado‑Membro que procedeu a essa designação (v., por analogia, acórdão de 29 de março de 2012, Comissão/Estónia, C‑505/09 P, n.° 67).

50      No caso em apreço, resulta, designadamente, da comunicação das medidas adotadas pelo Reino Unido, notificadas à Comissão em 5 de maio de 2000 e que estão anexadas à decisão controvertida, que este Estado‑Membro designou a fase final do EURO, na sua totalidade, de evento de grande importância com o fundamento de que este conjunto de jogos, incluindo, portanto, os jogos de «não gala», tinha um eco especial a nível nacional e apresentava um interesse específico igualmente para as pessoas que não seguem habitualmente o futebol, que a audiência televisiva seria, sem dúvida, importante e que este conjunto de jogos era tradicionalmente transmitido em direto através de serviços gratuitos.

51      Estas indicações, notificadas pelo Reino Unido em conformidade com as exigências do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Diretiva 89/552, permitiam à Comissão exercer a sua verificação e pedir, caso o considerasse necessário ou oportuno, esclarecimentos complementares a este Estado‑Membro ou a apresentação de outros elementos que não figurassem na notificação referida.

52      Em segundo lugar, nada indica que a Comissão não tenha exercido essa verificação, que tem um caráter restrito, e que não tenha examinado, à luz dos fundamentos referidos no n.° 50 do presente acórdão, se o ministro não cometeu um erro manifesto de apreciação ao designar a totalidade dos jogos da fase final do EURO de evento de grande importância.

53      A este respeito, resulta desde logo do considerando 6 da decisão controvertida que a Comissão verificou efetivamente se a totalidade dos jogos da fase final do EURO, incluindo, portanto, os jogos de «não gala», tinham um eco especial no Reino Unido, ou seja, se os jogos deste torneio eram particularmente populares entre o grande público e não apenas para quem acompanha habitualmente os jogos de futebol na televisão. Do mesmo modo, resulta do considerando 18 desta decisão que a Comissão tomou em conta o facto de este torneio, na sua totalidade e incluindo os jogos de «não gala», ter sido tradicionalmente transmitido na televisão de acesso livre e ter registado grandes índices de audiência.

54      Seguidamente, decorre dos autos que, no Tribunal Geral, a Comissão juntou à sua contestação vários documentos numéricos nos quais se baseou para verificar a legalidade das medidas notificadas pelo Reino Unido, incluindo os que emanavam deste Estado‑Membro e efetuavam uma distinção entre os jogos de «gala», os jogos de «não gala» e os que envolvem a equipa nacional. Ora, a UEFA não contestou que estes documentos constituíram o fundamento da decisão controvertida e até reconheceu que a Comissão tinha tido em conta estes dados estatísticos (v. n.° 58 do presente acórdão).

55      Por fim, a UEFA não pode utilmente alegar que o caráter supostamente deficiente da verificação exercida pela Comissão resulta do facto de os referidos documentos numéricos respeitarem ao período anterior ao ano 2000 e de a Comissão não ter em conta os dados relativos ao período 2000‑2007, uma vez que devia ter baseado a decisão controvertida nos elementos disponíveis à data da adoção da mesma, ou seja, 16 de outubro de 2007.

56      A este respeito, importa recordar que a decisão controvertida foi adotada com vista a substituir a decisão constante da carta de 28 de julho de 2000, enviada ao Reino Unido pelo diretor‑geral da Direção‑Geral (DG) «Educação e Cultura», anulada pelo acórdão Infront WM/Comissão, já referido, com o fundamento de que não tinha sido adotada pelo colégio dos membros da Comissão. Assim, a fim de garantir a segurança jurídica, a Comissão conferiu um efeito retroativo à decisão controvertida, ao examinar as mesmas medidas nacionais, ou seja, as notificadas pelo Reino Unido em 5 de maio de 2000, e ao prever que esta decisão se aplicava a partir de 18 de novembro de 2000, ou seja, a partir da publicação destas medidas no Jornal Oficial da Comunidades Europeias.

57      Ora, resulta da jurisprudência que a Comissão podia dar à decisão controvertida o referido efeito retroativo (v. acórdão de 13 de novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, Colet., p. I‑4023, n.os 45 a 47), não sendo este efeito, aliás, contestado pela UEFA.

58      Nestas condições, a Comissão tinha que efetuar o seu exame por referência à situação existente em 2000. A este respeito, dada a falta de contestação pela UEFA, não é necessário examinar se competia à Comissão tomar em conta esta situação no momento da adoção da decisão substituída pela decisão controvertida ou no momento da publicação das medidas nacionais notificadas. Assim, incumbia‑lhe verificar se, nesse momento, a totalidade dos jogos que fazem parte da fase final do EURO podia ser considerada um evento de grande importância. Ora, resulta dos autos que a UEFA não apresentou elementos que permitissem ao Tribunal Geral constatar que a Comissão não tinha adotado a decisão controvertida à luz dos elementos disponíveis em 2000. Bem pelo contrário, reconheceu que a Comissão se baseou em dados estatísticos existentes à data da adoção da decisão constante da carta de 28 de julho de 2000.

59      Em terceiro lugar, a UEFA podia demonstrar perante o Tribunal Geral que, com fundamento nestes elementos, a Comissão devia ter concluído que o Reino Unido tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao designar a totalidade dos jogos da fase final do EURO de evento de grande importância.

60      Ora, para este efeito, a UEFA submeteu ao Tribunal Geral os dados relativos nomeadamente ao nível de audiência das fases finais do EURO de 1996 e do de 2000, alegando que estes elementos demonstravam que os jogos de «não gala» não tinham, no Reino Unido, eco espacial junto de quem não acompanha habitualmente.

61      O Tribunal Geral examinou estes dados nos n.os 131 e 132 do acórdão recorrido, mas não confirmou a apreciação proposta pela UEFA.

62      Concluiu no n.° 139 do acórdão recorrido, tendo igualmente em conta outros dados submetidos pela UEFA, relativos ao período posterior ao ano 2000 (n.os 128 a 130, 135 e 136 do mesmo acórdão), que esta não tinha demonstrado que os argumentos constantes dos considerandos 6 e 18 da decisão controvertida e invocados no n.° 53 do presente acórdão padecem de erro nem que, consequentemente, a Comissão devia ter concluído que o Reino Unido tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao designar a totalidade dos jogos da fase final do EURO de evento de grande importância.

63      Resulta do que precede que o erro de direito cometido pelo Tribunal Geral não pode invalidar o acórdão recorrido, uma vez que o seu dispositivo se afigura fundado por outras razões jurídicas. Consequentemente, a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

64      Com a segunda parte do mesmo fundamento, a UEFA acusa o Tribunal Geral de ter, no âmbito da sua apreciação referida nos n.os 60 e 62 do presente acórdão, baseado várias vezes as suas conclusões em elementos que a própria Comissão não tinha tido em conta.

65      A este respeito, há que recordar que no âmbito da fiscalização da legalidade referida no artigo 263.° TFUE, o Tribunal Geral não pode substituir pela sua própria fundamentação a do autor do ato impugnado nem pode preencher, com a sua própria fundamentação, uma lacuna na fundamentação deste ato, de modo a que o seu exame não respeitasse a qualquer apreciação dele constante (v., neste sentido, acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, n.os 87 a 90 e jurisprudência referida).

66      Todavia, no caso em apreço, o exame efetuado pelo Tribunal Geral nos n.os 126 a 139 do acórdão recorrido está relacionado com as apreciações que figuram nos considerandos 6 e 18 da decisão controvertida e apenas corrobora as constatações feitas nestes considerandos.

67      Com a terceira parte do referido fundamento, a UEFA alega que o Tribunal Geral efetuou a análise referida nos n.os 60 e 62 do presente acórdão com base em elementos que apreciou de uma maneira manifestamente errada.

68      A referida parte visa, na realidade, conseguir que o Tribunal de Justiça substitua a apreciação dos factos do Tribunal Geral pela sua própria apreciação, sem que a UEFA invoque uma desvirtuação dos factos e dos elementos de prova submetidos ao Tribunal Geral. Em conformidade com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, esta parte deve assim ser julgada inadmissível (v. acórdão de 18 de maio de 2006, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, C‑397/03 P, Colet., p. I‑4429, n.° 85, e acórdão ThyssenKrupp Nirosta/Comissão, já referido, n.° 180).

69      Tendo em conta o que precede, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente na totalidade.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral na aplicação das disposições do Tratado relativas às empresas públicas e às empresas às quais os Estados‑Membros concedem direitos especiais ou exclusivos

 Argumentos das partes

70      Com a primeira parte do seu terceiro fundamento, a UEFA alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não se ter pronunciado sobre a questão prévia de saber se o artigo 86.°, n.° 1, CE é relevante no presente caso. Em particular, embora o Tribunal Geral tenha concluído que as medidas adotadas pelo Reino Unido não equivaliam a uma atribuição de direitos especiais ou exclusivos, tal não resolveria a questão, uma vez que as empresas em causa, nomeadamente a BBC e a Channel 4, são empresas públicas na aceção desta disposição.

71      Com a segunda parte do mesmo fundamento, a UEFA considera que a análise do Tribunal Geral revela uma interpretação errada do conceito de «direitos especiais», que figura no artigo 86.°, n.° 1, CE, em razão do qual concluiu erradamente que as medidas adotadas pelo Reino Unido não equivaliam à atribuição de direitos especiais aos radiodifusores que exploram canais de acesso livre. O Tribunal Geral apreciou, designadamente, de maneira formalista e teórica a questão de saber se a legislação deste Estado‑Membro atribuía direitos especiais a estes radiodifusores. Ignorou a realidade económica, uma vez que esta legislação permite na prática aos radiodifusores que exploram canais de acesso livre adquirir direitos exclusivos de difusão de jogos da fase final do EURO no Reino Unido, enquanto os radiodifusores que exploram canais a pagar não podem, na prática, adquirir esses direitos de difusão.

72      Com a terceira parte do referido fundamento, a UEFA alega que o Tribunal Geral devia ter constatado a existência de direitos especiais dos radiodifusores que exploram canais de acesso livre, na medida em que o Reino Unido lhes conferiu claramente «privilégios jurídicos». Com efeito, se um operador que explora um canal a pagar compra, à UEFA, o direito de transmitir um jogo da fase final do EURO no Reino Unido, não está autorizado a exercer esse direito, a menos que tenha igualmente proposto em condições razoáveis o direito em causa aos radiodifusores que exploram canais de acesso livre. Em contrapartida, este operador não tem a mínima obrigação de propor estes direitos a outros operadores que exploram canais a pagar.

73      Segundo a Comissão, o terceiro fundamento é inadmissível na medida em que a UEFA invoca vários argumentos que não apresentou na petição inicial perante o Tribunal Geral. Além disso, este fundamento é improcedente, partilhando o Reino Unido da mesma conclusão.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

74      No que diz respeito à primeira parte do terceiro fundamento, importa salientar, por um lado, que, contrariamente ao que alega a UEFA, o Tribunal Geral «não deixou de se pronunciar» sobre a questão prévia de saber se o artigo 86.°, n.° 1, CE era aplicável ao caso em apreço. Examinou esta questão nos n.os 165 a 171 do acórdão recorrido e concluiu que esta disposição não era pertinente e, portanto, não se aplicava.

75      Por outro lado, importa constatar que, no Tribunal Geral, a UEFA não suscitou nenhum fundamento relativamente ao facto de o artigo 86.°, n.° 1, CE ser aplicável, uma vez que certos radiodifusores que exploram canais de acesso livre eram empresas públicas na aceção do artigo 86.°, n.° 1, CE.

76      Em conformidade com a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, este argumento deve ser assim julgado inadmissível (v. acórdão de 19 de julho de 2012, Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o., C‑628/10 P e C‑14/11 P, n.° 111 e jurisprudência referida)

77      No que respeita à segunda parte do referido fundamento, é pacífico que a redação dos artigos 98.° e 101.° da Lei de 1996 relativa à radiodifusão, conforme alterada pelo Regulamento de 2000 sobre a radiodifusão televisiva, não faz qualquer distinção entre as diferentes categorias de radiodifusores e, em particular, não confere aos radiodifusores que exploram canais de acesso livre uma proteção que é recusada aos que exploram canais a pagar, tendo todos estes radiodifusores a liberdade de adquirir os direitos de transmissão não exclusivos dos eventos de grande importância e de os transmitir de maneira não exclusiva.

78      De facto, não se pode excluir que, na prática, apenas alguns radiodifusores que exploram canais de acesso livre, como a BBC e a ITV, transmitirão finalmente, na sequência da autorização do Office of Communications, a totalidade dos jogos da fase final do EURO no Reino Unido, visto que os radiodifusores que exploram canais a pagar só se interessam por uma transmissão exclusiva e, por isso, não apresentarão propostas para adquirir os direitos correspondentes.

79      Todavia, como o Tribunal Geral constatou, em substância, no n.° 171 do acórdão recorrido, este efeito é o resultado da estratégia comercial dos radiodifusores que exploram canais a pagar, que optaram por um modelo de empresa que põe a tónica na exclusividade, de modo que estão menos dispostos a aceitar uma transmissão não exclusiva dos eventos de grande importância do que os radiodifusores que exploram canais de acesso livre. Este efeito resulta, assim, principalmente da livre escolha comercial desta primeira categoria de radiodifusores, não podendo, por isso, ser imputado à legislação do Reino Unido.

80      No que diz respeito à terceira parte do referido fundamento, há que salientar que a UEFA não apresentou no Tribunal Geral nenhum fundamento relativo ao facto de os radiodifusores que exploram canais de acesso livre gozarem de um privilégio por os radiodifusores que exploram canais pagos deverem propor os direitos de transmissão da totalidade dos jogos da fase final do EURO. Em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 76 do presente acórdão, este argumento deve ser considerado inadmissível.

81      Tendo em conta o que precede, importa julgar o terceiro fundamento parcialmente improcedente e parcialmente inadmissível.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação de outras disposições do Tratado relativas à concorrência

 Argumentos das partes

82      A UEFA alega que, uma vez que o artigo 86.°, n.° 1, CE é claramente aplicável no presente caso, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não examinar a questão de saber se as medidas adotadas pelo Reino Unido têm por efeito colocar a BBC e a ITV numa posição que elas próprias não poderiam ter alcançado sem infringir o direito da concorrência ou numa posição que lhes permitiu violarem mais facilmente o direito da concorrência.

83      Segundo a Comissão, o quarto fundamento é inoperante.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

84      A UEFA acusa o Tribunal Geral de violação de vários artigos do Tratado relativos à concorrência, reconhecendo que a aplicação destes artigos implica, no contexto do presente litígio, a aplicabilidade do artigo 86.°, n.° 1, CE.

85      Ora, nos n.os 165 a 171 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou que o artigo 86.°, n.° 1, CE não era aplicável. Não tendo a UEFA posto esta conclusão em causa no âmbito do presente recurso, o quarto fundamento é inoperante e deve, como tal, ser julgado improcedente.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo a erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral na aplicação das disposições do Tratado relativas à liberdade de prestação de serviços e ao princípio da proporcionalidade

 Argumentos das partes

86      Com a primeira parte do seu quinto fundamento, a UEFA alega que o Tribunal Geral desvirtuou o seu fundamento relativo à liberdade de prestação de serviços, uma vez que alegou, perante o mesmo, que, por um lado, as medidas adotadas pelo Reino Unido constituíam uma discriminação em relação aos organismos de radiodifusão estabelecidos noutros Estados‑Membros e que, por outro, a definição de «organismo de radiodifusão televisiva qualificada», na aceção da legislação do Reino Unido, era demasiado restrita para ser proporcional ao objetivo desta legislação. Ora, o Tribunal Geral devia ter constatado que estas medidas eram desproporcionadas com base em qualquer uma destas duas razões.

87      No âmbito da segunda parte do seu quinto fundamento, a UEFA alega que a análise do Tribunal Geral está errada uma vez que presumiu — pelo simples facto de a fase final do EURO poder ser considerada um só e o mesmo evento e ser, na sua totalidade, um evento de grande importância — que o objetivo que consiste em garantir um acesso alargado do público à transmissão televisiva deste evento não podia ser convenientemente alcançado através de uma limitação menos restritiva do que a resultante das medidas adotadas pelo Reino Unido, como uma lista que incluísse apenas certos jogos precisos da fase final do EURO.

88      Com a terceira parte do referido fundamento, a UEFA alega que, mesmo admitindo que a fase final do EURO possa ser considerada um evento único de grande importância para a sociedade do Reino Unido, a Comissão tinha de proceder a um exame aprofundado da compatibilidade das referidas medidas com as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços e à concorrência.

89      Segundo o Reino Unido e a Comissão, o quinto fundamento é desprovido de qualquer fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

90      Com a primeira parte do seu quinto fundamento, a UEFA acusa o Tribunal Geral, na realidade, da violação do dever de fundamentação, um vez que não respondeu aos argumentos perante si invocados, relativos ao caráter alegadamente discriminatório das medidas adotadas pelo Reino Unido e a uma definição demasiado restrita do conceito de organismo de radiodifusão televisiva qualificada.

91      A este respeito, resulta da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que o Tribunal Geral não é obrigado a uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio. Consequentemente, a fundamentação do Tribunal Geral pode ter um carácter implícito, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões por que o Tribunal Geral não acolheu os respetivos argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização. Em particular, não compete ao Tribunal Geral responder aos argumentos invocados por uma parte que não sejam suficientemente claros e precisos, na medida em que não sejam objeto de qualquer outro desenvolvimento particular e não sejam acompanhados por uma argumentação específica que os apoie (v., neste sentido, acórdãos de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão, C‑120/06 P e C‑121/06 P, Colet., p. I‑6513, n.os 91 e 96, e de 5 de julho de 2011, Edwin/IHMI, C‑263/09 P, Colet., p. I‑5853, n.° 64).

92      No que diz respeito ao argumento relativo ao caráter alegadamente discriminatório da legislação do Reino Unido, importa recordar que, nos n.os 148 e 149 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral reconheceu, por um lado, que esta legislação constituía uma restrição à livre prestação de serviços uma vez que, de facto, é mais provável que seja um radiodifusor que explora uma cadeia de acesso livre, estabelecido «segundo toda a probabilidade nesse Estado‑Membro», a transmitir a totalidade dos jogos da fase final do EURO praticamente com exclusividade e não um concorrente estabelecido noutro Estado‑Membro. Por outro lado, o Tribunal Geral precisou que esta restrição podia ser justificada, uma vez que visava proteger o direito à informação e assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva de eventos de grande importância para a sociedade, nacionais ou não.

93      Ao decidir desta forma, o Tribunal Geral forneceu uma fundamentação suficiente, ainda que implícita, que permite à UEFA conhecer as razões pelas quais não acolheu a sua argumentação e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização.

94      No que respeita ao argumento relativo à definição alegadamente restrita do conceito de organismo de radiodifusão televisiva qualificada, importa salientar que foi objeto de um único ponto da petição inicial, que contém um total de 176 pontos. Por outro lado, este argumento baseava‑se apenas na asserção de que esta definição é significativamente mais restrita que a adotada pelos outros Estados‑Membros e que, na prática, limita apenas a três o número de organismos que têm a possibilidade de cumprir as exigências impostas. Por fim, na sua réplica, a UEFA limitou‑se a desenvolver o referido argumento em duas frases sucintas.

95      Consequentemente, tendo em conta que o referido argumento não tinha sido objeto de desenvolvimento particular nas peças apresentadas ao Tribunal Geral, este não tinha de lhe responder.

96      Em relação à segunda parte do quinto fundamento, importa salientar desde logo que se baseia numa leitura errada do n.° 152 do acórdão recorrido. Com efeito, neste número, o Tribunal Geral não se baseou na presunção de que o objetivo que consistia em garantir um acesso alargado do público à teledifusão de um evento único de grande importância não podia ser convenientemente atingido através de uma restrição menos limitativa. O Tribunal Geral julgou improcedente o fundamento da UEFA por assentar numa premissa errada, pois baseava‑se no facto de as medidas adotadas pelo Reino Unido serem desproporcionadas, na medida em que os jogos de «não gala» da fase final do EURO não tinham grande importância. Ora, o Tribunal Geral teve razão ao decidir como decidiu, uma vez que tinha declarado, nos n.os 123 a 141 do acórdão recorrido, que a fase final do EURO, na sua totalidade, incluindo os jogos de «não gala», podia ser considerada um evento de grande importância para a sociedade do Reino Unido.

97      Por fim, no que respeita à terceira parte do referido fundamento, resulta do n.° 19 do presente acórdão que incumbe à Comissão efetuar um exame restrito, limitado à procura de erros manifestos de apreciação cometidos pelos Estados‑Membros quando da elaboração das listas nacionais dos eventos de grande importância.

98      Tendo em conta o que precede, importa julgar o quinto fundamento na totalidade improcedente.

 Quanto ao sexto fundamento, relativo a erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral na aplicação do direito de propriedade

 Argumentos das partes

99      Segundo a UEFA, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir, por um lado, que o simples facto de a fase final do EURO poder ser considerada um único e mesmo evento de grande importância é suficiente para que a ingerência nos direitos de propriedade desta associação, no que respeita a cada um dos diferentes jogos desse torneio, seja considerada necessariamente proporcionada. Por outro lado, o Tribunal Geral cometeu um erro ainda mais fundamental ao não ter avaliado a amplitude das restrições introduzidas aos direitos de propriedade da UEFA, o que o impediu de proceder à análise adequada da questão de saber se as desvantagens causadas pelas medidas adotadas pelo Reino Unido eram ou não proporcionais aos objetivos prosseguidos.

100    O Reino Unido e a Comissão contestam a procedência deste fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

101    Segundo o artigo 17.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral.

102    A este respeito, resulta das considerações enunciada nos n.os 10, 20 e 21 do presente acórdão, por um lado, que a violação do direito de propriedade da UEFA já decorre do artigo 3.°‑A da Diretiva 85/552 e que esta violação pode, em princípio, ser justificada pelo objetivo que visa proteger o direito à informação e assegurar o acesso alargado do público às coberturas televisivas de eventos de grande importância. Por outro lado, dado que a totalidade dos jogos da fase final do EURO foi validamente designada pelo Reino Unido de evento de grande importância, a Comissão apenas tinha que examinar os efeitos desta designação sobre o direito de propriedade da UEFA, que iam além dos intrinsecamente ligados à inscrição deste evento na lista de eventos designados por estas autoridades.

103    Ora, as únicas pretensões da UEFA a respeito desses efeitos referem‑se ao facto de os potenciais compradores, quando da venda em hasta pública dos direitos de transmissão em causa, ou seja, a BBC e a ITV, formarem uma aliança e apresentarem uma oferta comum. Todavia, resulta da petição inicial apresentada no Tribunal Geral que este argumento não foi invocado perante o mesmo. Tendo em conta a jurisprudência recordada no n.° 76 do presente acórdão, a UEFA não o pode invocar no âmbito do presente recurso.

104    Nestas condições, há que julgar o sexto fundamento improcedente.

 Quanto ao sétimo fundamento, relativo a erros de direito a respeito da fundamentação da decisão controvertida

 Argumentos das partes

105    A UEFA alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não ter exigido à Comissão que respeitasse o nível de fundamentação requerido à luz de cada um dos seis fundamentos de mérito invocados no seu recurso. A decisão controvertida devia ter sido anulada, em primeiro lugar, porque não contém fundamentação suficiente no que respeita à qualificação da fase final do EURO de evento de grande importância. Em seguida, a fundamentação desta decisão é igualmente deficiente no que respeita ao entrave provocado à livre prestação de serviços, à livre concorrência e ao direito de propriedade da UEFA. Por fim, o Tribunal Geral não podia basear‑se na alegada situação privilegiada que a UEFA retira da sua qualidade de titular dos direitos para determinar se a fundamentação exposta pela Comissão era suficiente.

106    Segundo o Reino Unido e a Comissão, o sétimo fundamento é improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

107    Resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente, do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do referido artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, já referido, n.° 166 e jurisprudência referida).

108    Por outro lado, resulta igualmente da jurisprudência que, quando a adoção do ato em causa se insere num contexto bem conhecido dos interessados, este ato pode ser fundamentado de modo sucinto (v., neste sentido, acórdão de 26 de junho de 2012, Polónia/Comissão, C‑335/09 P, n.° 152 e jurisprudência referida).

109    No que diz respeito às decisões tomadas nos termos do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Diretiva 89/552, importa recordar, por um lado, que, ao adotá‑las, a Comissão exerce não um poder de decisão próprio, mas um poder de fiscalização que está, além disso, adstrito e limitado à procura de erros manifestos de apreciação cometidos pelos Estados‑Membros quando da designação dos eventos de grande importância (v. n.os 12 e 19 do presente acórdão). As referidas decisões devem assim ser lidas à luz das medidas nacionais notificadas.

110    Por outro lado, há que salientar que estas decisões dizem respeito, para além do Estado‑Membro que as notifica à Comissão, designadamente, aos radiodifusores que exploram cadeias televisivas nesse Estado e aos titulares de direitos exclusivos para a transmissão dos eventos em causa. Ora, não se pode negar que os principais interessados têm conhecimentos aprofundados do contexto em que estas decisões foram adotadas, uma vez que, pelo menos para negociar o preço destes direitos, é suposto conhecerem todos os elementos que afetam sensivelmente o seu valor e, em particular, o interesse que o evento em causa apresenta para o público do Estado‑Membro em causa.

111    Nestas condições, uma decisão da Comissão adotada nos termos do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Diretiva 89/552 pode ser fundamentada de maneira sucinta. Em particular, a Comissão tem a faculdade de indicar apenas os motivos sucintos pelos quais considerou um evento como evento de grande importância. Além disso, resulta das considerações enunciadas nos n.os 20 e 21 do presente acórdão que a fundamentação relativa à compatibilidade das medidas adotadas pelo Reino Unido com as regras relativas à livre circulação de serviços, à livre concorrência e ao direito de propriedade pode estar implícita. Mais precisamente, quando os efeitos sobre a livre circulação de serviços, sobre a livre concorrência e sobre o direito de propriedade não vão além dos efeitos intrinsecamente ligados à inclusão do evento em causa na lista prevista no artigo 3.°‑A, n.° 1, da Diretiva 89/552, não é, em princípio, necessário fundamentar especificamente esta conclusão.

112    No caso em apreço, importa salientar que os considerandos 5, 6 e 18 da decisão controvertida apresentam os motivos pelos quais a Comissão considerou que a totalidade dos jogos da fase final do EURO podia ser considerada um evento de grande importância. Assim, o considerando 6 indica, designadamente, que este evento encontra um eco especial no Reino Unido, já que é particularmente popular entre o grande público e não apenas para quem acompanha habitualmente os eventos desportivos. Esta constatação é, por outro lado, precisada no considerando 18, do qual resulta que o referido evento é tradicionalmente transmitido na televisão de acesso livre e regista, enquanto tal, grandes níveis de audiência.

113    Tendo em conta o que precede, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao considerar que a decisão controvertida continha as informações necessárias que permitiram, por um lado, à UEFA conhecer as razões pelas quais a Comissão concluiu que a totalidade dos jogos da fase final do EURO podia ser considerada um evento de grande importância e, por outro lado, ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização quanto à procedência dessa conclusão.

114    No que diz respeito aos outros aspetos da fundamentação da decisão controvertida, nada indica, no presente processo, que os efeitos sobre a livre circulação de serviços e sobre a livre concorrência vão além dos efeitos intrinsecamente ligados à inclusão da fase final do EURO na lista dos eventos de grande importância. No que respeita à alegada violação do direito de propriedade que vai além do que resultaria desta mera inclusão, importa recordar que este argumento só é invocado pela UEFA no Tribunal de Justiça.

115    Tendo em conta o que precede, há que julgar o sétimo fundamento improcedente.

116    Não sendo nenhum dos sete fundamentos invocados pela UEFA em apoio do seu recurso procedente, há que a negar provimento ao recurso na sua totalidade como parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

 Quanto às despesas

117    Por força do disposto no artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas. Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do mesmo regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, do mesmo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da UEFA e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas do presente processo.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Union des associations européennes de football (UEFA) é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.