Language of document : ECLI:EU:C:2014:2171

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 4 de setembro de 2014 (1)

Processos apensos C‑400/13 e C‑408/13

Sophia Marie Nicole Sanders

representada por Marianne Sanders

contra

David Verhaegen

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Amtsgericht Düsseldorf (Alemanha)]


e


Barbara Huber

contra

Manfred Huber

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Amtsgericht Karlsruhe (Alemanha)]

«Cooperação judiciária em matéria civil — Competência em matéria de obrigações alimentares — Artigo 3.°, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 4/2009 — Ação contra uma pessoa que tem a sua residência habitual noutro Estado — Legislação de um Estado‑Membro que atribui, nesse caso, a competência exclusiva ao tribunal de primeira instância da sede do tribunal de recurso regional em cuja circunscrição se situa a residência habitual da parte domiciliada nesse Estado‑Membro — Exclusão de tal concentração de competências»





I –    Introdução

1.        Nos presentes processos apensos, os pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Amtsgericht Düsseldorf (Tribunal do Cantão de Düsseldorf, Alemanha) e pelo Amtsgericht Karlsruhe (Tribunal do Cantão de Karlsruhe, Alemanha) têm por objeto, essencialmente, a interpretação do artigo 3.°, alíneas a) e b), do Regulamento (CE) n.° 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (2).

2.        As alíneas a) e b) do referido artigo 3.°, entre outras disposições deste regulamento, regulam a competência ratione loci dos tribunais dos Estados‑Membros (3) na matéria, designando, alternativamente, «[o] tribunal do local em que o requerido tem a sua residência habitual» ou «[o] tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual», prevendo‑se que o requerente pode escolher livremente entre estes dois critérios de atribuição de competência.

3.        Os presentes processos dizem respeito a dois litígios relativos a requerimentos de pensão de alimentos, que opõem, por um lado, uma menor ao seu pai e, por outro lado, uma mulher casada ao seu cônjuge. Os referidos requerimentos foram apresentados, respetivamente, no Amtsgericht (tribunal cantonal de primeira instância) de cada uma das cidades alemãs onde as credoras de alimentos em causa têm residência habitual. Contudo, aplicando uma disposição que transpôs para o direito alemão as situações previstas no artigo 3.°, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 4/2009, cada um desses órgãos jurisdicionais considerou que não era competente, entendendo que o tribunal competente era o Amtsgericht da cidade onde se encontra o Oberlandesgericht (tribunal de recurso regional) em cuja circunscrição as referidas requerentes residem.

4.        Assim, o Tribunal de Justiça é chamado a determinar se o artigo 3.° do referido regulamento, que é diretamente aplicável nas ordens jurídicas dos Estados‑Membros, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro como a que está em causa nos processos principais, que, em matéria de obrigações alimentares, tem como efeito concentrar a competência judiciária transfronteiriça num tribunal diferente daquele cuja circunscrição abrange a localidade onde reside habitualmente a parte domiciliada no território nacional.

5.        Apesar de o Regulamento n.° 4/2009 ser aplicável desde 18 de junho de 2011 (4), o Tribunal de Justiça não teve, até ao momento, oportunidade de se pronunciar sobre a interpretação das disposições dele constantes (5). Como tal, importa, nomeadamente, questionar se é possível, ou até necessário, ter em conta os ensinamentos decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a outros instrumentos aplicáveis entre os Estados‑Membros no domínio da competência judiciária em matéria civil e, se for o caso, determinar em que medida será pertinente um raciocínio por analogia para interpretado artigo 3.° do Regulamento n.° 4/2009.

6.        Esta questão suscita‑se, em especial, face às semelhanças que existem entre a redação do referido artigo e a das disposições relativas à competência em matéria de obrigações alimentares, constantes da Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (6) (a seguir «Convenção de Bruxelas»), bem como do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (7) (a seguir «Regulamento Bruxelas I»), que se insere na linha dessa convenção (8).

II – Quadro Jurídico

A –    Regulamento n.° 4/2009

7.        O considerando 3 do Regulamento n.° 4/2009 refere expressamente, entre outros instrumentos, o Regulamento Bruxelas I. O seu considerando 44 especifica que o Regulamento n.° 4/2009 altera o Regulamento Bruxelas I, «substituindo as disposições desse regulamento aplicáveis em matéria de obrigações alimentares». O seu considerando 15 acrescenta que «[a] fim de preservar os interesses dos credores de alimentos e promover uma boa administração da justiça na União Europeia, deverão ser adaptadas as regras relativas à competência tal como decorrem do Regulamento [Bruxelas I] […] [nomeadamente] devendo deixar de ser feita doravante qualquer remissão para o direito nacional […]».

8.        O artigo 3.°, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 4/2009 dispõe que «[s]ão competentes para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados‑Membros:

a)      O tribunal do local em que o requerido tem a sua residência habitual, ou

b)      O tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual, […]».

B –    Direito alemão

9.        O Regulamento n.° 4/2009 foi implementado no direito alemão pela Gesetz zur Geltendmachung von Unterhaltsansprüchen im Verkehr mit ausländischen Staaten (Auslandsunterhaltsgesetz) (Lei sobre a cobrança de alimentos em relação a Estados terceiros, a seguir «AUG») (9), de 23 de maio de 2001.

10.      Na versão aplicável à data dos factos, o § 28, n.° 1, primeiro período, desta lei, intitulado «Concentração de competências; […]», prevê que «[s]e um interessado não tiver residência habitual em território nacional, o tribunal que tem competência exclusiva para [conhecer dos pedidos] em matéria de obrigações alimentares previstos nos casos previstos no artigo 3.°, alíneas a) e b), do [R]egulamento [n.° 4/2009], é o Amtsgericht da sede do Oberlandesgericht em cuja circunscrição o requerido ou o credor tem residência habitual ».

III – Litígios nos processos principais, questões prejudiciais e processo no Tribunal de Justiça

A –    Processo Sanders (C‑400/13)

11.      Em 29 de maio de 2013, a menor Sophia Marie Nicole Sanders, representada pela sua mãe, propôs uma ação no Amtsgericht de Mettmann (Alemanha), cidade onde se situa a sua residência habitual, para obter a condenação do seu pai, D. Verhaegen, que reside na Bélgica, no pagamento uma pensão de alimentos.

12.      Após ouvir as partes, o Amtsgericht Mettmann, em aplicação do § 28, n.° 1, da AUG, remeteu o processo para o Amtsgericht Düsseldorf por ser o tribunal cantonal de primeira instância da sede do tribunal de recurso regional, em cuja circunscrição se situa a residência habitual da credora de alimentos, ou seja, o Oberlandesgericht Düsseldorf.

13.      Contudo, o Amtsgericht Düsseldorf questionou a sua própria competência territorial, considerando que, por força do artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009, o tribunal competente devia ser o do local em que, num Estado‑Membro, a requerente tem a sua residência habitual, neste caso, o Amtsgericht Mettmann. Por decisão de 16 de julho de 2013, o Amtsgericht Düsseldorf decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O § 28, n.° 1, da [AUG] viola o artigo 3.°, alíneas a) e b), do Regulamento [n.° 4/2009]?»

B –    Processo Huber (C‑408/13)

14.      B. Huber propôs uma ação no Amtsgericht de Kehl (Alemanha), cidade onde reside habitualmente, para que o seu cônjuge, M. Huber, que reside em Barbados, seja condenado a pagar‑lhe uma pensão de alimentos em consequência da sua separação.

15.      No quadro de um processo prévio relativo à concessão de apoio judiciário, o Amtsgericht Kehl remeteu o processo para o Amtsgericht Karlsruhe por considerar que este era o tribunal competente, com base no § 28, n.° 1, da AUG, uma vez que a residência habitual da requerente se situava na circunscrição do Oberlandesgericht Karlsruhe.

16.      Face às dúvidas suscitadas por ambas as partes no processo principal quanto à compatibilidade do referido § 28 com o artigo 3.°, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 4/2009, o Amtsgericht Karlsruhe, por decisão de 18 de julho de 2013, aceitou suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O § 28, n.° 1, primeiro período, da [AUG], que prevê que, se um interessado não tiver residência habitual em território nacional, o tribunal que tem competência exclusiva para [conhecer dos pedidos] decidir sobre os requerimentos em matéria de obrigações alimentares [nos casos] previstos no artigo 3.°, alíneas a) e b), do Regulamento [n.° 4/2009] é o Amtsgericht da sede do Oberlandesgericht [em cuja circunscrição se situa a] residência habitual do requerido ou do interessado, é compatível com esta última disposição?»

C –    Processo no Tribunal de Justiça

17.      Por despacho do Presidente do Tribunal de Justiça, de 25 de julho de 2013, os processos C‑400/13 e C‑408/13 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

18.      Foram apresentadas observações escritas pelo Governo alemão e pela Comissão Europeia. Não foi realizada audiência.

IV – Análise

A –    Quanto ao teor dos presentes pedidos de decisão prejudicial

19.      Devido às dificuldades que podem resultar da redação dos pedidos de decisão prejudicial submetidos ao Tribunal de Justiça nos presentes processos, importa, em primeiro lugar, definir os limites da sua competência neste quadro e, em seguida, esclarecer quais são as disposições que devem ser interpretadas à luz tanto do artigo 3.° como de outros artigos do Regulamento n.° 4/2009.

20.      Em primeiro lugar, à semelhança do Governo alemão, preconizo que as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio sejam reformuladas pelo Tribunal de Justiça, em conformidade com a sua jurisprudência, no sentido de o seu objeto não ser a interpretação das disposições do direito alemão referidas nessas questões e a apreciação da sua compatibilidade com o direito da União, uma vez que tal não cabe na competência que lhe é reconhecida no quadro dos processos previstos no artigo 267.° TFUE (10), mas a análise do artigo 3.° do Regulamento n.° 4/2009, de modo a fornecer aos juízes nacionais todos os elementos de interpretação que relevam do direito da União que lhes permitam decidir os litígios que lhes são submetidos (11).

21.      Em segundo lugar, há que salientar que os dois órgãos jurisdicionais de reenvio pedem que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a interpretação quer da alínea a) quer da alínea b) do artigo 3.° do Regulamento n.° 4/2009, recordando que o § 28, n.° 1, da AUG se aplica «aos requerimentos […] previstos no artigo 3.°, alíneas a) e b), [do referido regulamento]» (itálico nosso).

22.      Todavia, a Comissão alega que estes pedidos de decisão prejudicial são manifestamente inadmissíveis na medida em que dizem respeito ao artigo 3.°, alínea a), desse regulamento, uma vez que, tendo em conta as circunstâncias dos litígios nos processos principais, apenas a alínea b) do referido artigo tem relação com a realidade ou o objeto desses litígios e, consequentemente, é relevante no caso em apreço.

23.      É um facto que nos dois processos principais pendentes, as requerentes são credoras de alimentos que optaram por instaurar a ação num tribunal situado no território alemão, onde residem habitualmente, e que tal situação é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009. É neste contexto que os órgãos jurisdicionais de reenvio pretendem saber qual o tribunal alemão que, com base nesta disposição, deve ser considerado competente ratione loci por ser o tribunal «do local em que o credor tem a sua residência habitual», atendendo às dúvidas suscitadas por uma disposição de direito alemão.

24.      Em contrapartida, a aplicação do artigo 3.°, alínea a), deste regulamento, que estabelece a competência do tribunal «do local em que o requerido tem a sua residência habitual», não coloca qualquer problema concreto no quadro dos presentes litígios nos processos principais. Consequentemente, seguindo a jurisprudência de acordo com a qual o Tribunal de Justiça não pode pronunciar‑se sobre uma questão ou parte de uma questão prejudicial que não corresponda manifestamente a uma necessidade objetiva pertinente para a resolução de um litígio pendente nos órgãos jurisdicionais de reenvio (12), considero que a resposta que será dada nos presentes processos deve limitar‑se à interpretação da alínea b) do artigo 3.° do Regulamento n.° 4/2009.

25.      Todavia, para proceder a essa interpretação, dever‑se‑á ter em conta o sistema mais geral no qual a disposição em causa se insere (13), e nomeadamente salientar o facto de as alíneas a) e b) do referido artigo 3.° estarem redigidas de forma idêntica no que respeita à expressão que suscita dúvidas (14) e de as referidas alíneas serem aplicáveis, alternativamente, na mesma situação, ou seja, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar seja apresentado a título principal (15).

26.      Em terceiro lugar, pode observar‑se que, na sua decisão de reenvio relativa ao processo Huber (C‑408/13), o Amtsgericht Karlsruhe invoca a possibilidade de o caráter exclusivo da competência prevista no § 28, n.° 1, primeiro período, da AUG ser contrário não apenas ao artigo 3.° do Regulamento n.° 4/2009 mas igualmente aos seus artigos 4.° e 5.° (16), sem, contudo, referir estes últimos na questão prejudicial que apresenta. A Comissão propõe que o Tribunal de Justiça proceda à interpretação dos referidos artigos 4.° e 5.°, para o caso de o órgão jurisdicional de reenvio, para além da questão formulada, desejar saber se a concentração de competências em causa é igualmente incompatível com essas disposições.

27.      Considero que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (17), este não tem de se pronunciar a este respeito, uma vez que o Amtsgericht Karlsruhe circunscreveu a questão que colocou ao Tribunal de Justiça à definição do alcance do artigo 3.° do Regulamento n.° 4/2009, enquanto que os artigos 4.° e 5.° deste regulamento, embora sejam, de facto, invocados, não integram o objeto dessa questão, não sendo decisivos para deliberar sobre a sua própria competência, de acordo com a apreciação efetuada por aquele órgão jurisdicional (18).

B –    Quanto aos ensinamentos a retirar da comparação com outros instrumentos

28.      Uma vez que, nos presentes processos, o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar o Regulamento n.° 4/2009 pela primeira vez, há que apurar se é possível encontrar pistas de reflexão ou elementos de resposta em instrumentos próximos. A este respeito, importa, antes de mais, analisar se é pertinente efetuar uma comparação com convenções internacionais ou outros regulamentos relativos à competência judiciária em matéria civil, alguns dos quais contêm disposições que apresentam efetivas semelhanças com as do artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009 (1). Em caso afirmativo, haverá depois que determinar, tendo em conta as especificidades deste último texto, em que medida tal comparação permite efetuar uma interpretação por analogia e, em especial, ter em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a esses outros instrumentos (2).

1.      Quanto à possibilidade de uma comparação com outros instrumentos

29.      O artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009 está redigido em termos semelhantes aos das regras relativas a «competências especiais» em matéria de obrigações alimentares que constam do artigo 5.°, n.° 2, da Convenção de Bruxelas (19) e no artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento Bruxelas I, que dispõem que o tribunal competente nesta matéria é «o tribunal do lugar em que o credor de alimentos tem o seu domicílio ou a sua residência habitual» (20).

30.      Não obstante o facto de as obrigações alimentares estarem agora excluídas do âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I (21), a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às disposições da Convenção de Bruxelas e às do referido regulamento continua, na minha opinião, a ser relevante para analisar as disposições correspondentes do Regulamento n.° 4/2009. Assim, ainda que tal abordagem por analogia deva ser um pouco mitigada, parece‑me adequado que os conceitos que são objeto dos presentes pedidos de decisão prejudicial sejam interpretados à luz desta jurisprudência, pelas razões que passo a expor.

31.      Em primeiro lugar, as ligações substanciais existentes entre o Regulamento Bruxelas I e o Regulamento n.° 4/2009 são patentes na leitura deste último, uma vez que o seu preâmbulo lhes faz referência várias vezes (22) e que o seu artigo 68.°, n.° 1, dispõe expressamente que substitui as disposições do Regulamento Bruxelas I aplicáveis em matéria de obrigações alimentares.

32.      Em segundo lugar, no que respeita especificamente às regras de competência que constam do artigo 3.° do Regulamento n.° 4/2009, a génese desta disposição corrobora a existência de tais conexões. De facto, a proposta inicial da Comissão realça a necessidade de melhorar as possibilidades já oferecidas ao credor de alimentos pelas regras de competência constantes do Regulamento Bruxelas I (23). A comunicação que contém os comentários a esta proposta (24) confirma que o referido artigo 3.° reproduz, no essencial, as disposições correspondentes do Regulamento Bruxelas I (25), nas quais foram, contudo, introduzidas determinadas alterações para eliminar ambiguidades (26), adaptar essas disposições às especificidades do direito da família (27) e alargar o seu âmbito de aplicação (28).

33.      Tendo em conta estes elementos, considero possível aceitar como premissa que importa interpretar as disposições deste artigo num sentido conforme com a jurisprudência relativa às disposições da Convenção de Bruxelas e às do Regulamento Bruxelas I na medida em que sejam equivalentes (29), embora com algumas reservas decorrentes das finalidades próprias do Regulamento n.° 4/2009, que serão expostas infra (30).

34.      Para ser exaustivo, há que averiguar se será pertinente efetuar uma comparação com outros instrumentos, para além da referida convenção e do referido regulamento, que sejam igualmente aplicáveis no domínio da competência judiciária em matéria civil e, mais especificamente, em matéria de direito da família (31).

35.      Quanto à Convenção da Haia de 23 de novembro de 2007, sobre a Cobrança Internacional de Alimentos em benefício dos Filhos e de outros Membros da Família (32), o considerando 8 do Regulamento n.° 4/2009 estabelece que é necessário ter em conta aquele instrumento na aplicação deste regulamento (33). Esta convenção não contém regras de competência direta (34), mas os documentos preparatórios que estiveram na sua origem fornecem uma indicação útil para o caso em apreço, na medida em que especificam que as disposições que preveem a atribuição de competência em conexão com o local da residência ou do domicílio do credor «resulta[m] da vontade de proteger a parte (habitualmente) mais fraca (quer dizer, o credor), proporcionando‑lhe um foro no qual possa comodamente instaurar a sua ação, designadamente no local onde reside» (35).

36.      Quanto ao regulamento habitualmente designado «Bruxelas II bis» (36), é certo que as obrigações alimentares estão excluídas do seu âmbito de aplicação (37) devido à existência de disposições especiais constantes, à data da sua adoção, do Regulamento Bruxelas I e, atualmente, do Regulamento n.° 4/2009. Pode, todavia, observar‑se, a título de comparação, que as regras de competência estabelecidas naquele regulamento têm em comum o facto de designarem «os tribunais [de um] Estado‑Membro» (38), e não «o tribunal do local em que», como faz o artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009 (39).

2.      Quanto ao alcance da comparação com outros instrumentos

37.      Desde logo, esclareço que, ainda que a interpretação das regras de competência estabelecidas pelo Regulamento n.° 4/2009 deva, na minha opinião, ser efetuada à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às disposições correspondentes da Convenção de Bruxelas e do Regulamento Bruxelas I, a transposição dos princípios que resultam desta jurisprudência não pode ser efetuada de forma automática.

38.      De facto, tal interpretação por analogia está limitada pelo objeto específico do Regulamento n.° 4/2009, que tornou necessário efetuar adaptações às regras de competência que constam do Regulamento Bruxelas I (40), ainda que, contrariamente ao que foi possível observar em relação ao Regulamento Bruxelas II bis (41), o Regulamento n.° 4/2009 abrange não apenas matéria extrapatrimonial mas igualmente matéria patrimonial. Sublinho que o âmbito de aplicação deste instrumento híbrido foi concebido de forma mais abrangente que, nomeadamente, o do Regulamento Bruxelas I, tanto no aspeto material(42) como no aspeto geográfico (43).

39.      Na minha opinião, não há grandes dúvidas quanto à transposição para o caso em apreço do princípio, aplicado de forma constante pelo Tribunal de Justiça à interpretação das disposições da Convenção de Bruxelas e do Regulamento Bruxelas I (44), de acordo com o qual conceitos como os que são utilizados no Regulamento n.° 4/2009 devem ser objeto de uma definição autónoma, quer dizer, independente das aceções que prevalecem num ou noutro Estado‑Membro, de modo a garantir, tanto quanto possível, a igualdade e a uniformidade dos direitos e das obrigações que decorrem desse instrumento para os Estados‑Membros e para os interessados. A este respeito, o considerando 11 do Regulamento n.° 4/2009 especifica que o conceito de «obrigação alimentar» na aceção deste regulamento «deverá ser interpretado de forma autónoma» (45), o que consagra o método adotado pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa ao artigo 5.°, n.° 2, da Convenção de Bruxelas (46), que reconheceu também expressamente a autonomia do conceito de credor de alimentos (47). Assim, considero que, para responder às questões colocadas nos presentes processos, há que ter como referência o sistema e os objetivos do regulamento em causa (48).

40.      Além disso, ainda que o preâmbulo deste regulamento não o refira expressamente, parece‑me inegável que os objetivos gerais enunciados no considerando 15 do Regulamento Bruxelas I (49) constituem igualmente o fundamento das regras de competência previstas no Regulamento n.° 4/2009 (50). Contudo, são principalmente as finalidades específicas deste último, ou seja «preservar os interesses dos credores de alimentos» e «promover uma boa administração da justiça na União Europeia» (51), que devem guiar a interpretação do Tribunal de Justiça no caso em apreço. Não deve esquecer‑se que a preocupação de reforçar a proteção dos interesses legítimos de todos os credores de alimentos (52) foi, efetivamente, uma das principais razões pelas quais o legislador europeu decidiu excluir as obrigações alimentares do âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I, relativo às obrigações pecuniárias em geral, e adotar o instrumento específico que é o Regulamento n.° 4/2009 (53). De resto, as disposições deste regulamento revelam claramente a referida preocupação (54).

41.      Consequentemente, entendo que, no quadro dos presentes processos, há que ter em conta, tanto quanto possível, a jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça relativa à interpretação das disposições equivalentes da Convenção de Bruxelas e do Regulamento Bruxelas I, mas com as adaptações eventualmente exigidas pelas especificidades do Regulamento n.° 4/2009.

C –    Quanto à interpretação da expressão «[o] tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual» na aceção de artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009

42.      As questões prejudiciais submetidas, respetivamente, pelo Amtsgericht Düsseldorf e pelo Amtsgericht Karlsruhe são idênticas no essencial. Tendo em conta os esclarecimentos efetuados supra (55), deve considerar‑se que as questões visam determinar se o artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009 deve ser interpretado de forma autónoma (56), no sentido de que é admissível que a legislação de um Estado‑Membro como a que está em causa nos processos principais (57) preveja, no que respeita aos litígios transfronteiriços, uma concentração regional de competências num tribunal de primeira instância, que não coincide necessariamente com o tribunal do mesmo nível da circunscrição onde se situa a residência habitual do credor mas cuja competência territorial é determinada em função da sede do Tribunal de Recurso na qual se situa a residência habitual do credor.

43.      Nas suas observações, o Governo alemão e a Comissão propõem, de forma concordante, que o Tribunal de Justiça responda que o direito da União não se opõe a uma regra de competência como a que resulta da disposição alemã em causa. Em contrapartida, tanto no processo Sanders (C‑400/13) (58) como no processo Huber (C‑408/13) (59), os órgãos jurisdicionais de reenvio exprimiram uma opinião contrária.

44.      Esta última abordagem parece‑me a preferível , por razões relacionadas, simultaneamente, com a finalidade do artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009 (1), com a redação desta disposição e com a própria natureza do instrumento em que está integrada (2), bem como com o sistema no qual se insere (3). Todas estas considerações conduzem a uma tomada de posição que, na minha opinião, não pode ser validamente contrariada pelos argumentos que foram aduzidos em defesa da regra alemã em causa nos processos principais (4).

1.      Quanto à interpretação teleológica

45.      O Governo alemão e a Comissão reconhecem que o artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009 se destina a regular tanto a competência transfronteiriça dos tribunais dos Estados‑Membros como a competência territorial em cada Estado‑Membro (60).

46.      Como já referi (61), um dos principais objetivos do Regulamento n.° 4/2009, que encontra aplicação no seu artigo 3.°, é a proteção do credor de alimentos, que é considerado a parte mais vulnerável na relação originada por uma obrigação alimentar e no processo que daí pode resultar (62). Esta consideração é igualmente salientada pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa ao artigo 5.°, n.° 2, da Convenção de Bruxelas (63).

47.      A este respeito, os considerandos 5 e 9 do Regulamento n.° 4/2009 recordam que uma das finalidades da adoção deste regulamento foi a de simplificar, ainda mais do que a Convenção de Bruxelas e o Regulamento Bruxelas I permitiam, as vias de que os credores dispõem para a obtenção e a cobrança de uma pensão de alimentos, nomeadamente através da supressão do procedimento de exequatur para as decisões neste domínio, desde que estas sejam proferidas com respeito por determinadas garantias processuais mínimas previstas nesse regulamento (64).

48.      De acordo com o Governo alemão e a Comissão, a legislação alemã em causa nos processos principais não é contrária ao artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009 e, nomeadamente, à função de proteção do credor que reconhecem a essa disposição.

49.      Considero que tal é discutível, sobretudo tendo em conta o objetivo complementar visado por esta disposição, que é garantir a existência de uma proximidade entre o credor e o tribunal no qual é instaurada a ação. Este duplo objetivo, de proteção e de proximidade, estava já subjacente à regra de competência instituída pelo artigo 5.°, n.° 2, da Convenção de Bruxelas (65), ao qual o artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009 é claramente equivalente, e foi reforçado por este (66). De facto, de acordo com a exposição de motivos da proposta da Comissão para a adoção do referido regulamento, «[a]s regras de competência internacional do Regulamento Bruxelas I proporcionam já ao credor de alimentos a possibilidade de agir junto de uma autoridade próxima do seu local de residência, mas a situação pode ainda ser melhorada» (67). Tal consideração implica, em concreto, que se assegure que o credor possa instaurar uma ação sem demasiadas dificuldades materiais relacionadas com as deslocações, mas também que possa fazer valer os seus direitos no tribunal que esteja em melhores condições de conhecer as especificidades económicas locais, de modo a definir os recursos e as necessidades do credor e, correlativamente, a capacidade do devedor de alimentos para contribuir para a sua satisfação (68).

50.      Considero que o sistema harmonizado de regras de competência instituído pelo Regulamento n.° 4/2009 e as vantagens que daí resultam correm o risco de perder o seu efeito útil, nomeadamente na perspetiva da segurança jurídica, se o Tribunal de Justiça acolher, no caso em apreço, uma interpretação do artigo 3.°, alínea b), deste regulamento que permita aos Estados‑Membros reintroduzir, a nível nacional, regras de competência próprias para os litígios transfronteiriços, como a que está em causa nos processos principais, que reserva a competência para o tribunal de primeira instância da sede do tribunal de recurso regional em cuja circunscrição se situa a residência habitual do credor, mesmo quando esta residência não esteja situada na circunscrição daquele tribunal.

51.      Ora, em circunstâncias como as dos litígios nos processos principais, o credor reside, de facto, na circunscrição do tribunal de recurso regional em causa, mas não na circunscrição do tribunal de primeira instância ao qual a disposição alemã em causa atribui a competência territorial. De facto, não há qualquer dúvida de que, no caso em apreço, o Amtsgericht Mettmann e o Amtsgericht Kehl são os tribunais dos locais em que os credores de alimentos em causa têm, respetivamente, a sua residência habitual. Por outras palavras, o § 28, n.° 1, primeiro período, da AUG não se limita a fornecer uma definição nacional do conceito de «tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual», na aceção do artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009, antes constitui uma disposição que procede à repartição das competências dos tribunais de primeira instância em função da localização da referida residência na circunscrição de tribunais de recurso, que, por sua vez, não são competentes para deliberar em primeira instância sobre um litígio relativo a uma obrigação alimentar.

52.      Outro objetivo, mais geral, do sistema harmonizado previsto pelo Regulamento n.° 4/2009, à semelhança do que foi instituído pela Convenção de Bruxelas e depois pelo Regulamento Bruxelas I, é evitar, tanto quanto possível, a remissão para regras de competência do direito nacional (69). Tal como foi salientado nos relatórios relativos à Convenção de Bruxelas, as regras de competência especiais que esta contém visam permitir que a competência dos tribunais dos Estados em causa possa ser definida sem terem de se referir à lei do foro (70). Esta rejeição das regras nacionais ou exorbitantes facilita depois o reconhecimento das decisões em todos os Estados‑Membros, o que constitui a pedra angular do sistema europeu de cooperação judiciária em matéria civil. Ora, entre estas regras de competências especiais está o artigo 5.°, n.° 2, daquela convenção, que é aplicável em matéria de obrigações alimentares, do qual deriva o artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009.

53.      Tal exclusão das regras de competência estabelecidas pelo direito nacional é confirmada pela redação do artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009, sobretudo se este for cotejado com a formulação de outras disposições próximas.

2.      Quanto à interpretação literal

54.      Em primeiro lugar, devo sublinhar que me parece pouco razoável considerar, como sugere o Governo alemão, que, se a orientação preconizada pelos órgãos jurisdicionais de reenvio fosse seguida, tal conduziria a que a expressão «local em que», constante do artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009, fosse interpretada literalmente, o que permitiria que o credor propusesse uma ação na própria cidade onde reside e tornaria assim necessário que houvesse um tribunal disponível «em cada ponto geográfico imaginável ou em cada município do Estado‑Membro».

55.      É inegavelmente prática comum que a organização judiciária dos Estados‑Membros assenta no princípio de que todos os tribunais têm uma circunscrição geográfica que corresponde a uma parte do território nacional na qual exercem as suas atribuições, a qual pode englobar não apenas uma mas várias localidades, cidades ou municípios (71).

56.      Na minha opinião, a referida expressão deve antes ser entendida como significando simplesmente que a regra de competência em causa designa o tribunal em cuja circunscrição se situa a residência habitual do credor, sem que seja útil, ou sequer desejável, qualquer medida de aplicação no direito nacional (72).

57.      A este respeito, recordo que, em conformidade com o artigo 288.° TFUE, um regulamento do direito da União tem caráter geral e é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros (73). De acordo com a jurisprudência clássica, qualquer medida nacional que vise incorporar ou transpor as disposições de um regulamento para o direito interno é proibida, por falta de competência legislativa dos Estados‑Membros. Apenas se o próprio regulamento remeter para disposições de direito nacional que o apliquem, ou se, para assegurar a sua aplicação, for necessário adotar disposições mais pormenorizadas a nível nacional, é que os Estados‑Membros devem completá‑lo através de medidas nacionais (74). Na minha opinião, o § 28, n.° 1, primeiro período, da AUG vai além do que é permitido ao legislador nacional, uma vez que a regra de competência prevista no artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009, que é diretamente aplicável, não necessita de qualquer concretização específica a nível nacional.

58.      De facto, a formulação do artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009 é específica na medida em que, ao visar «o tribunal do local em que», estabelece uma regra de competência especial que permite identificar diretamente um órgão jurisdicional, sem desvios pelo direito interno dos Estados‑Membros (75). Como a Comissão reconhece, esta disposição difere das que se referem não a um único tribunal mas, pelo contrário, a todos os tribunais de um Estado‑Membro, tais como o artigo 6.° desse regulamento (76) ou o artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I (77). Acresce que os autores do Regulamento n.° 4/2009 optaram, no artigo 3.°, alíneas a) e b), por uma expressão, «do local em que», que é manifestamente diferente da expressão «do Estado‑Membro» no qual uma das partes tenha a sua residência habitual, que foi utilizada, por exemplo, no artigo 4.°, alínea a).

59.      Na minha opinião, a especificidade desta formulação deve conduzir a que se exclua a transposição, no caso em apreço, da posição adotada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Apostolides (78), de acordo com a qual a determinação dos tribunais competentes na aceção do artigo 22.° do Regulamento Bruxelas I não limita a faculdade de cada Estado‑Membro de estabelecer a sua própria organização judiciária e de repartir as competências judiciárias no seu território (79). De facto, o n.° 1 do referido artigo 22.°, que foi interpretado nesse acórdão, faz referência aos «tribunais do Estado‑Membro onde o imóvel se encontre situado», enquanto que o artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009 visa «[o] tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual» (itálico nosso). A diferença de terminologias permite, na minha opinião, uma interpretação distinta, e mesmo oposta, destas duas disposições.

60.      Apesar da sua especificidade, a redação do artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009 não é, no entanto, inovadora, uma vez que é possível encontrar uma fórmula equivalente em várias disposições da Convenção de Bruxelas e do Regulamento Bruxelas I (80), em relação às quais o Tribunal de Justiça, tanto quanto é do meu conhecimento, nunca considerou que os Estados‑Membros tivessem a faculdade de alterar o alcance por meio de regras de competência previstas no direito nacional (81). Por isso, na minha opinião, tal não deve ser admitido nos presentes processos.

3.      Quanto à interpretação sistemática

61.      Em conformidade com a abordagem acolhida pelo Tribunal de Justiça a respeito, nomeadamente, de outros instrumentos relativos à cooperação judiciária em matéria civil (82), a interpretação do artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009 deve ser efetuada tendo em conta as disposições que com ele coexistem neste regulamento, uma vez que a regra de competência que enuncia não está isolada, fazendo parte de um conjunto de normas que são complementares umas das outras.

62.      Antes de mais, pode observar‑se que o artigo 3.° deste regulamento enuncia quatro critérios de atribuição de competência que são aplicáveis de forma alternativa, sem hierarquia, contrariamente à articulação entre a regra de competência geral e as regras de competência especiais que constam tanto da Convenção de Bruxelas como do Regulamento Bruxelas I (83). Além disso, a opção que é dada a escolher ao requerente em especial pelas alíneas a) e b) do referido artigo 3.° afigura‑se mais neutra do que nos outros dois instrumentos, uma vez que é indiferente que seja o credor ou o devedor de alimentos a exercer essa opção, ainda que, na prática, este seja menos beneficiado pelo Regulamento n.° 4/2009 do que o credor (84).

63.      A estrutura específica do artigo 3.° do Regulamento n.° 4/2009 é, na minha opinião, bastante instrutiva para responder às questões colocadas nos presentes processos. A este respeito, há que salientar que as alíneas a) e b) deste artigo regulam as situações em que o pedido relativo a uma obrigação alimentar é deduzido a título principal. Em contrapartida, as alíneas c) e d) do mesmo artigo aplicam‑se nos casos em que tal pedido não é isolado mas «acessório» de outra ação relativa, respetivamente, ao estado das pessoas ou à responsabilidade parental. Ora, apenas nestes casos está expressamente prevista uma remissão para a lei do foro para determinar o tribunal competente (85). A contrario, nas referidas alíneas a) e b) não foi deixado, quanto a mim deliberadamente, qualquer espaço para as regras nacionais.

64.      Esta posição é reforçada quando comparada com outras disposições previstas no Regulamento n.° 4/2009. Em especial, o artigo 71.°, n.° 1, prevê que os Estados‑Membros comuniquem informações relativas, nomeadamente, aos nomes dos tribunais competentes para deliberar sobre pedidos de declaração de força executória, nos termos do artigo 27.°, n.° 1, do mesmo regulamento (86). Foi apenas a este título que a República Federal da Alemanha, tal como os outros Estados‑Membros, pôde decidir que, no que respeita ao seu território, «[as] decisões sobre [tais] pedidos […] são proferidas pelo juízo de família do tribunal da localidade [Amtsgericht]em que se encontre um tribunal regional superior (Oberlandsgericht), em cuj[a circunscrição] resida habitualmente o requerido ou seja requerida a execução (concentração da jurisdição) […]» (87). Em contrapartida, o artigo 3.°, alínea b), do referido regulamento não admite semelhante possibilidade.

65.      Resulta desta análise feita na perspetiva da economia geral do regulamento em causa que, pela forma como formulou esta última disposição, o legislador da União limitou, voluntariamente, a liberdade dos Estados‑Membros quanto à determinação dos tribunais nacionais competentes em matéria de obrigações alimentares.

4.      Quanto às justificações relativas à concentração das competências

66.      Para defender a regra alemã aqui posta em causa, o Governo alemão e a Comissão desenvolvem uma argumentação que, na minha opinião, não é convincente.

67.      Segundo afirmam, e de acordo com os elementos constantes dos autos, o legislador alemão terá considerado que a concentração das competências prevista no § 28 da AUG em matéria de obrigações alimentares internacionais teria um impacto positivo na organização da justiça, uma vez que permitiria ter um tribunal especializado, e, consequentemente, dotado de uma experiência maior neste tipo de contencioso, em cada região do território alemão.

68.      No processo Huber (C‑408/13), o órgão jurisdicional de reenvio refere que, na sua opinião, o § 28, n.° 1, da AUG comporta, no essencial, uma regulamentação da competência ratione loci, ainda que o legislador alemão tenha associado esta disposição à organização e à simplificação do processo judicial. Assim, a coberto de tais vantagens processuais, de que aquele órgão jurisdicional, aliás, duvida (88), a legislação em causa poderia afetar as regras de competência transfronteiriça previstas pelo direito da União.

69.      É verdade que o facto de facilitar a boa administração da justiça, nomeadamente através da concentração dos processos mais complexos num mesmo tribunal, corresponde a uma das finalidades do Regulamento n.° 4/2009 mencionadas no seu considerando 15. Contudo, este objetivo deve ser entendido não apenas no sentido de uma organização judiciária o mais racionalizada possível, mas igualmente na perspetiva do interesse das partes, seja do requerente, seja do requerido, em beneficiar, nomeadamente, de um acesso mais fácil à justiça e da previsibilidade das regras de competência, graças a uma conexão estreita entre o tribunal e o litígio (89).

70.      A este respeito, poderiam ser invocados determinados acórdãos do Tribunal de Justiça relativos a normas de regulação das competências internas adotadas por um Estado‑Membro, mas tenho sérias dúvidas quanto à possibilidade de transpor essa jurisprudência para o presente domínio da cooperação judiciária civil entre os Estados‑Membros.

71.      O Tribunal de Justiça decidiu já que, na falta de regulamentação do direito da União no domínio em causa, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro definir o número de instâncias jurisdicionais ou regular as modalidades processuais e designar os tribunais competentes para julgar as ações internas, esclarecendo que tais regras, que prosseguem o interesse geral da boa administração da justiça, devem prevalecer sobre os interesses privados, desde que, contudo, os princípios da equivalência e da efetividade sejam respeitados (90).

72.      Por força destes princípios, a adoção, por um Estado‑Membro, de tais regras processuais ou de competência só é admissível na medida em que, por um lado, as ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União não sejam exercidas em condições menos favoráveis do que as previstas para as ações destinadas a proteger os direitos que resultam da regulamentação interna e, por outro lado, essas regras não causem aos particulares inconvenientes processuais que tornem excessivamente difícil o exercício dos direitos decorrentes do direito da União (91).

73.      Contudo, considero que essa jurisprudência relativa à autonomia processual dos Estados‑Membros não é pertinente no caso em apreço, tendo em conta as diferenças notórias que existem entre o contexto no qual os acórdãos em causa se inserem e o dos presentes processos. De facto, no caso em apreço, não é pedido ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre disposições processuais de direito interno de um único Estado‑Membro, mas sobre a interpretação de regras de competência que foram uniformizadas entre todos os Estados‑Membros no âmbito da cooperação judiciária em matéria civil (92). Acresce que não se trata aqui da proteção judiciária, a nível nacional, do exercício de direitos materiais conferidos pelo direito da União.

74.      Em todo o caso, na hipótese de esta jurisprudência ser, todavia, transposta para os litígios nos processos principais, a justificação relativa ao objetivo da boa administração da justiça está limitada pelas condições estabelecidas pelo Tribunal de Justiça, que enquadram a intervenção dos Estados‑Membros em matéria de processo judicial, ou seja, nomeadamente, a de não tornar menos favorável o exercício, pelos particulares, das prerrogativas que para eles decorrem do direito da União. Ora, no caso em apreço, creio que a regulamentação alemã tem como efeito, no que respeita a obrigações alimentares transfronteiriças, retirar atribuições ao tribunal que é normalmente competente em função do local de residência habitual dos credores, ou seja, com base numa conexão estreita entre o foro e o litígio, enquanto que esta competência permanece intacta para conhecer de pedidos idênticos mas desprovidos de elementos de extraneidade.

75.      Consequentemente, considero que a expressão «[o] tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual» deve ser interpretada no sentido de que, nos termos do artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009, é competente o tribunal em cuja circunscrição se situa a residência habitual do credor de alimentos em causa. Daqui resulta que a regulamentação de um Estado‑Membro como a que está em causa nos processos principais não é compatível com estas disposições, na medida em que pode conduzir, nas situações transfronteiriças, a uma transferência de competência territorial para um tribunal de primeira instância diferente daquele em que, em princípio, o interessado deve instaurar a ação em função do local da sua residência.

V –    Conclusão

76.      Tendo em conta as considerações que antecedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais apresentadas, respetivamente, pelo Amtsgericht Düsseldorf (processo C‑400/13) e pelo Amtsgericht Karlsruhe (processo C‑408/13) da seguinte forma:

«O artigo 3.°, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, deve ser interpretado no sentido de que a expressão ‘[o] tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual’ significa que é territorialmente competente o tribunal em cuja circunscrição o interessado reside habitualmente, pelo que não é compatível com a referida disposição a legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa nos processos principais, que, no caso de litígios transfronteiriços, reserva a competência exclusiva para o tribunal de primeira instância da sede do tribunal de recurso regional em cuja circunscrição se situa a residência habitual da parte domiciliada nesse Estado‑Membro.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      JO 2009 L 7, p. 1, e retificações, JO 2011, L 311, p. 26 e JO 2013, L 8, p. 19.


3 —      Tendo em conta os considerandos 46 a 48 do Regulamento n.° 4/2009, há que especificar que a Irlanda (v. o referido considerando 46), o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte [v. Decisão 2009/451/CE da Comissão, de 8 de junho 2009, relativa à intenção do Reino Unido de aceitar o Regulamento (CE) n.° 4/2009 (JO L 149, p. 73)], bem como o Reino da Dinamarca [Acordo entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (v., JO 2009 L 149, p. 80)] notificaram a sua decisão de o aplicar.


4 —      V. artigo 76.° do referido regulamento, completado por uma declaração da Comunidade Europeia a este respeito (declaração disponível no endereço de Internet http://www.hcch.net/index_fr.php?act=status.comment&csid=1065&disp=type).


5 —      No processo Nagy (C‑442/13), o Oberster Gerichtshof (Áustria) apresentou ao Tribunal de Justiça um pedido de interpretação do artigo 12.° do Regulamento n.° 4/2009, relativo à litispendência, mas o processo foi cancelado no registo em 18 de junho de 2014, na sequência da retirada do referido pedido.


6 —      JO 1972, L 299, p. 32.


7 —      JO 2001, L 12, p. 1.


8 —      V., nomeadamente, acórdão Refcomp (C‑543/10, EU:C:2013:62, n.° 18).


9 —      BGBl. 2011 I, p. 898.


10 —      Contrariamente ao que poderia fazer no quadro do processo previsto no artigo 258.° TFUE. V., nomeadamente, acórdãos Stadt Papenburg (C‑226/08, EU:C:2010:10, n.° 23), Varzim Sol (C‑25/11, EU:C:2012:94, n.° 27), bem como Križan e o. (C‑416/10, EU:C:2013:8, n.° 58).


11 —      Acórdãos Rhône‑Alpes Huiles e o. (295/82, EU:C:1984:48, n.° 12), Sodiprem e o. (C‑37/96 e C‑38/96, EU:C:1998:179, n.° 22), e ASM Brescia (C‑347/06, EU:C:2008:416, n.os 25 e 26).


12 —      V., nomeadamente, acórdãos Banchero (C‑387/93, EU:C:1995:439, n.os 18 e segs.), e Mangold (C‑144/04, EU:C:2005:709, n.os 36 e segs.).


13 —      A este respeito, ver n.os 61 e segs. das presentes conclusões.


14 —      De facto, a expressão «o tribunal do local em que […] tem a sua residência habitual» tanto consta da alínea a) como da alínea b) do artigo em causa.


15 —      E não como pedido acessório de uma outra ação judicial, sendo estas situações reguladas pelas alíneas c) e d) do mesmo artigo.


16 —      Os referidos artigos 4.° e 5.° dizem respeito à competência baseada, respetivamente, numa convenção de eleição do foro e na comparência voluntária do requerido. Em contrapartida, no processo Sanders (C‑400/13), o Amtsgericht Düsseldorf não faz qualquer referência a este aspeto, esclarecendo que o n.° 3 do artigo 4.° prevê que este artigo não é aplicável aos litígios relativos a uma obrigação alimentar respeitante a menores de 18 anos, o que é o caso neste processo.


17 —      V., nomeadamente, acórdãos Affish (C‑183/95, EU:C:1997:373, n.° 24), bem como Kaba (C‑466/00, EU:C:2003:127, n.° 41).


18 —      Para justificar a «[n]ecessidade do reenvio prejudicial» o órgão jurisdicional de reenvio refere, por um lado, que «a questão da compatibilidade do § 28 n.° 1, primeiro período, da AUG com o artigo 3.°, alíneas a) e b), do Regulamento [n.° 4/2009] é decisiva para a solução do litígio. A competência territorial do Amtsgericht Kehl ou do Amtsgericht Karlsruhe depende da resposta a essa questão» e, por outro, que as dúvidas das partes que solicitaram o reenvio prejudicial dizem respeito apenas a essa questão.


19 —      Alterada pela Convenção de 9 de outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte.


20 —      A redação do artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009 difere apenas na medida em que aí já não consta a ligação alternativa ao domicílio do credor (quanto às razões desta alteração, ver nota 27 das presentes conclusões) e, na versão em língua francesa, na medida em que o conceito de «tribunal» foi substituído pelo conceito mais genérico de «juridiction» (v., também, nomeadamente, as versões em língua italiana e romena).


21 —      Este regulamento substituiu a Convenção de Bruxelas e foi, ele próprio, alterado pelo Regulamento (UE) n.° 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO L 351, p. 1), cujo considerando 10 e o artigo 1, n.° 2, alínea e), retiram as consequências da adoção de um instrumento específico, que é o Regulamento n.° 4/2009.


22 —      V., nomeadamente, considerandos 3, 15 e 44.


23 —      V., considerando 10 e n.° 1.2.1 da exposição de motivos da Proposta de Regulamento do Conselho relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, apresentada pela Comissão em 15 de dezembro de 2005 [COM(2005) 649 final].


24 —      Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu de 12 de maio de 2006 [COM(2006) 206 final].


25 —      Durante os trabalhos preparatórios do Regulamento n.° 4/2009 foram rejeitadas variações ao artigo 3.° mas, no que respeita às alíneas a) e b), a versão inicial foi adotada sem alterações, esclarecendo‑se que não foi acolhido o parecer do Comité Económico e Social Europeu, que visava inverter a ordem das referidas alíneas a) e b) para que o local da residência habitual do credor passasse a ser o primeiro critério de competência (JO 2006 C 185, p. 35, especialmente n.° 4.1).


26 —      A referida comunicação sublinha a introdução de uma «precisão importante na alínea d)».


27 —      Sabendo que o Regulamento Bruxelas I se aplicava quer em matéria civil quer em matéria comercial, a comunicação indica, quanto ao referido artigo 3.°, que «o [futuro] regulamento [n.° 4/2009] deixa de utilizar a noção de domicílio, passando a fazer referência unicamente à de residência habitual; este conceito está com efeito melhor adaptado aos instrumentos aplicáveis em matéria de direito da família».


28 —      Esta comunicação especifica que as regras de competência previstas no referido artigo 3.° são aplicáveis «independentemente do local de residência habitual do requerido».


29 —      Ver, neste sentido, Béraudo, J.‑P., «Fascicule 3022», JurisClasseur Europe Traité, LexisNexis, Paris, 2012, n.° 9; Gascón Inchausti, F., «Le recouvrement des aliments en Europe», La justice civile européenne en marche, direção de Douchy‑Oudot, Dalloz, Paris, 2012, p. 147 e segs.; bem como Devers, A., «Les praticiens et le droit international privé européen de la famille», Europe, 2013, n.° 11, Estudo 9, n.os 9 e 19.


30 —      V., n.os 37 e segs. das presentes conclusões.


31 —      Sabendo que o Regulamento n.° 4/2009 incide sobre esta matéria, ainda que contenha também um aspeto financeiro [V., considerando 11 e artigo 1.° do referido regulamento, bem como n.° 3.1 da Proposta de regulamento COM(2005) 649 final].


32 —      O texto desta convenção e o relatório explicativo da mesma, elaborado por Borrás, A. e Degeling, J., estão disponíveis no seguinte endereço Internet: http://www.hcch.net/index_fr.php?act=conventions.text&cid=131. A própria União assinou e aprovou a referida convenção, sendo especificado que os Estados‑Membros estão vinculados por força da sua aprovação [v., Decisão 2011/220/UE do Conselho de 31 de março de 2011 (JO L 93, p. 9) e Decisão 2011/432/UE do Conselho de 9 de junho de 2011 (JO L 192, p. 39), especialmente considerando 4 desta decisão].


33 —      V., igualmente, considerando 17 e artigo 8.° do Regulamento n.° 4/2009, sabendo que os trabalhos preparatórios deste foram desenvolvidos paralelamente à negociação da referida convenção, com a preocupação de uma «procura das sinergias possíveis» entre estes dois quadros legislativos [v. n.° 1.1.2 da exposição de motivos da proposta de regulamento COM(2005) 649 final].


34 —      Por falta de consenso na sequência da discussão a que alude o relatório explicativo referido na nota 32 das presentes conclusões (v. p. 58 a 62).


35 —      V. p. 44 e segs. do relatório elaborado por Duncan, W. «Vers un nouvel instrument mondial sur le recouvrement international des aliments envers les enfants et d’autres membres de la famille», documento preliminar n.° 3, de abril de 2003 (http://www.hcch.net/index_fr.php?act=publications.details&pid=4108&dtid=35), que se refere, a este respeito, ao artigo 5.°, n.° 2, da Convenção de Bruxelas.


36 —      Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (JO L 338, p. 1, a seguir «Regulamento Bruxelas II bis»).


37 —      V. considerando 11 e artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento Bruxelas II bis.


38 —      V. artigos 3.° e 9.° a 13.° do Regulamento Bruxelas II bis.


39 —      A especificidade desta última formulação e as suas implicações exigem um maior desenvolvimento (v. n.os 54 e segs. das presentes conclusões).


40 —      V., considerando 15 do Regulamento n.° 4/2009 e n.° 32 das presentes conclusões.


41 —      V., conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo que deu origem ao acórdão A (C‑523/07, EU:C:2009:39, n.os 63 e 64), conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo que deu origem ao acórdão Purrucker (C‑256/09, EU:C:2010:296, n.° 126), e a minha tomada de posição no processo que deu origem ao acórdão Purrucker (C‑296/10, EU:C:2010:578, n.° 95).


42 —      Em especial, o conceito de «tribunal» na aceção do Regulamento n.° 4/2009 inclui as «autoridades administrativas dos Estados‑Membros competentes em matéria de obrigações alimentares», desde que estas ofereçam determinadas garantias (v. considerando 12 e artigo 2.°, n.° 2, deste regulamento).


43 —      O Regulamento n.° 4/2009 estabelece regras de competência que abrangem os litígios não circunscritos aos territórios dos Estados‑Membros, por exemplo, quando o requerido tenha a sua residência habitual num Estado terceiro, como no processo Huber (C‑408/13) (v., nomeadamente, considerando 15). Contudo, apesar desta vocação universal, regula apenas a competência dos tribunais dos Estados‑Membros.


44 —      V., nomeadamente, as conclusões que apresentei no processo que deu origem ao acórdão Weber (C‑438/12, EU:C:2014:43, nota 48) e acórdão Weber (C‑438/12, EU:C:2014:212, n.° 40).


45 —      De igual modo, o considerando 11 do Regulamento Bruxelas I especifica que «[n]o respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição» (itálico nosso).


46 —      V. acórdãos de Cavel (120/79, EU:C:1980:70, n.os 6 e segs.), bem como van den Boogaard (C‑220/95, EU:C:1997:91, n.os 22 e segs.).


47 —      V. acórdãos Farrell (C‑295/95, EU:C:1997:168, n.os 12 e segs.), bem como Blijdenstein (C‑433/01, EU:C:2004:21, n.os 24 e segs.).


48 —      Sobre o Regulamento Bruxelas I, v., nomeadamente, acórdãos Cartier parfums‑lunettes e Axa Corporate Solutions assurances (C‑1/13, EU:C:2014:109, n.° 32), bem como Coty Germany (C‑360/12, EU:C:2014:1318, n.° 43).


49 —      De acordo com o considerando 15 do regulamento Bruxelas I, «[o] funcionamento harmonioso da justiça a nível comunitário obriga a minimizar a possibilidade de instaurar processos concorrentes e a evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis em dois Estados‑Membros competentes». Este princípio é recordado no considerando 21 do Regulamento n.° 1215/2012 que reformula o referido regulamento.


50 —      V., igualmente, quanto à execução e ao reconhecimento das decisões, os artigos 21.°, n.° 2, e 24.°, alínea c), do Regulamento n.° 4/2009.


51 —      V., considerando 15 do Regulamento n.° 4/2009.


52 —      Todos os tipos de credores de alimentos são abrangidos, seja qual for a posição que ocupam nas relações familiares ou outras previstas no artigo 1.°, n.° 1, do referido regulamento, ainda que, na prática, as disposições deste constituam sobretudo uma medida destinada a proteger os menores, tendo em conta que a maioria dos pedidos de pensões de alimentos lhes diz respeito [v., por analogia, Proposta de decisão do Conselho relativa à conclusão, pela Comunidade Europeia, do Protocolo sobre a lei aplicável às obrigações alimentares COM(2009) 81 final, n.° 1].


53 —      V., nomeadamente, n.° 1.2 da proposta de regulamento COM(2005) 649 final.


54 —      V., nomeadamente, considerandos 5, 9, 11, 15, 17, 26 e 27, bem como artigo 8.°


55 —      N.os 19 e segs. das presentes conclusões.


56 —      Pelas razões referidas no n.° 39 das presentes conclusões.


57 —      Recordo que o § 28, n.° 1, da AUG prevê que, quando uma das partes no processo — seja o credor de alimentos ou o requerido — resida no estrangeiro, o tribunal que tem competência exclusiva para decidir o processo é o Amtsgericht da sede do Oberlandesgericht com jurisdição sobre o local da residência habitual da parte domiciliada na Alemanha, em detrimento, se for o caso, do Amtsgericht a que o interessado devia, em princípio, recorrer em função desse local da residência.


58 —      O Amtsgericht Düsseldorf alega que a concentração de competências prevista no § 28, n.° 1, da AUG teria como consequência privar os requerentes que residem na Alemanha da vantagem que o artigo 3.° do Regulamento n.° 4/2009 lhes proporciona, a qual consiste em poderem instaurar a ação no tribunal competente do local da sua residência habitual. Além disso, rejeita o entendimento, defendido por uma parte da doutrina e da jurisprudência alemãs, de que aquela disposição da AUG constitui uma simples medida interna de organização judiciária.


59 —      De acordo com o Amtsgericht Karlsruhe, o artigo 3.°, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 4/2009 regula tanto a competência internacional como a competência local de um tribunal para decidir um litígio transfronteiriço abrangido por esse regulamento. Por força do princípio do primado do direito da União, os Estados‑Membros estão proibidos de adotar regras de competência contrárias, como acontece neste caso, que conduzam a que o credor de alimentos perca a faculdade de instaurar a ação no seu «foro normal», ou seja, o da cidade onde reside habitualmente.


60 —      O Governo alemão sustenta, contudo, que esta disposição não indica, diretamente e em concreto, qual o tribunal competente para decidir e a sua redação deixa uma margem de apreciação aos Estados‑Membros para estabelecer qual a circunscrição do tribunal pertinente em função do local da residência habitual do credor.


61 —      V. n.° 40 das presentes conclusões.


62 —      Ainda que o referido regulamento pretenda igualmente assegurar um equilíbrio entre os direitos dos credores de alimentos e os dos devedores, aos quais é garantido, nomeadamente, o direito a um processo equitativo [v., n.° 1.2.3 da proposta de regulamento COM(2005) 649 final].


63 —      O acórdão Farrell (EU:C:1997:168, n.° 19) dispõe que «a derrogação prevista no artigo 5.°, n.° 2, tem por objetivo permitir ao requerente de alimentos, que é considerado como a parte mais fraca neste tipo de processos, uma base alternativa de competências. Ao proceder assim, os autores da convenção consideraram que essa finalidade específica primava sobre a finalidade visada pela regra do artigo 2.°, primeiro parágrafo, que é a de proteger o demandado, enquanto parte geralmente mais fraca, visto que é este que sofre a ação do demandante» (itálico nosso). Este critério da «situação de inferioridade» foi retomado no acórdão Blijdenstein (EU:C:2004:21, n.os 29 e segs.).


64 —      V. artigos 22.° a 25.° do Regulamento n.° 4/2009.


65 —      V. relatório de Jenard, P., sobre a referida convenção (JO 1979, C 59, p. 1, especialmente p. 22 e 24 e segs., a seguir «relatório Jenard»), bem como n.° 104 do documento preliminar relativo à convenção da Haia de 2007, referido na nota 35 das presentes conclusões.


66 —      Gallant, E., «Le nouveau droit international privé alimentaire de l’Union: du sur‑mesure pour les plaideurs», Europe, 2012, n.° 2, estudo 2, n.os 3 e segs.


67 —      V. n.° 1.2.1 da proposta de regulamento COM(2005) 649 final (itálico nosso).


68 —      Entretanto, a Comissão admite que a atribuição da competência territorial efetuada pelo artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009 «visa essencialmente proteger as partes especialmente vulneráveis assegurando‑lhes o acesso a uma tutela judicial efetiva» e parte do princípio de que «o tribunal local, pela sua proximidade com os factos, está mais bem colocado para apreciar de forma adequada o objeto do litígio».


69 —      O considerando 15 do Regulamento n.° 4/2009 refere mesmo que deve «deixar de ser feita doravante qualquer remissão para o direito nacional».


70 —      O relatório de Schlosser, P., sobre a Convenção de 9 de outubro de 1978, relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte à Convenção de Bruxelas, bem como ao Protocolo relativo à sua interpretação pelo Tribunal de Justiça (JO 1979 C 59, p. 71 e segs., especialmente n.° 70), esclarece que, nas referidas regras, «quando a Convenção [de Bruxelas] determina não só a competência internacional mas também a competência territorial dos tribunais, como, por exemplo, nos artigos 5.° e 6.°, só um tribunal determinado, entre os inúmeros tribunais de idêntica natureza de um Estado, é declarado competente». V., igualmente, p. 22 do relatório Jenard, já referido.


71 —      Sendo que a circunscrição de um tribunal é normalmente definida por referência às divisões ou às subdivisões das entidades administrativas territoriais.


72 —      É possível que a circunscrição de um tribunal varie em função da natureza dos litígios. Assim, determinados domínios, tais como o direito marítimo ou a propriedade industrial, podem ser excluídos da competência dos pequenos tribunais em benefício da competência de um tribunal de maior envergadura. Este tipo de repartição de competências materiais, da qual resulta uma concentração de competências territoriais é, contudo, totalmente distinto da situação em causa, na medida em que a disposição alemã em questão reparte a competência territorial no que respeita a litígios que têm um objeto semelhante, ou seja, os relativos às obrigações alimentares, de forma diferente consoante se verifiquem ou não elementos de extraneidade.


73 —      O facto de as regras de competência transfronteiriças aplicáveis nos Estados‑Membros em matéria de obrigações alimentares terem sido transpostas de um instrumento intergovernamental, como a Convenção de Bruxelas, para um instrumento do direito da União, como o Regulamento Bruxelas I ou o Regulamento n.° 4/2009, não alterou radicalmente o seu conteúdo, mas a natureza jurídica das disposições em causa tornou‑se fundamentalmente diferente a nível nacional.


74 —      V., nomeadamente, acórdãos Norddeutsches Vieh‑ und Fleischkontor (39/70, EU:C:1971:16, n.° 4), Comissão/Itália (39/72, EU:C:1973:13, n.os 3 e segs.), bem como Variola (34/73, EU:C:1973:101, n.° 3).


75 —      V., nomeadamente, Nord, N., «Présentation du réglement ‘obligations alimentaires’», AJ Famille, 2011, p. 238; Ferrand, F., «The Council Regulation (EC) n.° 4/2009 […]», Latest Developments in EU Private International Law, direção de Campunzano Díaz, B., e o., Intersentia, Cambridge, 2011, p. 92, bem como Fongaro, E., «Obligations alimentaires», Répertoire de direito communautaire, Dalloz, Paris, 2013, n.° 19.


76 —      O referido artigo 6.° designa, a título de «competência subsidiária», «os tribunais do Estado‑Membro da nacionalidade comum das Partes» (itálico nosso).


77 —      Quanto ao artigo 2.° da Convenção de Bruxelas, o relatório Jenard, já referido, esclarece que «[o] requerido domiciliado num Estado contratante não deve necessariamente ser demandado no tribunal do lugar onde tem o seu domicílio ou a sua sede. Pode sê‑lo em todos os tribunais do Estado onde tem o seu domicílio e que sejam competentes segundo a lei desse Estado, […] sendo que a Convenção decide a competência geral dos tribunais do Estado desse juiz e a lei desse Estado, por sua vez, decide a competência especial de um ou outro tribunal do referido Estado» (v. p. 18). A análise deve ser invertida por aplicação de uma regra de competência de caráter especial como a que consta do artigo 3.°, alínea b), do Regulamento n.° 4/2009.


78 —      (C‑420/07, EU:C:2009:271, n.os 48 e 50).


79 —      A este respeito, o Tribunal de Justiça salientou que o referido artigo 22.°, que «contém uma lista imperativa e taxativa da competência jurisdicional internacional exclusiva dos Estados‑Membros», «apenas designa o Estado‑Membro cujos tribunais são competentes, ratione materiae» (n.° 48 do mesmo acórdão).


80 —      No Regulamento Bruxelas I, além do artigo 5.°, n.° 2, relativo às obrigações alimentares, várias outras disposições referem «o tribunal do local em que». V., nomeadamente, artigo 5.°, n.° 1, alínea a), em matéria contratual; artigo 5.°, n.° 3, em matéria extracontratual; artigos 9.°, n.° 1, alínea b), e 10.°, em matéria de seguros, bem como artigo 19.°, n.os 1 e 2, em matéria de contratos individuais de trabalho. V., igualmente, acórdão Color Drack (C‑386/05, EU:C:2007:262, n.° 30).


81 —      O relatório Jenard esclarece que a inserção de regras de competência especiais na Convenção de Bruxelas, tal como a regra aplicável em matéria de obrigações alimentares, permitia «designar diretamente o tribunal competente sem ter como referência as regras de competência vigentes no Estado onde esse tribunal pudesse estar situado» e «facilitar a execução da Convenção», evitando que os Estados que a ratificavam tomassem medidas para adaptar a sua legislação interna aos critérios dessa Convenção (v. p. 22).


82 —      V., nomeadamente, a jurisprudência referida na nota 48 das presentes conclusões.


83 —      De facto, os artigos 2.°, respetivamente, da Convenção de Bruxelas e do Regulamento Bruxelas I enunciam o princípio da competência dos tribunais do domicílio do requerido, enquanto que os artigos 5.°, n.° 2, respetivamente destes dois instrumentos preveem regras de competências derrogatórias em matéria de obrigações alimentares.


84 —      Com efeito, se o devedor for requerente, só pode instaurar a ação no tribunal do local em que o requerido‑credor tem a sua residência habitual, uma vez que os critérios de atribuição de competência previstos nas referidas alíneas se confundem nesta situação, que é estatisticamente mais rara. Quanto à desigualdade entre credores e devedores, v., Ancel, B., e Muir Watt, H., «Aliments sans frontières ‑ Le règlement CE n.° 4/2009 […]», Revue critique de droit international privé, 2010, p. 457 e segs., especialmente n.° 9.


85 —      As alíneas c) e d) do artigo 3.° do Regulamento n.° 4/2009 utilizam o critério do «tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa ao estado das pessoas [ou, respetivamente,] à responsabilidade parental […]» (itálico nosso). Um sistema de remissão equivalente já constava quer do artigo 5.°, n.° 2, in fine, da Convenção de Bruxelas (alterada nesse sentido em 1978) quer do artigo 5.°, n.° 2, in fine, do Regulamento Bruxelas I.


86 —      São exigidas informações semelhantes no que respeita aos recursos das decisões relativas a esses pedidos (v., artigo 32.°, n.° 2).


87 —      V. versão consolidada das «Informações comunicadas pelos Estados‑Membros em conformidade com o artigo 71.° do Regulamento [n.° 4/2009]», especialmente p. 13 (http://ec.europa.eu/justice_home/judicialatlascivil/html/pdf/vers_consolide_pt_4.pdf)


88 —      O Amtsgericht Karlsruhe alega que, contrariamente ao objetivo de simplificação pretendido pelo Regulamento n.° 4/2009, a concentração das competências prevista no § 28 da AUG complicaria a cobrança internacional dos créditos alimentares devido ao facto de o tribunal ao qual este texto atribui competência poder estar mais distante da residência habitual do credor e não ser o que tem maior conhecimento da situação económica local.


89 —      V., por analogia, considerando 12 do Regulamento Bruxelas I, bem como acórdão Kainz (C‑45/13, EU:C:2014:7, n.os 27 e segs.).


90 —      V., respetivamente, em matéria de concorrência, de política agrícola comum e de defesa dos consumidores, acórdão Manfredi e o. (C‑295/04 a C‑298/04, EU:C:2006:461, n.° 62) e conclusões apresentadas pelo advogado‑geral Geelhoed nesses processos apensos (C‑295/04 a C‑298/04, EU:C:2006:67, n.os 49 e segs.), bem como acórdãos Agrokonsulting‑04 (C‑93/12, EU:C:2013:432, n.os 35 e segs.), e Asociación de Consumidores Independientes de Castilla y León (C‑413/12, EU:C:2013:800, n.os 38 e segs.).


91 —      V., nomeadamente, acórdão Agrokonsulting‑04 (EU:C:2013:432, n.os 39 e segs.).


92 —      Na minha opinião, esta distinção resulta claramente de uma leitura a contrario dos n.os 46 e 47 do acórdão Asociación de Consumidores Independientes de Castilla y León (EU:C:2013:800).