Language of document : ECLI:EU:C:2014:2081

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

17 de julho de 2014 (*)

«Reenvio prejudicial — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Diretiva 95/46/CE — Artigos 2.°, 12.° e 13.° — Conceito de ‘dados pessoais’ — Alcance do direito de acesso da pessoa em causa — Dados relativos ao requerente de uma autorização de residência e análise jurídica que figuram num documento administrativo preparatório da decisão — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 8.° e 41.°»

Nos processos apensos C‑141/12 e C‑372/12,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Rechtbank Middelburg (C‑141/12) e pelo Raad van State (C‑372/12) (Países Baixos), por decisões, respetivamente, de 15 de março de 2012 e de 1 de agosto de 2012, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 20 de março de 2012 e 3 de agosto de 2012, nos processos

YS (C‑141/12)

contra

Minister voor Immigratie, Integratie en Asiel,

e

Minister voor Immigratie, Integratie en Asiel (C‑372/12)

contra

M,

S,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič (relator), presidente de secção, C. G. Fernlund, A. Ó Caoimh, C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 3 de julho de 2013,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação de YS, M e S, por B. Scholten, J. Hoftijzer e I. Oomen, advocaten,

—        em representação do Governo neerlandês, por B. Koopman e C. Wissels, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

—        em representação do Governo helénico, por E.‑M. Mamouna e D. Tsagkaraki, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo francês, por D. Colas e S. Menez, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

—        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e C. Vieira Guerra, na qualidade de agentes,

—        em representação da Comissão Europeia, por B. Martenczuk, P. van Nuffel e C. ten Dam, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 12 de dezembro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação dos artigos 2.°, alínea a), 12.°, alínea a), e 13.°, n.° 1, alíneas d), f) e g), da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO L 281, p. 31), bem como dos artigos 8.°, n.° 2, e 41.°, n.° 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem, por um lado, YS, nacional de um país terceiro que apresentou um pedido de autorização de residência temporária nos Países Baixos, ao minister voor Immigratie, Integratie en Asiel (Ministro da Imigração, Integração e Asilo, a seguir «minister») e, por outro, o minister a M e a S, também nacionais de países terceiros que apresentaram o mesmo pedido, a propósito da recusa do minister em comunicar aos referidos nacionais uma cópia de um documento administrativo elaborado antes da adoção das decisões relativas aos seus pedidos de autorização de residência.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A Diretiva 95/46 que, segundo o seu artigo 1.°, tem por objeto a proteção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente do direito à vida privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais, e a eliminação dos obstáculos à livre circulação desses dados, enuncia nos seus considerandos 25 e 41:

«(25) Considerando que os princípios de proteção devem encontrar expressão, por um lado, nas obrigações que impendem sobre as pessoas […] responsáveis pelo tratamento de dados, em especial no que respeita à qualidade dos dados, à segurança técnica, à notificação à autoridade de controlo, às circunstâncias em que o tratamento pode ser efetuado, e, por outro, nos direitos das pessoas cujos dados são tratados serem informadas sobre esse tratamento, poderem ter acesso aos dados, poderem solicitar a sua retificação e mesmo, em certas circunstâncias, poderem opor‑se ao tratamento;

[…]

(41)      Considerando que todas as pessoas devem poder beneficiar do direito de acesso aos dados que lhes dizem respeito e que estão em fase de tratamento, a fim de assegurarem, nomeadamente, a sua exatidão e a licitude do tratamento; […]»

4        O conceito de «dados pessoais» é definido no artigo 2.°, alínea a), da diretiva como «qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (‘pessoa em causa’)».

5        O artigo 12.° desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de acesso», dispõe:

«Os Estados‑Membros garantirão às pessoas em causa o direito de obterem do responsável pelo tratamento:

a)      Livremente e sem restrições, com periodicidade razoável e sem demora ou custos excessivos:

—        a confirmação de terem ou não sido tratados dados que lhes digam respeito, e informações pelo menos sobre os fins a que se destina esse tratamento, as categorias de dados sobre que incide e os destinatários ou categorias de destinatários a quem são comunicados os dados,

—        a comunicação, sob forma inteligível, dos dados sujeitos a tratamento e de quaisquer informações disponíveis sobre a origem dos dados;

[…]

b)      Consoante o caso, a retificação, o apagamento ou o bloqueio dos dados cujo tratamento não cumpra o disposto na presente diretiva, nomeadamente devido ao caráter incompleto ou inexato desses dados;

c)      A notificação aos terceiros a quem os dados tenham sido comunicados de qualquer retificação, apagamento ou bloqueio efetuado nos termos da alínea b), salvo se isso for comprovadamente impossível ou implicar um esforço desproporcionado.»

6        Segundo o artigo 13.°, n.° 1, da referida diretiva, sob a epígrafe «Derrogações e restrições»:

«Os Estados‑Membros podem tomar medidas legislativas destinadas a restringir o alcance das obrigações e direitos referidos no […] artigo 12.°, sempre que tal restrição constitua uma medida necessária à proteção:

[…]

d)      Da prevenção, investigação, deteção e repressão de infrações penais e de violações da deontologia das profissões regulamentadas;

[…]

f)      De missões de controlo, de inspeção ou de regulamentação associadas, ainda que ocasionalmente, ao exercício da autoridade pública, nos casos referidos nas alíneas c), d) e e);

g)      De pessoa em causa ou dos direitos e liberdades de outrem.»

7        O artigo 14.° da mesma diretiva estabelece que os Estados‑Membros reconhecerão à pessoa em causa o direito de, em determinadas condições, se opor a que os dados que lhe digam respeito sejam objeto de tratamento.

8        Nos termos dos artigos 22.° e 23.°, n.° 1, da Diretiva 95/46, os Estados‑Membros estabelecerão que qualquer pessoa poderá recorrer judicialmente em caso de violação dos direitos garantidos pelas disposições nacionais aplicáveis ao tratamento em questão e que qualquer pessoa que tiver sofrido um prejuízo devido ao tratamento ilícito de dados ou a qualquer outro ato incompatível com as disposições nacionais de execução da referida diretiva tem o direito de obter do responsável pelo tratamento a reparação pelo prejuízo sofrido.

 Direito neerlandês

9        Os artigos 2.°, 12.°, e 13.° da Diretiva 95/46 foram transpostos para o direito interno, respetivamente, pelos artigos 1.°, 35.° e 43.° da Lei relativa à proteção de dados pessoais (Wet bescherming persoonsgegevens, a seguir «Wbp»).

10      O artigo 35.° da Wbp tem a seguinte redação:

«O interessado tem o direito de solicitar ao responsável, livremente e sem restrições com periodicidade razoável, que lhe seja indicado se foram ou não tratados dados pessoais que lhe digam respeito. O responsável comunica por escrito ao interessado, num prazo de quatro semanas, se foram ou não tratados dados pessoais que lhe digam respeito.

Se esses dados tiverem sido tratados, a comunicação deve conter uma descrição completa dos mesmos, sob forma inteligível, uma descrição do fim ou fins a que se destina esse tratamento, uma indicação das categorias de dados sobre que incide e uma indicação dos destinatários ou categorias de destinatários a quem são comunicados os dados, e as informações disponíveis sobre a origem dos dados.»

11      Nos termos do artigo 43.°, alínea e), da Wbp, o responsável pode não aplicar o artigo 35.°, na medida em que tal se revele necessário no interesse da proteção da pessoa em causa ou dos direitos e liberdades de outrem.

12      Em conformidade com o artigo 29.°, n.° 1, alínea a), da Lei de 2000 sobre os estrangeiros (Vreemdelingenwet 2000, a seguir «Vw 2000»), pode ser concedida uma autorização de residência temporária ao estrangeiro que tenha o estatuto de refugiado. Segundo o artigo 29.°, n.° 1, alínea b), desta lei, essa autorização também pode ser concedida ao estrangeiro que demonstre ter razões fundadas para supor que, em caso de expulsão, corre um risco real de ser submetido a pena de morte ou a execução, torturas, penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, ou a ameaças graves e individuais contra a vida ou a integridade física de um civil, resultantes de violência indiscriminada em situações de conflito armado interno ou internacional.

 Litígios no processo principal e questões prejudiciais

13      O funcionário do Serviço de Imigração e Naturalização encarregado de tramitar os pedidos de autorização de residência redige, quando não tem poderes para assinar, um projeto de decisão que é submetido à apreciação de um revisor dentro desse serviço. Esse funcionário anexa ao referido projeto um documento em que expõe ao revisor os motivos que fundamentam o seu projeto de decisão (a seguir «minuta»). Quando o referido funcionário dispõe ele próprio da competência para assinar, a minuta não é submetida a um revisor, mas é utilizada como exposição de motivos do processo decisório destinado a justificar a decisão internamente. A minuta faz parte do processo preparatório no referido serviço, mas não da decisão final, ainda que algumas considerações que aí figuram possam ser retomadas na fundamentação da referida decisão.

14      Geralmente, a minuta contém os seguintes elementos: o nome, o número de telefone e do escritório do funcionário encarregado da preparação da decisão; casas destinadas a rubricas e aos nomes dos revisores; dados relativos ao requerente como o nome, a data de nascimento, a nacionalidade, o sexo, a etnia, a religião e a língua; dados relativos aos antecedentes do processo; elementos relativos às declarações feitas e às peças apresentadas pelo requerente; as disposições jurídicas aplicáveis e, por último, uma apreciação dos elementos já referidos relativamente às disposições jurídicas aplicáveis. Essa apreciação designa‑se «análise jurídica».

15      Consoante os casos, o alcance da análise jurídica é mais ou menos desenvolvido, podendo ir de algumas frases até algumas páginas. Numa análise exaustiva, o funcionário encarregado de preparar a decisão aborda, por exemplo, a credibilidade das declarações prestadas e indica as razões pelas quais considera que uma autorização de residência pode ou não ser conferida ao requerente. Uma análise sumária pode limitar‑se a fazer referência à execução de uma determinada orientação política.

16      Até 14 de julho de 2009, o minister costumava comunicar as minutas mediante simples pedido. Por considerar que o número desses pedidos implicava uma carga de trabalho excessiva, que os interessados geralmente interpretavam as análises jurídicas incluídas nas minutas que lhes eram comunicadas de forma errada e que, devido a essa comunicação, essas minutas continham cada vez menos a troca de pontos de vista dentro do Serviço de Imigração e Naturalização, o minister abandonou essa prática.

17      A partir desse momento, os pedidos de comunicação de uma minuta foram sistematicamente indeferidos. Em vez de obter uma cópia da minuta, o requerente passou a receber uma súmula dos dados pessoais que figuram nesse documento, incluindo uma listagem relativa à origem desses dados e, se for caso disso, os organismos aos quais foram comunicados.

 Processo C‑141/12

18      Em 13 de janeiro de 2009, YS apresentou um pedido de autorização de residência temporária ao abrigo do direito de asilo. Esse pedido foi indeferido por decisão de 9 de junho de 2009. Esta decisão foi revogada por carta de 9 de abril de 2010 e o pedido foi novamente indeferido por decisão de 6 de julho de 2010.

19      Por carta de 10 de setembro de 2010, YS solicitou a comunicação da minuta relativa à decisão de 6 de julho de 2010.

20      Por decisão de 24 de setembro de 2010, essa comunicação foi recusada. Esta decisão dá, contudo, uma descrição dos dados que figuram na minuta, da origem desses dados e das entidades às quais foram transmitidos. YS apresentou uma reclamação dessa recusa de comunicação, que foi indeferida por decisão de 22 de março de 2011.

21      YS interpôs então recurso dessa decisão no Rechtbank Middelburg (tribunal de Middelburg), alegando que legalmente não lhe podia ser recusado o acesso à referida minuta.

22      Assim sendo, o Rechtbank Middelburg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Os dados reproduzidos na minuta e que são relativos à pessoa em [causa] são dados pessoais na aceção do artigo 2.°, alínea a), da [Diretiva 95/46]?

2)      A análise jurídica que figura na minuta é um dado pessoal na aceção da referida disposição?

3)      Se o Tribunal de Justiça confirmar que os dados acima descritos são dados pessoais, a autoridade pública de tratamento dos dados deve, nos termos do artigo 12.° da [Diretiva 95/46] e do artigo 8.°, n.° 2, da [Carta], facultar o acesso a estes dados pessoais?

4)      Neste contexto, pode [a pessoa em causa] invocar também o artigo 41.°, n.° 2, alínea b), da [Carta] e, em caso afirmativo, devem os termos ‘no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade’ do processo de decisão, contidos na referida disposição, ser interpretados no sentido de que o direito de acesso à minuta pode ser recusado com esse fundamento?

5)      [Quando] o interessado [solicita] o acesso à minuta, a autoridade pública de tratamento dos dados deve fornecer uma cópia deste documento a fim de, deste modo, respeitar o direito de acesso?»

 Processo C‑372/12

 Litígio relativo a M

23      Por decisão de 28 de outubro de 2009, o minister concedeu a M uma autorização de residência temporária enquanto requerente de asilo, nos termos do artigo 29.°, n.° 1, alínea b), da Vw 2000. Essa decisão não estava fundamentada, uma vez que não indicava a forma como o processo tinha sido apreciado pelo Serviço da Imigração e Naturalização.

24      Por carta de 30 de outubro de 2009, M solicitou, nos termos do artigo 35.° da Wbp, o acesso à minuta relativa a essa decisão.

25      Por decisão de 4 de novembro de 2009, o minister recusou o acesso a essa minuta a M. Fundamentou essa recusa no artigo 43.°, alínea e), da Wbp, por considerar que o acesso a tal documento podia prejudicar a liberdade do funcionário encarregado de nela fazer constar um certo número de argumentos ou considerações suscetíveis de serem pertinentes no âmbito do processo decisório.

26      Tendo a reclamação relativa a essa recusa sido indeferida por decisão de 3 de dezembro de 2010, M interpôs recurso da mesma no Rechtbank Middelburg. Por decisão de 16 de junho de 2011, esse órgão jurisdicional considerou que o interesse invocado pelo minister para recusar o acesso à minuta não constituía um interesse protegido pelo artigo 43.°, alínea e), da Wbp e anulou essa decisão, dado que esta se baseava numa fundamentação jurídica errada. Decidiu, além disso, que não havia motivos para manter os efeitos jurídicos da referida decisão, uma vez que o minister não deu, em violação do artigo 35.°, n.° 2, da Wbp, acesso à análise jurídica que figura na minuta, a qual poderia revelar por que razões M não podia obter o estatuto de refugiado, na aceção do artigo 29.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Vw 2000.

 Litígio relativo a S

27      Por decisão não fundamentada de 10 de fevereiro de 2010, o minister concedeu a S uma autorização de residência temporária ordinária em razão de «circunstâncias dramáticas». Por carta de 19 de fevereiro de 2010, S solicitou, nos termos do artigo 35.° da Wbp, que lhe fosse comunicada a minuta relativa a essa decisão.

28      Esse pedido foi indeferido por decisão de 31 de março de 2010, que foi confirmada, na sequência de uma reclamação, por decisão de 21 de outubro de 2010. Nesta, o minister defendia que a decisão de 31 de março de 2010 já indicara os dados pessoais incluídos na minuta e que essa decisão respondia, assim, ao pedido de acesso. Considerava, além disso, que a Wbp não confere o direito de acesso à minuta.

29      Por decisão de 4 de agosto de 2011, o Rechtbank Amsterdam (tribunal de Amesterdão) deu provimento ao recurso interposto por S da decisão de 21 de outubro de 2010 e anulou‑a. Esse órgão jurisdicional considerou, designadamente, que a minuta em causa não continha outras informações para além dos dados pessoais relativos a S, que este tinha o direito de aceder aos mesmos com base na Wbp e que a recusa de acesso invocada pelo minister não era validamente justificada.

30      Tanto no litígio relativo a M como no relativo a S, o minister decidiu recorrer para o Raad van State (Conselho de Estado).

31      Nestas condições, o Raad van State decidiu apensar os processos relativos a M e S, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 12.°, proémio e alínea a), segundo travessão, da [Diretiva 95/46] ser interpretado no sentido de que existe um direito de obter cópias dos documentos nos quais dados pessoais são objeto de um tratamento, ou é suficiente a comunicação de uma descrição completa, sob forma inteligível, dos dados pessoais sujeitos a tratamento nos documentos em questão?

2)      Deve a expressão ‘direito de aceder’, constante do artigo 8.°, n.° 2, da [Carta], ser interpretada no sentido de que existe um direito de obter cópias dos documentos nos quais dados pessoais são objeto de um tratamento, ou é suficiente que seja fornecida a descrição completa, sob forma inteligível, dos dados pessoais sujeitos a tratamento nos documentos em questão, na aceção do artigo 12.°, proémio e alínea a), segundo travessão, da [Diretiva 95/46]?

3)      O artigo 41.°, n.° 2, proémio e alínea b), da [Carta] também tem por destinatários os Estados‑Membros da União Europeia, na medida em que apliquem o direito da União, na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da [Carta]?

4)      A consequência, resultante do facto de ser facultado o acesso às ‘minutas’, de estas deixarem de incluir os motivos da adoção de uma determinada decisão, o que prejudica a livre troca de opiniões no interior do organismo público em questão e a organização do processo de decisão, constitui um legítimo interesse da confidencialidade, na aceção do artigo 41.°, n.° 2, proémio e alínea b), da [Carta]?

5)      Uma análise jurídica, como a contida numa ‘minuta’, pode ser considerada um dado pessoal na aceção do artigo 2.°, alínea a), da [Diretiva 95/46]?

6)      A proteção dos direitos e das liberdades de terceiros, na aceção do artigo 13.°, n.° 1, proémio e alínea g), da [Diretiva 95/46], também abrange o interesse na livre troca de opiniões no interior do organismo público em questão? Em caso de resposta negativa, este interesse pode ser abrangido pelo artigo 13.°, n.° 1, proémio, e alíneas d) ou f), dessa diretiva?»

32      Por decisão de 30 de abril de 2013, os processos C‑141/12 e C‑372/12 foram apensados para efeitos da fase oral e do acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e à segunda questões no processo C‑141/12 e à quinta questão no processo C‑372/12, relativas ao conceito de «dados pessoais»

33      Com a primeira e a segunda questões no processo C‑141/12 e a quinta questão no processo C‑372/12, que importa examinar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que os dados relativos ao requerente da autorização de residência e a análise jurídica contidos na minuta constituem «dados pessoais» na aceção dessa disposição.

34      Embora todos os interessados que tomaram posição sobre este ponto considerem que os dados relativos ao requerente da autorização de residência, incluídos na minuta, correspondem ao conceito de «dados pessoais» e proponham, por isso, uma resposta afirmativa à primeira questão no processo C‑141/12, as opiniões divergem relativamente à análise jurídica que figura nesse documento administrativo, que é objeto da segunda questão nesse mesmo processo e da quinta questão no processo C‑372/12.

35      Tanto YS, M e S como os Governos helénico, austríaco e português, e a Comissão Europeia consideram que, na medida em que essa análise jurídica se refere a uma pessoa singular concreta e se baseia na sua situação e nas suas características individuais, também se insere no referido conceito. O Governo helénico e a Comissão precisam, todavia, que isso é unicamente válido para análises jurídicas que contenham informações relativas a uma pessoa singular e não para as que contenham apenas uma interpretação jurídica abstrata, ao passo que M e S consideram que mesmo essa interpretação abstrata entra no âmbito de aplicação da referida disposição se for determinante para a apreciação do pedido de autorização de residência e aplicada no caso concreto do requerente.

36      Em contrapartida, segundo os Governos neerlandês, checo e francês, a análise jurídica incluída numa minuta não cabe no conceito de «dados pessoais».

37      A este respeito, há que recordar que o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 95/46 define os dados pessoais como «qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável».

38      Ora, não oferece dúvidas que os dados relativos ao requerente da autorização de residência, que figuram numa minuta, como o nome, a data de nascimento, a nacionalidade, o sexo, a etnia, a religião e a língua constituem informações que dizem respeito a essa pessoa singular, que é identificada nessa minuta designadamente pelo seu nome, e que devem, por conseguinte, ser qualificadas de «dados pessoais» (v., neste sentido, designadamente, acórdão Huber, C‑524/06, EU:C:2008:724, n.os 31 e 43).

39      Em contrapartida, no que respeita à análise jurídica que figura numa minuta, há que concluir que, embora esta possa conter dados pessoais, não constitui, contudo, em si mesma, um dado dessa natureza na aceção do artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 95/46.

40      Com efeito, como salientaram, em substância, a advogada‑geral no n.° 59 das suas conclusões e os Governos neerlandês, checo e francês, essa análise jurídica não constitui uma informação relativa ao requerente da autorização de residência, mas, quanto muito, na medida em que não se limita a uma interpretação puramente abstrata do direito, uma informação relativa à apreciação e à aplicação, pela autoridade competente, desse direito à situação desse requerente, sendo essa situação provada, nomeadamente, através dos dados pessoais relativos à sua pessoa, de que essa entidade dispõe.

41      Essa interpretação do conceito de «dados pessoais», na aceção da Diretiva 95/46, resulta não apenas da redação do seu artigo 2.°, alínea a), mas é igualmente corroborada pelo objetivo e a economia da mesma.

42      Nos termos do artigo 1.° dessa diretiva, esta tem por objeto proteger as liberdades e os direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente a sua vida privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e permitir assim a livre circulação desses dados entre os Estados‑Membros.

43      Segundo o considerando 25 da Diretiva 95/46, os princípios de proteção das pessoas singulares previstos por esta devem encontrar expressão, por um lado, nas obrigações que impendem sobre as pessoas responsáveis pelo tratamento de dados que dizem respeito àquelas pessoas e, por outro, nos direitos de as pessoas cujos dados são tratados serem informadas sobre esse tratamento, poderem ter acesso aos dados, poderem solicitar a sua retificação e mesmo, em certas circunstâncias, poderem opor‑se ao tratamento.

44      Quanto aos direitos do interessado, referidos na Diretiva 95/46, há que recordar que a proteção do direito fundamental ao respeito da vida privada implica, designadamente, que essa pessoa possa assegurar‑se de que os dados pessoais que lhe dizem respeito são exatos e que são tratados de forma lícita. Como resulta do considerando 41 dessa diretiva, é para poder efetuar as verificações necessárias que a pessoa em causa dispõe, em virtude do artigo 12.°, alínea a), da mesma, de um direito de acesso aos dados que lhe digam respeito que são objeto de tratamento. Esse direito de acesso é necessário, designadamente, para permitir à pessoa em causa obter, se for caso disso, por parte do responsável pelo tratamento, a retificação, apagamento ou bloqueio desses dados e, por conseguinte, exercer o direito previsto no artigo 12.°, alínea b), da referida diretiva (v., neste sentido, acórdão Rijkeboear, C‑553/07, EU:C:2009:293, n.os 49 e 51).

45      Ora, ao contrário dos dados relativos ao requerente da autorização de residência que figuram na minuta e que podem constituir a base factual da análise jurídica nela incluída, essa análise não é, em si mesma, como observaram os Governos neerlandês e francês, suscetível de ser objeto de uma verificação da sua exatidão por esse requerente e de uma retificação nos termos do artigo 12.°, alínea b), da Diretiva 95/46.

46      Nestas circunstâncias, o facto de alargar o direito de acesso do requerente da autorização de residência a essa análise jurídica não serviria, na realidade, o objetivo dessa diretiva, que consiste em garantir a proteção do direito à vida privada desse requerente relativamente ao tratamento dos dados que lhe dizem respeito, mas o de assegurar um direito de acesso aos documentos administrativos, que não é, todavia, visado pela Diretiva 95/46.

47      Num contexto análogo, no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais pelas instituições da União, regido pelo Regulamento (CE) n.° 45/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2000, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados (JO 2001, L 8, p. 1), por um lado, e o Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43), por outro, o Tribunal de Justiça já declarou, no n.° 49 do acórdão Comissão/Bavarian Lager (C‑28/08 P, EU:C:2010:378), que os referidos regulamentos têm objetivos diferentes e que, ao contrário do Regulamento n.° 1049/2001, o Regulamento n.° 45/2001 não visa assegurar a transparência do processo decisório das autoridades públicas nem promover boas práticas administrativas ao facilitar o exercício do direito de acesso aos documentos. Essa constatação é igualmente válida para a Diretiva 95/46 cujo objetivo corresponde, em substância, ao do Regulamento n.° 45/2001.

48      Resulta de todas as considerações anteriores que há que responder à primeira e à segunda questões no processo C‑141/12 e à quinta questão no processo C‑372/12 que o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que os dados relativos ao requerente da autorização de residência que figuram na minuta e, se for caso disso, os que figuram na análise jurídica incluída na mesma, constituem «dados pessoais», na aceção dessa disposição, não podendo a referida análise, em contrapartida, ser objeto, enquanto tal, da mesma qualificação.

 Quanto à sexta questão no processo C‑372/12, relativo à possibilidade de limitar o direito de acesso

49      Face à resposta dada às primeira e segunda questões no processo C‑141/12 e à quinta questão no processo C‑372/12, e tendo o órgão jurisdicional de reenvio precisado que a sexta questão submetida no processo C‑372/12 só exige resposta se a análise jurídica incluída na minuta dever ser qualificada de dado pessoal, não há que responder à sexta questão.

 Quanto à terceira e à quarta questões no processo C‑141/12 e à primeira e à segunda questões no processo C‑372/12, relativas ao alcance do direito de acesso

50      Com a terceira e a quinta questões no processo C‑141/12, e a primeira e a segunda questões no processo C‑372/12, que importa examinar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio pretendem saber, em substância, se o artigo 12.°, alínea a), da Diretiva 95/46 e o artigo 8.°, n.° 2, da Carta devem ser interpretados no sentido de que o requerente de uma autorização de residência dispõe de um direito de acesso aos dados que lhe dizem respeito, que figuram na minuta e, em caso afirmativo, se o direito de acesso implica que as autoridades competentes lhe devem fornecer uma cópia dessa minuta ou se basta que lhe comuniquem uma descrição completa dos referidos dados sob forma inteligível.

51      Todas as partes no processo no Tribunal de Justiça acordam em considerar que o artigo 12.°, alínea a), da Diretiva 95/46 confere ao requerente de uma autorização de residência um direito de acesso a todos os dados pessoais que figuram na minuta, ainda que as suas posições relativamente ao alcance concreto desse direito divirjam em função da respetiva interpretação do conceito de «dados pessoais».

52      Quanto à forma que esse direito de acesso deve assumir, YS, M e S, e o Governo helénico consideram que o requerente tem direito a obter uma cópia da minuta. Com efeito, só essa cópia lhe permitiria assegurar‑se de que possui todos os dados pessoais que lhe dizem respeito que figuram na minuta.

53      Em contrapartida, segundo os Governos neerlandês, checo, francês e português, e a Comissão, nem o artigo 12.°, alínea a), da Diretiva 95/46, nem o artigo 8.°, n.° 2, da Carta impõem aos Estados‑Membros que facultem uma cópia da minuta ao requerente da autorização de residência. Consideram, assim, que existem outras possibilidades de comunicar, sob forma inteligível, os dados pessoais contidos nesse documento, designadamente fornecendo‑lhe uma descrição completa e compreensível dos referidos dados.

54      A título preliminar, importa recordar que as disposições da Diretiva 95/46, na medida em que regulam o tratamento de dados pessoais suscetíveis de pôr em causa as liberdades fundamentais e, em especial, o direito à vida privada, devem necessariamente ser interpretadas à luz dos direitos fundamentais que, segundo jurisprudência constante, são parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça e que estão atualmente consagrados na Carta (v., designadamente, acórdãos Connolly/Comissão, C‑274/99 P, EU:C:2001:127, n.° 37, Österreichischer Rundfunk e o., C‑465/00, C‑138/01 e C‑139/01, EU:C:2003:294, n.° 68, e Google Spain e Google, C‑131/12, EU:C:2014:317, n.° 68).

55      O artigo 8.° da Carta, que garante o direito à proteção dos dados pessoais, prevê no seu n.° 2, designadamente, que todas as pessoas têm o direito de aceder aos dados coligidos que lhes digam respeito. Esta exigência encontra aplicação no artigo 12.°, alínea a), da Diretiva 95/46 (v., neste sentido, acórdão Google Spain e Google, EU:C:2014:317, n.° 69).

56      Essa disposição da Diretiva 95/46 prevê que os Estados‑Membros garantirão às pessoas em causa o direito de obterem do responsável pelo tratamento, livremente e sem restrições, com periodicidade razoável e sem demora ou custos excessivos, a comunicação, sob forma inteligível, dos dados sujeitos a tratamento e de quaisquer informações disponíveis sobre a origem dos dados.

57      Embora a Diretiva 95/46 obrigue, deste modo, os Estados‑Membros a garantirem que cada interessado possa obter do responsável pelo tratamento de dados pessoais a comunicação de todos os dados desse tipo que lhe digam respeito, deixa a esses Estados a tarefa de determinar a forma material concreta que essa comunicação deve assumir, desde que seja «inteligível», isto é, que permita ao interessado tomar conhecimento desses dados e verificar que são exatos e tratados em conformidade com essa diretiva, para que essa pessoa possa, se for caso disso, exercer os direitos que lhe são conferidos pelos artigos 12.°, alínea b) e c), 14.°, 22.°, e 23.° da mesma diretiva (v., neste sentido, acórdão Rijkeboer, EU:C:2009:293, n.os 51 e 52).

58      Assim, na medida em que o objetivo prosseguido por esse direito de acesso pode ser plenamente satisfeito por outra forma de comunicação, o interessado não pode retirar do artigo 12.°, alínea a), da Diretiva 95/46 nem do artigo 8.°, n.° 2, da Carta o direito de obter uma cópia do documento ou do ficheiro original em que esses dados figuram. Para não dar ao interessado o acesso a outras informações diferentes dos dados pessoais que lhe dizem respeito, aquele pode obter uma cópia do documento ou do ficheiro original em que essas outras informações se tornaram ilegíveis.

59      Em situações como as que deram origem aos processos principais, decorre da resposta dada no n.° 48 do presente acórdão que só os dados pessoais relativos ao requerente da autorização de residência que figuram na minuta e, se for caso disso, os que figuram na análise jurídica incluída na mesma constituem «dados pessoais», na aceção do artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 95/46. Por conseguinte, o direito de acesso que o requerente pode invocar ao abrigo do artigo 12.°, alínea a), da Diretiva 95/46 e do artigo 8.°, n.° 2, da Carta tem unicamente por objeto esses dados. Para que se satisfaça esse direito de acesso, basta fornecer ao requerente da autorização de residência uma descrição completa desses dados sob forma inteligível, isto é, uma forma que lhe permita tomar conhecimento desses dados e verificar que são exatos e tratados em conformidade com essa diretiva, para que possa, se for caso disso, exercer os direitos que lhe são conferidos pelos artigos 12.°, alíneas b) e c), 14.°, 22.° e 23.° da referida diretiva.

60      Decorre das considerações anteriores que há que responder à terceira e à quinta questões no processo C‑141/12 e à primeira e à segunda questões no processo C‑372/12 que o artigo 12.°, alínea a), da Diretiva 95/46 e o artigo 8.°, n.° 2, da Carta devem ser interpretados no sentido de que o requerente de uma autorização de residência dispõe de um direito de acesso a todos os dados pessoais que lhe digam respeito, que sejam objeto de tratamento pelas autoridades administrativas nacionais na aceção do artigo 2.°, alínea b), dessa diretiva. Para que esse direito seja satisfeito, basta fornecer ao requerente da autorização de residência uma descrição completa desses dados sob forma inteligível, isto é, uma forma que lhe permita tomar conhecimento dos referidos dados e verificar que são exatos e tratados em conformidade com essa diretiva, para que possa, se for caso disso, exercer os direitos que lhe são conferidos pela referida diretiva.

 Quanto à quarta questão no processo C‑141/12 e à terceira e à quarta questões no processo C‑372/12, relativas ao artigo 41.° da Carta

61      Com a quarta questão no processo C‑141/12 e a terceira e a quarta questões no processo C‑372/12, que importa examinar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 41.°, n.° 2, alínea b), da Carta deve ser interpretado no sentido de que o requerente de uma autorização de residência pode invocar o direito de acesso ao processo previsto nessa disposição contra as autoridades nacionais e, em caso afirmativo, qual o alcance da expressão «no respeito pelos interesses legítimos da confidencialidade do processo decisório», na aceção dessa disposição.

62      A Comissão considera que estas questões são inadmissíveis, devido à sua formulação hipotética e obscura.

63      Deve recordar‑se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define à sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar‑se a responder a uma questão prejudicial submetida à sua apreciação por um órgão jurisdicional nacional, quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (v., designadamente, acórdão Márquez Samohano, C‑190/13, EU:C:2014:146, n.° 35 e jurisprudência referida).

64      Mas não é isso que acontece neste caso. Com efeito, visto o quadro factual exposto pelos órgãos jurisdicionais de reenvio, não parece que a questão de saber se os requerentes nos processos principais podem invocar, por força do artigo 41.°, n.° 2, alínea b), da Carta, um direito de acesso ao processo relativo aos seus pedidos de autorização de residência reveste uma natureza puramente hipotética. A formulação das questões e as informações incluídas nas decisões de reenvio relativas às mesmas são, além disso, suficientemente claras para determinar o alcance dessas questões e para permitir, por um lado, que o Tribunal de Justiça forneça uma resposta às mesmas e, por outro, que os interessados apresentem as suas observações, em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

65      Quanto ao mérito das questões prejudiciais, YS, M e S, e o Governo helénico consideram que o requerente de uma autorização de residência pode basear um direito de acesso ao processo no artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta, uma vez que, no âmbito do processo de concessão dessa autorização, as autoridades nacionais aplicam as diretivas em matéria de asilo. Em contrapartida, os Governos neerlandês, checo, francês e português, e a Comissão consideram que o artigo 41.° da Carta se dirige exclusivamente às instituições da União e não pode, por conseguinte, fundamentar um direito de acesso ao processo no âmbito de um procedimento nacional.

66      Antes de mais, importa recordar que o artigo 41.° da Carta, sob a epígrafe «Direito a uma boa administração», enuncia no seu n.° 1 que todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável. Nos termos do n.° 2, do mesmo artigo, especifica‑se que este direito compreende, nomeadamente, o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial.

67      Resulta assim claramente da redação do artigo 41.° da Carta que este se dirige não aos Estados‑Membros, mas unicamente às instituições, órgãos e organismos da União (v., neste sentido, acórdão Cicala, C‑482/10, EU:C:2011:868, n.° 28). Assim o requerente de uma autorização de residência não pode retirar do artigo 41.°, n.° 2, alínea b), da Carta um direito de acesso ao processo nacional relativo ao seu pedido.

68      É certo que o direito a uma boa administração, consagrado nesta disposição, reflete um princípio geral do direito da União (acórdão H. N., C‑604/12, EU:C:2014:302, n.° 49). Todavia, com as suas questões nos presentes processos, os órgãos jurisdicionais de reenvio não solicitam uma interpretação desse princípio geral, mas pretendem saber se o artigo 41.° da Carta pode, enquanto tal, aplicar‑se aos Estados‑Membros da União.

69      Por conseguinte, há que responder à quarta questão no processo C‑141/12 e à terceira e à quarta questões no processo C‑372/12, que o artigo 41.°, n.° 2, alínea b), da Carta deve ser interpretado no sentido de que o requerente de uma autorização de residência não pode invocar essa disposição contra as autoridades nacionais.

 Quanto às despesas

70      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante os órgãos jurisdicionais nacionais, compete a estes decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, deve ser interpretado no sentido de que os dados relativos ao requerente da autorização de residência que figuram num documento administrativo, como a «minuta» em causa no processo principal, que expõe os motivos que o funcionário formula em apoio do projeto de decisão que está encarregado de redigir no âmbito do processo prévio à adoção de uma decisão relativa ao pedido dessa autorização, e, se for caso disso, os que figuram na análise jurídica incluída na mesma, constituem «dados pessoais», na aceção dessa disposição, não podendo a referida análise, em contrapartida, ser objeto, enquanto tal, da mesma qualificação.

2)      O artigo 12.°, alínea a), da Diretiva 95/46 e o artigo 8.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia devem ser interpretados no sentido de que o requerente de uma autorização de residência dispõe de um direito de acesso a todos os dados pessoais que lhe digam respeito, que sejam objeto de tratamento pelas autoridades administrativas nacionais na aceção do artigo 2.°, alínea b), dessa diretiva. Para que esse direito seja satisfeito, basta fornecer ao requerente uma descrição completa desses dados sob forma inteligível, isto é, uma forma que lhe permita tomar conhecimento dos referidos dados e verificar que são exatos e tratados em conformidade com essa diretiva, para que possa, se for caso disso, exercer os direitos que lhe são conferidos pela referida diretiva.

3)      O artigo 41.°, n.° 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que o requerente de uma autorização de residência não pode invocar essa disposição contra as autoridades nacionais.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.