Language of document : ECLI:EU:C:2004:697

Arrêt de la Cour

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)
9 de Novembro de 2004 (1)

«Directiva 96/9/CE – Protecção jurídica das bases de dados – Conceito de base de dados – Âmbito de aplicação do direito sui generis – Calendários de campeonatos de futebol – Jogos de apostas»

No processo C-444/02,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE,

apresentado pelo Monomeles Protodikeio Athinon (Grécia), por decisão de 11 de Julho de 2002, entrado no Tribunal de Justiça em 9 de Dezembro de 2002, no processo

Fixtures Marketing Ltd

contra

Organismos prognostikon agonon podosfairou AE (OPAP),



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),



composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas e K. Lenaerts (relator), presidentes de secção, J.-P. Puissochet, R. Schintgen, N. Colneric e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogada-geral: C. Stix-Hackl,
secretários: M. Múgica Arzamendi e M.-F. Contet, administradoras principais,

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação da Fixtures Marketing Ltd, por K. Giannakopoulos, dikigoros,

em representação do Organismos prognostikon agonon podosfairou AE, por F. Christodoulou, K. Christodoulou, A. Douzas, L. Maravelis e C. Pampoukis, dikigoroi,

em representação do Governo grego, por E. Mamouna, I. Bakopoulos e V. Kyriazopoulos, na qualidade de agentes,

em representação do Governo belga, por A. Snoecx, na qualidade de agente, assistida por P. Vlaemminck, advocaat,

em representação do Governo austríaco, por E. Riedl, na qualidade de agente,

em representação do Governo português, por L. Fernandes e A. P. Matos Barros, na qualidade de agentes,

em representação do Governo finlandês, por T. Pynnä, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por K. Banks e M. Patakia, na qualidade de agentes,

vistos os autos e na sequência da audiência de 30 de Março de 2004,

ouvidas as conclusões da advogada-geral apresentadas na audiência de 8 de Junho de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
O pedido de decisão prejudicial incide sobre a interpretação de disposições da Directiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 1996, relativa à protecção jurídica das bases de dados (JO L 77, p. 20, a seguir «directiva»).

2
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Fixtures Marketing Ltd (a seguir «Fixtures») ao Organismos prognostikon agonon podosfairou AE (a seguir «OPAP»). O litígio nasceu da utilização pelo OPAP, para efeitos da organização de jogos de apostas, de informações retiradas dos calendários dos campeonatos de futebol inglês e escocês.


Enquadramento jurídico

3
A directiva tem por objecto, segundo o seu artigo 1.°, n.° 1, a protecção jurídica das bases de dados, seja qual for a forma de que estas se revistam. A base de dados é definida no artigo 1.°, n.° 2, da mesma directiva como «uma colectânea de obras, dados ou outros elementos independentes, dispostos de modo sistemático ou metódico e susceptíveis de acesso individual por meios electrónicos ou outros».

4
O artigo 3.° da directiva institui uma protecção pelo direito de autor a favor das «bases de dados que, devido à selecção ou disposição das matérias, constituam uma criação intelectual específica do respectivo autor».

5
O artigo 7.° da directiva institui um direito sui generis nos seguintes termos:

«Objecto da protecção

1.      Os Estados‑Membros instituirão o direito de o fabricante de uma base de dados proibir a extracção e/ou a reutilização da totalidade ou de uma parte substancial, avaliada qualitativa ou quantitativamente, do conteúdo desta, quando a obtenção, verificação ou apresentação desse conteúdo representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

2.
Para efeitos do presente capítulo, entende‑se por:

a)
‘Extracção’: a transferência permanente ou temporária da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados para outro suporte, seja por que meio ou sob que forma for;

b)
‘Reutilização’: qualquer forma de pôr à disposição do público a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo da base através da distribuição de cópias, aluguer, transmissão em linha ou sob qualquer outra forma. A primeira venda de uma cópia de uma base de dados na Comunidade efectuada pelo titular do direito ou com o seu consentimento esgota o direito de controlar a revenda dessa cópia na Comunidade.

O comodato público não constitui um acto de extracção ou de reutilização.

3.      O direito previsto no n.° 1 pode ser transferido, cedido ou objecto de licenças contratuais.

4.      O direito previsto no n.° 1 é aplicável independentemente de a base de dados poder ser protegida pelo direito de autor ou por outros direitos. Além disso, esse direito será igualmente aplicável independentemente de o conteúdo da base de dados poder ser protegido pelo direito de autor ou por outros direitos. A protecção das bases de dados pelo direito previsto no n.° 1 não prejudica os direitos existentes sobre o seu conteúdo.

5.      Não serão permitidas a extracção e/ou reutilização [repetidas] e sistemáticas de partes não substanciais do conteúdo da base de dados que pressuponham actos contrários à exploração normal dessa base, ou que possam causar um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do fabricante da base.»

6
A directiva foi transposta para direito grego pela Lei n.° 2819/2000 (FEK A’ 84/15‑3‑2000).


Litígio no processo principal e questões prejudiciais

7
Resulta do despacho de reenvio que os organizadores dos campeonatos de futebol inglês e escocês confiaram à sociedade Football Fixtures Ltd a gestão, através de contratos de licença, da utilização que é feita dos calendários dos jogos desses campeonatos fora do Reino Unido. Por seu lado, foi atribuído à Fixtures o direito de representar os titulares dos direitos intelectuais relacionados com esses calendários.

8
O OPAP dispõe, na Grécia, do monopólio da organização dos jogos de azar. No âmbito das suas actividades, utiliza informações provenientes dos calendários dos campeonatos de futebol inglês e escocês.

9
A Fixtures intentou no Monomeles Protodikeio Athinon uma acção contra o OPAP, pelo facto de as práticas deste serem proibidas pelo direito sui generis de que ela goza por força do artigo 7.° da directiva.

10
Confrontado com problemas de interpretação da directiva, o Monomeles Protodikeio Athinon decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)
Que se entende por ‘base de dados’ e qual o âmbito de aplicação da Directiva […] e, em especial, do artigo 7.° desta directiva, que se refere ao direito sui generis de protecção?

2)
De acordo com a definição do âmbito de aplicação da directiva, os calendários dos jogos dos campeonatos de futebol estão protegidos como bases de dados, relativamente às quais o fabricante goza de um direito sui generis de protecção, e em que condições?

3)
Como é precisamente violado o direito sobre as bases de dados? Este direito é protegido em caso de alteração do conteúdo das bases de dados?»


Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade

11
O Governo finlandês contesta a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial. Alega que o despacho de reenvio está viciado por imprecisões quanto ao enquadramento jurídico e factual do processo principal, o que é susceptível de impedir o Tribunal de Justiça de fornecer respostas úteis às questões submetidas e os Estados‑Membros de apresentarem observações pertinentes quanto a essas questões.

12
A este respeito, há que recordar que, segundo uma jurisprudência constante, a necessidade de se chegar a uma interpretação do direito comunitário que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e legal em que se inscrevem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que assentam essas questões (acórdão de 21 de Setembro de 1999, Albany, C‑67/96, Colect., p. I‑5751, n.° 39).

13
As informações fornecidas nas decisões de reenvio não devem só servir para permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis, mas também para dar aos Governos dos Estados‑Membros bem como às demais partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações nos termos do artigo 20.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça. Incumbe ao Tribunal de Justiça garantir que esta possibilidade seja salvaguardada, tendo em conta o facto de, por força da disposição acima referida, apenas as decisões de reenvio serem notificadas às partes interessadas (acórdão Albany, já referido, n.° 40).

14
No caso vertente, resulta das observações apresentadas pelas partes no processo principal e pelos Governos dos Estados‑Membros, nos termos do artigo 20.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, que as indicações contidas no despacho de reenvio lhes permitiram compreender que o litígio do processo principal nasceu da utilização pelo OPAP, para efeitos da organização de apostas desportivas, de informações provenientes dos calendários de campeonatos organizados pelas ligas profissionais de futebol e que, neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre o conceito de base de dados, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da directiva, e sobre o âmbito de aplicação e o alcance do direito sui generis instituído pelo artigo 7.° da referida directiva.

15
Além disso, o despacho de reenvio inclui precisões sobre as relações existentes entre as ligas de futebol em causa, a Football Fixtures Ltd e a Fixtures, que permitem compreender a que título esta última reivindica, no âmbito do litígio do processo principal, a protecção conferida pelo direito sui generis.

16
As informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio dão, de resto, ao Tribunal de Justiça um conhecimento suficiente do âmbito do litígio do processo principal para poder interpretar as disposições comunitárias em causa à luz da situação que constitui o objecto deste litígio.

17
Daí resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

Quanto ao mérito

Quanto ao conceito de base de dados na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da directiva

18
O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, antes de mais, através das suas duas primeiras questões, o que é que se inclui no conceito de base de dados, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da directiva, e se os calendários de campeonatos de futebol estão incluídos nesse conceito.

19
A base de dados, na acepção da directiva, está definida no seu artigo 1.°, n.° 2, como «uma colectânea de obras, dados ou outros elementos independentes, dispostos de modo sistemático ou metódico e susceptíveis de acesso individual por meios electrónicos ou outros».

20
Como defendem a Fixtures e a Comissão, vários elementos traduzem a vontade de o legislador comunitário conferir ao conceito de base de dados, na acepção da directiva, um alcance amplo, livre de considerações de ordem formal, técnica ou material.

21
Assim, o artigo 1.°, n.° 1, da directiva enuncia que esta diz respeito à protecção jurídica das bases de dados, «seja qual for a forma de que estas se revistam».

22
Apesar de a Proposta de directiva do Conselho, relativa à protecção jurídica das bases de dados (JO 1992, C 156, p. 4), apresentada pela Comissão em 15 de Abril de 1992, ter exclusivamente por objecto as bases de dados electrónicas segundo a definição de base de dados contida no artigo 1.°, primeiro parágrafo, ponto 1), desta proposta de directiva, foi acordado, no decurso do processo legislativo, «alargar a protecção concedida pela presente directiva às bases de dados não electrónicas», tal como resulta do décimo quarto considerando da directiva.

23
Segundo o décimo sétimo considerando da mesma directiva, o conceito de base de dados deve ser entendido como aplicando‑se a «quaisquer recolhas de obras literárias, artísticas, musicais ou outras, ou quaisquer outros materiais como textos, sons, imagens, números, factos e dados». Por conseguinte, a circunstância de os dados ou os elementos em causa dizerem respeito a uma disciplina desportiva não impede o reconhecimento da qualificação de base de dados na acepção da referida directiva.

24
Apesar de, no seu parecer de 23 de Junho de 1993 sobre a proposta de directiva do Conselho, relativa à protecção jurídica das bases de dados (JO C 194, p. 144), o Parlamento Europeu ter sugerido fazer depender a qualificação de base de dados da condição de a recolha incluir «um número importante» de dados, obras ou outros materiais, esta condição já não consta da definição do artigo 1.°, n.° 2, da directiva.

25
Para efeitos de apreciar a existência de uma base de dados na acepção da directiva, não tem importância que a recolha seja constituída por elementos provenientes de uma fonte ou de fontes diferentes da pessoa que constitui essa recolha, de elementos criados por esta ou de elementos incluídos numa ou noutra dessas duas categorias.

26
Contrariamente ao que alegam os Governos grego e português, nenhum elemento da directiva autoriza concluir que a qualificação de base de dados depende da existência de uma criação intelectual específica do respectivo autor. Como a Comissão indica, o critério da originalidade apenas se revela pertinente para apreciar a possibilidade de a base de dados ser protegida pelo direito de autor, protecção essa instituída no capítulo II da directiva, tal como resulta do artigo 3.°, n.° 1, bem como do décimo quinto e do décimo sexto considerando desta directiva.

27
Neste contexto de interpretação ampla, diferentes elementos da directiva revelam que o seu conceito de base de dados extrai a sua especificidade de um critério funcional.

28
Com efeito, a leitura dos considerandos da directiva demonstra que, tendo em conta o «aumento exponencial, na Comunidade e a nível mundial, do volume de informações geradas e processadas anualmente em todos os sectores do comércio e da indústria», nos termos do décimo considerando, a protecção jurídica instituída pela referida directiva tem por objectivo encorajar o desenvolvimento de sistemas que assumam uma função de «armazenamento» e de «tratamento da informação», tal como resulta do décimo e do décimo segundo considerando.

29
É assim que a qualificação de base de dados está dependente, antes de mais, da existência de uma recolha de «elementos independentes», ou seja, de elementos separáveis uns dos outros, sem que o valor do seu conteúdo informativo, literário, artístico, musical ou outro seja afectado. A este título, é excluído do âmbito de aplicação da directiva a fixação de uma obra audiovisual, cinematográfica, literária ou musical, segundo o décimo sétimo considerando dessa directiva.

30
A qualificação de uma recolha como base de dados pressupõe, em seguida, que os elementos independentes constitutivos dessa recolha sejam dispostos de forma sistemática ou metódica e estejam individualmente acessíveis de uma maneira ou de outra. Sem exigir que esta disposição sistemática ou metódica seja fisicamente visível, segundo o vigésimo primeiro considerando da directiva, esta condição implica que a recolha conste de um suporte fixo, de qualquer natureza, e que inclua um meio técnico, tal como um processo electrónico, electromagnético ou electro‑óptico, nos termos do décimo terceiro considerando da mesma directiva, ou outro meio, como um índice, um índice de matérias, um plano ou um modo de classificação especial, que permita a localização de qualquer elemento independente nela contido.

31
Esta segunda condição permite distinguir a base de dados, na acepção da directiva, caracterizada por um meio que permite encontrar nela cada um dos seus elementos constitutivos, de uma colecção de elementos que fornece informações, mas que está desprovida de qualquer meio de tratamento dos elementos individuais que a compõem.

32
Resulta da análise exposta que o conceito de base de dados, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da directiva, tem por objecto qualquer recolha que compreenda obras, dados ou outros elementos, separáveis uns dos outros sem que o valor do seu conteúdo seja afectado, e que inclua um método ou um sistema, de qualquer natureza, que permita encontrar cada um dos seus elementos constitutivos.

33
No processo principal, a data, o horário e a identidade das duas equipas, a visitada e a visitante, relativos a um jogo de futebol incluem‑se no conceito de elementos independentes, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da directiva, na medida em que se revestem de um valor informativo autónomo.

34
Com efeito, se, na verdade, o interesse de um campeonato de futebol reside na tomada em consideração global dos diferentes jogos desse campeonato, também é verdade que os dados relativos à data, ao horário e à identidade das equipas que disputam um determinado jogo se revestem de um valor autónomo, na medida em que fornecem aos terceiros interessados as informações pertinentes.

35
A compilação das datas, dos horários e dos nomes de equipas relativos aos jogos das diferentes jornadas de um campeonato de futebol é, nestas condições, uma recolha de elementos independentes. A disposição, sob a forma de calendário, das datas, dos horários e dos nomes de equipas relativos a esses diferentes jogos de futebol reúne os requisitos de disposição sistemática ou metódica e de acessibilidade individual dos elementos constitutivos dessa recolha. A circunstância, alegada pelos Governos grego e austríaco, de que o emparelhamento das equipas resulta, à partida, de um sorteio não é susceptível de pôr em causa a análise precedente.

36
Daí resulta que um calendário de campeonato de futebol, como os em causa no processo principal, constitui uma base de dados na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da directiva.

Quanto ao âmbito de aplicação do direito sui generis

37
O órgão jurisdicional de reenvio interroga, em seguida, o Tribunal de Justiça, através das suas duas primeiras questões, sobre o âmbito de aplicação da protecção do direito sui generis num contexto como o em causa no processo principal.

38
O artigo 7.°, n.° 1, da directiva reserva o benefício da protecção, pelo direito sui generis, às bases de dados que respondam a um critério preciso, ou seja, que a obtenção, a verificação ou a apresentação do seu conteúdo representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

39
Nos termos do nono, do décimo e do décimo segundo considerando da directiva, a finalidade desta é, como indicam o OPAP e o Governo grego, encorajar e proteger os investimentos em sistemas de «armazenamento» e de «tratamento» de dados, que contribuam para o desenvolvimento do mercado da informação num contexto marcado por um aumento exponencial do volume de dados gerados e processados anualmente em todos os sectores de actividade. Daí resulta que o conceito de investimento ligado à obtenção, à verificação ou à apresentação do conteúdo de uma base de dados deve ser compreendido, de um modo geral, como tendo por objecto o investimento dedicado à constituição da referida base como tal.

40
Neste contexto, o conceito de investimento ligado à obtenção do conteúdo de uma base de dados deve, como salientam o OPAP e os Governos belga, austríaco e português, entender‑se como designando os meios dedicados à procura de elementos independentes existentes e à sua reunião na referida base, com exclusão dos meios aplicados na própria criação de elementos independentes. O objectivo da protecção pelo direito sui generis organizada pela directiva é, com efeito, estimular a instituição de sistemas de armazenamento e de tratamento de informações existentes, e não a criação de elementos susceptíveis de serem posteriormente reunidos numa base de dados.

41
Esta interpretação é corroborada pelo trigésimo nono considerando da directiva, segundo o qual o objectivo do direito sui generis é garantir uma protecção contra a apropriação dos resultados obtidos pelo investimento financeiro e profissional suportado pela pessoa que «obte[ve] e colig[iu] o conteúdo» de uma base de dados. Tal como refere a advogada‑geral nos n.os 67 a 72 das suas conclusões, não obstante ligeiras variações terminológicas, todas as versões linguísticas deste trigésimo nono considerando advogam a favor de uma interpretação que exclui do conceito de obtenção a criação dos elementos contidos na base de dados.

42
O décimo nono considerando da directiva, nos termos do qual a compilação de várias fixações de execuções musicais em CD não representa um investimento suficientemente avultado para beneficiar do direito sui generis, fornece um argumento suplementar em apoio desta interpretação. Com efeito, daí resulta que os meios utilizados para a própria criação das obras ou dos elementos que constam da base de dados, no caso vertente um CD, não são equiparáveis a um investimento ligado à obtenção do conteúdo da referida base e, portanto, não podem entrar em linha de conta para se apreciar o carácter substancial do investimento ligado à constituição dessa base.

43
O conceito de investimento ligado à verificação do conteúdo da base de dados deve ser entendido como tendo por objecto os meios utilizados, com vista a assegurar a fiabilidade da informação contida na referida base, à fiscalização da exactidão dos elementos procurados, aquando da constituição dessa base e durante o seu período de funcionamento. O conceito de investimento ligado à apresentação do conteúdo da base de dados diz respeito, por sua vez, aos meios que visam conferir à referida base a sua função de tratamento de informação, ou seja, os afectados à disposição sistemática ou metódica dos elementos contidos nessa base e à organização da sua acessibilidade individual.

44
O investimento ligado à constituição da base de dados pode consistir na utilização de recursos ou de meios humanos, financeiros ou técnicos, mas deve ser substancial do ponto de vista quantitativo ou qualitativo. A apreciação quantitativa faz referência a meios calculáveis e a apreciação qualitativa, a esforços não quantificáveis, como um esforço intelectual ou um dispêndio de energia, tal como resulta do sétimo, do trigésimo nono e do quadragésimo considerando da directiva.

45
Neste contexto, a circunstância de a constituição de uma base de dados estar relacionada com o exercício de uma actividade principal, no âmbito da qual a pessoa que constitui a base é também o criador dos elementos contidos nessa base, não exclui, como tal, que essa pessoa possa reivindicar o benefício da protecção do direito sui generis, desde que prove que a obtenção dos referidos elementos, a sua verificação ou a sua apresentação, na acepção precisada nos n.os 40 a 43 do presente acórdão, originaram um investimento substancial, no plano quantitativo ou qualitativo, autónomo em relação aos meios utilizados para a criação desses elementos.

46
A este respeito, embora a procura de dados e a verificação da sua exactidão no momento da constituição da base de dados não exijam, em princípio, que a pessoa que constituiu essa base tenha recorrido a meios especiais, uma vez que se trata de dados que ela criou e que estão à sua disposição, a reunião desses dados, a sua disposição sistemática ou metódica na base, a organização da sua acessibilidade individual e a verificação da sua exactidão durante o período de funcionamento da base podem necessitar de um investimento substancial, no plano quantitativo e/ou qualitativo, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da directiva.

47
No processo principal, os meios afectados à determinação, no âmbito da organização dos campeonatos de futebol, das datas, dos horários e das equipas, das equipas visitadas e visitantes, relativos aos jogos das diferentes jornadas desses campeonatos correspondem, como defende o OPAP e os Governos belga, austríaco e português, a um investimento ligado à criação do calendário destes jogos. Tal investimento, que respeita à própria organização dos campeonatos, está relacionado com a criação dos dados contidos na base em causa, ou seja, os referentes a cada jogo dos diferentes campeonatos. Por conseguinte, não pode entrar em linha de conta no âmbito do artigo 7.°, n.° 1, da directiva.

48
Nestas condições, há que verificar, abstraindo do investimento referido no número precedente, se a obtenção, a verificação ou a apresentação do conteúdo de um calendário de jogos de futebol atestam um investimento substancial de um ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

49
A procura e a reunião dos dados constitutivos do calendário de jogos de futebol não requerem esforço especial por parte das ligas profissionais. Com efeito, elas estão indissociavelmente ligadas à criação desses dados, em que participam directamente as referidas ligas, como responsáveis pela organização dos campeonatos de futebol. Por conseguinte, a obtenção do conteúdo de um calendário de jogos de futebol não necessita de nenhum investimento autónomo em relação ao que exige a criação dos dados contidos nesse calendário.

50
As ligas profissionais de futebol não devem dedicar nenhum esforço especial à fiscalização da exactidão dos dados relativos aos jogos dos campeonatos no momento da elaboração do calendário, uma vez que as referidas ligas estão directamente implicadas na criação desses dados. Quanto à verificação da exactidão do conteúdo dos calendários de jogos no decurso da época, ela consiste, tal como resulta das observações da Fixtures, em adaptar determinados dados desses calendários em função do eventual adiamento de um encontro ou de uma jornada do campeonato decidido pelas ligas ou em concertação com elas. Tal verificação não pode ser encarada como demonstrando um investimento substancial.

51
A apresentação de um calendário de jogos de futebol também está estreitamente relacionada com a própria criação dos dados constitutivos desse calendário. Por conseguinte, não se pode considerar que exige um investimento autónomo relativamente ao investimento relacionado com a criação dos dados constitutivos.

52
Daí resulta que nem a obtenção, nem a verificação, nem a apresentação do conteúdo de um calendário de jogos de futebol demonstram um investimento substancial susceptível de justificar o benefício da protecção conferida pelo direito sui generis instituído pelo artigo 7.° da directiva.

53
Tendo em conta o exposto, há que responder do seguinte modo às duas primeiras questões colocadas:

O conceito de base de dados, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da directiva, tem por objecto qualquer recolha que compreenda obras, dados ou outros elementos, separáveis uns dos outros sem que o valor do seu conteúdo seja afectado, e que inclua um método ou um sistema, de qualquer natureza, que permita encontrar cada um dos seus elementos constitutivos.

Um calendário de jogos de futebol como os que estão em causa no processo principal constitui uma base de dados na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da directiva.

O conceito de investimento ligado à obtenção do conteúdo de uma base de dados na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da directiva deve entender‑se como designando os meios dedicados à procura dos elementos existentes e à sua reunião na referida base. Não inclui os meios utilizados para a criação dos elementos constitutivos do conteúdo de uma base de dados. No contexto da elaboração de um calendário de jogos para efeitos da organização de campeonatos de futebol, o conceito de investimento não tem assim por objecto os meios afectados à determinação das datas, dos horários e dos pares de equipas relativos aos diferentes encontros desses campeonatos.

54
Visto o exposto, não há que responder à terceira questão submetida.


Quanto às despesas

55
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas com a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça, para além das despesas das referidas partes, não são reembolsáveis.




Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O conceito de base de dados na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 1996, relativa à protecção jurídica das bases de dados, tem por objecto qualquer recolha que compreenda obras, dados ou outros elementos, separáveis uns dos outros sem que o valor do seu conteúdo seja afectado, e que inclua um método ou um sistema, de qualquer natureza, que permita encontrar cada um dos seus elementos constitutivos.

Um calendário de jogos de futebol como os que estão em causa no processo principal constitui uma base de dados na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 96/9.

O conceito de investimento ligado à obtenção do conteúdo de uma base de dados na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 96/9 deve entender‑se como designando os meios dedicados à procura dos elementos existentes e à sua reunião na referida base. Não inclui os meios utilizados para a criação dos elementos constitutivos do conteúdo de uma base de dados. No contexto da elaboração de um calendário de jogos para efeitos da organização de campeonatos de futebol, o conceito de investimento não tem assim por objecto os meios afectados à determinação das datas, dos horários e dos pares de equipas relativos aos diferentes encontros desses campeonatos.


Assinaturas.


1
Língua do processo: grego.