Language of document : ECLI:EU:C:2010:518

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 14 de Setembro de 2010 1(1)

Processo C‑96/09 P

Anheuser‑Busch, Inc.

contra

Budějovický Budvar

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Marca comunitária – Artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 – Oposição do titular da denominação de origem Bud – Utilização na vida comercial – Sinal cujo alcance não seja apenas local»






Índice


I –   Introdução

II – Quadro normativo

A –   O Acordo de Lisboa

B –   A Convenção bilateral

C –   O Direito da União

III – Os factos perante o Tribunal de Primeira Instância e o acórdão recorrido

A –   Quadro factual e processo no IHMI

B –   Síntese do acórdão recorrido

IV – O processo no Tribunal de Justiça e os pedidos das partes

V –   Algumas considerações preliminares sobre o artigo 8.° do Regulamento n.° 40/94

A –   A oposição baseada numa marca anterior registada: artigo 8.°, n.os 1 e 2

B –   A oposição baseada noutros sinais: artigo 8.°, n.° 4

1.     No artigo 8.°, n.° 4, estão abrangidos sinais muito heterogéneos

2.     Os requisitos do artigo 8.°, n.° 4, visam assegurar a solidez dos sinais invocados ao seu abrigo

C –   Quanto à adequação de se aplicar analogicamente ao n.° 4 as exigências do artigo 8.°, n.° 1

VI – Análise do presente recurso

A –   Quanto ao primeiro fundamento de recurso, relativo à violação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94

1.     Primeira parte do primeiro fundamento de recurso: quanto à competência do IHMI para apreciar a validade do direito invocado ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4

a)     Definição de posições

b)     Apreciação

2.     Segunda parte do primeiro fundamento de recurso: quanto ao requisito da «utilização na vida comercial»

a)     Quantidade e qualidade da utilização

i)     Definição de posições

ii)   Apreciação

b)     Território relevante para efeitos de prova da «utilização na vida comercial»

i)     Definição de posições

ii)   Apreciação

c)     Período relevante para efeitos da apreciação da «utilização na vida comercial»

i)     Definição de posições

ii)   Apreciação

d)     Corolário

3.     Terceira parte do primeiro fundamento de recurso: quanto ao requisito «cujo alcance não seja apenas local».

a)     Definição de posições

b)     Apreciação

4.     Conclusão

B –   Quanto ao segundo fundamento de recurso, relativo à violação dos artigos 8.°, n.° 4, e 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94

1.     Definição de posições

2.     Apreciação

C –   Procedência do presente recurso e remessa do processo ao Tribunal Geral

VII – Despesas

VIII – Conclusão

I –    Introdução

1.        O presente recurso de segunda instância constitui mais um capítulo da longa história processual que tem vindo a confrontar a cervejeira norte‑americana Anheuser‑Busch e a checa Budějovický Budvar, národní podnik (a seguir «Budvar»), e que inclui já várias decisões deste Tribunal de Justiça (2). Embora estes acórdãos anteriores possam de certa forma incidir sobre alguns dos pontos do presente litígio, o que aqui se coloca é um problema jurídico não tratado até este momento pela nossa jurisprudência.

2.        O acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Dezembro de 2008, Budějovický Budvar–Anheuser‑Busch (BUD) (3), objecto de recurso, deu provimento aos recursos de anulação apresentados pela Budvar contra uma série de decisões da Segunda Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (a seguir «IHMI»), nas quais havia sido rejeitada a oposição deduzida pela Budvar contra o pedido de registo de Bud como marca comunitária depositado pela Anheuser‑Busch.

3.        A particularidade do processo radica no facto de a Budvar ter deduzido a sua oposição a esse registo de Bud como marca comunitária ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (4), invocando a existência de um direito anterior sobre a denominação Bud constituído por uma denominação de origem que estaria protegida na Áustria e em França através dos respectivos instrumentos internacionais.

4.        O Tribunal de Justiça é assim chamado a interpretar pela primeira vez o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 40/94. E terá de o fazer num caso que não parece ser o mais paradigmático de aplicação da citada disposição. Com efeito, a lógica interna do artigo 8.°, n.° 4, adapta‑se com mais facilidade aos direitos que nascem do mero uso de um determinado sinal (as marcas não registadas, por exemplo, mas também, dependendo da legislação nacional, certos nomes de empresa, rótulos e outros sinais distintivos) do que aos que gozam de protecção graças a um registo formal, como acontece no presente processo.

5.        É possível que esta última circunstância possa ter pesado no sentido geral da decisão do Tribunal de Primeira Instância, mas entendo que não deveria influir na decisão do presente recurso. A interpretação do artigo 8.°, n.° 4, deve certamente ser suficientemente flexível de forma a adaptar‑se a uma grande variedade de sinais que por ele estão abrangidos. Não obstante, esta interpretação deve aspirar também a ser tendencialmente única. Caso contrário, os requisitos previstos nessa disposição não poderiam cumprir a sua função básica de garantia da credibilidade e da identidade real dos referidos sinais, que o legislador comunitário lhes conferiu.

6.        Estes requisitos situam‑se, com efeito, num plano predominantemente factual, e desta perspectiva se deve verificar o seu cumprimento. Assim deve ser também, na minha opinião, em casos como o dos autos, no qual a existência de uma protecção jurídica formalizada e internacional poderia eventualmente fazer pensar na necessidade de harmonizar os requisitos da «utilização» e do «alcance» do sinal.

II – Quadro normativo

A –    O Acordo de Lisboa

7.        O Acordo de Lisboa Relativo à Protecção das Denominações de Origem e ao Seu Registo Internacional (5) dispõe no seu artigo 1.°, 2.° parágrafo, que os países a que se aplica este Acordo (6) se obrigam a proteger nos seus territórios, as denominações de origem dos produtos dos outros países da «União Particular», reconhecidas e protegidas como tal no país de origem e registadas na Secretaria Internacional prevista na Convenção que institui a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (a seguir «OMPI»).

8.        De acordo com o artigo 5.° do Acordo, o registo das denominações de origem será feito a requerimento das Administrações dos países da União Particular, em nome das pessoas físicas ou morais, públicas ou privadas, titulares do direito de usar essas denominações segundo a sua legislação nacional. Neste quadro, as Administrações dos países poderão declarar que não podem assegurar a protecção de uma denominação de origem, com indicação dos motivos, dentro do prazo de um ano a contar da data da recepção da notificação do registo.

9.        Em conformidade com os artigos 6.° e 7.°, n.° 1, uma denominação de origem registada nos termos do Acordo de Lisboa não poderá ser considerada genérica enquanto se encontrar protegida como denominação de origem no país de origem.

10.      Por outro lado, segundo a Regra 16 do Regulamento de Execução do Acordo de Lisboa, quando os efeitos de um registo internacional forem declarados nulos ou anulados num país contratante e a declaração de nulidade ou anulação não puder ser objecto de recurso, a administração competente desse país deverá notificar essa invalidade à Secretaria Internacional.

11.      A denominação de origem «Bud» foi inscrita na OMPI em 10 de Março de 1975 com o n.° 598, em aplicação do Acordo de Lisboa.

B –    A Convenção bilateral

12.      Em 11 de Junho de 1976, a República da Áustria e a República Socialista da Checoslováquia celebraram um Tratado em matéria de protecção das indicações de proveniência, denominações de origem e outras denominações relativas à proveniência dos produtos agrícolas e industriais (a seguir «convenção bilateral») (7).

13.      De acordo com o seu artigo 2.°, utilizam‑se os termos indicações geográficas, denominações de origem e outras denominações relativas à proveniência, na acepção da convenção, para todas as indicações que directa ou indirectamente se refiram à origem dos produtos.

14.      Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, «na República da Áustria, as denominações checoslovacas que se enumeram no acordo que se celebrará nos termos do artigo 6.° permanecerão reservadas exclusivamente para os produtos checoslovacos». O artigo 5.°, n.° 1, B 2, inclui as cervejas nas categorias de produtos checos abrangidos pela protecção assegurada pela convenção bilateral; o anexo B do acordo a que o artigo 6.° da convenção faz referência, inclui «Bud» entre as denominações checoslovacas relativas a produtos agrícolas e industriais (sob a rubrica «cerveja»).

C –    O Direito da União

15.      Desde 13 de Abril de 2009, a marca comunitária rege‑se pelo novo Regulamento (CE) n.° 207/2009 (8). Para efeitos da decisão deste recurso, no entanto, são aplicáveis ratione temporis as normas do Regulamento (CE) n.° 40/94.

16.      O artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, cuja interpretação está em questão no presente recurso, dispõe o seguinte:

«Após oposição do titular de uma marca não registada ou de outro sinal utilizado na vida comercial cujo alcance não seja apenas local, será recusado o pedido de registo da marca quando e na medida em que, segundo o direito do Estado‑Membro aplicável a esse sinal:

a)      Tenham sido adquiridos direitos sobre esse sinal antes da data de depósito do pedido de marca comunitária ou, se for caso disso, antes da data de prioridade invocada em apoio do pedido de marca comunitária;

b)      Esse sinal confira ao seu titular o direito de proibir a utilização de uma marca posterior.»

17.      O artigo 43.°, n.os 2 e 3, do mesmo regulamento dispõe o seguinte:

«2.       A pedido do requerente, o titular de uma marca comunitária anterior que tenha deduzido oposição, provará que, nos cinco anos anteriores à publicação do pedido de marca comunitária, a marca comunitária anterior foi objecto de uma utilização séria na Comunidade em relação aos produtos ou serviços para que foi registada e em que se baseia a oposição, ou que existem motivos justificados para a sua não utilização, desde que, nessa data, a marca anterior esteja registada há, pelo menos, cinco anos. Na falta dessa prova, a oposição será rejeitada. Se a marca comunitária anterior tiver sido utilizada apenas para uma parte dos produtos ou serviços para que foi registada, só se considera registada, para efeitos de análise da oposição, em relação a essa parte dos produtos ou serviços.

3.       O n.° 2 é aplicável às marcas nacionais anteriores referidas no n.° 2, alínea a), do artigo 8.°, partindo‑se do princípio de que a utilização na Comunidade é substituída pela utilização no Estado‑Membro em que a marca nacional anterior se encontre protegida.»

18.      Em conformidade com o artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, «[n]o decurso do processo, o instituto procederá ao exame oficioso dos factos; contudo, num processo respeitante a motivos relativos de recusa do registo, o exame limitar‑se‑á às alegações de facto e aos pedidos apresentados pelas partes».

III – Os factos perante o Tribunal de Primeira Instância e o acórdão recorrido

A –    Quadro factual e processo no IHMI

19.      Em 1 de Abril de 1996, 28 de Julho de 1999, 11 de Abril e 4 de Julho de 2000, a Anheuser‑Busch, Inc. depositou junto do IHMI quatro pedidos para o registo da marca (figurativa e denominativa) Bud como marca comunitária.

20.      Em 5 de Março de 1999, 1 de Agosto de 2000, 22 de Maio e 5 de Junho de 2001, a Budvar apresentou as respectivas oposições de acordo com o artigo 42.° do Regulamento (CE) n.° 40/94, invocando, em primeiro lugar, com base no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94, a marca figurativa internacional n.° 361.566, com efeitos na Áustria, no Benelux e em Itália; e, em segundo lugar, com base no artigo 8.°, n.° 4, do mesmo regulamento, a denominação de origem «Bud» registada junto do IHMI em 10 de Março de 1975, com efeitos em França, Itália e Portugal em virtude do Acordo de Lisboa, e a denominação de origem do mesmo nome protegida na Áustria em virtude da convenção bilateral.

21.      Através de decisão de 16 de Julho de 2004 (n.° 2326/2004), a Divisão de Oposição deferiu parcialmente a oposição deduzida contra o registo de uma das marcas pedidas. Pelo contrário, através de decisões de 23 de Dezembro de 2004 (n.os 4474/2004 e 4475/2004) e de 26 de Janeiro de 2005 (n.° 117/2005), a Divisão de Oposição rejeitou as oposições deduzidas pela Budvar contra o registo das três marcas restantes. A Budvar interpôs outros tantos recursos destas três últimas decisões de recusa da Divisão de Oposição, e a Anheuser‑Busch impugnou também a decisão de deferimento parcial de 16 de Julho de 2004.

22.      Através de decisões com datas de 14 de Junho (processo R 234/2005‑2), 28 de Junho (processo R 241/2005‑2) e 1 de Setembro de 2006 (processo R 305/2005‑2), a Segunda Câmara de Recurso do IHMI não deu provimento aos recursos interpostos pela Budvar. Através de decisão proferida em 28 de Junho de 2006 (processo R 802/2004‑2), a Câmara de Recurso deu provimento ao recurso interposto pela Anheuser‑Busch e rejeitou na íntegra a oposição deduzida pela Budvar.

23.      Nestas quatro decisões, a Câmara de Recurso do IHMI assinalou, em primeiro lugar, que a Budvar já não parecia remeter‑se à marca figurativa internacional n.° 361.566 para basear as suas oposições, mas apenas à denominação de origem «Bud».

24.      Em segundo lugar, a Câmara de Recurso considerou que era difícil conceber que o sinal BUD se pudesse considerar uma denominação de origem, ou mesmo uma indicação indirecta de proveniência geográfica, deduzindo daí que, de acordo com o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 40/94, uma oposição baseada num direito apresentado como uma denominação de origem, mas que, de facto, não o era, não procederia.

25.      Em terceiro lugar, aplicando por analogia o artigo 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento (CE) n.° 40/94 e a regra 22 do Regulamento (CE) n.° 2868/95 (9), a Câmara de Recurso considerou insuficientes as provas do emprego da denominação de origem «bud» na Áustria, França, Itália e Portugal, apresentadas pela Budvar.

26.      Em quarto e último lugar, considerou que a oposição devia ser rejeitada porque a Budvar não tinha demonstrado que a denominação de origem controvertida lhe conferisse o direito a proibir a utilização do termo Bud, como marca, na Áustria ou em França.

B –    Síntese do acórdão recorrido

27.      Nos dias 26 de Agosto (10), 15 de Setembro (11) e 14 de Novembro de 2006 (12), a Budvar interpôs no Tribunal de Primeira Instância os correspondentes recursos de anulação das citadas decisões da Câmara de Recurso. Em apoio das suas pretensões, a recorrente invocava um único fundamento, baseado na violação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94. Este fundamento único da Budvar articulava‑se em dois segmentos: um primeiro, relativo à validade da denominação de origem «bud» (a Câmara de Recurso tinha negado que o sinal BUD fosse constitutivo de uma denominação de origem); e um segundo, relativo à aplicabilidade dos requisitos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 (que a Câmara de Recurso negou e a Budvar sustentava).

28.      No seu acórdão de 16 de Dezembro de 2008, ora recorrido, o Tribunal de Primeira Instância deu provimento ao recurso de anulação apresentado pela Budvar, acolhendo o primeiro e o segundo segmentos do citado fundamento único.

29.      O Tribunal acolheu o primeiro segmento do fundamento único, distinguindo, para efeitos da sua análise, entre a denominação de origem «bud» registada ao abrigo do Acordo de Lisboa e a denominação «bud» protegida ao abrigo da convenção bilateral.

30.      No que diz respeito à primeira, o Tribunal recordou que, de acordo com a sua jurisprudência, «a validade de uma marca nacional não pode ser posta em causa no âmbito de um processo de registo de uma marca comunitária» (n.° 88), deduzindo disso que «o sistema instituído pelo Regulamento n.° 40/94 pressupõe a tomada em consideração, pelo IHMI, da existência de direitos anteriores protegidos a nível nacional» (n.° 89). Uma vez que, em França, os efeitos da denominação de origem «bud» não tinham sido definitivamente invalidados, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que a Câmara de Recurso deveria ter tido em conta o direito nacional pertinente e o registo efectuado ao abrigo do Acordo de Lisboa, sem poder pôr em causa o facto de o direito anterior invocado constituir uma «denominação de origem» (n.° 90).

31.      No que diz respeito à segunda, o Tribunal sublinhou que, na acepção do artigo 2.° da convenção bilateral, «basta que as indicações ou denominações em causa se relacionem directa ou indirectamente com a origem de um produto para poderem ser enumeradas no acordo bilateral e beneficiar, a este título, da protecção conferida pela convenção bilateral» (n.° 94). Em face destes elementos, o Tribunal entendeu que a Câmara de Recurso considerou, erradamente, que a denominação «bud» era especificamente protegida enquanto «denominação de origem» ao abrigo da convenção bilateral (n.° 95). Por outro lado, o Tribunal declarou que a convenção bilateral produz ainda os seus efeitos na Áustria, no sentido de proteger a denominação «bud», pois nada indica que a Áustria ou a República Checa tenham denunciado a referida convenção, e os litígios em curso na Áustria não terminaram por uma decisão judicial definitiva (n.° 98).

32.      Em face do que foi exposto, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que a Câmara de Recurso violou o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 ao considerar, antes de mais, que os direitos anteriores invocados não eram uma «denominação de origem»; e, além disso, ao entender que a questão de saber se o sinal BUD era considerado uma denominação de origem protegida, designadamente em França e na Áustria, revestia uma «importância secundária», e ao acabar por concluir que uma oposição não poderia proceder nessa base (n.os 92 e 97 do acórdão recorrido).

33.      O Tribunal de Primeira Instância acolheu também o segundo segmento do fundamento único de anulação, relativo à aplicação dos requisitos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94. Dentro deste segundo segmento, a Budvar tinha, por sua vez, formulado duas alegações.

34.      A primeira alegação versava sobre os requisitos relativos à utilização do sinal na vida comercial e ao seu «alcance não apenas local».

35.      Quanto à verificação do requisito relativo à utilização dos sinais em causa na vida comercial, o Tribunal considerou que a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito ao decidir aplicar analogicamente as disposições comunitárias relativas à utilização «séria» da marca anterior (artigo 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 40/94). Em primeiro lugar, o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 apenas se refere à utilização «séria» do sinal invocado como fundamento da oposição (n.° 164 do acórdão recorrido). Em segundo lugar, no âmbito do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 e dos artigos 5.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, da Directiva 89/104 (13), o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância têm reiteradamente considerado que «se verifica o uso de um sinal na “vida comercial” quando tal uso se situa no contexto de uma actividade comercial destinada à obtenção de um proveito económico e não no domínio privado» (n.° 165). Em terceiro lugar, no contexto do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, «determinados sinais podem não perder os direitos que lhes são conexos, não obstante o facto de não serem objecto de uma utilização “séria”« (n.° 166). E, em quarto lugar, o Tribunal sublinhou que, ao aplicar por analogia o artigo 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 40/94 e a regra 22 do Regulamento n.° 2868/95 ao caso vertente, a Câmara de Recurso apreciou designadamente a utilização do sinal em causa na Áustria, em França, na Itália e em Portugal, separadamente, isto é, em cada um dos territórios em que, segundo a Budvar, está protegida a denominação «bud», e isto apesar de que os sinais visados no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento «podem ser objecto de uma protecção num território específico, apesar de não terem sido objecto de uma utilização no referido território específico, mas apenas noutro território» (n.° 167).

36.      Da mesma forma, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que «uma indicação que visa indicar a proveniência geográfica de um produto pode ser utilizada, à semelhança de uma marca, na vida comercial», sem que isso signifique que a referida denominação seja utilizada «como uma marca», assim perdendo a sua função primeira (n.° 175 do acórdão recorrido).

37.      Quanto ao requisito relativo ao alcance, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 visa o alcance do sinal em causa e não o alcance da sua utilização. Esse alcance do sinal abrange o âmbito geográfico da sua protecção, que não deve ser apenas local. Consequentemente, considerou que a Câmara de Recurso cometeu também um erro de direito quando, no caso da França, estabeleceu um nexo entre a prova da utilização do sinal respectivo e o requisito relativo ao facto de o direito em causa dever ter um alcance não apenas local (n.os 180 e 181).

38.      Em face do exposto, o Tribunal concluiu que era de julgar procedente a primeira alegação do segundo segmento do fundamento único.

39.      A segunda alegação do segundo segmento do fundamento único versava sobre o direito que decorre do sinal invocado em apoio da oposição. Neste ponto, a Câmara de Recurso tinha‑se referido unicamente às decisões judiciais proferidas na Áustria e em França para concluir que a Budvar não tinha feito prova de que o sinal em causa lhe conferia o direito de proibir a utilização de uma marca posterior. O Tribunal de Primeira Instância recordou, no entanto, que nenhuma das decisões judiciais invocadas fazia caso julgado, pelo que a Câmara de Recurso não se podia basear unicamente nestas decisões para estribar a sua conclusão, e deveria igualmente ter tido em conta as disposições do direito nacional invocadas pela Budvar, incluindo o Acordo de Lisboa e a convenção bilateral (n.° 192). A este respeito, o Tribunal lembrou que o IHMI deve informar‑se oficiosamente, através dos meios que entender úteis para o efeito, sobre o direito nacional do Estado‑Membro em causa (n.° 193). Concluiu, em consequência, que a Câmara de Recurso cometeu um erro ao não ter em conta todos os elementos factuais e jurídicos relevantes para determinar se, nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, a legislação do Estado‑Membro em causa atribui à Budvar o direito de proibir a utilização de uma marca posterior (n.° 199).

IV – O processo no Tribunal de Justiça e os pedidos das partes

40.      O recurso da Anheuser‑Busch deu entrada na Secretaria deste Tribunal de Justiça em 10 de Março de 2009e as contestações da Budvar e do IHMI, em 22 e 25 de Março seguintes, respectivamente, não tendo sido apresentadas réplica nem tréplica.

41.      A Anheuser‑Busch pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido (com excepção do n.° 1 da parte decisória, relativo à apensação dos processos), que se pronuncie definitivamente sobre o litígio, negando provimento ao recurso interposto em primeira instância ou, a título subsidiário, que remeta o processo ao Tribunal de Primeira Instância, tudo isto com condenação da Budvar nas despesas do processo.

42.      O IHMI formula pedidos idênticos, e a Budvar pede que se confirme o acórdão recorrido e que a recorrente em segunda instância suporte as despesas.

43.      Na audiência, realizada em 2 de Junho de 2010, os representantes da Anheuser‑Busch, da Budvar e do IHMI apresentaram alegações orais e responderam às perguntas formuladas pelos membros da grande secção e pelo advogado‑geral.

V –    Algumas considerações preliminares sobre o artigo 8.° do Regulamento n.° 40/94

44.      Antes de passar à análise do presente recurso, justifica‑se efectuar uma reflexão geral sobre o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, visto que o debate, inédito na jurisprudência do Tribunal de Justiça, se centra na interpretação desta disposição. A sua adequada compreensão exige também a tomada em consideração dos restantes números do referido artigo 8.°

A –    A oposição baseada numa marca anterior registada: artigo 8.°, n.os 1 e 2

45.      O artigo 8.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 40/94 regula a oposição ao registo de uma marca comunitária baseada numa marca anterior. Em particular, o n.° 2 permite a oposição baseada numa marca registada anterior (comunitária, nacional ou internacional) e concede o mesmo tratamento às marcas nacionais que, ainda que não tenham sido objecto de registo (14), tenham alcançado notoriedade num Estado‑Membro como consequência de uma utilização especialmente intensa (15).

46.      Para que uma oposição baseada numa destas marcas anteriores proceda, o Regulamento n.° 40/94 impõe uma série de requisitos.

47.      Em primeiro lugar, de acordo com o artigo 43.°, n.os 2 e 3, do regulamento, a marca anterior que se invoque deve ter sido objecto de uma «utilização séria» na União ou no Estado‑Membro correspondente em relação aos produtos ou serviços para que foi registada e nos cinco anos anteriores à publicação do pedido de marca comunitária.

48.      Em segundo lugar, em conformidade com o disposto no artigo 8.°, n.° 1, do regulamento, o titular de uma destas marcas anteriores deve ainda provar que aquela a cujo registo se opõe é idêntica ou semelhante à sua, e que existe risco de confusão no território onde a marca anterior está protegida, devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços designados pelas duas marcas (16).

49.      O terceiro requisito é, portanto, o chamado princípio da especialidade: só há direito de oposição quando se pede o registo relativo a bens ou serviços idênticos ou semelhantes àqueles para os quais a marca anterior é protegida. No entanto, a aplicação deste princípio da especialidade conhece uma excepção quando se trata de marcas com renome na Comunidade ou num Estado‑Membro. Nesse caso, a oposição procederá, ainda que os produtos ou serviços não sejam semelhantes, desde que a utilização injustificada e indevida da marca para a qual foi pedido o registo beneficie do carácter distintivo ou do prestígio da marca anterior ou possa prejudicá‑los (artigo 8.°, n.° 5).

B –    A oposição baseada noutros sinais: artigo 8.°, n.° 4

50.      Independentemente de quanto precede, o artigo 8.° do Regulamento n.° 40/94 prevê também a possibilidade de se invocar, em oposição ao registo de uma marca comunitária, outros sinais que não sejam marcas registadas nem marcas notoriamente conhecidas.

51.      Mais concretamente, o artigo 8.°, n.° 4, permite que deduza oposição o «titular de uma marca não registada ou de outro sinal utilizado na vida comercial cujo alcance não seja apenas local». A disposição autoriza assim uma categoria relativamente indefinida de sinais (1), embora lhes exija certos requisitos tendentes a garantir a sua solidez (2).

1.      No artigo 8.°, n.° 4, estão abrangidos sinais muito heterogéneos

52.      A imprecisão no que respeita à natureza dos sinais que podem ser invocados ao seu abrigo faz com que o n.° 4 funcione na prática como uma espécie de cláusula residual ou como um conjunto heteróclito de sinais ao qual se deverão reconduzir não só as marcas não registadas que não cumpram o requisito da notoriedade (17), como também quaisquer outros sinais utilizados na vida comercial cujo alcance não seja apenas local.

53.      Esta imprecisão inicial na definição do âmbito material da disposição deve‑se em boa medida à circunstância de as marcas não registadas e os restantes sinais do referido n.° 4 serem criados, reconhecidos e protegidos pelas legislações nacionais, as quais podem apresentar, portanto, uma grande heterogeneidade. Esta heterogeneidade é evidente nas «Oposition Guidelines» publicadas pelo IHMI (18), as quais compreendem um inventário aproximado dos sinais susceptíveis de constituir, nos diferentes Estados‑Membros, «direitos anteriores» na acepção do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94. Para além das marcas não registadas, entre estes sinais, as referidas Guidelines mencionam os nomes comerciais e corporativos, os nomes de estabelecimento, os títulos de publicações e as indicações geográficas. Em linhas gerais, portanto, a disposição incluiria tanto diversos sinais que cumprem uma função distintiva ou identificativa das actividades comerciais que designam, como outros que indicam a origem dos produtos ou serviços para os quais se utilizam.

54.      A maior parte destes sinais (sejam marcas ou não) não obedecem ao esquema clássico de registo, pois o direito à sua utilização exclusiva adquire‑se ou consolida‑se pelo uso, sem necessidade de uma inscrição formal (19). Não obstante, no artigo 8.°, n.° 4, cabem ao mesmo tempo sinais que foram objecto de registo anterior, incluindo, embora não seja o caso mais característico de aplicação da disposição, as indicações geográficas protegidas num Estado‑Membro por terem sido registadas no quadro do Acordo de Lisboa ou de algum outro instrumento internacional.

55.      Neste ponto talvez se justifique fazer um parêntesis para determinar que indicações geográficas, em concreto, podem ou não ser invocadas ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4.

56.      Em primeiro lugar, devem‑se excluir as indicações geográficas que tenham sido registadas a nível comunitário, pois, se bem que o Regulamento n.° 40/94 não precise nada a esse respeito, o artigo 14.° do Regulamento (CE) n.° 510/2006 (20) dispõe que «[s]empre que uma denominação de origem ou uma indicação geográfica seja registada ao abrigo do presente regulamento, é recusado o pedido de registo de uma marca que corresponda a uma das situações referidas no artigo 13.° e diga respeito à mesma classe de produto, caso o pedido de registo da marca seja apresentado após a data de apresentação à Comissão do pedido de registo da denominação de origem ou indicação geográfica». Em consonância com isso, o artigo 7.°, n.° 1, alínea k), do novo regulamento sobre a marca comunitária (21) incluiu as denominações de origem e indicações geográficas comunitárias entre os motivos absolutos de recusa do registo de uma marca comunitária.

57.      Em consequência, a via do artigo 8.°, n.° 4 só será possível para as indicações geográficas que não estejam registadas a nível comunitário, mas que gozem de protecção a nível nacional. Entre elas poderiam figurar as que foram objecto de registo no quadro do Acordo de Lisboa ou de algum outro instrumento internacional (22).

58.      Este tipo de sinais goza de uma protecção mais formal, com inscrição prévia. Na minha opinião, na medida em que essa inscrição tenha carácter constitutivo, a sobrevivência do registo será o único elemento a ter em conta para determinar a validade da indicação geográfica em causa. Isto não significa, no entanto, que a mera inscrição seja suficiente para se poder utilizar a via do artigo 8.°, n.° 4: os requisitos de utilização, alcance e características do direito que a dita disposição estabelece são também exigíveis no caso das indicações geográficas não comunitárias, que só se podem fazer valer face a um pedido de registo de uma marca comunitária pela via do artigo 8.°, n.° 4.

59.      Em consequência, e face ao que a Budvar sugeriu na audiência (23), entendo que a particular natureza deste tipo de sinais e a protecção de que podem gozar graças ao seu registo a nível internacional não os dispensam do cumprimento dos requisitos estabelecidos nesta disposição. Só o cumprimento destes requisitos permitirá garantir que, apesar de se tratar de indicações geográficas simples (excluídas, por esta razão, da possibilidade de uma protecção comunitária), têm uma identidade e uma solidez que as torna merecedoras dessa protecção especial. Se assim não fosse, ficariam equiparadas às denominações de origem e indicações geográficas comunitárias.

2.      Os requisitos do artigo 8.°, n.° 4, visam assegurar a solidez dos sinais invocados ao seu abrigo

60.      A amplitude inicial do artigo 8.°, n.° 4, generoso no que diz respeito ao tipo de sinais que dão direito a deduzir oposição por esta via, vê‑se imediatamente restringida com a previsão de várias condições que estes devem reunir para servir de fundamento à recusa do registo de uma marca comunitária.

61.      O principal objectivo de tais requisitos é precisamente o de limitar o âmbito de aplicação deste motivo de oposição, de modo que só possam invocá‑lo os titulares de sinais especialmente sólidos e importantes. Assim, o referido n.° 4 exige:

–        Por um lado, dois requisitos tendentes a garantir que o sinal está especialmente protegido a nível nacional (em particular, que «confira ao seu titular o direito de proibir a utilização de uma marca posterior») e que o seu titular adquiriu o direito a utilizá‑lo antes da data de depósito do pedido de marca comunitária ou da data de prioridade invocada. Estas duas condições, contidas nas alíneas a) e b) do artigo 8.°, n.° 4, deverão ser examinadas, como é lógico, à luz do «direito do Estado‑Membro aplicável a esse sinal».

–        Por outro lado, dois requisitos (a «utilização na vida comercial» e o «alcance não apenas local») que visam assegurar, para além da sua protecção nacional, que se trata de sinais com certa presença e importância comercial.

62.      O legislador comunitário partiu assim da necessidade de proteger os sinais reconhecidos a nível nacional, mas articulando dois níveis de protecção: o primeiro, para os sinais que apresentam uma especial importância por serem «utilizados na vida comercial» e de «alcance não apenas local», que podem bloquear o registo de uma marca comunitária ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94; e o segundo, para os direitos de âmbito local, aos quais não é permitido impedir o registo da marca comunitária, mas sim o seu uso no território onde esse direito é válido, em aplicação do artigo 107.° do mesmo regulamento.

63.      De entre os sinais nacionais são escolhidos e protegidos especialmente, com o duplo critério da «utilização» e do «alcance», os que apresentam características que justificam o bloqueio do registo de uma marca a nível comunitário. Na verdade, como a recorrente correctamente nota, se qualquer sinal nacional permitisse impedir o registo de uma marca comunitária, seria praticamente impossível conseguir uma marca unificada para toda a União Europeia. Uma vez registada, a marca comunitária é válida e está protegida em todo o território da União (artigo 1.° do Regulamento n.° 40/94). Consequentemente, para que um sinal nacional, ou protegido em vários Estados‑Membros, possa constituir obstáculo a esse processo de inscrição, deve ter uma força especial, quer dizer, determinadas características que lhe permitam bloquear, com efeitos para toda a União, o registo de uma marca.

64.      Na minha opinião, essas características não resultam imediatamente como consequência de um eventual registo. Os termos utilizados pelo legislador parecem apontar para a necessidade de se efectuar uma apreciação um pouco mais factual, vinculada à importância na vida comercial. Trata‑se, em definitivo, de requisitos que o legislador conscientemente situa num plano factual, mais conexos com os factos do que com o dado abstracto da protecção jurídica.

65.      Na maior parte dos sinais que têm acolhimento neste artigo, ambos os elementos confluem. Quando assim não sucede, como se passa no caso vertente, o artigo 8.°, n.° 4, impõe uma verificação adicional de dados factuais relativamente a onde, quando e em que condições foi usado o sinal em questão. Embora a sua protecção jurídica a nível nacional seja independente destes factos, e exista mesmo sem necessidade de qualquer uso, o sinal só poderá ser invocado em oposição se preencher estas condições destinadas a assegurar que tem um mínimo de solidez.

66.      Para finalizar, penso que é necessário precisar, logo nesta exposição preliminar, que esses requisitos ou características do artigo 8.°, n.° 4 constituem um quadro criado ad hoc pelo legislador, e que não são comparáveis com os requisitos estabelecidos para outras vias de oposição ao registo de uma marca comunitária.

C –    Quanto à adequação de se aplicar analogicamente ao n.° 4 as exigências do artigo 8.°, n.° 1

67.      O acórdão recorrido e o próprio recurso de segunda instância utilizam como argumento, de forma reiterada, a adequação ou inadequação, segundo o caso, de aplicar, no âmbito do artigo 8.°, n.° 4, as exigências que o artigo 8.°, n.° 1, e outras disposições que estão com ele relacionadas, como o artigo 43.°, impõem para a oposição baseada numa marca anterior. Este recurso parcial à analogia deu lugar, como se verá mais adiante, a soluções incoerentes. O argumento principal que se utiliza para apoiar a aplicação analógica desses artigos 8.°, n.° 1, e 43.°, n.os 2 e 3, é o de que as marcas merecem um tratamento mais favorável do que os restantes sinais porque tanto as marcas nacionais (harmonizadas) como a marca comunitária se regem por padrões homogéneos e aceitáveis em todo o território da União e oferecem, portanto, maiores garantias do que uma marca não registada ou do que qualquer dos restantes sinais a que se refere o artigo 8.°, n.° 4.

68.      Na minha opinião, toda esta argumentação carece de fundamento suficiente. O Regulamento n.° 40/94 agrupou os motivos de oposição ao registo de uma marca comunitária em vários blocos, atribuindo a cada um deles exigências diferentes, e seria simplificar excessivamente as coisas fazer uma gradação de maior a menor nível de exigência em atenção ao maior ou menor nível de confiança que o legislador comunitário possa ter no sinal em questão. Se observarmos de perto os requisitos citados, a tese não se é sustentável.

69.      Certamente, a existência de um registo ou de uma harmonização comunitária são elementos que o legislador teve em conta, mas combinados com a natureza do sinal em causa: só isso explica que às denominações de origem comunitárias não se imponha nenhum requisito quanto à utilização (24) mas que, pelo contrário, às marcas registadas se exija uma utilização séria durante 5 anos. Quanto aos sinais do artigo 8.°, n.° 4, o legislador quis criar um quadro de requisitos diferente, suficientemente estrito para não estender a aplicação da disposição para além do conveniente, mas também suficientemente flexível para se adaptar às diversas naturezas dos sinais que poderiam recorrer a esta via.

70.      Essa diversidade é, na minha opinião, o único factor que permite explicar o facto de o artigo 8.°, n.° 4, não impor o princípio da especialidade às oposições deduzidas por esta via. Face à oposição baseada numa marca registada anterior, que só tem cabimento quando esta última recai sobre produtos ou serviços idênticos ou semelhantes aos da marca contra cujo registo é deduzida oposição, se se invoca uma marca não registada ou qualquer outro sinal diferente, o requisito de identidade ou semelhança do objecto não é necessário (salvo se for exigido pelo direito nacional para conferir ao titular do sinal «o direito de proibir a utilização de uma marca posterior»). Isto pode resultar duplamente surpreendente ao constatar‑se que o princípio da especialidade é exigido para invocar eficazmente uma denominação de origem ou indicação geográfica comunitária como motivo absoluto de recusa do registo de uma marca comunitária posterior (25).

71.      Na minha opinião, tudo o que foi exposto anteriormente é prova de que as maiores «garantias» que, pelo menos em teoria, os títulos comunitários ou harmonizados oferecem não são o único factor a ter em conta na interpretação dos requisitos necessários para utilizar um determinado sinal em oposição a uma marca comunitária posterior. Em particular, os requisitos do artigo 8.°, n.° 4, devem‑se considerar como um todo e não se podem comparar com as soluções escolhidas pelo legislador para outros casos diferentes.

VI – Análise do presente recurso

72.      A recorrente invoca dois fundamentos baseados na violação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94,o primeiro, e, na violação dos artigos 8.°, n.° 4, e 74.°, n.° 1, do mesmo regulamento, o segundo.

A –    Quanto ao primeiro fundamento de recurso, relativo à violação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94

73.      O primeiro fundamento de recurso, relativo à violação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, é dividido em três partes.

1.      Primeira parte do primeiro fundamento de recurso: quanto à competência do IHMI para apreciar a validade do direito invocado ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4

a)      Definição de posições

74.      A Anheuser‑Busch afirma que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 79 a 100 do acórdão recorrido, que a Câmara de Recurso não tinha competência para determinar se a Budvar tinha estabelecido a validade dos direitos anteriores invocados ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

75.      No seu recurso, a Anheuser‑Busch defende que o IHMI deve determinar se os direitos em que se baseia a oposição existem realmente tal como se afirma, se são aplicáveis e se podem ser invocados contra o pedido de marca comunitária. A mera referência ao registo do direito a nível nacional não seria, no entender da recorrente, suficiente para estabelecer a existência de tal direito: o registo não criaria senão uma simples presunção legal.

76.      A Anheuser‑Busch critica igualmente que, em apoio da sua tese, o Tribunal de Primeira Instância invoque a sua jurisprudência relativa ao artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 (26), sugerindo a sua aplicação por analogia. De acordo com esta jurisprudência, a validade de uma marca nacional não pode ser posta em causa no âmbito de um processo de registo de uma marca comunitária. A recorrente entende que não existe base legal para estabelecer esta analogia com o artigo 8.°, n.° 1, na medida em que a existência de uma harmonização em matéria de marcas garante que os mesmos critérios e padrões se aplicam às marcas registadas em todo o território da União, enquanto que os sinais do artigo 8.°, n.° 4, não estão harmonizados.

b)      Apreciação

77.      Na minha opinião, não se pode dizer que o Tribunal de Primeira Instância tenha efectuado uma aplicação analógica do artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94. Na realidade, o acórdão recorrido não faz mais do que estender o raciocínio que a jurisprudência tem vindo a fazer relativamente às marcas nacionais registadas aos sinais do n.° 4, entendendo que o IHMI não tem competência para se pronunciar sobre a validade destes sinais, pois, tal como as marcas referidas, regem‑se pelo direito nacional do Estado‑Membro correspondente, e só nesse quadro se pode decidir sobre a sua vigência.

78.      O facto de as marcas nacionais estarem harmonizadas e os restantes sinais não o estarem não constitui, no meu entender, um factor determinante para estes efeitos.

79.      Ao criar o motivo de oposição do artigo 8.°, n.° 4, o legislador comunitário atribuiu também aos direitos nacionais nele previstos um voto de confiança, sob reserva unicamente de comprovação dos requisitos destinados a restringir o âmbito de aplicação da disposição (a prioridade temporal do direito, tratar‑se de um sinal especialmente protegido a nível nacional, a sua utilização na vida comercial e o seu alcance não apenas local). As autoridades da União podem unicamente verificar a concorrência destes requisitos, mas não pôr em causa a validade do direito nacional em questão nem a vigência da sua protecção no Estado‑Membro. O contrário implicaria reconhecer ao IHMI a faculdade de interpretar e aplicar normas nacionais, algo que é completamente alheio ao seu âmbito de competências e que poderia dar origem a graves interferências na vida e na protecção do sinal a nível nacional.

80.      Por conseguinte, e segundo a minha apreciação, só no caso de a protecção do sinal ter sido invalidada definitivamente no Estado‑Membro em questão (através de sentença judicial definitiva ou através do processo adequado), o IHMI teria podido e devido tomar em consideração este dado e recusar a oposição baseada no dito sinal.

81.      Isto parece especialmente evidente quando, como é o caso, a protecção do sinal tem origem num acto formal como é o registo. Nesta circunstância, é normal que a validade desse registo não possa ser posta em causa no âmbito de um processo de inscrição de uma marca comunitária, mas apenas no âmbito do processo de anulação correspondente de acordo com as normas que rejam esse registo.

82.      No quadro do Acordo de Lisboa, só as autoridades administrativas dos países signatários podem invalidar os efeitos de uma denominação de origem já registada, seja declarando, dentro do prazo de um ano a contar da data da recepção da notificação do registo, que não podem assegurar a protecção de uma denominação de origem (artigo 5.° do Acordo de Lisboa), seja declarando inválida a sua protecção no país de origem (artigos 6.° e 7.° do Acordo de Lisboa). Fora destas duas vias não pode ser posta em causa a validade do registo internacional e a eficácia da protecção que este garante nos diferentes países signatários.

83.      Quanto à protecção baseada na convenção bilateral, na minha opinião, só a denúncia da convenção, a sua modificação ou uma sentença judicial definitiva que declare a extinção da protecção nesse país permitiriam não admitir a existência de um sinal viável para os efeitos da oposição baseada no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

84.      No caso vertente, a Câmara de Recurso considerou de «importância secundária» a questão de saber se o sinal Bud devia ser tratado como denominação de origem protegida, em França, em Itália e em Portugal, por força do Acordo de Lisboa, e, na Áustria, ao abrigo da convenção bilateral celebrada entre este Estado‑Membro e a República Checa, pois «uma oposição não procederia, com base num direito apresentado como uma denominação de origem, mas que, de facto, não o é». Para este efeito, o IHMI baseou‑se nas características que a doutrina e a própria regulamentação comunitária (27) exigem para se qualificar um sinal como denominação de origem, concluindo que não estavam presentes no sinal invocado. Mas, tendo em conta o que foi exposto anteriormente, tais considerações estão longe de ser determinantes. Na medida em que os direitos invocados não foram definitivamente invalidados de acordo com os trâmites próprios do ordenamento jurídico que lhes confere protecção, a Câmara de Recurso não podia pôr em causa nem a sua validade nem que constituíssem uma «denominação de origem».

85.      Em consequência, entendo que deve ser considerada improcedente a primeira parte do primeiro fundamento de recurso.

2.      Segunda parte do primeiro fundamento de recurso: quanto ao requisito da «utilização na vida comercial»

86.      A recorrente afirma que o Tribunal de Primeira Instância interpretou erradamente o requisito da «utilização na vida comercial» que o artigo 8.°, n.° 4 impõe, de uma tripla perspectiva: em primeiro lugar, quanto à quantidade e à qualidade da utilização, ao não a equiparar à «utilização séria» exigida às marcas registadas; em segundo lugar, quanto ao lugar de utilização, ao afirmar que se podem tomar em conta as provas provenientes do território de Estados‑Membros diferentes daqueles onde o direito invocado está protegido; e, em terceiro lugar, quanto ao período pertinente para provar a utilização, ao recusar a data de pedido de registo como data relevante, substituindo‑a pela data de publicação desse pedido.

87.      Desta forma, o Tribunal de Primeira Instância teria interpretado o requisito de «utilização na vida comercial» no sentido menos exigente possível, cometendo um erro de direito.

a)      Quantidade e qualidade da utilização

i)      Definição de posições

88.      A primeira destas três alegações diz respeito aos n.os 160 a 178 do acórdão recorrido. Neles, o Tribunal de Primeira Instância teria sustentado que o requisito de «utilização na vida comercial» previsto no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 não se deve interpretar no mesmo sentido que a exigência de «utilização séria» que o artigo 43.°, n.os 2 e 3, do mesmo regulamento estabelece para o caso de oposição baseada numa marca anterior, como teria feito a Câmara de Recurso.

89.      A recorrente critica esta opção interpretativa com o argumento de que, se a condição de «utilização séria» não se aplicasse no próprio contexto do artigo 8.°, n.° 4, as marcas registadas estariam submetidas a requisitos mais rigorosos do que os sinais do citado n.° 4, para efeitos da sua utilização na oposição ao registo de uma marca comunitária posterior. Tal como para se constatar uma violação de uma marca (artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94) se exige menos do que para a sua manutenção (artigos 15.° e 43.°, n.os 2 e 3 do regulamento), a Anheuser‑Busch entende que o rigor deveria ser máximo quando se trata, como no caso do artigo 8.°, n.° 4, de «constituir um direito que pode interferir nas actividades comerciais de outra empresa».

90.      Deste modo, e para a Anheuser‑Busch, a aplicação deste critério da «utilização séria» levaria, por um lado, a que não se pudesse tomar em conta como prova da dita utilização a oferta de amostras gratuitas, excluídas do conceito, segundo a recorrente, pelo acórdão Silberquelle (28). Da mesma forma, para poder ser qualificada como séria, a utilização de uma denominação de origem ou de uma indicação geográfica invocada ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4 deveria ser feita em conformidade com a função essencial de tal sinal, que não é outra senão a de garantir aos consumidores a origem geográfica dos produtos e as características que lhes são próprias.

ii)    Apreciação

91.      A interpretação da expressão «utilização na vida comercial» foi suscitada pela Budvar assim como pelo próprio acórdão recorrido. E fazem‑no, basicamente, sob a forma de uma alternativa entre a equiparação ao conceito de «utilização séria» do artigo 43.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94 e a interpretação que a jurisprudência tem dado à expressão idêntica «utilização na vida comercial» empregada no artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 e nos artigos 5.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, da Directiva 89/104.

92.      Existem, efectivamente, diferenças de relevo entre os dois níveis de utilização. Por um lado, a jurisprudência considera que uma marca é objecto de uma «utilização séria» na acepção do artigo 43.° do Regulamento n.° 40/94 «quando é utilizada, em conformidade com a sua função essencial de garantir a identidade de origem dos produtos ou dos serviços para as quais foi registada, a fim de criar ou conservar um mercado para estes produtos e serviços, com exclusão de utilizações de carácter simbólico que tenham como único objectivo a manutenção dos direitos conferidos pela marca» (29). Quanto ao conceito de «utilização na vida comercial», de momento a jurisprudência só teve oportunidade de interpretar esta expressão no contexto do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 e dos artigos 5.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, da Directiva 89/104, entendendo que aquela se produz sempre que o sinal em questão se utilize «no contexto de uma actividade comercial destinada à obtenção de um proveito económico e não no domínio privado».

93.      Na minha opinião, no entanto, esta formulação dualista ignora a própria ratio legis do artigo 8.°, n.° 4. A disposição em causa, por um lado, articula um quadro especial de requisitos que devem ser interpretados de forma independente dos exigidos para os restantes motivos de oposição; por outro lado, responde a uma lógica própria, que não é a do artigo 43.°, n.° 2, mas que, sobretudo, não é a do artigo 9.°, n.° 1, do regulamento.

94.      O argumento da segurança jurídica utilizado pela Budvar (o requisito deve ser objecto de uma interpretação idêntica em todas as disposições do regulamento em que figure) não é sem dúvida de menosprezar, mas não chega para fundamentar a tese do Tribunal de Primeira Instância. Como regra geral, esse princípio impõe que a interpretação de um conceito jurídico indeterminado seja uniforme, especialmente quando duas disposições da mesma norma ou de normas de conteúdo relacionado utilizam a mesma terminologia (como na verdade ocorre no presente caso com o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, o artigo 9.°, n.° 1, do regulamento, e os artigos 5.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, da Directiva 89/104). Todavia, este critério interpretativo segundo o qual a termos idênticos se deve aplicar uma mesma definição não pode ser tão rígido que se abstraia absolutamente do contexto no qual o conceito em causa se está a utilizar. Neste caso, o requisito cumpre funções inteiramente diferentes segundo a disposição na qual se insere.

95.      O artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 exige que o sinal seja «utilizado na vida comercial» para ser oponível ao pedido de registo de uma nova marca comunitária; trata‑se aqui, pois, de fazer surgir um motivo de oposição contra a tentativa de registo de uma marca como comunitária. O artigo 9.°, n.° 1, do mesmo regulamento, pelo contrário, emprega esta expressão para descrever as utilizações de um sinal igual ou semelhante a uma marca comunitária que o titular desta última pode proibir; neste outro caso, portanto, visa‑se a garantia, nos termos mais amplos possíveis logicamente, do alcance do direito exclusivo de utilização que pertence ao titular de uma marca comunitária (30).

96.      Nestes termos, o artigo 8.°, n.° 4, utiliza a expressão na positiva, exigindo um «limiar de utilização» mínimo para efeitos da oposição a um registo de marca comunitária. O artigo 9.°, n.° 1, pelo contrário, recorre à expressão com um sentido negativo, com vista a excluir um tipo, o mais amplo possível, de comportamentos «hostis» à marca registada.

97.      Isto não quer dizer, todavia, que esteja correcto interpretar o artigo 8.°, n.° 4, com apoio no artigo 43.°, n.° 2, como fez o acórdão recorrido. O que defendo é que a utilização na vida comercial requer uma interpretação própria, que não pode ser senão a de que a oposição levada a cabo através de um destes sinais tem que evidenciar uma «utilização» que mereça esse nome.

98.      Na minha opinião, portanto, a exigência de «utilização na vida comercial» constante do artigo 8.°, n.° 4 do Regulamento n.° 40/94 é, tal como os restantes requisitos incluídos na dita disposição, um conceito independente (31), que merece uma interpretação própria.

99.      Em primeiro lugar, entendo que, sem que seja indispensável que o sinal seja utilizado com a finalidade de «criar ou conservar um mercado», é sim necessária uma determinada utilização no contexto de uma actividade comercial, excluindo a utilização no domínio privado, mas sem que seja suficiente, por exemplo, a distribuição de amostras gratuitas.

100. Em segundo lugar, parece também razoável exigir que se trate de uma utilização conforme à função essencial do sinal em causa. No caso das indicações geográficas, essa função consiste em garantir a identificação pelo público da origem geográfica e/ou de certas características próprias do produto.

101. Uma interpretação deste tipo (que, na minha opinião, tem a virtude de ser adaptável à multiplicidade de sinais diferentes que cabem no artigo 8.°, n.° 4) poderia tornar pertinentes, se provados, os argumentos da Anheuser‑Busch sobre o facto de a Budvar ter utilizado o sinal BUD como marca e não com a finalidade de indicação da origem geográfica do produto.

b)      Território relevante para efeitos de prova da «utilização na vida comercial»

i)      Definição de posições

102. A segunda destas alegações diz respeito ao território relevante para efeitos de prova do referido requisito de «utilização na vida comercial».

103. A recorrente considera que o Tribunal de Primeira Instância violou o princípio da territorialidade e interpretou de forma errada o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 ao afirmar, nos n.os 167 e 168 do acórdão recorrido, que «não resulta da redacção daquela disposição que o sinal em causa deva ser objecto de uma utilização no território cujo direito é invocado em apoio da protecção do referido sinal». Em particular, o Tribunal de Primeira Instância referiu‑se à necessidade de tomar em consideração os elementos de prova oferecidos pela Budvar relativos à utilização de Bud no Benelux, em Espanha e no Reino Unido, embora a oposição estivesse baseada em direitos exclusivos existentes apenas na Áustria e em França.

104. Segundo a Anheuser‑Busch, o requisito de «utilização na vida comercial» só pode fazer referência à utilização que do sinal se faça no território em que goza da protecção invocada. Assim o impõe o princípio da territorialidade aplicável aos direitos de propriedade intelectual em geral e às denominações de origem em particular. Por último, a recorrente torna a utilizar o argumento da comparação com o regime das marcas: se se tomasse em consideração a utilização nestes outros territórios, os sinais não harmonizados do artigo 8.°, n.° 4 teriam um tratamento mais favorável do que as marcas do artigo 8.°, n.° 1 e 2, pois para estas o artigo exige uma utilização séria no território em causa.

ii)    Apreciação

105. Quanto a esta segunda alegação, partilho da argumentação da recorrente baseada no princípio da territorialidade, mas não da baseada na comparação com o regime das marcas, pelas razões acima expostas.

106. Na minha opinião, é inevitável uma apreciação territorial do requisito de utilização seja qual for o sinal invocado. No caso das marcas, o artigo 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 40/94 impõe expressamente que se faça prova da utilização séria «na Comunidade» (quando se discute uma marca comunitária) ou «no Estado‑Membro em que a marca nacional anterior se encontre protegida». O silêncio do artigo 8.°, n.° 4, sobre este ponto não se pode interpretar, no entanto, como uma vontade de exclusão de um requisito que é naturalmente imposto pelo funcionamento do princípio da territorialidade, aplicável com carácter geral a todos os direitos de propriedade intelectual (32).

107. A legislação comunitária e a própria jurisprudência oferecem numerosos exemplos de aplicação deste princípio.

108. Do artigo 8.°, n.° 1, alínea b) do Regulamento n.° 40/94, por exemplo, decorre que a existência de um risco de confusão resultante da semelhança entre a marca cujo registo se pede e uma marca anterior, e entre os produtos ou serviços designados pelas duas marcas, deve ser apreciada em relação ao público do território onde a marca anterior está protegida (33).

109. O artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 89/104, em que se exclui a aplicação dos motivos de nulidade ou de recusa do registo de uma marca quando esta tiver adquirido carácter distintivo «após o uso que dela foi feito», não precisa onde se deve verificar essa utilização. Não obstante, o Tribunal de Justiça entendeu que, para estes efeitos «só é relevante a situação que prevalece na parte do território do Estado‑Membro em causa (ou, se for caso disso, na parte do território Benelux) no qual os motivos de recusa foram constatados» (34).

110. Paralelamente, o artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, exclui a aplicação dos motivos absolutos de recusa do registo de uma marca comunitária se, «na sequência da utilização da marca, esta tiver adquirido um carácter distintivo», e a jurisprudência precisou que a marca só pode ser registada, nos termos da disposição citada, se se fizer prova de que «adquiriu, através da utilização que dela foi feita, carácter distintivo na parte da Comunidade em que não tinha, ab initio, esse carácter, na acepção do n.° 1, alínea b), do mesmo artigo [7.°]. A parte da Comunidade referida no n.° 2 do mesmo artigo pode ser eventualmente constituída por um só Estado‑Membro» (35). Basta, portanto, que uma marca careça de carácter distintivo num único Estado‑Membro para bloquear o registo a nível comunitário; pelo contrário, a partir do momento em que a marca que aspira ao registo comunitário adquire esse carácter distintivo no território onde carecia dele, o motivo de recusa já não é aplicável.

111. Finalmente, entendo que só uma aplicação estrita do princípio da territorialidade permite respeitar a finalidade do artigo 8.°, n.° 4. Se com o requisito de «utilização na vida comercial» se trata de garantir que o sinal invocado por esta via tem certa relevância pública, o que é lógico é que essa relevância adquirida pela utilização se deva provar em relação ao território onde o sinal está protegido, e que não seja suficiente tê‑lo utilizado num território diferente (que poderia inclusivamente estar fora do território da União), onde careça de protecção.

c)      Período relevante para efeitos da apreciação da «utilização na vida comercial»

i)      Definição de posições

112. A terceira alegação refere‑se ao período de tempo relevante para a apreciação do requisito de «utilização na vida comercial» e, muito particularmente, o do seu prazo ad quem.

113. No entender da Anheuser‑Busch, o Tribunal de Primeira Instância interpretou erradamente o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 ao afirmar, no n.° 169 do acórdão recorrido, que não resulta desta disposição que «o oponente deva provar que o sinal em causa foi utilizado anteriormente ao pedido da marca comunitária», mas que, «quanto muito pode ser exigido, à semelhança do que é requerido quanto às marcas anteriores, para evitar utilizações do direito anterior provocadas unicamente por um processo de oposição, que o sinal em causa tenha sido utilizado antes da publicação do pedido da marca no Boletim das Marcas Comunitárias».

114. A recorrente entende, pelo contrário, que todos os requisitos para a oposição ao registo de uma marca devem existir no momento do depósito do pedido da marca posterior, sem que se possa atribuir ao opositor um prazo mais amplo para utilizar na vida comercial o sinal que opõe à marca cujo registo é pedido.

ii)    Apreciação

115. Neste ponto, entendo que está correcta a apreciação da demandante de que a utilização do sinal deve ser, se for caso disso, provada antes do depósito, e não que o possa ser até ao momento da publicação do pedido de registo.

116. Em primeiro lugar, e pelas razões já apontadas na secção V das presentes conclusões, o silêncio do legislador obriga a fazer, também neste ponto, uma interpretação autónoma para a via de oposição do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

117. Por um lado, há que rejeitar a aplicação analógica do artigo 43.° que o acórdão recorrido propõe (36). Com esta argumentação, o Tribunal de Primeira Instância incorreu numa grave contradição interna ao rejeitar, só uns números antes, essa mesma aplicação analógica relativamente ao conceito de «utilização na vida comercial». Para sermos coerentes, se se interpreta a «utilização na vida comercial» como algo diferente da «utilização séria» constante do artigo 43.°, n.° 2, há que rejeitar a interpretação que o acórdão recorrido faz do requisito temporal. Isto também não significa, por outro lado, que se possa chegar a esta solução com a simples aplicação analógica da jurisprudência sobre o artigo 8.°, n.° 5 (37), criada para um contexto totalmente diferente (a oposição baseada numa marca anterior notoriamente conhecida). Ora, os acórdãos referidos pela recorrente constituem aplicações claras do princípio da prioridade que rege os direitos de propriedade industrial, e que se deverá também ter em conta no contexto do artigo 8.°, n.° 4.

118. Na minha opinião, este critério da prioridade deverá tomar como referência a data de pedido de registo da nova marca comunitária, e não a da sua publicação no Boletim das Marcas Comunitárias. Isto é assim porque, se do que se trata é de garantir que o sinal invocado em oposição foi objecto de uma utilização na vida comercial que o consolide, que lhe confira o peso necessário para se poder razoavelmente opor ao registo de uma nova marca comunitária, parece razoável exigir que o sinal em causa tenha sido utilizado já antes do pedido de registo em questão.

119. Outra solução poderia favorecer a fraude, ao permitir que o titular do direito anterior «improvisasse», meramente para efeitos de a fazer valer em oposição, uma utilização artificial do seu sinal no período de transição que decorre desde o depósito do pedido de registo (que, como se confirmou na audiência, é possível conhecer por meios informais) até à sua publicação no Boletim das Marcas Comunitárias (38).

120. Nas suas alegações escritas, a Budvar afirma que o artigo 8.°, n.° 4, alínea a), exige expressamente que o direito sobre o sinal tenha sido adquirido antes da data de depósito do pedido de marca comunitária, ou, se for caso disso, antes da data de prioridade invocada em apoio do pedido de marca comunitária, mas não aplica esta mesma exigência temporal ao requisito da utilização na vida comercial. Para a Budvar bastaria, portanto, que o direito em que a oposição se vai basear tivesse sido adquirido antes do depósito do pedido de marca, ainda que a utilização desse direito só tivesse ocorrido depois, durante o período que decorre até à publicação oficial desse pedido. Discordo desta forma de entender a disposição. Na minha opinião, a sua redacção não obsta a que se estenda o mesmo requisito temporal à exigência da utilização; considero mesmo que seria mais lógico que todos os requisitos do artigo 8.°, n.° 4, estivessem temporalmente coordenados. Caso contrário, como se apontou, o sistema poder‑se‑ia prestar facilmente a fraudes: se o que se pretende é, como indica o próprio acórdão recorrido, «evitar utilizações do direito anterior provocadas unicamente por um processo de oposição», deve‑se garantir que a utilização do sinal controvertido teria ocorrido com o pedido da marca comunitária ou sem ele, e isto é algo que só se pode assegurar exigindo‑se a utilização antes do depósito do dito pedido.

121. Por último, a Budvar alega também que o pedido de registo só é oponível a terceiros depois de ter sido objecto de publicação. Este argumento é, na minha opinião, inoperante, pois não se trata aqui de determinar o facto que faz surgir essa eventual oponibilidade, mas sim de demonstrar que o sinal invocado possui uma certa identidade na vida comercial.

d)      Corolário

122. Dado que as três alegações são fundadas, entendo que deve ser julgada procedente a segunda parte do primeiro fundamento de recurso.

3.      Terceira parte do primeiro fundamento de recurso: quanto ao requisito «cujo alcance não seja apenas local».

a)      Definição de posições

123. Na terceira parte do primeiro fundamento de recurso, a Anheuser‑Busch defende que os n.os 179 a 183 do acórdão recorrido interpretam erradamente os termos «cujo alcance não seja apenas local».

124. Mesmo aceitando que, segundo o artigo 8.°, n.° 4, é o sinal (e não a sua utilização) que deve ter um «alcance» que «não seja apenas local», a recorrente entende que o termo «alcance» deve necessariamente estar ligado ao mercado do país em que esse sinal está protegido, e que um sinal só pode ter «alcance» na vida comercial se nele se utilizar. O mero facto de as legislações de dois ou mais Estados conferirem direitos exclusivos a uma entidade relativamente a um sinal específico não implica que esse sinal tenha, logo por esse único facto, algum «alcance» na vida comercial nesses Estados.

125. A Anheuser‑Busch considera, igualmente, que o âmbito de aplicação geográfica da protecção oferecida pelo direito nacional não é um critério adequado para este efeito pois, noutro caso, o requisito estaria submetido ao direito nacional dos Estados‑Membros, o que seria contrário à jurisprudência segundo a qual o direito das marcas comunitárias é autónomo e não está submetido ao direito nacional [acórdão de 25 de Outubro de 2007, Develey contra IHMI (C‑238/06 P, Colect., p. I‑9375, n.os 65 e 66)].

b)      Apreciação

126. Na minha opinião, o acórdão ora recorrido faz uma interpretação excessivamente literal e colada ao texto do artigo 8.°, n.° 4.

127. Por um lado, é certo, como afirma o acórdão recorrido (39), que a expressão «cujo alcance não seja apenas local» qualifica o sinal e não a sua utilização, nem a vida comercial; refere‑se, em conclusão, ao alcance do sinal e não ao alcance da sua utilização. Confirma‑o a análise de algumas das versões linguísticas da disposição: a versão italiana é uma das mais claras, ao introduzir a conjunção «e» («contrassegno utilizzato nella normale prassi commerciale e di portata non puramente locale»), mas as versões francesa («signe utilisé dans la vie des affaires dont la portée n’est pas seulement locale»), portuguesa («sinal utilizado na vida comercial cujo alcance não seja apenas local») ou alemã («eingetragenen Marke oder eines sonstigen im geschäftlichen Verkehr benutzten Kennzeichenrechts von mehr als lediglich örtlicher Bedeutung») também não dão lugar a dúvidas, e é difícil optar por outra interpretação mesmo no caso de fórmulas que pudessem semear alguma dúvida, como as utilizadas na versão espanhola («signo utilizado en el tráfico económico de alcance no únicamente local») ou na inglesa («sign used in the course of trade of more than mere local significance»).

128. Ora bem, apesar daquilo que o Tribunal de Primeira Instância sustentou no acórdão recorrido, o que se expôs nos números anteriores não pode significar que o alcance do sinal seja equivalente ao seu âmbito geográfico de protecção jurídica, nem que um sinal seja de alcance superior ao local pelo mero facto de estar juridicamente protegido em mais do que um país.

129. Como já assinalei, as exigências do artigo 8.°, n.° 4, não se limitam ao âmbito estritamente jurídico. Os termos utilizados pelo legislador comunitário e a própria finalidade da disposição exigem uma interpretação ligada aos factos, à importância do sinal na vida comercial (40).

130. Em primeiro lugar, o termo «alcance» e os equivalentes utilizados nas restantes versões linguísticas parecem inscrever‑se num domínio factual, e não no do âmbito territorial de aplicação de uma norma de protecção (41). A ideia é coerente com o facto, já sublinhado, de o artigo 8.°, n.° 4, cobrir um conjunto heteróclito de sinais, uns protegidos simplesmente pela utilização e outros sujeitos a registo prévio.

131. A essa mesma conclusão se chega, em segundo lugar, depois de um exame do conjunto dos requisitos que o Regulamento n.° 40/94 estabelece para que um sinal possa ser invocado como motivo relativo de recusa por via deste artigo 8.°, n.° 4. Como acima se indicou, os citados requisitos podem‑se classificar em dois grandes grupos: por um lado, dois de direito nacional [os previstos nas alíneas a) e b) da disposição], destinados a garantir que o sinal está e esteve antes especialmente protegido a nível nacional; e, por outro lado, dois requisitos («utilização na vida comercial» e «cujo alcance não seja apenas local») que a recorrente correctamente considera condições autónomas «de direito comunitário», e que se destinam a reservar esta via de oposição aos sinais que, para além da sua protecção nacional, têm uma certa presença e importância comercial.

132. Com efeito, o termo «alcance» dificilmente pode ser desligado do mercado no qual aparece o sinal e no qual este é utilizado. Não é por acaso que antes se fala da utilização do sinal «na vida comercial»: ainda que a exigência se refira ao sinal, a sua interpretação não se pode desligar do contexto. A disposição deve ser interpretada como um todo.

133. Consequentemente, as marcas não registadas e os restantes sinais do artigo 8.°, n.° 4, só podem funcionar como motivo relativo de recusa quando, na vida comercial, têm um alcance que não seja apenas local (42). O âmbito territorial a respeito do qual esse alcance tem de ser analisado é aquele em que o sinal goza de protecção jurídica (43), mas a mera existência dessa protecção em todo o território de um Estado‑Membro, ou mesmo em vários, não garante a verificação do requisito do alcance.

134. O que aqui se expõe fica também confirmado se recorrermos, em terceiro lugar, a uma interpretação teleológica. A inclusão deste requisito do alcance responde, como assinalei reiteradamente, à vontade do legislador de vedar o acesso à via do artigo 8.°, n.° 4, àqueles sinais que não «mereçam» ter a capacidade de impedir o registo de uma marca semelhante a nível comunitário (44).

135. De acordo com o artigo 1.° do Regulamento n.° 40/94, uma vez registada, a marca comunitária é válida e está protegida em todo o território da União. Em consequência, para que um direito não registado anterior possa impedir a inscrição de uma marca comunitária destinada a cobrir o território dos 27 Estados‑Membros, deve possuir uma importância capaz de justificar que prevaleça sobre essa marca comunitária posterior. O seu «alcance» deve ser tal que lhe permita potencialmente bloquear, com efeitos em toda a União, o registo de uma marca, e esse alcance não se pode referir unicamente ao âmbito territorial de protecção do direito invocado.

136. A solução interpretativa que o Tribunal de Primeira Instância oferece no acórdão recorrido adapta‑se facilmente aos sinais que, como o Bud, gozam de uma protecção internacional formalizada através de um registo. No entanto, a maior parte dos sinais passíveis de caber no artigo 8.°, n.° 4, não reúne estas características.

137. Por um lado, a referida disposição parece estar fundamentalmente pensada para sinais protegidos apenas num Estado‑Membro (45), não para os casos quantitativamente menos importantes nos quais existe uma protecção transnacional. Interpretar o requisito do «alcance» como sinónimo do âmbito territorial de protecção jurídica levaria a excluir a priori a possibilidade de se invocar ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, os sinais protegidos na totalidade de um Estado‑Membro mas não para além das suas fronteiras, pois estes não teriam nunca um alcance superior ao local (46). Para os incluir tem de se atribuir um significado mais factual ao termo alcance, exigindo‑se que o sinal seja conhecido num território superior a uma cidade ou região, por exemplo.

138. Por outro lado, a solução que o acórdão recorrido propõe também não se adapta aos sinais que, como as marcas não registadas, surgem e ganham protecção pela utilização, sem necessidade de registo prévio. Nestes casos, que constituem a maioria dos abrangidos pela disposição aqui analisada, o alcance da utilização e o alcance da protecção jurídica não são facilmente delimitáveis.

139. Por último, e contrariamente ao que é assinalado no n.° 180 do acórdão recorrido, considero que o artigo 107.° do Regulamento n.° 40/94 não se opõe à interpretação que aqui proponho.

140. O artigo 8.°, n.° 4, funciona paralelamente a este artigo 107.°, que permite a «coexistência» da nova marca comunitária e de um sinal anterior de alcance apenas local ao dispor que o titular desse direito anterior de âmbito local (que não possa ser invocado, portanto, para basear a oposição ao registo de uma marca comunitária, mas que esteja protegido num Estado‑Membro), «pode opor‑se ao uso da marca comunitária no território onde esse direito é válido». Da disposição decorre que a um alcance local corresponde uma protecção limitada ao território do Estado‑Membro, e a um alcance superior ao local corresponde uma protecção para toda a União (47), mas não que a protecção a nível comunitário (através do êxito da oposição ao registo da marca posterior) se deva conferir unicamente quando exista protecção jurídica em mais do que um Estado‑Membro. O artigo 107.° não é suficiente, na minha opinião, para estabelecer um vínculo indissolúvel entre o alcance e o âmbito territorial de protecção no sentido que o acórdão recorrido propõe.

141. Face ao exposto, entendo que, ainda que uma indicação geográfica como Bud esteja protegida em mais de um Estado ao abrigo de um acordo internacional, não preenche o requisito «cujo alcance não seja apenas local» se só se conseguir provar (como parece acontecer no caso vertente) que é conhecida e utilizada num dos Estados onde goza de protecção.

142. Considero, em consequência, que se deve julgar procedente a terceira parte do primeiro fundamento de recurso.

4.      Conclusão

Face ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça acolha a segunda e a terceira partes do primeiro fundamento de recurso, e julgue improcedente a primeira parte.

B –    Quanto ao segundo fundamento de recurso, relativo à violação dos artigos 8.°, n.° 4, e 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94

1.      Definição de posições

143. No segundo fundamento de recurso, relativo à violação dos artigos 8.°, n.° 4, e 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, a recorrente afirma que o n.° 199 do acórdão recorrido incorre num erro de direito ao impor à Câmara de Recurso do IHMI a obrigação de investigar oficiosamente o que se refere ao direito nacional aplicável, incluindo a jurisprudência relativa ao direito da Budvar de proibir a utilização de uma marca posterior invocando uma indicação geográfica. Ao considerar que o resultado dos processos nacionais podia ser conhecido através de fontes geralmente acessíveis e que, em consequência, constituía um facto notório isento do ónus da prova que o artigo 74.° do regulamento atribui ao oponente, o Tribunal de Primeira Instância violou esta disposição, de acordo com a qual, num processo de oposição, o exame do IHMI deve limitar‑se às alegações de facto e aos pedidos apresentados pelas partes.

2.      Apreciação

144. Este segundo fundamento de recurso coloca, na realidade, duas questões diferentes:

145. Em primeiro lugar, trata‑se de apurar se o artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 obriga ou não o IHMI a examinar oficiosamente o estado e os resultados dos processos judiciais que correm no Estado‑Membro em causa; e, consequentemente, se as decisões judiciais nacionais constituem, para este efeito, factos notórios.

146. Nas decisões anuladas, a Câmara de Recurso do IHMI só teve em conta uma série de decisões judiciais francesas e alemãs através das quais se recusava aos titulares de Bud que impedissem a sua utilização pela Anheuser‑Busch nos respectivos territórios nacionais. Naquela altura, estas sentenças nacionais não eram definitivas, mas a Câmara de Recurso não teve em conta este dado, que não tinha sido invocado pela Budvar.

147. Na minha opinião, a forma de proceder da Câmara de Recurso do IHMI respeitou perfeitamente as normas que regem o processo de oposição e, em particular, o regime geral do ónus da prova previsto no artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94. Depois de consagrar, como regra geral, a obrigação de o IHMI proceder a um exame oficioso dos factos, o citado artigo dispõe que «contudo, num processo respeitante a motivos relativos de recusa do registo, o exame limitar‑se‑á às alegações de facto e aos pedidos apresentados pelas partes».

148. O ónus da prova recai inteiramente, portanto, sobre o opositor, e não se pode criticar o Instituto por não ter tido em conta a existência de decisões judiciais que, apesar do que afirma o Tribunal de Primeira Instância, não constituíam «factos notórios». Mesmo que as fontes que podiam ter proporcionado essa informação fossem «acessíveis» à Câmara de Recurso, não compete a esta, mas à parte interessada, verificar todos os dados alegados no processo e, em particular, confirmar se uma sentença proferida num litígio nacional é definitiva ou não.

149. Em segundo lugar, nesta argumentação principal do segundo fundamento de recurso, a recorrente introduz de forma indirecta, da perspectiva da prova, uma segunda alegação. Em particular, a Anheuser‑Busch afirma que «a Câmara de Recurso possui provas de a Budvar ter tentado sem êxito que os tribunais nacionais reconhecessem os direitos que agora invoca contra os pedidos de marca comunitária apresentados pela Anheuser‑Busch. […] a Budvar não apresentou nenhuma decisão que a autorizasse a fazer reconhecer os seus direitos ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4». A redacção da petição de recurso no Tribunal de Justiça poderia fazer pensar que, para a Anheuser‑Busch, o artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do regulamento deve ser entendido no sentido de que o opositor tem que provar que conseguiu eficazmente proibir a utilização de uma marca posterior e que não seria suficiente dispor de um direito abstracto a proibir a utilização de uma marca mais recente.

150. Se essa for a interpretação que a recorrente defende, discordo dela. Na minha opinião, é claro que o artigo 8.°, n.° 4, alínea b), exige exclusivamente que o opositor disponha desse direito em abstracto, como uma possibilidade de protecção do seu sinal a nível nacional. A oposição será possível desde que se disponha do direito, mesmo que não tenha sido exercido nem reconhecido judicialmente de forma expressa.

151. Poder‑se‑ia alegar que, ao exigir‑se simplesmente o direito em abstracto, toda a argumentação sobre a situação processual nacional (o carácter definitivo ou não das decisões judiciais de reconhecimento do direito) perde relevância. Mas, a existência de sentenças nacionais (definitivas ou não) que negam, como no presente caso, o direito a proibir a utilização de uma marca posterior podem constituir indícios da inexistência desse direito.

152. Sem prejuízo desta última clarificação, entendo que se deve julgar procedente o segundo fundamento de recurso.

C –    Procedência do presente recurso e remessa do processo ao Tribunal Geral

153. Face ao exposto, entendo que se deve dar provimento ao presente recurso julgando‑se procedente o segundo fundamento e as segunda e terceira partes do primeiro fundamento, devendo‑se anular a decisão em causa.

154. Na medida em que os erros detectados só parecem poder ser sanados levando a cabo apreciações de facto, considero que o processo não se encontra em condições de ser julgado pelo Tribunal de Justiça na acepção do artigo 61.°, primeiro parágrafo, do seu Estatuto, pelo que recomendo a sua remessa ao Tribunal Geral para que proceda a essas averiguações e se pronuncie de novo em consonância com as mesmas.

155. Em particular, competirá ao Tribunal Geral verificar se a Budvar fez prova de uma utilização de Bud «na vida comercial» antes da data de depósito, pela Anheuser‑Busch, do primeiro pedido de registo de Bud como marca comunitária. Para este efeito, o Tribunal Geral deverá utilizar uma interpretação autónoma do requisito de «utilização na vida comercial», ou seja, não equiparada à que foi estabelecida pela jurisprudência relativamente a esta mesma expressão mas no contexto do artigo 9.°, n.° 1, do mesmo regulamento.

VII – Despesas

156. Dado que se propõe que o processo seja remetido ao Tribunal Geral, deve‑se suspender a decisão sobre as despesas correspondentes ao presente recurso.

VIII – Conclusão

157. Atendendo às considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que:

1)         Julgue procedente o recurso interposto pela Anheuser‑Busch do acórdão proferido em 16 de Dezembro de 2008 pela Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância nos processos apensos T‑225/06, T‑255/06, T‑257/06 e T‑309/06.

2)         Remeta o processo ao Tribunal Geral da União Europeia.

3)         Reserve para final a decisão sobre as despesas.


1 – Língua original: espanhol.


2 – A última é o acórdão de 29 de Julho de 2010, Anheuser‑Busch Inc. contra IHMI e Budějovický Budvar (C‑214/09 P, ainda não publicado na Colectânea). Para mais informação sobre as raízes históricas do conflito e os seus últimos capítulos judiciais, podem‑se consultar as conclusões do advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer, de 5 de Fevereiro de 2009, apresentadas no processo C‑478/07, Budějovický Budvar (acórdão de 8 de Setembro de 2009, C‑478/07, ainda não publicado na Colectânea).


3 – Processos apensos T‑225/06, T‑255/06, T‑257/06 e T‑309/06, Colect., p. II‑3555.


4 –      JO 1994, L 11, p. 1.


5 – Adoptado em 31 de Outubro de 1958, revisto em Estocolmo em 14 de Julho de 1967 e modificado em 28 de Setembro de 1979 (Compilação dos Tratados das Nações Unidas, vol. 828, n.° 13172, p. 205).


6 – Actualmente, a chamada «União de Lisboa» é composta por 26 países (http://www.wipo.int/treaties/en), entre os quais se encontra a República Checa.


7 – No que respeita à Áustria, foi publicado no Bundesgesetzblatt für die Republik Österreich de 19 de Fevereiro de 1981 (BGBI n.° 75/1981) e entrou em vigor em 26 de Fevereiro de 1981 por tempo indeterminado.


8 – Regulamento do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p.1).


9 – Regulamento da Comissão, de 13 de Dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, sobre a marca comunitária (JO L 303, p. 1).


10 – Processo T‑225/06.


11 – Processos T‑255/06 e T‑257/06


12 – Processo T‑309/06.


13 Primeira Directiva do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989 L 40, p. 21).


14 – O artigo 8.°, n.° 2, alínea c), não precisa nada a este respeito.


15 – O artigo 6.°‑bis da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial de 20 de Março de 1883 (Compilação dos Tratados das Nações Unidas, vol. 828, n.° 11847, p. 108), para a qual se remete o regulamento comunitário neste ponto, impõe proteger as marcas notoriamente conhecidas pertencentes a pessoas a quem a Convenção aproveita.


16 – No entanto, parece decorrer do artigo 8.°, n.° 1, alínea a), do regulamento que, quando há identidade das marcas e identidade dos produtos e serviços, o risco de confusão presume‑se.


17 – Caso contrário, a oposição deverá basear‑se no n.° 2, alínea c).


18 – «Guidelines Concerning Proceedings before the Office for Harmonization in the Internal Market (Trade Marks and Designs). Part C: OPOSITION GUIDELINES» (pp. 312 a 339).


19 – Dados extraídos da relação de sinais contida nas Oposition Guidelines.


20 – Regulamento do Conselho, de 20 de Março de 2006, relativo à protecção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO L 93, p. 12).


21 – Regulamento n.° 207/2009, já referido.


22 – Entendo que, à luz do decidido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 8 de Setembro de 2009, Budějovický Budvar, já referido, a subsistência deste tipo de indicações geográficas é possível quando se trate de indicações simples, não incluídas no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 510/2006. Pelo contrário, decorre do citado acórdão que as denominações de origem e indicações geográficas qualificadas que, tendo podido ser registadas a nível comunitário, não o tenham sido, não podem continuar a ser protegidas a nível nacional, em particular, através de uma convenção bilateral entre dois Estados‑Membros. Segundo consta dos autos, o sinal BUD foi invocado expressamente pela Budvar na sua condição de «denominação de origem». Para além das dúvidas que possam existir sobre a sua verdadeira natureza, o mero facto de se ter apresentado o sinal como uma denominação de origem que não foi objecto de registo a nível comunitário poderia levar, por aplicação dessa jurisprudência sobre o carácter exaustivo do Regulamento n.° 510/2006, à recusa da sua validade para efeitos da oposição. No entanto, a verdade é que estas considerações não têm qualquer incidência no presente processo, pois a Anheuser‑Busch não alegou este possível vício do sinal invocado, e não nos encontramos aqui perante um fundamento que o Tribunal de Justiça possa ou deva apreciar oficiosamente, particularmente em sede de recurso de segunda instância.


      Em relação aos fundamentos «de ordem pública», vejam‑se as conclusões do advogado‑geral Jacobs, apresentadas em 30 de Março de 2000, no processo Salzgitter/Comissão (acórdão de 13 de Julho de 2000, C‑210/98 P, Colect., p. I‑5843), n.os 141 a 143; as conclusões do advogado‑geral Mengozzi, apresentadas em 1 de Março de 2007, no processo Common Market Fertilizers (acórdão de 13 de Setembro de 2007, C‑443/05 P, Colect., p. I‑7209), n.os 102 e 103. Pode‑se igualmente consultar Vesterdorf, B.: «Le relevé d’office par le juge communautaire», in Une Communauté de droit: Festschrift für G. C. Rodríguez Iglesias, Nomos, 2003, p. 551 e segs.


23 – A Budvar mantivera já esta mesma posição no IHMI, no processo de oposição, segundo consta no n.° 13(b) da decisão da Câmara de Recurso de 14 de Junho de 2006, já referida.


24 – Artigo 14.° do Regulamento n.° 510/2006, e 7.°, n.° 1, alínea k), do novo regulamento sobre a marca comunitária (Regulamento n.° 207/09).


25 – V. as disposições referidas na nota anterior.


26 – Acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 2002, Matratzen Concord/IHMI ‑ Hukla Germany (MATRATZEN) (T‑6/01, Colect., p. II‑4335, n.° 55); de 30 de Junho de 2004, BMI Bertollo/IHMI ‑ Diesel (DIESELIT), (T‑186/02, Colect., p. II‑1887, n.° 71); de 21 de Abril de 2005, PepsiCo/IHMI ‑ Intersnack Knabber‑Gebäck (RUFFLES), (T‑269/02, Colect., p. II‑1341, n.° 26); e de 22 de Março de 2007, Saint‑Gobain Pam/IHMI ‑ Propamsa (PAM PLUVIAL), (T‑364/05, Colect., p. II‑757, n.° 88).


27 – O Regulamento n.° 510/2006.


28 – Acórdão de 15 de Janeiro de 2009 (C‑495/07, ainda não publicado na Colectânea, n.os 21 e 22).


29 – Acórdãos de 11 de Maio de 2006, Sunrider/IHMI (C‑416/04 P, Colect., p. I‑4237, n.° 70); e de 13 de Setembro de 2007, Il Ponte Financiaria/IHMI (C‑234/06 P, Colect., p. I‑7333, n.° 72). Vejam‑se também, em relação ao artigo 10.°, n.° 1, da Directiva 89/104, o acórdão de 11 de Março de 2003, Ansul (C‑40/01, Colect., p. I‑2439, n.° 43), e o despacho de 27 de Janeiro de 2004, La Mer Technology (C‑259/02, Colect., p. I‑1159, n.° 27).


30 – Os artigos 5.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, da Directiva 89/104 respondem à mesma finalidade. Partilho a afirmação da minha colega, a advogada‑geral Sharpston, de que a interpretação da Directiva 89/104 deve ser compatível com o Regulamento n.° 40/94 [conclusões apresentadas em 12 de Março de 2009, no processo Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli (acórdão de 11 de Junho de 2009, C‑529/07, ainda não publicado na Colectânea), n.° 16], mas não penso que dela se possa deduzir, como a Budvar parece fazer, que essa «compatibilidade» se deva visar sem ter em conta a função que cumpre cada disposição. No presente caso, seria exigível a compatibilidade entre os artigos 5.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, da directiva, e o artigo 9.°, n.° 1, do regulamento, que são os que têm conteúdos equiparáveis (e aos quais se refere a jurisprudência existente de momento). A extensão ao artigo 8.°, n.° 4, da sua definição jurisprudencial não é, na minha opinião, assim tão evidente.


31 – De facto, o sinal deverá, para além de reunir esta condição comunitária de utilização na vida comercial, cumprir com o nível de utilização que, conforme o caso, se lhe exija nas normas do Estado‑Membro correspondente para conferir ao seu titular «o direito de proibir a utilização de uma marca posterior» [artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do regulamento].


32 – Entre os pioneiros no reconhecimento deste princípio, pode‑se citar Hagens, que já em 1927 discutiu a tese da universalidade da marca, tradicionalmente defendida pela doutrina alemã, afirmando que a dita tese era insustentável porque a sua aplicação implicaria uma intromissão no domínio jurídico de Estados estrangeiros soberanos (Hagens, Warenzeichenrecht, Berlim e Leipzig, 1927). A tese de Hagens foi acolhida pelo Tribunal Supremo alemão num acórdão de 20 de Setembro de 1927 e é hoje comummente aceite como um princípio do direito das marcas, sem que os acordos internacionais, fundados maioritariamente na reciprocidade, atenuem, no meu entender, a sua importância.


33 – Neste sentido, vejam‑se os acórdãos de 26 de Abril de 2007, Alcon contra IHMI (C‑412/05 P, Colect., p. I‑3569, n.° 51); e de 13 Setembro 2007, Il Ponte Financiaria contra IHMI (C‑234/06 P, Colect., p. I‑7333, n.° 60).


34 – Acórdão de 7 de Setembro de 2006, Bovemij Verzekeringen (C‑108/05, Colect., p. I‑7605, n.° 22). Também a advogada‑geral Sharpston, nas suas conclusões neste processo, apresentadas em 30 de Março de 2006, parte da necessária apreciação territorial destes requisitos, e indica que, diferentemente daquilo que é exigível para as marcas nacionais, quando se trata de marcas comunitárias é razoável que se imponha ao titular que demonstre «o carácter distintivo adquirido através do uso numa maior área geográfica» (n.° 45).


35 – Acórdão de 22 de Junho de 2006, Storck contra IHMI (C‑25/05 P, Colect., p. I‑5719, n.° 83).


36 – Embora não cite expressamente para este efeito o artigo 43.° do regulamento, o n.° 169 do acórdão recorrido indica que é exigido o critério da data de publicação «à semelhança do que é requerido quanto às marcas anteriores», numa clara alusão aos requisitos dessa disposição.


37 – V. nota 36.


38 – Também ficou confirmado na audiência que esse período pode durar vários meses, ou inclusivamente ultrapassar um ano, como no caso de alguns dos pedidos em causa no presente processo. Nestes casos, o risco de que o depósito do pedido de registo se conheça em determinados meios antes da sua publicação é, evidentemente, mais elevado. Não se pode evitar uma certa inquietude perante o facto de a única utilização provada do sinal invocado ter tido lugar no período que decorreu entre o pedido da marca e a sua publicação.


39 – N.° 180.


40 – Refiro‑me a um tipo de interpretação mais próxima, embora não necessariamente idêntica em todos os seus termos, da que o IHMI faz nas suas já referidas «oposition guidelines». Segundo o IHMI, a apreciação do alcance de um sinal na acepção do artigo 8.°, n.° 4, não se pode fazer exclusivamente de uma perspectiva geográfica, devendo basear‑se também na «dimensão económica da utilização do sinal», avaliando‑se a intensidade da utilização, a sua amplitude, a difusão dos bens ou serviços para os quais se utiliza, e a publicidade realizada sob o dito sinal. O próprio Tribunal de Primeira Instância acolheu, ponto por ponto, esta interpretação da IHMI noutro acórdão, de data pouco posterior ao do impugnado no presente recurso: trata‑se do acórdão de 24 de Março de 2009, Moreira da Fonseca contra IHMI, General Óptica (T‑318/06 a T‑321/06, ainda não publicado na Colectânea). As diferenças entre os dois acórdãos do Tribunal de Primeira Instância concentraram, a pedido do próprio Tribunal de Justiça, boa parte das intervenções da audiência. A Anheuser‑Busch e o IHMI, ainda que reconhecendo que os acórdãos partem de factos e direitos diferentes, declararam que a natureza diferente dos sinais invocados (uma indicação geográfica, no processo Budějovický Budvar, e um nome de estabelecimento, no processo General Óptica) não tinha relevância e não justificava a divergência nas soluções. A Budvar, pelo contrário, afirmou que o acórdão General Óptica tratava de um sinal protegido unicamente em função da sua utilização, um factor que é, no seu entender, irrelevante para as denominações de origem, que existem e estão protegidas meramente pelo seu registo; e entendeu, em consequência, que os acórdãos não são contraditórios, e que os requisitos do artigo 8.°, n.° 4, devem ser avaliados caso a caso, em função da natureza do sinal invocado. Não partilho esta opinião com a Budvar.


41 – O Diccionario de la Real Academia Española define a palavra «alcance» como a «capacidad de alcanzar o cubrir una distancia»; a Academia francesa inclui, entre os significados do termo «portée», os de «distance maximale à laquelle une chose peut exercer son effet, étendue, champ d’action d’un phénomène». Especialmente expressivo é o termo «significance», que a versão inglesa utiliza e que o Cambridge Advanced Learner’s Dictionary considera sinónimo de «importance» e de «special meaning».


42 – Neste sentido, vejam‑se Fernández Novoa, C., El sistema comunitario de marcas, Ed. Montecorvo, Madrid, 1995, p. 167; e Mühlendahl, A., Ohlgart, D. e Bomhard, V., Die Gemeinschaftsmarke, Bech, Manchen, 1998, p. 38.


43 – Assim decorre do princípio da territorialidade, antes examinado.


44 – Neste sentido, Kitchin, D., Llewelyn, D., Mellor, J., Meade, R., Moody‑Stuart, T. e Keeling, D., Kerly’s Law of Trade Marks and Trade Names, Sweet & Maxwell, London, 2005, p. 274.


45 – Por isso se faz referência ao «direito do Estado‑Membro aplicável a esse sinal».


46 – Da interpretação que o Tribunal de Primeira Instância faz, poder‑se‑ia deduzir que só uma protecção internacional garante esse alcance (neste sentido, veja‑se o n.° 181 do acórdão recorrido: «os direitos anteriores invocados têm um alcance que não é apenas local, na medida em que a sua protecção, ao abrigo do artigo 1.°, n.° 2, do Acordo de Lisboa e do artigo 1.° da convenção bilateral, se estende para além do seu território de origem»).


47 – Partindo desta ideia, Fleckenstein considera que os dois artigos constituem um «sistema»: Fleckenstein, J. Der Schutz territorial beschränkter Kennzeichen (Peter Lang ‑ Europäische Hochschulschriften, Frankfurt am Main, 1999), p. 104.