Language of document : ECLI:EU:C:2010:21

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

19 de Janeiro de 2010 (*)

«Princípio da não discriminação em razão da idade – Directiva 2000/78/CE – Legislação nacional relativa ao despedimento, que não tem em conta, no cálculo do prazo de aviso prévio, o trabalho prestado pelo trabalhador antes dos 25 anos de idade – Justificação da medida – Legislação nacional contrária à directiva – Missão do juiz nacional»

No processo C‑555/07,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Landesarbeitsgericht Düsseldorf (Alemanha), por decisão de 21 de Novembro de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em 13 de Dezembro de 2007, no processo

Seda Kücükdeveci

contra

Swedex GmbH & Co. KG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot, R. Silva de Lapuerta, P. Lindh (relatora) e C. Toader, presidentes de secção, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, P. Kūris, T. von Danwitz, A. Arabadjiev e J.‑J. Kasel, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 31 de Março de 2009,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Swedex GmbH & Co. KG, por M. Nebeling, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo alemão, por M. Lumma e J. Möller, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo dinamarquês, por J. Bering Liisberg, na qualidade de agente,

–        em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por N. Travers, BL, e A. Collins, SC,

–        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e M. de Mol, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por I. Rao, na qualidade de agente, assistida por J. Stratford, barrister,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por V. Kreuschitz e J. Enegren, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de Julho de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto tanto a interpretação do princípio da não discriminação em razão da idade como a interpretação da Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional (JO L 303, p. 16).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe S. Kücükdeveci ao seu antigo empregador, a Swedex GmbH & Co. KG (a seguir «Swedex»), a respeito do cálculo da duração do aviso prévio aplicável ao seu despedimento.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        A Directiva 2000/78 foi aprovada com base no artigo 13.° CE. O primeiro, quarto e vigésimo quinto considerandos desta directiva têm a seguinte redacção:

«(1)      Nos termos do artigo 6.° do Tratado da União Europeia, a União Europeia assenta nos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de direito, princípios estes que são comuns aos Estados‑Membros; a União respeita os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais [, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950,] e como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário.

[...]

(4)      O direito das pessoas à igualdade perante a lei e à protecção contra a discriminação constitui um direito universal, reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela Convenção das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, pelos pactos internacionais das Nações Unidas sobre os direitos civis e políticos e sobre os direitos económicos, sociais e culturais, e pela Convenção para a protecção dos Direitos do Homem e das liberdades fundamentais, de que todos os Estados‑Membros são signatários. A Convenção n.° 111 da Organização Internacional de Trabalho proíbe a discriminação em matéria de emprego e actividade profissional.

[...]

(25)      A proibição de discriminações relacionadas com a idade constitui um elemento essencial para atingir os objectivos estabelecidos pelas orientações para o emprego e encorajar a diversidade no emprego. Todavia, em determinadas circunstâncias, podem‑se justificar diferenças de tratamento com base na idade, que implicam a existência de disposições específicas que podem variar consoante a situação dos Estados‑Membros. Urge pois distinguir diferenças de tratamento justificadas, nomeadamente por objectivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e da formação profissional, de discriminações que devem ser proibidas.»

4        Nos termos do seu artigo 1.°, a Directiva 2000/78 tem por objecto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à actividade profissional, com vista a pôr em prática, nos Estados‑Membros, o princípio da igualdade de tratamento.

5        O artigo 2.° desta directiva enuncia:

«1.      Para efeitos da presente directiva, entende‑se por ‘princípio da igualdade de tratamento’ a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°

2.      Para efeitos do n.° 1:

a)      Considera‑se que existe discriminação directa sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°, uma pessoa seja objecto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

[...]»

6        O artigo 3.°, n.° 1, da referida directiva precisa:

«Dentro dos limites das competências atribuídas à Comunidade, a presente directiva é aplicável a todas as pessoas, tanto no sector público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:

[...]

c)      Às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração;

[...]»

7        O artigo 6.°, n.° 1, da mesma directiva dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no n.° 2 do artigo 2.°, os Estados‑Membros podem prever que as diferenças de tratamento com base na idade não constituam discriminação se forem objectiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objectivo legítimo, incluindo objectivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objectivo sejam apropriados e necessários.

Essas diferenças de tratamento podem incluir, designadamente:

a)      O estabelecimento de condições especiais de acesso ao emprego e à formação profissional, de emprego e de trabalho, nomeadamente condições de despedimento e remuneração, para os jovens, os trabalhadores mais velhos e os que têm pessoas a cargo, a fim de favorecer a sua inserção profissional ou garantir a sua protecção;

b)      A fixação de condições mínimas de idade, experiência profissional ou antiguidade no emprego para o acesso ao emprego ou a determinadas regalias associadas ao emprego;

c)      A fixação de uma idade máxima de contratação, com base na formação exigida para o posto de trabalho em questão ou na necessidade de um período razoável de emprego antes da reforma.»

8        A transposição da Directiva 2000/78 para o ordenamento jurídico dos Estados‑Membros devia ocorrer, em conformidade com o disposto no seu artigo 18.°, primeiro parágrafo, até 2 de Dezembro de 2003. Todavia, de harmonia com o segundo parágrafo do mesmo artigo:

«Para atender a condições particulares, os Estados‑Membros podem dispor, se necessário, de um prazo suplementar de três anos a contar de 2 de Dezembro de 2003, ou seja, de um total de 6 anos, para executar as disposições da presente directiva relativas à discriminação baseada na idade e na deficiência, devendo, nesse caso, informar imediatamente a Comissão […]»

9        A República Federal da Alemanha pediu para beneficiar desse prazo suplementar, pelo que a transposição das disposições da referida directiva relativas à discriminação em razão da idade e da deficiência devia ocorrer, nesse Estado‑Membro, até 2 de Dezembro de 2006.

 Legislação nacional

 Lei geral relativa à igualdade de tratamento

10      Os §§ 1, 2 e 10 da Lei geral relativa à igualdade de tratamento (Allgemeines Gleichbehandlungsgesetz), de 14 de Agosto de 2006 (BGBl. 2006 I, p. 1897), que transpôs a Directiva 2000/78, enunciam:

«§ 1 – Objectivo da lei

A presente lei tem por objectivo impedir ou eliminar qualquer desvantagem baseada na raça ou na origem étnica, no sexo, na religião ou em crenças, numa deficiência, na idade ou na identidade sexual.

§ 2 – Âmbito de aplicação

[...]

4)      O despedimento rege‑se exclusivamente pelas disposições relativas à protecção geral e especial em caso de despedimento.

[...]

§ 10 – Licitude de determinadas diferenças de tratamento baseadas na idade

Não obstante o previsto no § 8, são autorizadas as diferenças de tratamento relativas à idade que se justifiquem objectiva e razoavelmente e se baseiem num objectivo legítimo. Os meios para atingir esse objectivo devem ser adequados e necessários. Estas diferenças de tratamento podem incluir, designadamente

1)      a implementação de condições especiais de acesso ao emprego e à formação profissional, de emprego e de trabalho, incluindo condições de remuneração e de despedimento, para os jovens, para os trabalhadores mais velhos e para aqueles que têm pessoas a cargo, a fim de favorecer a sua inserção profissional ou assegurar a sua protecção;

[...]»

 Legislação relativa aos prazos de aviso prévio em caso de despedimento

11      O § 622 do Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch, a seguir «BGB»), dispõe:

«1)      A relação de trabalho de um trabalhador pode ser resolvida mediante aviso prévio enviado com uma antecedência de quatro semanas, com efeitos no décimo quinto dia ou no final do mês.

2)      Em caso de despedimento pelo empregador, os prazos de aviso prévio, quando a relação de trabalho no estabelecimento ou na empresa:

–        tenha durado 2 anos, é de 1 mês, com efeitos no final do mês;

–        tenha durado 5 anos, é de 2 meses, com efeitos no final do mês;

–        tenha durado 8 anos, é de 3 meses, com efeitos no final do mês;

–        tenha durado 10 anos, é de 4 meses, com efeitos no final do mês;

–        tenha durado 12 anos, é de 5 meses, com efeitos no final do mês

–        tenha durado 15 anos, é de 6 meses, com efeitos no final do mês;

–        tenha durado 20 anos, é de 7 meses, com efeitos no final do mês.

No cômputo da duração da relação de trabalho, não é contabilizado o tempo de trabalho prestado pelo trabalhador antes de este ter completado 25 anos de idade.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      S. Kücükdeveci nasceu em 12 de Fevereiro de 1978. Era empregada da Swedex desde 4 de Junho de 1996, ou seja, desde os 18 anos.

13      A Swedex despediu‑a por carta datada de 19 de Dezembro de 2006, tendo o despedimento produzido efeitos, atendendo ao aviso prévio legal, em 31 de Janeiro de 2007. O empregador calculou o prazo de aviso prévio como se a trabalhadora tivesse uma antiguidade de 3 anos, apesar de estar ao seu serviço há 10 anos.

14      S. Kücükdeveci impugnou o seu despedimento por acção intentada no Arbeitsgericht Mönchengladbach (Alemanha). Nesse órgão jurisdicional, alegou que o prazo do seu aviso prévio devia ter sido de quatro meses contados a partir de 31 de Dezembro de 2006, ou seja, até 30 de Abril de 2007, nos termos do disposto no § 622, n.° 2, primeiro parágrafo, ponto 4, do BGB. Este prazo corresponde a uma antiguidade de dez anos. O litígio em causa no processo principal opõe assim dois particulares a saber, por um lado, S. Kücükdeveci e, por outro, a Swedex.

15      Segundo S. Kücükdeveci, o § 622, n.° 2, segundo parágrafo, do BGB, na parte em que prevê que o tempo de trabalho prestado por um trabalhador antes dos 25 anos de idade não é contabilizado para calcular a duração do aviso prévio, constitui uma medida discriminatória baseada na idade, contrária ao direito da União, pelo que não deve ser aplicado.

16      O Landesarbeitsgericht Düsseldorf, pronunciando‑se em sede de recurso, constatou que o prazo de transposição da Directiva 2000/78 já tinha terminado no dia em que ocorreu o despedimento. Este órgão jurisdicional considerou igualmente que o § 622 do BGB contém uma diferença de tratamento que se baseia na idade e, embora não esteja convencido do carácter inconstitucional da disposição, considera, pelo contrário, que a sua conformidade com o direito da União é questionável. Pergunta, a este respeito, se a eventual existência de uma discriminação directa em razão da idade deve ser analisada à luz do direito primário da União, como parece resultar do acórdão de 22 de Novembro de 2005, Mangold (C‑144/04, Colect., p. I‑9981), ou à luz da Directiva 2000/78. Sublinhando que a disposição nacional em causa é clara e que, caso se colocasse a questão da sua interpretação, o seu resultado não seria conforme com a referida directiva, pergunta igualmente se, para não aplicar essa disposição num litígio entre particulares, deve, para garantir a protecção da sua confiança legítima, submeter previamente um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, para que este confirme a incompatibilidade da referida disposição com o direito da União.

17      Nestas condições, o Landesarbeitsgericht Düsseldorf decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      a)     Um regime jurídico nacional nos termos do qual os prazos de aviso prévio de despedimento que a entidade patronal tem de respeitar aumentam gradualmente em função da duração do emprego, mas que não contabiliza o tempo de trabalho prestado pelo trabalhador antes de este completar 25 anos de idade, viola a proibição comunitária da discriminação em razão da idade, nomeadamente o direito primário ou a Directiva 2007/78 […]?

b)      A circunstância de uma entidade patronal só estar obrigada a respeitar um prazo de aviso prévio mínimo no despedimento de trabalhadores mais novos pode ser justificada pelo facto de se reconhecer à entidade patronal um interesse empresarial numa maior flexibilidade na gestão dos recursos humanos – susceptível de ser afectado por prazos de aviso prévio mais longos – e de não se reconhecer aos trabalhadores mais novos a protecção da estabilidade laboral e das relações jurídicas criadas em função dela (que é concedida aos trabalhadores mais velhos, através de prazos de aviso prévio mais longos), designadamente porque, em virtude da idade deles e/ou da existência de menores obrigações sociais, familiares e pessoais, se lhes exige uma maior flexibilidade e mobilidade profissional e pessoal?

2)      Caso o Tribunal responda afirmativamente à questão 1.a) e negativamente à questão 1.b):

O órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, num litígio entre particulares, deve abster‑se de aplicar um regime jurídico nacional que está manifestamente em contradição com o direito comunitário ou, tendo em conta a confiança legítima das pessoas abrangidas pela lei na aplicabilidade de normas de direito interno em vigor, deve considerar que a consequência da não aplicabilidade só ocorre após ser proferida uma decisão pelo [Tribunal de Justiça] sobre o regime jurídico em causa ou outro que, no essencial, se lhe assemelhe?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

18      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê que o tempo de trabalho prestado por um trabalhador antes de este completar 25 anos de idade não é tido em conta para calcular a duração do aviso prévio de despedimento, constitui uma diferença de tratamento em razão da idade, proibida pelo direito da União, nomeadamente pelo direito primário ou pela Directiva 2000/78. Questiona, mais especificamente, se essa legislação se justifica pelo facto de ser conveniente respeitar unicamente um prazo de aviso prévio de base em caso de despedimento de jovens trabalhadores, por um lado, para os empregadores gerirem os seus trabalhadores com flexibilidade, flexibilidade que não existe com prazos de aviso prévio mais longos, e, por outro, por ser razoável exigir aos jovens trabalhadores uma maior mobilidade pessoal e profissional do que aquela que é pedida aos trabalhadores mais velhos.

19      Para responder à referida pergunta, importa precisar, desde já, conforme sugere o órgão jurisdicional de reenvio, se esta questão deve ser analisada à luz do direito primário da União ou da Directiva 2000/78.

20      A este respeito, há que recordar, num primeiro momento, que o Conselho da União Europeia, nos termos do artigo 13.° CE, adoptou a Directiva 2000/78, tendo o Tribunal de Justiça considerado que esta última não consagra, em si mesma, o princípio da igualdade de tratamento em matéria de emprego e de trabalho, princípio esse que encontra a sua origem em diversos instrumentos internacionais e nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, mas que tem unicamente por objecto estabelecer, nesses mesmos domínios, um quadro geral para lutar contra a discriminação baseada em diversos motivos, entre os quais figura a idade (v. acórdão Mangold, já referido, n.° 74).

21      Neste contexto, o Tribunal de Justiça reconheceu a existência de um princípio da não discriminação em razão da idade, que deve ser considerado um princípio geral do direito da União (v., neste sentido, acórdão Mangold, já referido, n.° 75). A Directiva 2000/78 concretiza este princípio (v., por analogia, acórdão de 8 de Abril de 1976, Defrenne, 43/75, Colect., p. 193, n.° 54).

22      Há igualmente que salientar que o artigo 6.°, n.° 1, TUE enuncia que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia tem o mesmo valor jurídico que os Tratados. Segundo o artigo 21.°, n.° 1, desta Carta, «[é] proibida a discriminação em razão, designadamente […] da idade».

23      Para que o princípio da não discriminação em razão da idade se aplique a uma situação semelhante à do litígio no processo principal, é ainda necessário que esta situação seja abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União.

24      A este respeito, e diferentemente do processo que deu origem ao acórdão de 23 de Setembro de 2008, Bartsch (C‑427/06, Colect., p. I‑7245), o comportamento alegadamente discriminatório adoptado, no litígio no processo principal, com base na legislação nacional em causa é posterior à data em que expirou o prazo imposto ao Estado‑Membro em causa, para transpor a Directiva 2000/78, prazo esse que terminou, no que respeita à República Federal da Alemanha, em 2 de Dezembro de 2006.

25      Naquela data, os efeitos produzidos pela referida directiva consistiram em incluir no âmbito de aplicação do direito da União a legislação nacional em causa no processo principal que contém uma matéria regulada por esta mesma directiva, a saber, no presente caso, as condições de despedimento.

26      Com efeito, uma disposição nacional como a do § 622, n.° 2, segundo parágrafo, do BGB, na parte em que estipula que, para calcular a duração do aviso prévio de despedimento, não é tomado em consideração o tempo de trabalho prestado por um trabalhador antes de este completar 25 anos de idade, afecta as condições de despedimento dos trabalhadores. Por conseguinte, há que considerar que uma legislação desta natureza estabelece regras relativas às condições de despedimento.

27      Decorre destas considerações que é com base no princípio geral do direito da União que proíbe as discriminações em razão da idade, como concretizado pela Directiva 2000/78, que há que analisar se o direito da União se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal.

28      Em seguida, num segundo momento, no que se refere à questão de saber se a legislação em causa no processo principal contém uma diferença de tratamento baseada na idade, há que recordar que, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2000/78, para efeitos desta última, entende‑se por «princípio da igualdade de tratamento» a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada num dos motivos referidos no artigo 1.° daquela directiva. O seu artigo 2.°, n.° 2, alínea a), precisa que, para efeitos da aplicação do seu n.° 1, há discriminação directa sempre que uma pessoa seja objecto de um tratamento menos favorável do que aquele que é dado a outra pessoa numa situação comparável, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.° da mesma directiva (v. acórdãos de 16 de Outubro de 2007, Palacios de la Villa, C‑411/05, Colect., p. I‑8531, n.° 50, e de 5 de Março de 2009, Age Concern England, C‑388/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 33).

29      No presente caso, o § 622, n.° 2, segundo parágrafo, do BGB consagra um tratamento menos favorável aos trabalhadores que tenham sido recrutados pela entidade patronal antes dos 25 anos de idade. Esta legislação nacional cria assim uma diferença de tratamento entre pessoas com a mesma antiguidade, em razão da idade que tinham no momento em que foram admitidos na empresa.

30      Deste modo, no caso de dois trabalhadores com 20 anos de antiguidade, aquele que tinha 18 anos de idade no momento da admissão na empresa beneficia de um prazo de aviso prévio de despedimento de cinco meses, ao passo que esse prazo é de sete meses para o trabalhador que tinha 25 anos de idade no momento da sua admissão. Por outro lado, como salientado pelo advogado‑geral no n.° 36 das suas conclusões, a legislação nacional em causa no processo principal desfavorece, em regra, os jovens trabalhadores relativamente aos trabalhadores mais velhos, podendo os primeiros, à semelhança da recorrente no processo principal, ser excluídos, apesar de uma antiguidade de vários anos na empresa, do direito ao aumento progressivo do prazo de aviso prévio de despedimento em função da duração da relação laboral, direito esse de que, em contrapartida, poderão beneficiar os trabalhadores mais velhos que tenham uma antiguidade comparável.

31      Decorre do exposto que a legislação nacional em causa contém uma diferença de tratamento baseada no critério da idade.

32      Num terceiro momento, há que examinar se essa diferença de tratamento é susceptível de constituir uma discriminação proibida pelo princípio da não discriminação em razão da idade, concretizado pela Directiva 2000/78.

33      A este respeito, o artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 2000/78 preceitua que uma diferença de tratamento com base na idade não constitui discriminação, se for objectiva e razoavelmente justificada, no quadro do direito nacional, por um objectivo legítimo, nomeadamente por objectivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objectivo sejam apropriados e necessários.

34      Decorre tanto das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio como das explicações apresentadas na audiência pelo Governo alemão que, na origem do § 622 do BGB, está uma lei de 1926. A fixação do limiar de 25 anos de idade por esta lei é o resultado de um compromisso entre, em primeiro lugar, o governo da época, que pretendia um aumento uniforme de 3 meses do prazo de aviso prévio do despedimento dos trabalhadores com mais de 40 anos, em segundo lugar, os defensores de um aumento gradual desse prazo para todos os trabalhadores e, em terceiro lugar, os defensores de um aumento gradual da duração do aviso prévio, mas sem se ter em conta o tempo de trabalho, destinando‑se esta regra a desonerar parcialmente os empregadores dos prazos de aviso prévio prolongados para os trabalhadores com menos de 25 anos de idade.

35      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o § 622, n.° 2, segundo parágrafo, do BGB retrata a concepção do legislador de que os trabalhadores mais novos reagem, na generalidade, mais facilmente e mais rapidamente à perda de emprego e de que lhes pode ser exigida uma maior flexibilidade. Por último, um prazo de aviso prévio mais curto para os jovens trabalhadores facilita a sua contratação, aumentando a flexibilidade na gestão do pessoal.

36      Objectivos da natureza daqueles que foram mencionados pelo Governo alemão e pelo órgão jurisdicional de reenvio revelam‑se abrangidos pela política de emprego e do mercado de trabalho, na acepção do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2000/78.

37      Há que verificar ainda se, segundo a própria redacção da referida disposição, os meios implementados para realizar esse objectivo legítimo são «apropriados e necessários».

38      Recorde‑se, a este respeito, que os Estados‑Membros dispõem de um amplo poder de apreciação na escolha das medidas susceptíveis de realizar os seus objectivos em matéria de política social e de emprego (v. acórdãos, já referidos, Mangold, n.° 63, e Palacios de la Villa, n.° 68).

39      O órgão jurisdicional de reenvio indica que a legislação nacional em causa no processo principal tem por objectivo conceder ao empregador uma maior flexibilidade na gestão do pessoal, aligeirando as obrigações do referido empregador no que respeita ao despedimento dos jovens trabalhadores, aos quais é razoável exigir uma maior mobilidade pessoal ou profissional.

40      No entanto, a referida legislação não é adequada para realizar esse objectivo, porquanto é aplicável a todos os trabalhadores que tenham sido recrutados antes dos 25 anos de idade, independentemente da idade que tenham no momento do seu despedimento.

41      No que respeita ao objectivo, prosseguido pelo legislador quando adoptou a legislação nacional em causa no processo principal e que foi recordado pelo Governo alemão, de reforçar a protecção dos trabalhadores em função do tempo passado na empresa, resulta que, por força dessa legislação, se limita o aumento do prazo de aviso prévio do despedimento em função da antiguidade do trabalhador para todos os trabalhadores recrutados pela empresa antes dos 25 anos de idade, ainda que a antiguidade do interessado na empresa seja grande no momento do seu despedimento. Por conseguinte, não se pode considerar que a referida legislação é adequada para realizar o objectivo invocado.

42      Há que acrescentar que a legislação nacional em causa no processo principal é aplicável, como recorda o órgão jurisdicional de reenvio, aos jovens trabalhadores, de forma desigual, no sentido de que afecta os trabalhadores que ingressam cedo na vida activa, sem formação profissional ou após uma breve formação profissional, e não aqueles que começam a trabalhar mais tarde, após uma longa formação.

43      Resulta de todo o exposto que há que responder à primeira questão que o direito da União, mais concretamente o princípio da não discriminação em razão da idade, como concretizado pela Directiva 2000/78, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que o tempo de trabalho prestado por um trabalhador antes dos 25 anos de idade não é tido em conta no cálculo do prazo de aviso prévio, em caso de despedimento.

 Quanto à segunda questão

44      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, chamado a pronunciar‑se num litígio entre particulares, para não aplicar uma legislação nacional que considera ser contrária ao direito da União, deve, previamente, para garantir a protecção da confiança legítima das pessoas, submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.° TFUE, para que este confirme a incompatibilidade da referida disposição com o direito da União.

45      No que se refere, em primeiro lugar, à missão do juiz nacional chamado a pronunciar‑se num litígio entre particulares, no âmbito do qual a legislação nacional em causa parece ser contrária ao direito da União, o Tribunal de Justiça já declarou que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar a protecção jurídica que para as pessoas decorre das disposições do direito da União e garantir a plena eficácia destas (v., neste sentido, acórdãos de 5 de Outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, Colect., p. I‑8835, n.° 111, e de 15 de Abril de 2008, Impact, C‑268/06, Colect., p. I‑2483, n.° 42).

46      A este respeito, relativamente aos litígios entre particulares, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que uma directiva não pode, por si mesma, criar obrigações para um particular, nem pode, por conseguinte, ser invocada, enquanto tal, contra ele (v., nomeadamente, acórdãos de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall, 152/84, Colect., p. 723, n.° 48, de 14 de Julho de 1994, Faccini Dori, C‑91/92, Colect., p. I‑3325, n.° 20, e acórdão Pfeiffer e o., já referido, n.° 108).

47      Contudo, a obrigação, decorrente de uma directiva, de os Estados‑Membros alcançarem o resultado nela previsto bem como o dever de tomarem todas as medidas gerais ou especiais adequadas para assegurar o cumprimento dessa obrigação impõem‑se a todas as autoridades dos Estados‑Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, às autoridades jurisdicionais (v., nomeadamente, neste sentido, acórdãos de 10 de Abril de 1984, von Colson e Kamann, 14/83, Recueil, p. 1891, n.° 26; de 13 de Novembro de 1990, Marleasing, C‑106/89, Colect., p. I‑4135, n.° 8; Faccini Dori, já referido, n.° 26; de 18 de Dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie, C‑129/96, Colect., p. I‑7411, n.° 40; Pfeiffer e o., já referido, n.° 110; e de 23 de Abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 106).

48      Daqui resulta que, ao aplicar o direito nacional, o órgão jurisdicional nacional chamado a interpretá‑lo é obrigado a fazê‑lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade dessa directiva, para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir desta forma o artigo 288.°, terceiro parágrafo, TFUE (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, von Colson e Kamann, n.° 26; Marleasing, n.° 8; Faccini Dori, n.° 26; e Pfeiffer e o., n.° 113). A exigência de uma interpretação conforme do direito nacional é inerente ao sistema do Tratado, na medida em que permite ao órgão jurisdicional nacional assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito da União, quando se pronuncia sobre o litígio que lhe foi submetido (v., neste sentido, acórdão Pfeiffer e o., já referido, n.° 114).

49      No entanto, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, dada a clareza e a precisão do § 622, n.° 2, segundo parágrafo, do BGB, a sua interpretação não é susceptível de ser conforme com a Directiva 2000/78.

50      A este respeito, há que recordar, por um lado, que, como foi referido no n.° 20 do presente acórdão, a Directiva 2000/78 apenas concretiza, sem o consagrar, o princípio da igualdade de tratamento em matéria de emprego e de trabalho e, por outro, que o princípio da não discriminação em razão da idade é um princípio geral de direito da União, porquanto constitui uma aplicação específica do princípio geral da igualdade de tratamento (v., neste sentido, acórdão Mangold, já referido, n.os 74 a 76).

51      Nestas condições, cabe ao órgão jurisdicional nacional, chamado a pronunciar‑se num litígio que põe em causa o princípio da não discriminação em razão da idade, como concretizado pela Directiva 2000/78, assegurar, no quadro das suas competências, a protecção jurídica que para as pessoas decorre do direito da União e garantir o pleno efeito deste, não aplicando, caso seja necessário, as disposições da lei nacional contrárias a esse princípio (v., neste sentido, acórdão Mangold, já referido, n.° 77).

52      No que se refere, em segundo lugar, à obrigação de o juiz nacional, chamado a pronunciar‑se num litígio entre particulares, submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação do direito da União, antes de poder afastar a aplicação de uma disposição nacional que considera contrária a esse direito, há que salientar que decorre da decisão de reenvio que este aspecto da questão se coloca pelo facto de, nos termos do direito nacional, o órgão jurisdicional de reenvio só poder afastar uma disposição da legislação nacional que esteja em vigor, depois de esta ter sido declarada inconstitucional pelo Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional federal).

53      A este respeito, há que sublinhar que a necessidade de garantir a plena eficácia do princípio geral da não discriminação em razão da idade, como concretizado pela Directiva 2000/78, implica que, perante uma disposição nacional abrangida pelo direito da União, que o juiz nacional considere ser incompatível com o referido princípio e em relação à qual não seja possível uma interpretação conforme com este princípio, o juiz nacional não aplique essa disposição, não podendo ser obrigado nem impedido de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.

54      Esta faculdade reconhecida pelo artigo 267.°, segundo parágrafo, TFUE, de o juiz nacional solicitar uma interpretação prejudicial ao Tribunal de Justiça, antes de afastar a disposição nacional contrária ao direito da União, não pode, no entanto, transformar‑se numa obrigação pelo facto de o direito nacional não permitir que esse juiz afaste uma disposição nacional que considere contrária à Constituição, sem que essa disposição tenha previamente sido declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Com efeito, por força do princípio do primado do direito da União, de que o princípio da não discriminação em razão da idade também beneficia, deve ser afastada uma legislação nacional contrária que seja abrangida pelo direito da União (v., neste sentido, acórdão Mangold, já referido, n.° 77).

55      Resulta destas considerações que o juiz nacional, chamado a pronunciar‑se num litígio entre particulares, não é obrigado mas pode submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação do princípio da não discriminação em razão da idade, como concretizado pela Directiva 2000/78, antes de afastar uma disposição da legislação nacional que considere contrária a esse princípio. O carácter facultativo da apresentação desse pedido de decisão prejudicial não depende das modalidades processuais que, no direito interno, o juiz nacional deva respeitar para afastar uma disposição nacional que considere ser contrária à Constituição.

56      Atendendo ao exposto, há que responder à segunda questão que, chamado a pronunciar‑se num litígio entre particulares, cabe ao órgão jurisdicional nacional garantir a observância do princípio da não discriminação em razão da idade, como concretizado pela Directiva 2000/78, devendo afastar, quando necessário, as disposições contrárias da legislação nacional, independentemente de exercer a faculdade de que dispõe, nos casos referidos no artigo 267.°, segundo parágrafo, TFUE, de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação desse princípio.

 Quanto às despesas

57      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O direito da União, mais concretamente o princípio da não discriminação em razão da idade, como concretizado pela Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que o tempo de trabalho prestado por um trabalhador antes dos 25 anos de idade não é tido em conta no cálculo do prazo de aviso prévio, em caso de despedimento.

2)      Chamado a pronunciar‑se num litígio entre particulares, cabe ao órgão jurisdicional nacional garantir a observância do princípio da não discriminação em razão da idade, como concretizado pela Directiva 2000/78, devendo afastar, quando necessário, as disposições contrárias da legislação nacional, independentemente de exercer a faculdade de que dispõe, nos casos referidos no artigo 267.°, segundo parágrafo, TFUE, de submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia um pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação deste princípio.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.