Language of document : ECLI:EU:C:2014:2360

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 11 de novembro de 2014 (1)

Processo C‑472/13

Andre Lawrence Shepherd

contra

Bundesrepublik Deutschland

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bayerisches Verwaltungsgericht München (Alemanha)]

«Espaço de liberdade, segurança e justiça ― Asilo ― Normas mínimas relativas aos requisitos que os nacionais de países terceiros ou os apátridas devem preencher para poderem obter o estatuto de refugiado ― Requisitos para ser considerado refugiado ― Atos de perseguição na aceção do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83/CE ― Sanções penais contra um militar dos Estados Unidos da América que recusou servir na guerra do Iraque»





1.        Este pedido de decisão prejudicial do Bayerisches Verwaltungsgericht München (Alemanha) coloca o Tribunal de Justiça perante um caso invulgar e peculiar.

2.        A. L. Shepherd, um cidadão dos Estados Unidos da América, alistou‑se nas forças armadas norte‑americanas em dezembro de 2003. Recebeu formação como técnico de manutenção de helicópteros Apache. Em setembro de 2004, foi transferido para a Alemanha. A sua unidade estava destacada no Iraque desde fevereiro de 2004, pelo que A. L. Shepherd foi enviado para junto dela. No Iraque, dedicou‑se sobretudo à manutenção de helicópteros entre setembro de 2004 e fevereiro de 2005, não tendo participado em intervenções militares diretas ou em operações de combate. Em fevereiro de 2005, regressou com a sua unidade à base na Alemanha. Subsequentemente, A. L. Shepherd começou a ter dúvidas sobre a legitimidade da guerra no Iraque e decidiu investigar esta questão.

3.        No início de 2007, soube‑se que a sua unidade seria novamente destacada para o Iraque dentro de pouco tempo. Em 1 de abril de 2007, A. L. Shepherd recebeu a ordem de destacamento. À data, tinha já chegado à conclusão de que a guerra no Iraque era contrária ao direito internacional e violava o artigo 2.°, n.° 4, da Carta das Nações Unidas, dado que, em seu entender, as operações militares no Iraque envolviam uma intervenção armada sistemática, indiferenciada e desproporcional, sem consideração pela população civil. A crescente utilização de helicópteros Apache contribuiu significativamente para o aumento do número de vítimas civis e de atos de violação do direito internacional humanitário. A. L. Shepherd considerava que aqueles helicópteros não poderiam ter sido utilizados se ele e outros técnicos de manutenção não os tivessem preparado para o combate (entre 2007 e 2008, durante a intervenção da unidade de A. L. Shepherd no Iraque, verificaram‑se mais bombardeamentos; existem bastantes relatórios sobre crimes de guerra alegadamente cometidos pelo exército norte‑americano no Iraque, mas A. L. Shepherd não sabe se os helicópteros cuja manutenção era da sua responsabilidade foram ou não utilizados nas operações denunciadas.)

4.        A. L. Shepherd não queria correr o risco de participar em crimes de guerra no contexto do destacamento da sua unidade no Iraque. Porém, não considerou a possibilidade de pedir às autoridades norte‑americanas para não ser destacado por motivos de objeção de consciência (2) porque não rejeita completamente a guerra e o uso da força. Com efeito, tinha voltado a alistar‑se no final do período inicial de serviço militar. Segundo A. L. Shepherd, um pedido de objeção de consciência não o teria protegido de um novo destacamento no Iraque. Por conseguinte, decidiu abandonar o exército norte‑americano antes do início do segundo período de serviço militar naquele país e desertou em 11 de abril de 2007. Ao recusar‑se a cumprir serviço militar no Iraque, A. L. Shepherd poderá ser julgado por deserção. Do ponto de vista norte‑americano, a condenação pela prática daquela infração penal condiciona subsequentemente a vida do infrator. Por este motivo, em agosto de 2008, A. L. Shepherd pediu asilo na Alemanha (3).

 Direito internacional

 Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados

5.        Nos termos da Convenção de Genebra (4), na qual se baseia a Diretiva 2004/83/CE (5), o termo «refugiado» aplicar‑se‑á a qualquer pessoa que, «receando, com razão[,] ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país» (6).

6.        O artigo 1.°, secção F, alínea a), da Convenção de Genebra dispõe que a mesma não é aplicável às pessoas acerca das quais existam razões ponderosas para pensar que cometeram «um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a Humanidade, segundo os instrumentos internacionais elaborados para prever disposições relativas a esses crimes» (7).

 Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

7.        O artigo 9.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (8) garante o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, que abrange a liberdade de mudar de religião ou de crença.

 Direito da União

 Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

8.        O artigo 10.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») (9) corresponde ao artigo 9.°, n.° 1, da CEDH. Nos termos do artigo 10.°, n.° 2, da Carta, o direito à objeção de consciência é reconhecido pelas legislações nacionais que regulam o seu exercício. O seu artigo 52.°, n.° 3 estabelece que os direitos consagrados na Carta devem interpretados de forma consistente com os correspondentes direitos garantidos pela CEDH.

 Diretiva 2004/83

9.        A Diretiva 2004/83 é uma das medidas que compõem o sistema comum europeu de asilo. Baseia‑se na aplicação integral e global da Convenção de Genebra, que constitui a pedra angular do regime jurídico internacional relativo à proteção dos refugiados (10). A Diretiva 2004/83 visa estabelecer, para todos os Estados‑Membros, normas mínimas e critérios comuns relativos ao reconhecimento dos refugiados e ao conteúdo do estatuto de refugiado, à identificação das pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional e a um procedimento de asilo equitativo e eficiente (11). São aí reconhecidos e respeitados os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos pela Carta (12). No tratamento das pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação da mesma diretiva, os Estados‑Membros estão vinculados pelas obrigações por eles assumidas ao abrigo de instrumentos de direito internacional (13).

10.      Refletindo o artigo 1.°, secção A, n.° 2, da Convenção de Genebra, a Diretiva 2004/83 define refugiado como o «[…] nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, e aos quais não se aplique o artigo 12.°» (14).

11.      A apreciação dos factos e circunstâncias relacionados com os pedidos de concessão do estatuto de refugiado é regulada pelo artigo 4.° Os Estados‑Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o seu pedido. Incumbe ao Estado‑Membro apreciar, em cooperação com o requerente, os elementos pertinentes do pedido (15).

12.      Segundo a Diretiva 2004/83, podem ser «agentes da perseguição ou ofensa grave» o Estado, partidos ou organizações que controlem o Estado e agentes não estatais (16).

13.      A proteção contra a perseguição pode ser concedida, designadamente, pelo Estado (17). É proporcionada uma proteção geral quando o Estado, por exemplo, toma medidas razoáveis para impedir a prática de atos de perseguição ou de ofensa grave por via de um sistema jurídico eficaz para detetar, acionar judicialmente e punir esses atos, e o requerente tem acesso a tal proteção (18).

14.      As pessoas que preencham os requisitos estabelecidos no capítulo II da Diretiva 2004/83 em matéria de apreciação dos pedidos de proteção internacional reúnem as condições para serem consideradas refugiados, desde que provem que foram ou têm motivos para recear virem a ser vítimas de atos de perseguição na aceção do artigo 9.° Esses atos devem ser suficientemente graves, devido à sua natureza, para constituírem uma grave violação dos direitos humanos fundamentais, em especial dos direitos inalienáveis referidos no artigo 15.°, n.° 2, da CEDH (19), ou consistir no cúmulo de várias medidas suficientemente graves para corresponderem a uma violação de direitos humanos fundamentais (20). São exemplos de atos suscetíveis de se enquadrar na definição de perseguição: «medidas legais, administrativas, policiais e/ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória» (21); «ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias» (22); e «ações judiciais ou sanções por recusa em cumprir o serviço militar numa situação de conflito em que o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou ato abrangidos pelas cláusulas de exclusão previstas no n.° 2 do artigo 12.°» (23). Tem de haver um nexo entre os motivos da perseguição mencionados no artigo 10.° e os atos de perseguição descritos no artigo 9.° da Diretiva 2004/83 (24).

15.      Os motivos enumerados no artigo 10.°, n.° 1, incluem:

«d)      [pertença a] um grupo social específicos nos casos concretos em que:

¾        os membros desse grupo partilham de uma característica inata ou de uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham de uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem, e

¾        esse grupo tem uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

[…]

e)      A noção de opinião política inclui, designadamente, o facto de se possuir uma opinião, ideia ou ideal em matéria relacionada com os potenciais agentes da perseguição a que se refere o artigo 6.° e às suas políticas ou métodos, quer essa opinião, ideia ou ideal sejam ou não manifestados por atos do requerente».

16.      O nacional de um país terceiro está excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 2004/83 se estiver abrangido pelo seu artigo 12.° Para os presentes efeitos, a exclusão pertinente consta do artigo 12.°, n.° 2, que reflete a redação do artigo 1.°, secção F, da Convenção de Genebra. Assim, uma pessoa está excluída de proteção ao abrigo da diretiva quando existam suspeitas graves de que praticou «crimes contra a paz, crimes de guerra ou crimes contra a humanidade, nos termos dos instrumentos internacionais que estabelecem disposições relativas a estes crimes» (25). O artigo 12.°, n.° 2, «aplica‑se às pessoas que tenham instigado ou participado de outra forma na prática dos crimes ou atos» nele referidos (26).

17.      Os Estados‑Membros devem conceder o estatuto de refugiado ao nacional de um país estrangeiro que preencha os requisitos para ser considerado como refugiado, nos termos dos capítulos II e III da Diretiva 2004/83 (27).

 Direito alemão

18.      Segundo a explicação fornecida pelo órgão jurisdicional de reenvio, as disposições alemãs que regem a definição de refugiado têm por base o artigo 1.°, secção A, n.° 2, da Convenção de Genebra. Uma pessoa estará excluída daquela definição quando existam razões ponderosas para pensar que é aplicável um dos fundamentos previstos no artigo 1.°, secção F, da referida Convenção (28).

19.      O direito alemão proíbe a deportação para um Estado onde a vida ou a liberdade de uma pessoa esteja ameaçada em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, pertença a um determinado grupo social ou opinião política. Quando tais ameaças emanam do Estado, constituem um ato de perseguição para os efeitos das disposições nacionais pertinentes (29).

 Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça

20.      Na parte introdutória das presentes conclusões, expus os factos que resultam da decisão de reenvio relativamente à situação de A. L. Shepherd.

21.      Por decisão de 31 de março de 2011, o Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço Federal para a Migração e os Refugiados, a seguir «Bundesamt») indeferiu o pedido de asilo apresentado por A. L. Shepherd, com os seguintes fundamentos: i) não existe um direito fundamental à objeção de consciência; ii) A. L. Shepherd poderia ter deixado o serviço militar por meios legais; iii) o requerente não está abrangido pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea e), em conjugação com o artigo 12.°, da Diretiva 2004/83. Esta diretiva pressupõe a prática de atos contrários ao direito internacional no conflito em questão. As forças armadas norte‑americanas não toleram tais violações e muito menos as encorajam. A. L. Shepherd era apenas um técnico de manutenção de helicópteros, não tendo participado pessoalmente em operações de combate. Não existe qualquer indício de que tenha participado indiretamente em crimes de guerra ou de que os «seus» helicópteros tenham estado envolvidos em tais crimes. Ainda que tivesse existido uma participação indireta nesses crimes, tal não seria suficiente para dar como provada a sua responsabilidade criminal na aceção do artigo 25.° do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (30). Acresce que, no que respeita a possíveis crimes contra a paz, independentemente de a invasão do Iraque ser ou não contrária ao direito internacional, A. L. Shepherd não pode ser considerado «autor», dado que não faz parte do grupo de altas patentes militares. Além disso, a intervenção das forças da coligação no Iraque já tinha sido legitimada à luz do direito internacional aquando do primeiro período de serviço militar cumprido por A. L. Shepherd naquele país.

22.      Por último, o Bundesamt considerou que a possibilidade de as autoridades norte‑americanas submeterem A. L. Shepherd a julgamento por violação das suas obrigações militares, especialmente por deserção, representava simplesmente o interesse legítimo do seu país de origem em tomar tais medidas.

23.      Em 7 de abril de 2011, A. L. Shepherd recorreu da decisão do Bundesamt para o órgão jurisdicional de reenvio, tendo alegado que o Bundesamt privilegiara injustificadamente o conceito de «ato de perseguição», negligenciando o conceito de «motivos da perseguição». O Bundesamt não aplicara corretamente os princípios do direito penal internacional a um pedido de asilo. Por conseguinte, concluíra erradamente que o estatuto de refugiado só poderia ser reconhecido ao objetor de consciência se este pudesse provar «para além de qualquer dúvida razoável» que, se permanecesse nas forças armadas, teria praticado um ilícito penal internacional. O órgão jurisdicional de reenvio explica que o pedido de A. L. Shepherd se fundamenta no receio de atos de perseguição na aceção do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83, alegando existirem dois motivos de perseguição: i) o facto de pertencer a um grupo social na aceção do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), e/ou ii) a sua opinião política na aceção do artigo 10.°, n.° 1, alínea e). Durante a fase oral, o Tribunal de Justiça foi informado de que A. L. Shepherd invoca unicamente o artigo 10.°, n.° 1, alínea d) (31).

24.      Neste contexto, o Bayerisches Verwaltungsgericht München submete as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 deve ser interpretado no sentido de que só estão abrangidas pelo âmbito da proteção as pessoas cujas funções concretas em matéria militar impliquem a participação direta em situações de combate, ou seja, intervenções armadas, ou que tenham poderes para ordenar essas intervenções (primeira alternativa), ou há outros membros das forças armadas que também podem ser abrangidos pela proteção desta disposição, nos casos em que as suas funções se esgotam no apoio logístico e técnico às forças armadas, longe das situações de combate efetivas, e só produzem efeitos indiretos sobre a guerra propriamente dita (segunda alternativa)?

2)      Caso se responda à primeira questão no sentido da segunda alternativa:

O artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 deve ser interpretado no sentido de que o serviço militar em caso de conflito (internacional ou interno) deve incentivar ou obrigar, de maneira predominante ou sistemática, à prática de crimes ou de atos na aceção do artigo 12.°, n.° 2, da Diretiva 2004/83 (primeira alternativa), ou é suficiente que o requerente de asilo alegue que as forças armadas às quais pertence praticaram crimes na aceção do artigo 12.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2004/83, em casos isolados, na zona de operações para onde foram destacadas, seja por ter havido ordens isoladas que se revelaram criminosas neste sentido, seja por se ter tratado de excessos de pessoas isoladas (segunda alternativa)?

3)      Caso se responda à segunda questão no sentido da segunda alternativa:

O estatuto de refugiado só é concedido se for previsível, para além de qualquer dúvida razoável, que, com um elevado grau de probabilidade, haverá no futuro violações do direito internacional humanitário ou é suficiente que o requerente do asilo exponha factos que indiciem que esses crimes ocorreram (inevitavelmente ou provavelmente) no conflito em causa e, por isso, não seja de excluir a possibilidade de poder vir a ser envolvido nesses crimes?

4)      A não tolerância de violações do direito internacional humanitário ou o julgamento dos seus autores nos tribunais militares obsta à concessão do estatuto de refugiado ao abrigo do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 ou este elemento é irrelevante?

É sequer necessário que tenha havido um julgamento no Tribunal Penal Internacional?

5)      O facto de a intervenção militar e/ou o estatuto de ocupação terem sido sancionados pela comunidade internacional ou se basearem num mandato do Conselho de Segurança da [Organização das Nações Unidas] obsta à concessão do estatuto de refugiado?

6)      Para a concessão do estatuto de refugiado ao abrigo do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83, é necessário que o requerente de asilo possa ser condenado, nos termos do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, se cumprir as suas obrigações (primeira alternativa), ou essa proteção é concedida mesmo nos casos em que não se tenha chegado a tal situação, ou seja, quando o requerente de asilo não tenha de recear um julgamento, mas o cumprimento do serviço militar seja, ainda assim, contrário à sua consciência (segunda alternativa)?

7)      Caso se responda à sexta questão no sentido da segunda alternativa:

O facto de o requerente de asilo não ter recorrido ao processo comum de objeção de consciência, não obstante ter tido a oportunidade de o fazer, obsta à concessão do estatuto de refugiado ao abrigo das disposições acima referidas, ou esse estatuto também pode ser concedido caso se esteja perante uma simples decisão de consciência?

8)      A expulsão do exército, a condenação a uma pena de prisão, a marginalização social e as desvantagens [...] daí resultantes constituem um ato de perseguição na aceção do artigo 9.°, n.° 2, alíneas b) ou c), da Diretiva 2004/83?»

25.      Foram apresentadas observações escritas por A. L. Shepherd, pelos Governos alemão, grego, neerlandês e do Reino Unido, bem como pela Comissão Europeia. Com exceção do Reino dos Países Baixos, todas as partes apresentaram observações orais na audiência de 25 de junho de 2014.

 Observações preliminares

26.      As circunstâncias subjacentes ao pedido de asilo de A. L. Shepherd podem suscitar questões de âmbito mais vasto, como a relação entre o direito da União e o direito internacional. Porém, na sua decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio colocou questões mais específicas. No essencial, pretende saber se o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 é aplicável ao presente caso e, se assim for, como deve ser apreciado o pedido de asilo. Nos termos do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), um ato poderá ser qualificado de «ato de perseguição» quando uma pessoa esteja em risco de ser objeto de ação judicial ou punição por recusa em cumprir o serviço militar numa situação de conflito, em que o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de certos atos, nomeadamente crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, na aceção do artigo 12.°, n.° 2, da referida diretiva. Em meu entender, o Tribunal de Justiça deve abster‑se de explorar estas questões mais vastas (que não foram suficientemente debatidas na audiência) nas suas respostas ao órgão jurisdicional de reenvio, pelo que não abordarei estas questões nas presentes conclusões.

27.      A Convenção de Genebra é um instrumento orgânico que deve ser interpretado à luz das condições atuais e em conformidade com a evolução do direito internacional (32). O Alto‑Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) desempenha um papel específico, fornecendo orientações úteis aos Estados‑Membros para determinar o estatuto de refugiado (33). A Convenção de Genebra constitui a pedra angular do regime jurídico internacional de proteção dos refugiados, e a Diretiva 2004/83 deve ser interpretada à luz da economia geral e da finalidade daquela Convenção (34). Além disso, conforme resulta claro do artigo 78.°, n.° 1, TFUE, qualquer interpretação da Diretiva 2004/83 deverá respeitar a Convenção de Genebra e outros tratados relevantes, bem como os direitos reconhecidos pela Carta (35).

28.      Qualquer interpretação das disposições individuais da Diretiva 2004/83 deverá ter igualmente em conta o sentido corrente dos termos utilizados, a sua finalidade e a economia e contexto legislativos. Quanto a este último aspeto, o artigo 4.° (inserido no capítulo II da diretiva) regula a apreciação dos pedidos de proteção internacional (36). Esse processo de apreciação procura estabelecer um equilíbrio. Os verdadeiros refugiados necessitam de proteção e merecem‑na; no entanto, os Estados‑Membros devem poder aplicar procedimentos que permitam distinguir os verdadeiros dos falsos requerentes. É inquestionável a necessidade de ter em conta o facto de os verdadeiros requerentes serem pessoas que, muitas vezes, sofreram experiências traumáticas. Não obstante, o requerente deve fazer uma exposição clara e credível dos factos que fundamentam o seu pedido de asilo.

29.      No caso de A. L. Shepherd, o órgão jurisdicional de reenvio colocou oito questões interligadas, que se sobrepõem em alguns aspetos. A questão principal é se uma pessoa na posição de A. L. Shepherd pode invocar um ato de perseguição na aceção do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), para fundamentar o seu pedido de concessão do estatuto de refugiado ao abrigo da Diretiva 2004/83. Por conseguinte, dedicarei especial atenção ao âmbito de aplicação daquela disposição e à sua ligação com os «motivos da perseguição» mencionados no artigo 10.°, n.° 1, alíneas d) e e).

 Quanto à primeira questão

30.      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende que seja clarificado o âmbito de aplicação do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83, sobretudo o significado das palavras «[…] em que o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou ato abrangidos pelas cláusulas de exclusão previstas no n.° 2 do artigo 12.°» (37). Esta disposição só abrange as pessoas que participam diretamente em operações de combate ou é aplicável a todo o pessoal militar no ativo, incluindo as pessoas que prestam apoio logístico e técnico, como um técnico de manutenção de helicópteros?

 Artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83

31.      A. L. Shepherd, a República Federal da Alemanha, o Reino Unido e a Comissão consideram que o âmbito de aplicação do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 abrange todo o pessoal militar. A República Helénica defende uma posição diferente, considerando que o órgão jurisdicional pretende saber até que ponto a pessoa que requer a concessão do estatuto de refugiado deverá ter participado na prática de atos, como crimes de guerra, para ser considerada pessoalmente responsável por esses atos. O Reino dos Países Baixos observa que o pessoal que desempenha funções de apoio não participa geralmente em intervenções militares ou operações de combate. Porém, não é inteiramente clara a posição deste país quanto à inclusão ou exclusão deste pessoal do âmbito de aplicação do artigo 9.°, n.° 2, alínea e).

32.      Creio que o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 abrange todo o pessoal militar, incluindo o pessoal logístico e de apoio, como os técnicos de manutenção de helicópteros.

33.      Ao definir uma categoria específica de «atos de perseguição», o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), refere expressamente o artigo 12.°, n.° 2, da Diretiva 2004/83, que deve ser lido em conjugação com o seu artigo 12.°, n.° 3 (38). Nada no texto da Diretiva 2004/83 limita a expressão «em que o cumprimento do serviço militar implicasse» ao pessoal envolvido em operações de combate. A letra do artigo 12.°, n.° 3 («participado de outra forma na prática dos») confirma que as pessoas que não estejam diretamente envolvidas na prática dos atos concretos abrangidos pelo artigo 12.°, n.° 2, podem, ainda assim, estar excluídas da proteção concedida pela Diretiva 2004/83 em virtude daquela disposição. Se o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), for lido à luz do artigo 12.°, n.os 2 e 3, há que concluir que a função, cargo ou perfil funcional da pessoa em causa não pode ser decisivo para determinar se essa pessoa receia ou não um ato de perseguição na aceção do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83.

34.      A inclusão do pessoal no âmbito de aplicação do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), é consistente com o objetivo global da Diretiva 2004/83 de identificar as pessoas que são obrigadas, pelas circunstâncias, a procurar proteção na União e que necessitam efetivamente dessa proteção (39). Se uma pessoa provar que, caso cumprisse serviço militar, estaria envolvida na prática de um dos atos identificados como motivos de exclusão no artigo 12.°, n.° 2, da Diretiva 2004/83, não existe nenhuma razão plausível para a excluir do âmbito de aplicação do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 (com efeito, existem bons motivos para considerar que necessita efetivamente de proteção).

35.      Acresce que não vislumbro qualquer razão que impeça (ou que deva impedir) uma pessoa de invocar o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 pelo facto de se ter alistado voluntariamente, ao invés de ter sido recrutado. A expressão «recusa em cumprir o serviço militar» é suficientemente ampla para abranger qualquer pessoa no serviço militar. Não é feita nenhuma distinção com base no modo de recrutamento da pessoa em causa, pelo que este é irrelevante.

36.      A fase seguinte da análise é mais delicada. A pessoa em causa seria levada a participar na prática de atos enumerados no artigo 12.°, n.° 2, da Diretiva 2004/83, como os crimes de guerra? A resposta a esta pergunta passa por uma análise dos requisitos do artigo 12.°, n.° 2, à luz do artigo 9.°, n.° 2, alínea e). O artigo 9.°, n.° 2, alínea e), exige uma análise ex ante da posição do requerente, como tal, da probabilidade de ocorrência de um ato. O artigo 12.°, n.° 2, implica uma análise ex post de atos já praticados.

37.      Em primeiro lugar, considero que a expressão «implicasse a prática de crime ou ato abrangidos pelas cláusulas de exclusão previstas no n.° 2 do artigo 12.°» constante da formulação inglesa do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 deve ser interpretada no sentido de que a pessoa em causa, ao cumprir o serviço militar, estaria a instigar ou a participar de outra forma na prática desses atos. Essa interpretação é consentânea com a versão francesa do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 e é por ela apoiada: «en cas de conflit lorsque le service militaire supposerait de commettre des crimes ou d’accomplir des actes» (40). O fator determinante é aquilo que o cumprimento desse serviço militar implicaria ou poderia implicar. Em segundo lugar, a utilização do condicional («would» na versão inglesa) indica que a prática de atos como os que são enumerados no artigo 12.°, n.° 2, depende do cumprimento do serviço militar pela pessoa em causa (41). Em terceiro lugar, a utilização do condicional indica igualmente que a pessoa em causa ainda não praticou esses atos. Por conseguinte, refere‑se a possíveis ações futuras e não a atos praticados no passado.

38.      Esta análise é, assim, fundamentalmente diferente do exame ex post realizado quando é instaurado um processo penal ou quando um Estado‑Membro pretende demonstrar que determinada pessoa deveria ser excluída da proteção concedida pela Diretiva 2004/83 porque se enquadra na categoria descrita no artigo 12.°, n.° 2. Não é razoável interpretar o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), no sentido de exigir que o requerente do estatuto de refugiado prove que está abrangido pelo artigo 12.°, n.° 2. Se o pudesse fazer, não preencheria, por definição, os requisitos para beneficiar de proteção.

39.      O artigo 12.°, n.° 2, da Diretiva 2004/83 tem por base o artigo 1.°, secção F, da Convenção de Genebra. Apenas o artigo 12.°, n.° 2, alínea a), é relevante para o caso de A. L. Shepherd. Explicarei sucintamente por que razão defendo este entendimento.

40.      O artigo 12.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2004/83 menciona as pessoas que praticaram um «crime grave de direito comum». Nada na decisão de reenvio permite concluir que A. L. Shepherd se enquadra nessa categoria. Por conseguinte, não é necessário analisar mais profundamente essa disposição. O artigo 12.°, n.° 2, alínea c), diz respeito às pessoas que praticaram atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas (42). Apenas as pessoas que estiveram em posições de poder numa entidade estatal ou afim podem, em meu entender, praticar tais atos. A. L. Shepherd não estava em tal posição.

41.      Voltando então ao artigo 12.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2004/83: os atos enumerados nessa disposição e no artigo 1.°, secção F, da Convenção de Genebra são idênticos. Abrangem crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, nos termos dos instrumentos internacionais que estabelecem disposições relativas a esses crimes (não existe uma definição autónoma na Diretiva 2004/83).

42.      O Estatuto do Tribunal Militar Internacional (43) define «crime contra a paz» como aquele que envolve o planeamento, preparação, início ou condução de uma guerra de agressão, ou de uma guerra em violação de tratados internacionais ou outros acordos. Este tipo de crime, por natureza, só pode ser cometido por titulares de altos cargos que representem uma entidade estatal ou afim (44). A. L. Shepherd nunca ocupou tais cargos. Por conseguinte, é pouco provável que tivesse estado em risco de praticar tal ato. O termo «crimes contra a humanidade» abrange atos como, por exemplo, genocídio, homicídio, violação e tortura, praticados no quadro de um ataque generalizado ou sistemático contra a população civil (45). Uma vez que, na decisão de reenvio, não são dados como provados factos naquele sentido, não aprofundarei mais aquela linha de pensamento (46).

43.      Vários instrumentos internacionais contêm uma definição de «crimes de guerra» (47). Entre esses crimes figuram violações graves das normas de direito internacional humanitário destinadas a proteger as pessoas que não participam (ou já não participam) nas hostilidades e restringir os métodos e os meios de guerra utilizados. É reconhecido que os crimes de guerra abrangem o homicídio doloso e a tortura de civis (48). Os elementos constantes da decisão de reenvio indicam que aquela categoria (e apenas aquela categoria) de alegados crimes de guerra é relevante para o caso de A. L. Shepherd.

44.      Concluí anteriormente que o pessoal militar que não participa diretamente em operações de combate não está excluído do âmbito de aplicação do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83. Saber se essas pessoas cometeriam crimes de guerra se cumprissem os seus deveres militares é matéria de facto que deve ser apreciada pelas autoridades nacionais competentes. Essa apreciação é difícil porque exige que as referidas autoridades ponderem atos e as consequências de atos que ainda não tiveram lugar. A questão passa então a ser a de saber se era plausível que os atos da pessoa em causa possibilitassem a prática de crimes de guerra (49)?

45.      Não se pode esperar que o Tribunal de Justiça proponha critérios exaustivos para as autoridades nacionais aplicarem. Por exemplo, o pessoal militar que trabalha na barbearia de uma base militar norte‑americana e que garante que todos os membros no ativo tenham o corte de cabelo aprovado está longe das operações de combate e, como tal, é pouco provável que demonstre tal ligação direta. Porém, é mais provável que o responsável pelo armamento de uma aeronave com bombas ou pela manutenção dos aviões de caça possa demonstrar que as suas funções estão diretamente relacionadas com as referidas operações e, consequentemente, com a possibilidade de praticar crimes de guerra. Neste contexto, o piloto ou os membros da tripulação de uma aeronave ou de um helicóptero que direcionarem um míssil contra refugiados civis ou dispararem uma metralhadora contra uma coluna de refugiados civis estão mais perto, na cadeia de eventos, da prática de um crime de guerra do que a pessoa responsável pelo armamento da aeronave ou do helicóptero e pela sua preparação para o combate. No entanto, tal não significa necessariamente que o técnico de manutenção não possa estar «envolvido» (ou que não exista qualquer probabilidade de que possa estar envolvido) na prática daquele crime.

46.      No essencial, creio que as autoridades nacionais devem determinar se existe uma ligação direta entre os atos da pessoa em causa e a probabilidade razoável de serem cometidos crimes de guerra, de modo a que essa pessoa possa ser levada a participar na prática de crimes de guerra por os seus atos constituírem um elemento necessário desses crimes. Basicamente, trata‑se de saber se, sem esse contributo ou sem o contributo de todos os indivíduos na situação da pessoa em causa, os atos ou crimes de guerra seriam possíveis.

 Requisitos para a concessão do estatuto de refugiado

47.      Deve ser concedido o estatuto de refugiado às pessoas que receiem, com razão, ser perseguidas devido, por exemplo, ao facto de pertencerem a um grupo social específico [artigo 10.°, n.° 1, alínea d)] ou às suas opiniões políticas [artigo 10.°, n.° 1, alínea e)] e que preencham os requisitos estabelecidos no artigo 2.°, alínea c), da Diretiva 2004/83 (50). Tem de existir uma ligação entre os motivos enumerados no artigo 10.° e os atos de perseguição definidos no artigo 9.° da Diretiva 2004/83. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o pedido de concessão do estatuto de refugiado apresentado por A. L. Shepherd baseia‑se no artigo 9.°, n.° 2, alínea e), lido em conjugação com o artigo 10.°, n.° 1, alíneas d) e e). Porém, na audiência perante o Tribunal de Justiça, o mandatário de A. L. Shepherd referiu que o seu pedido tinha exclusivamente por base o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), e o artigo 10.°, n.° 1, alínea d) [ou seja, não era invocado o artigo 10.°, n.° 1, alínea e)]. O órgão jurisdicional de reenvio não pediu ao Tribunal de Justiça para interpretar o artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2004/83. Não obstante, considero necessário analisar também essa disposição à luz das observações orais de A. L. Shepherd.

48.      Em meu entender, A. L. Shepherd estaria claramente abrangido pelo artigo 10.°, n.° 1, alínea e), da Diretiva 2004/83. O conceito de opinião política inclui as opiniões, ideias e ideais em matérias relacionadas com um Estado e com as suas políticas ou métodos. Por conseguinte, tem de abranger a convicção de que uma pessoa não pode cumprir o serviço militar num conflito se tal conduzir possivelmente à prática de crimes de guerra.

49.      Contudo, a posição é menos clara em relação ao artigo 10.°, n.° 1, alínea d) (pertença a um grupo social específico).

50.      A. L. Shepherd alega que a sua convicção de que a participação na guerra no Iraque significava que corria o risco de praticar atos enumerados no artigo 12.°, n.° 2, é tão fundamental para a sua consciência que não deveria ser forçado a contrariá‑la [enquadrando‑se, assim, no primeiro travessão do artigo 10.°, n.° 1, alínea d)], e que, consequentemente, é membro de um grupo com uma identidade distinta nos Estados Unidos porque é considerado diferente pela sociedade que o rodeia [na aceção do segundo travessão do artigo 10.°, n.° 1, alínea d)].

51.      A veracidade destas alegações depende de vários fatores.

52.      A expressão «objetor de consciência» não consta do texto do artigo 10.°, n.° 1, da Carta, que é muito semelhante ao artigo 9.°, n.° 1, da CEDH. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem entendeu, porém, que a recusa de cumprimento do serviço militar ― quando motivada por um conflito grave e inultrapassável entre a obrigação de servir no exército e a consciência individual ― constitui uma convicção suficientemente válida, séria, coerente e importante para ser protegida pelo artigo 9.°, n.° 1, da CEDH (51). O artigo 10.°, n.° 1, da Carta deve, portanto, ser objeto de uma interpretação semelhante. O artigo 10.°, n.° 2, da Carta identifica e reconhece o direito à objeção de consciência nos termos das legislações nacionais que regem o seu exercício (52).

53.      Contudo, o termo «objeção de consciência» tem mais do que um significado. Considera‑se que abrange os pacifistas (como os Quakers) em que a objeção à intervenção militar é absoluta (53). Pode igualmente designar as pessoas que se opõem a um conflito específico por motivos jurídicos, morais ou políticos ou que se opõem aos meios e métodos utilizados nesse conflito.

54.      Compreendo que aqueles com uma objeção absoluta à intervenção militar sejam considerados, sem grandes dúvidas, como «[partilhando] de uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem» para efeitos do primeiro travessão do artigo 10.°, n.° 1, alínea d). A sua posição é clara e inequívoca: não estão preparados para aceitar o uso da força, seja em que circunstâncias for. Uma vez que a sua posição é tão clara, é facilmente credível.

55.      Aqueles com uma objeção ao uso da força mais matizada encontram‑se numa posição mais difícil. Aquilo a que concretamente se opõem por motivos de consciência variará de pessoa para pessoa. Uma pessoa pode opor‑se a uma determinada guerra; outra aos meios e métodos utilizados num dado conflito; e uma terceira pode recusar‑se a participar com base em motivos muito pessoais porque seria obrigada a lutar contra o seu próprio grupo étnico. Uma vez que a sua objeção ao uso da força não é absoluta, mas apenas parcial, estas pessoas poderão, assim, ter mais dificuldade em provar que a sua posição individual é credível, que a sua objeção individual é uma objeção de consciência e de princípio, não de conveniência. Por conseguinte, poderão ter mais dificuldade em preencher os requisitos do primeiro travessão do artigo 10.°, n.° 1, alínea d).

56.      Creio que o segundo travessão do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), não oferece tantas dificuldades. Conceptualmente, é perfeitamente plausível que tanto aqueles cuja objeção ao uso da força é absoluta como aqueles cuja objeção apresenta mais matizes (separadamente ou em conjunto) constituam um grupo que «tem uma identidade distinta no país em questão» (neste caso, os Estados Unidos), «porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia». Se é esse ou não o caso, trata‑se de uma questão que compete às autoridades nacionais determinar com base nas provas perante elas produzidas, estando as suas conclusões sujeitas à fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais.

57.      Aplicando esses critérios, A. L. Shepherd está abrangido pelos dois travessões (cumulativos) do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2004/83?

58.      O órgão jurisdicional de reenvio explicou que a objeção de A. L. Shepherd à intervenção militar não é absoluta. Alistou‑se voluntariamente no exército norte‑americano. Não rejeita totalmente o uso de força armada. Os seus argumentos prendem‑se mais com o facto de se opor ao modo específico como uma determinada guerra é conduzida (que, na sua opinião, incluiu e/ou poderá vir a incluir a prática de crimes de guerra) e de recear ver‑se envolvido nessa atividade se tivesse continuado o seu serviço militar e obedecido às ordens de regressar ao Iraque.

59.      Em primeiro lugar, as autoridades nacionais têm de decidir se A. L. Shepherd deve ser qualificado de objetor de consciência ou desertor. Para tal, devem determinar se a convicção de A. L. Shepherd em relação ao conflito é suficientemente válida, séria, coerente e importante para que lhe seja aplicável o primeiro travessão do artigo 10.°, n.° 1, alínea d). Dito de outra forma: A. L. Shepherd é simplesmente um desertor ou tem (como alega veementemente) uma objeção de consciência à continuação do serviço militar no Iraque? Se as autoridades nacionais decidirem que é pura e simplesmente um desertor, é altamente improvável que possa legitimamente invocar o primeiro travessão do artigo 10.°, n.° 1, alínea d). Uma vez que têm de estar preenchidos os requisitos dos dois travessões do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), será irrelevante que aqueles que desertam sejam encarados pela sociedade como um grupo uniforme.

60.      No entanto, se as autoridades nacionais decidirem que A. L. Shepherd se recusou a continuar a cumprir o serviço militar no Iraque porque existia um conflito grave e inultrapassável entre a sua consciência e o que, na sua opinião, aquela obrigação de servir provavelmente implicaria, estará abrangido pelo primeiro travessão do artigo 10.°, n.° 1, alínea d). Nesse caso, as autoridades nacionais terão de determinar, com base nos elementos ao seu dispor, se é razoável presumir que, nos Estados Unidos, as pessoas na posição de A. L. Shepherd são encaradas de modo diferente e são objeto de um tratamento específico pela sociedade em geral. Em caso afirmativo, o requisito do segundo travessão do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), também estará preenchido. Não creio que o Tribunal de Justiça disponha de informações suficientes para fornecer orientações mais concretas sobre este ponto.

 Quanto à segunda questão

61.      Na formulação desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio apresenta duas alternativas. Para que o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 seja aplicável, é necessário que o conflito em questão envolva, de modo predominante ou sistemático, a prática dos crimes ou atos enumerados no seu artigo 12.°, n.° 2, ou basta que o requerente demonstre que, em casos isolados, as forças armadas a que pertence praticaram tais atos?

62.      Considero que nenhuma das alternativas é determinante para a aplicabilidade do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83. O que é importante é a probabilidade de o requerente correr o risco de praticar crimes de guerra. A pessoa em causa tem de demonstrar por que razão considera que estaria em risco de praticar tais crimes se cumprisse os seus deveres militares.

63.      Num conflito em que tais atos tenham já alegadamente ocorrido de forma sistemática e em que os elementos probatórios sejam do domínio público, poderá ser (relativamente) mais fácil para o requerente satisfazer aquele critério. Na inexistência de uma mudança de política antes do seu destacamento para o cenário de guerra, o requerente teria motivos razoáveis para considerar que tais atos poderiam plausivelmente ocorrer no futuro e que poderia estar envolvido neles. Quando tais atos tenham alegadamente ocorrido num conflito como casos individuais ou isolados, a sua tarefa é mais difícil, dado que terá de demonstrar por que razão considera que é provável que os seus atos, caso cumprisse o serviço militar, o colocariam a si em risco de estar envolvido no cometimento de crimes de guerra (o elemento subjetivo). Assim (por exemplo), terá de explicar, tendo em conta o lugar para onde foi destacado e os atos que deve praticar, o que o leva legitimamente a crer que poderia participar pessoalmente nesses crimes. Também existe um elemento objetivo: com base nas informações disponíveis, é razoável concluir que o requerente se poderia ver naquela situação? Deste modo, é necessário determinar se existem motivos objetivos para considerar que a pessoa em causa poderia estar envolvida na prática de crimes de guerra.

 Quanto à terceira questão

64.      Creio que a terceira questão está necessariamente abrangida pela resposta que propus para a segunda questão. Não é necessário provar para além de qualquer dúvida razoável que é previsível a ocorrência de violações do direito internacional humanitário.

 Quanto à sexta questão

65.      É conveniente abordar seguidamente a sexta questão, em que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as disposições do Estatuto de Roma são relevantes para a análise do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83.

66.      Considero que as disposições do Estatuto de Roma não são relevantes. O artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 não visa as pessoas que poderão ser julgadas pela prática de crimes internacionais. Pelo contrário, o seu objetivo é conceder proteção às pessoas que desejam evitar esses atos quando cumprem o serviço militar. A aplicação do critério da probabilidade de o soldado X ser condenado pela prática de um crime de guerra para determinar se esse soldado deve beneficiar de proteção como refugiado por desejar evitar ser colocado numa situação em que poderia ser condenado contraria diretamente aquele objetivo. O artigo 4.° da Diretiva 2004/83 descreve a apreciação dos factos e circunstâncias que é necessária para analisar um pedido de concessão do estatuto de refugiado. Em última análise, o critério é a credibilidade do pedido do requerente no caso concreto. O grau de exigência previsto pelo direito penal internacional para a condenação pela prática de crimes de guerra é completamente diferente (muito maior), sendo irrelevante para aquela apreciação (54).

 Quanto à quarta questão

67.      Aqui, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se existem factos que obstem à concessão do estatuto de refugiado em certas circunstâncias. Concretamente, a) o facto de, no país da nacionalidade do requerente, as autoridades levarem a julgamento os autores de crimes de guerra obsta a que aquele invoque o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83?; b) a instauração de um processo no Tribunal Penal Internacional é relevante? Nas suas observações, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, quando existem mecanismos para julgar e punir os autores de crimes de guerra, poder‑se‑ia pensar que é pouco provável que tais crimes sejam cometidos porque não são tolerados pelo Estado em questão. O próprio facto de os autores de crimes de guerra poderem ser julgados ― de acordo com aquela tese ― significa que o Estado é agente da proteção contra a perseguição na aceção do artigo 7.° da Diretiva 2004/83.

68.      Considero que a resposta a ambas as questões é negativa. A existência de mecanismos nacionais ou internacionais para julgar os autores de crimes de guerra poderá, em princípio, ter um efeito dissuasor. Porém, a verdade, triste, mas incontornável, é que, mesmo que existam tais mecanismos, por vezes são efetivamente cometidos crimes de guerra no auge do conflito (55) (do mesmo modo que a existência de leis que criminalizam e punem a violação e o homicídio nos ordenamentos jurídicos civilizados não garante, infelizmente, que ninguém será violado ou morto). Para que o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 tenha alguma utilidade como meio de permitir que aqueles que estão em risco de serem forçados a participar na prática de crimes de guerra encontrem um «porto seguro», a sua aplicação não pode depender da existência e utilização de mecanismos nacionais ou internacionais de julgamento e punição dos autores de crimes de guerra.

 Quanto à quinta questão

69.      Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 pode ser invocado, não obstante a intervenção militar ter sido sancionada pela comunidade internacional ou ter por base um mandato do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

70.      Tenho algumas dúvidas quanto ao que se pretende exatamente designar, em termos jurídicos, com a expressão «sancionada pela comunidade internacional». A Carta das Nações Unidas não define o conceito de guerra legítima; nem conheço qualquer outro instrumento que preencha essa lacuna (se é que se trata de uma lacuna) (56). Não vejo qualquer utilidade em tentar definir o âmbito de aplicação do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 com referência a um termo que não está definido. Uma vez que o mandato do Conselho de Segurança das Nações Unidas não é um requisito para iniciar uma guerra ou defender‑se de uma agressão, a sua existência ou inexistência não é determinante para a ocorrência ou não ocorrência dos atos enumerados no artigo 12.°, n.° 2, da Diretiva 2004/83. Por conseguinte, mesmo que um conflito seja precedido por uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas que autorize o uso da força em certas circunstâncias e sob certas condições, tal não significa que, «por definição», não podem ser e não serão cometidos crimes de guerra.

71.      Assim, em resposta a esta questão, concluo que a existência de um mandato do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre o conflito em questão não dispensa a apreciação a realizar nos termos do artigo 4.° da Diretiva 2004/83 nem afeta o resultado dessa apreciação. Do mesmo modo, não exclui per se a possibilidade de terem sido ou de virem a ser praticados atos enumerados no artigo 12.° da Diretiva 2004/83.

 Quanto à sétima questão

72.      Na sua última questão sobre a interpretação do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, antes de invocar aquela disposição, o requerente deverá ter recorrido ao processo comum de objeção de consciência junto das autoridades nacionais do seu país.

73.      Devo, antes de mais, recordar que, caso regressasse aos Estados Unidos, A. L. Shepherd poderia ser julgado e punido por deserção, não por objeção de consciência.

74.      A expressão «processo comum de objeção de consciência» utilizada pelo órgão jurisdicional de reenvio não é clara. Caso designe o procedimento previsto no direito norte‑americano para a apresentação do referido pedido, o Tribunal de Justiça não tem nenhuma informação sobre se A. L. Shepherd preenchia os requisitos para recorrer a esse procedimento nos termos do direito norte‑americano ou se estava impedido de o fazer em virtude de (como salienta o órgão jurisdicional de reenvio) não se opor absolutamente ao uso da força armada. Neste aspeto, chamo a atenção para o ponto 1‑5(a)(4) do Regulamento do Exército 600‑43, segundo o qual «os pedidos de qualificação como objetor de consciência apresentados pelo pessoal após o início do serviço militar não serão objeto de uma apreciação favorável quando tenham por [...] fundamento a objeção a uma determinada guerra». Obviamente, não sei como esta disposição tem sido interpretada na prática pelos tribunais militares nos Estados Unidos.

75.      Cabe às autoridades nacionais apurar (se necessário, com base em depoimentos de peritos) se A. L. Shepherd tem razão ao considerar que não teria preenchido os requisitos para qualificação como objetor de consciência ao abrigo do direito norte‑americano. Caso pudesse ter recorrido àquele procedimento com uma probabilidade razoável de ser bem‑sucedido e não o fez, não vislumbro qualquer razão válida para considerar que preenche os requisitos de concessão do estatuto de refugiado com fundamento numa perseguição que (com base neste pressuposto) poderia ter evitado sem pôr em causa as suas convicções. Em contrapartida, se, enquanto membro do pessoal no ativo, estivesse impedido de requerer o estatuto de objetor de consciência com base na sua oposição a um novo período de destacamento no Iraque, o facto de não ter apresentado um pedido nesse sentido não pode ter qualquer influência no seu pedido de concessão do estatuto de refugiado ao abrigo do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83.

 Quanto à oitava questão

76.      Na oitava questão, o órgão jurisdicional de reenvio solicita orientações sobre dois «atos de perseguição» distintos identificados na Diretiva 2004/83: «medidas legais, administrativas, policiais e/ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória» [artigo 9.°, n.° 2, alínea b)], e «ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias» [artigo 9.°, n.° 2, alínea c)]. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a expulsão do exército no seguimento da condenação a uma pena de prisão, a marginalização social e as desvantagens sociais daí resultantes constituem atos de perseguição para efeitos das referidas disposições.

77.      A oitava questão apresenta‑se como uma questão autónoma. Ao abordá‑la, recordo que o direito ao estatuto de refugiado só existe se houver um nexo entre um ato de perseguição na aceção do artigo 9.° e um dos motivos da perseguição referidos no artigo 10.° (57). Todas as partes que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, incluindo A. L. Shepherd, reconhecem que os Estados podem aplicar sanções ao pessoal militar que se recuse a continuar a cumprir o serviço militar se a sua deserção não se basear em razões válidas de consciência e desde que as sanções e os procedimentos conexos cumpram as normas internacionais. Por conseguinte, entendo que a oitava questão só é relevante se as autoridades nacionais concluírem que A. L. Shepherd não tinha motivos plausíveis para acreditar que corria o risco de cometer crimes de guerra se fosse novamente destacado para o Iraque [pelo que, nesse caso, não está abrangido pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea e)], mas considerem, porém, que cumpre os requisitos de ambos os travessões do artigo 10.°, n.° 1, alínea d) (pertença a um grupo social específico) ou que está abrangido pelo artigo 10.°, n.° 1, alínea e), devido à sua opinião política sobre a condição da guerra do Iraque. Nessa perspetiva, A. L. Shepherd pode talvez ser descrito como um «desertor com consciência».

78.      O julgamento dessa pessoa em tribunal militar e a sua punição é uma medida discriminatória ou desproporcionada abrangida pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea b) ou pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva 2004/83?

79.      Um processo militar e/ou a expulsão do exército enquadram‑se claramente na expressão «medidas legais, administrativas, policiais e/ou judiciais» constante do artigo 9.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2004/83. No entanto, o requerente tem de demonstrar que essas medidas são, elas mesmas, discriminatórias ou que são aplicadas de forma discriminatória. Uma vez que A. L. Shepherd invoca o artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2004/83 (pertença a um grupo social específico), é necessário, naquela apreciação, determinar se existem nos Estados Unidos grupos sociais comparáveis àquele a que A. L. Shepherd alega pertencer, na medida em que se encontrem numa posição semelhante, bem como se é mais provável que o seu grupo seja vítima de discriminação do que o grupo comparável e se existe justificação para qualquer aparente diferença de tratamento entre ambos. Uma vez que dos autos não constam quaisquer elementos que indiquem que aquele tipo de discriminação é relevante para o presente caso, cabe às autoridades nacionais fazer uma apreciação aprofundada dos factos e circunstâncias para apurar a verdade.

80.      Do mesmo modo, é impossível determinar, em abstrato, se um eventual julgamento seria uma medida desproporcionada ou discriminatória, ou se a pena que seria provavelmente aplicada a A. L. Shepherd, caso este fosse condenado por deserção (58), seria desproporcionada; e, por conseguinte, se o artigo 9.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva 2004/83 seria aplicável. Em termos gerais, na apreciação da proporcionalidade do julgamento ou da pena aplicada por deserção, importa determinar se esses atos excedem o que é necessário para o Estado em causa exercer o seu legítimo direito a manter uma força armada. As penas descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio não parecem, à primeira vista, desproporcionadas. Em última análise, cabe, mais uma vez, às autoridades nacionais apreciar tais questões à luz das circunstâncias do caso concreto.

81.      Por uma questão de exaustividade, gostaria de acrescentar que os critérios seriam os mesmos se fosse invocado o artigo 10.°, n.° 1, alínea e) (opinião política) como motivo da perseguição. No entanto, uma vez que o conceito de «grupo social» não é relevante para aquele motivo, qualquer pessoa na posição de A. L. Shepherd teria grande dificuldade em provar a existência de discriminação apenas com base na sua posição individual. Provavelmente, seria igualmente difícil identificar um grupo adequado que servisse de base à comparação que seria necessária.

82.      A marginalização social não está identificada como um «ato de perseguição» no artigo 9.°, n.° 2, da Diretiva 2004/83 e, em meu entender, também não se enquadra facilmente no artigo 9.°, n.° 2, alíneas b) ou c). Dito isto, é evidente que a lista do artigo 9.°, n.° 2, não é exaustiva. O facto de a marginalização social resultar de atos de «agentes não estatais» [na aceção do artigo 6.°, alínea c), da Diretiva 2004/83] não obsta per se à sua qualificação como (mais um) ato de perseguição na aceção do artigo 9.°, n.° 2.

83.      Contudo, para fundamentarem validamente um pedido de concessão do estatuto de refugiado, os atos de perseguição na aceção do artigo 9.°, n.° 2, da Diretiva 2004/83 devem «[s]er suficientemente graves devido à sua natureza para constituírem grave violação dos direitos humanos fundamentais» [artigo 9.°, n.° 1, alínea a)] (59), ou «[c]onstituir um cúmulo de várias medidas, incluindo violações dos direitos humanos suficientemente graves para afetar o indivíduo de forma semelhante» [artigo 9.°, n.° 1, alínea b)]. O Tribunal de Justiça não dispõe de quaisquer informações que indiquem se o possível julgamento, punição ou marginalização social a que A. L. Shepherd poderia estar sujeito caso regressasse aos Estados Unidos seriam ou não suficientemente graves para que aquele requisito estivesse preenchido. Estas são (mais uma vez) questões que deverão ser apuradas pelas autoridades nacionais competentes, estando as suas conclusões sujeitas à fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais.

 Conclusão

84.      À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas pelo Bayerisches Verwaltungsgericht München nos seguintes termos:

«―      O âmbito de aplicação do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida, abrange o pessoal militar que não participa diretamente nas operações de combate, nos casos em que esse pessoal possa, no âmbito do cumprimento do serviço militar, ser levado a instigar ou participar de outra forma na prática do tipo de crimes ou atos referidos naquela disposição.

―      Para determinar se é esse o caso, as autoridades nacionais devem analisar: i) se existe uma ligação direta entre os atos da pessoa em causa e a probabilidade razoável de serem cometidos crimes de guerra, por os seus atos constituírem um elemento necessário desses crimes e por, sem o seu contributo ou sem o contributo de todos os indivíduos na sua situação, os crimes de guerra ou atos não serem possíveis; ii) se existem motivos objetivos para considerar que a pessoa em causa poderia vir a estar envolvida na prática de crimes de guerra. Naquele contexto, é incompatível com o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83 aplicar: a) o grau de exigência probatória aplicado nos processos penais (por exemplo, ‘para além de qualquer dúvida razoável’) ou b) os princípios decorrentes do direito penal internacional.

―      O facto de as autoridades do país da nacionalidade do requerente submeterem a julgamento os autores de crimes de guerra não obsta a que aquele invoque o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83; um eventual processo perante o Tribunal Penal Internacional é igualmente irrelevante para esta questão.

―      A existência de um mandato do Conselho de Segurança das Nações Unidas que abranja o conflito em questão não obsta à apresentação de pedidos de concessão do estatuto de refugiado com base no artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83.

―      Uma pessoa que se recuse a cumprir o serviço militar não preenche os requisitos para obter o estatuto de refugiado ao abrigo do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83, a menos que tenha recorrido primeiro, sem sucesso, aos procedimentos eventualmente estabelecidos para pedir o estatuto de objetor de consciência ou que provavelmente não tenha acesso a tais procedimentos.

―      Para determinar se uma pessoa que se recusa a cumprir o serviço militar pode ser considerada membro de um grupo social específico na aceção do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2004/83, é necessário tomar em consideração: i) se possui uma convicção suficientemente válida, séria, coerente e importante; e ii) se, em virtude dessa convicção, preenche os requisitos do primeiro travessão do artigo 10, n.° 1, alínea d), na medida em que a sua objeção resulta de uma crença fundamental para a sua consciência; e iii) se as pessoas com aquela convicção são consideradas diferentes no seu país de origem na aceção do segundo travessão do artigo 10.°, n.° 1, alínea d).

―      Se um requerente invocar o artigo 9.°, n.° 2, alínea b) e o artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2004/83, as autoridades nacionais competentes devem determinar se a expulsão do exército e uma pena de prisão são medidas discriminatórias pelo facto de o requerente pertencer a um grupo social específico. No âmbito daquela apreciação, é necessário determinar se existem no país em causa grupos sociais comparáveis àquele a que o requerente alega pertencer, na medida em que se encontrem numa posição semelhante, bem como se é mais provável que o seu grupo esteja sujeito a um tratamento diferente pelo facto de os seus membros poderem ser julgados num tribunal militar e/ou expulsos do exército e se existe justificação para qualquer aparente diferença de tratamento entre ambos.

―      Se um requerente invocar o artigo 9.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva 2004/83, as autoridades nacionais devem determinar se o julgamento e punição por deserção é uma medida desproporcionada. Nesse contexto, é necessário apurar se tais atos excedem o que é necessário para o Estado em causa exercer o seu legítimo direito de manter uma força armada.»


1 ―      Língua original: inglês.


2 ―      V. n.os 48 a 59 infra.


3 ―      V. n.os 20 a 23 infra, que contêm um resumo do litígio no processo principal.


4 ―      Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.° 2545 (1954), a seguir «Convenção de Genebra»], que entrou em vigor em 22 de abril de 1954. Foi complementada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967. Este protocolo não é relevante para a decisão sobre o presente pedido de decisão prejudicial.


5 ―      Diretiva do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO L 304, p. 12). Esta diretiva foi revogada e reformulada pela Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011 (JO L 337, p. 9). A redação das disposições pertinentes não sofreu alterações substanciais.


6 ―      Artigo 1.°, secção A, n.° 2, da Convenção de Genebra.


7 ―      O artigo 1.°, secção F, alíneas b) e c), da Convenção de Genebra estabelece, respetivamente, que esta não é aplicável às pessoas que cometeram um grave delito de direito comum fora do país que deu guarida, nem àquelas que praticaram atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.


8 ―      Assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).


9 ―      JO 2010, C 83, p. 389.


10 ―      Considerandos 1 a 4. V., também, Diretiva 2005/85/CE do Conselho, de 1 de dezembro de 2005, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros (JO L 326, p. 13), que é aplicável a todos os pedidos de asilo apresentados no território da União Europeia.


11 ―      Considerandos 1 a 4, 6, 7, 8, 10, 11 e 17.


12 ―      Considerando 10.


13 ―      Considerando 11.


14 ―      Artigo 2.°, alínea c).


15 ―      Artigo 4.°, n.° 1.


16 ―      Artigo 6.°


17 ―      Artigo 7.°, n.° 1.


18 ―      Artigo 7.°, n.° 2.


19 ―      Os direitos inalienáveis referidos no artigo 15.°, n.° 2, da CEDH são o direito à vida (artigo 2.°), a proibição da tortura e a proibição da escravatura e do trabalho forçado (respetivamente, artigos 3.° e 4.°) e o direito de não ser punido sem um processo judicial equitativo anterior (artigo 7.°).


20 ―      Artigo 9.°, n.° 1.


21 ―      Artigo 9.°, n.° 2, alínea b).


22 ―      Artigo 9.°, n.° 2, alínea c).


23 ―      Artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/83. A versão inglesa desta disposição («prosecution or punishment for refusal to perform military service in a conflict, where performing military service would include crimes or acts [...]») não menciona a práticacommission») de crimes ou atos; em meu entender, a utilização da palavra «include» naquela versão é algo estranha. A versão francesa tem a seguinte redação: «[…] en cas de conflit lorsque le service militaire supposerait de commettre des crimes ou d’accomplir des actes […]». Creio que esta redação é mais consentânea com o sentido da disposição. V., também, n.os 35 e 37 infra.


24 ―      Artigo 9.°, n.° 3.


25 ―      Artigo 12.°, n.° 2, alínea a). A redação do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), é semelhante à do artigo 1.°, secção F, alíneas b) e c), da Convenção de Genebra (v. nota 7 supra).


26 ―      Artigo 12.°, n.° 3.


27 ―      Artigo 13.°


28 ―      V. § 3, n.os 1 e 2, da Lei sobre o procedimento de asilo (Asylverfahrensgesetz).


29 ―      V. § 60, n.° 1, da Lei sobre a residência (Aufenthaltsgesetz).


30 ―      Estatuto do Tribunal Penal Internacional, assinado em Roma em 17 de julho de 1998, que entrou em vigor em 1 de julho de 2002 (a seguir «Estatuto de Roma»). O órgão jurisdicional de reenvio explica que o Bundesamt considera que a participação na prática de um crime exige, de um modo geral, que o ato em causa seja cometido intencionalmente e com conhecimento (v. artigo 30.° do Estatuto de Roma).


31 ―      V., também, n.os 47 a 60 infra.


32 ―      V. nota introdutória à Convenção de Genebra do Alto‑Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, de dezembro de 2010; v., ainda, artigo 35.° da Convenção de Genebra, artigos 8.°, n.° 2, alínea b), e 21.° da Diretiva 2005/85 e considerando 15 da Diretiva 2004/83. O ACNUR elaborou vários documentos úteis, entre os quais as Diretrizes sobre Proteção Internacional n.° 10 relativas aos pedidos de concessão do estatuto de refugiado relacionados com o serviço militar no contexto do artigo 1.°, secção A, n.° 2, da Convenção de Genebra e as Diretrizes sobre a aplicação das cláusulas de exclusão: artigo 1.°, secção F, da Convenção de Genebra (a seguir «Diretrizes do ACNUR sobre as cláusulas de exclusão»). Embora nenhum destes documentos seja juridicamente vinculativo, ambos refletem, ainda assim, princípios de direito internacional.


33 ―      V. considerando 15 da Diretiva 2004/83.


34 ―      Acórdãos Salahadin Abdulla e o. (C‑175/08, C‑176/08, C‑178/08 e C‑179/08, EU:C:2010:105, n.° 52); Y e Z (C‑71/11 e C‑99/11, EU:C:2012:518, n.° 47); e X e o. (C‑199/12 a C‑201/12, EU:C:2013:720, n.° 39).


35 ―      Acórdão X e o. (EU:C:2013:720, n.° 40). V., também, artigo 10.° da Carta.


36 ―      Os elementos mencionados no artigo 4.°, n.° 1, encontram‑se discriminados no artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2004/83. V., também, acórdão M. (C‑277/11, EU:C:2012:744, n.° 73).


37 ―      O sublinhado é meu.


38 ―      O artigo 12.°, n.° 3, refere que o artigo 12.°, n.° 2, se aplica às pessoas que tenham instigado ou participado de outra forma na prática de crimes de guerra ou atos nele referidos.


39 ―      V. considerandos 1 e 6 da Diretiva 2004/83.


40 ―      V. nota 23 supra.


41 ―      A Diretiva 2004/83 foi adotada em 29 de abril de 2004. À data da sua adoção, as línguas oficiais da União eram o alemão, dinamarquês, espanhol, finlandês, francês, grego, inglês, italiano, neerlandês, português e sueco. O artigo 9.°, n.° 2, alínea e), encontra‑se redigido no modo condicional (ou com valor de condicional) em quase todas aquelas línguas.


42 ―      Os objetivos e princípios da Organização das Nações Unidas (ONU) encontram‑se estabelecidos no capítulo I da respetiva Carta (Carta das Nações Unidas e Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça). Em relação aos seus membros, esses princípios abrangem o reconhecimento da igualdade soberana, a resolução de controvérsias internacionais por meios pacíficos e a abstenção do recurso à ameaça ou ao uso da força nas suas relações internacionais (artigo 2.° da Carta das Nações Unidas).


43 ―      Assinado em Londres, em 8 de agosto de 1945.


44 ―      V., designadamente, ponto 11 das Diretrizes do ACNUR sobre as cláusulas de exclusão.


45 ―      V., designadamente, ponto 13 das Diretrizes do ACNUR sobre as cláusulas de exclusão.


46 ―      O órgão jurisdicional de reenvio refere que A. L. Shepherd considerava que a guerra no Iraque era contrária ao direito internacional (v. n.° 3 supra). Nem o Tribunal de Justiça nem as autoridades nacionais são competentes para se pronunciarem sobre a legalidade daquela guerra no caso de A. L. Shepherd. Trata‑se de uma questão que deve ser debatida pelos especialistas em direito internacional e, sem dúvida, pelos líderes políticos. Em 16 de setembro de 2004, Kofi Annan (o então Secretário‑Geral da ONU) declarou que a invasão do Iraque em 2003 era contrária à Carta das Nações Unidas. Porém, após aquela declaração, foram adotadas diversas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas relacionadas com o Iraque.


47 ―      V. considerando 11 da Diretiva 2004/83 e artigo 8.° do Estatuto de Roma.


48 ―      V., designadamente, ponto 12 das Diretrizes do ACNUR sobre as cláusulas de exclusão.


49 ―      V. n.° 37 supra.


50 ―      V. artigo 13.° da Diretiva 2004/83.


51 ―      V. TEDH, acórdão Bayatyan c. Arménia de 7 de julho de 2011, n.° 234559/03, Coletânea dos acórdãos e decisões 2011‑IV, § 110.


52 ―      Assim, a relevância do artigo 10.°, n.° 2, da Carta para o caso de A. L. Shepherd depende da legislação nacional que rege a objeção de consciência no Estado‑Membro em causa (a República Federal da Alemanha, onde foi apresentado o pedido de asilo). Trata‑se de uma matéria cuja apreciação cabe às autoridades nacionais, estando sujeita à fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais. Relativamente à posição de A. L. Shepherd como cidadão norte‑americano e antigo membro das forças armadas norte‑americanas, v. n.os 74 e 75 infra.


53 ―      V., designadamente, ponto 3 das Diretrizes n.° 10 do ACNUR.


54 ―      Chamo a atenção para o facto de, uma vez que os Estados Unidos não são partes contratantes no Tribunal Penal Internacional, as disposições do Estatuto desse tribunal não poderem, de qualquer modo, ser aplicadas ao caso de A. L. Shepherd.


55 ―      Um exemplo chocante é o massacre de Mӱ Lai cometido durante a guerra do Vietname. Dos 26 soldados norte‑americanos julgados pela prática de crimes em Mӱ Lai, apenas o tenente William Calley Jr. foi condenado. Mais recentemente, o procurador do Tribunal Penal Internacional abriu inquéritos relativos às situações no Uganda e na República Democrática do Congo. Relativamente a esta última, o processo Prosecutor c. Thomas Lubanga Dyilo resultou na condenação do arguido.


56 ―      Com efeito, tem corrido muita tinta a respeito da questão de saber se e em que circunstâncias é possível caracterizar uma guerra como «legítima» e/ou «justa». A teoria da guerra justa (jus bellum iustum), inicialmente apresentada por Santo Agostinho de Hipona (354‑430), foi, de forma célebre, desenvolvida por São Tomás de Aquino (1225‑1274) na Summa Theologica. As análises posteriores distinguiram gradualmente entre regras que respeitam à justiça da guerra (jus ad bellum), as que respeitam à conduta justa e equitativa (jus in bello) e a responsabilidade e imputabilidade das partes beligerantes após a guerra (jus post bellum). São geralmente considerados princípios da justiça da guerra: ter uma causa justa, ser o último recurso, ser declarada por uma autoridade idónea, ter uma finalidade correta, ter uma possibilidade razoável de êxito, e haver proporcionalidade entre os fins e os meios empregues. Cada elemento está sujeito a crítica.


57 ―      Artigo 9.°, n.° 3.


58 ―      A decisão de reenvio refere que «[o] Bundesamt deu como provado que A. L. Shepherd enfrenta uma pena de prisão por deserção entre 100 dias e 15 meses, embora a pena máxima seja de cinco anos».


59 ―      Em especial, os direitos inalienáveis identificados no artigo 15.°, n.° 2, da CEDH (v. nota 19 supra).