Language of document : ECLI:EU:C:2012:16

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

17 de janeiro de 2012 (*)

«Direitos de autor — Sociedade da informação — Diretiva 2001/29/CE — Artigo 5.°, n.os 1 e 5 — Obras literárias e artísticas — Reprodução de curtos excertos de obras literárias — Artigos de imprensa — Reproduções temporárias e transitórias — Processo tecnológico que consiste numa digitalização por scanner de artigos seguida de uma conversão em ficheiro de texto, de um processamento eletrónico da reprodução e do armazenamento de parte dessa reprodução — Atos de reprodução temporária que fazem parte integrante e essencial de tal processo tecnológico — Finalidade desses atos que consiste numa utilização legítima de uma obra ou de outro material — Significado económico dos referidos atos»

No processo C‑302/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Højesteret (Dinamarca), por decisão de 16 de junho de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 18 de junho de 2010, no processo

Infopaq International A/S

contra

Danske Dagblades Forening,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, J. Malenovský (relator), E. Juhász, G. Arestis e T. von Danwitz, juízes,

advogado‑geral: V. Trstenjak,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

―        em representação da Infopaq International A/S, por A. Jensen, advokat,

―        em representação da Danske Dagblades Forening, por M. Dahl Pedersen, advokat,

―        em representação do Governo espanhol, por N. Díaz Abad, na qualidade de agente,

―        em representação da Comissão Europeia, por J. Samnadda e H. Støvlbæk, na qualidade de agentes,

podendo o Tribunal de Justiça decidir por meio de despacho fundamentado, em conformidade com o disposto no artigo 104.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do seu Regulamento de Processo,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.°, n.os 1 e 5, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Infopaq International A/S (a seguir «Infopaq») à Danske Dagblades Forening (a seguir «DDF») relativamente ao indeferimento do pedido da Infopaq no sentido de que seja reconhecido que não era obrigada a obter o consentimento dos titulares dos direitos de autor para os atos de reprodução de artigos de imprensa mediante um processo automatizado que consiste na digitalização por scanner de artigos e na conversão destes em ficheiro digital seguida do processamento eletrónico desse ficheiro.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A Diretiva 2001/29 enuncia no seu quarto, nono a décimo primeiro, vigésimo primeiro, vigésimo segundo, trigésimo primeiro e trigésimo terceiro considerandos:

«(4)      Um enquadramento legal do direito de autor e dos direitos conexos, através de uma maior segurança jurídica e respeitando um elevado nível de proteção da propriedade intelectual, estimulará consideravelmente os investimentos na criatividade e na inovação, nomeadamente nas infraestruturas de rede […]

[...]

(9)      Qualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear‑se num elevado nível de proteção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. [...]

(10)      Os autores e os intérpretes ou executantes devem receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, para poderem prosseguir o seu trabalho criativo e artístico [...]

(11)      Um sistema rigoroso e eficaz de proteção do direito de autor e direitos conexos constitui um dos principais instrumentos para assegurar os recursos necessários à produção cultural europeia, bem como para garantir independência e dignidade aos criadores e intérpretes.

[...]

(21)      A presente diretiva deve definir o âmbito dos atos abrangidos pelo direito de reprodução relativamente aos diferentes beneficiários. Tal deve ser efetuado na linha do acervo comunitário. É necessário consagrar uma definição ampla destes atos para garantir a segurança jurídica no interior do mercado interno.

(22)      O objetivo de apoiar adequadamente a difusão cultural não deve ser alcançado sacrificando a proteção estrita de determinados direitos nem tolerando formas ilegais de distribuição de obras objeto de contrafação ou pirataria.

[...]

(31)      Deve ser salvaguardado um justo equilíbrio de direitos e interesses entre as diferentes categorias de titulares de direitos, bem como entre as diferentes categorias de titulares de direitos e utilizadores de material protegido. [...]

[...]

(33)      O direito exclusivo de reprodução deve ser sujeito a uma exceção para permitir certos atos de reprodução temporária, que são reproduções transitórias ou pontuais, constituindo parte integrante e essencial de um processo tecnológico efetuado com o único objetivo de possibilitar, quer uma transmissão eficaz numa rede entre terceiros por parte de um intermediário, quer a utilização legítima de uma obra ou de outros materiais protegidos. Os atos de reprodução em questão não deverão ter, em si, qualquer valor económico. Desde que satisfeitas essas condições, tal exceção abrange igualmente os atos que possibilitam a navegação (‘browsing’) e os atos de armazenagem temporária (‘caching’), incluindo os que permitem o funcionamento eficaz dos sistemas de transmissão, desde que o intermediário não altere o conteúdo da transmissão e não interfira com o legítimo emprego da tecnologia, tal como generalizadamente reconhecido e praticado pela indústria, para obter dados sobre a utilização da informação. Uma utilização deve ser considerada legítima se tiver sido autorizada pelo titular de direitos e não estiver limitada por lei.»

4        O artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva de 2001/29 enuncia:

«A presente diretiva tem por objetivo a proteção jurídica do direito de autor e dos direitos conexos no âmbito do mercado interno, com especial ênfase na sociedade da informação.»

5        Nos termos do artigo 2.°, alínea a), desta diretiva:

«Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe:

a)      Aos autores, para as suas obras».

6        O artigo 5.° da referida diretiva enuncia:

«1.      Os atos de reprodução temporária referidos no artigo 2.°, que sejam transitórios ou episódicos, que constituam parte integrante e essencial de um processo tecnológico, cujo único objetivo seja permitir:

a)      Uma transmissão numa rede entre terceiros por parte de um intermediário, ou

b)      Uma utilização legítima

de uma obra ou de outro material a realizar, e que não tenham, em si, significado económico, estão excluídos do direito de reprodução previsto no artigo 2.°

[...]

3.       Os Estados‑Membros podem prever limitações aos direitos referidos nos artigos 2.° e 3.° nos seguintes casos:

[...]

c)      Reprodução pela imprensa, comunicação ao público ou colocação à disposição de artigos publicados sobre temas de atualidade económica, política ou religiosa ou de obras radiodifundidas ou outros materiais da mesma natureza, caso tal utilização não seja expressamente reservada e desde que se indique a fonte, incluindo o nome do autor, ou utilização de obras ou outros materiais no âmbito de relatos de acontecimentos de atualidade, na medida justificada pelas necessidades de informação desde que seja indicada a fonte, incluindo o nome do autor, exceto quando tal se revele impossível;

d)      Citações para fins de crítica ou análise, desde que relacionadas com uma obra ou outro material já legalmente tornado acessível ao público, desde que, exceto quando tal se revele impossível, seja indicada a fonte, incluindo o nome do autor, e desde que sejam efetuadas de acordo com os usos e na medida justificada pelo fim a atingir;

[...]

5.      As exceções e limitações contempladas nos n.os 1, 2, 3 e 4 só se aplicarão em certos casos especiais que não entrem em conflito com uma exploração normal da obra ou outro material e não prejudiquem irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito.»

 Direito nacional

7        Os artigos 2.° e 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 foram transpostos para a ordem jurídica dinamarquesa pelos §§ 2 e 11a, n.° 1, da Lei n.° 395, relativa aos direitos de autor (lov n.° 395 om ophavsret), de 14 de junho de 1995 (Lovtidende 1995 A, p. 1796), conforme alterada e codificada, nomeadamente, pela Lei n.° 1051 (lov n.° 1051), de 17 de dezembro de 2002 (Lovtidende 2002 A, p. 7881).

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8        A Infopaq exerce atividades no domínio do acompanhamento e da análise da imprensa escrita que consistem, no essencial, em elaborar sínteses de uma seleção de artigos extraídos da imprensa diária dinamarquesa e de diversos periódicos. Essa seleção de artigos é efetuada em função dos temas escolhidos pelos clientes e é realizada por um processo dito «de captura de dados». As sínteses são enviadas aos clientes por correio eletrónico.

9        A DDF é um sindicato profissional dos jornais diários dinamarqueses, que tem por objeto assistir os seus membros relativamente a todas as questões respeitantes aos direitos de autor.

10      Em 2005, a DDF teve conhecimento de que a Infopaq procedia ao tratamento, para fins comerciais, de artigos extraídos de publicações sem o consentimento dos titulares dos direitos de autor sobre esses artigos. Considerando que tal consentimento era necessário para efeitos do tratamento de artigos através do processo em causa, a DDF advertiu a Infopaq da sua posição.

11      O processo de captura de dados comporta as cinco fases seguintes que redundam, segundo a DDF, em quatro atos de reprodução de artigos de imprensa.

12      Em primeiro lugar, as publicações em causa são objeto de um registo manual numa base de dados eletrónica pelos colaboradores da Infopaq.

13      Em segundo lugar, procede‑se à digitalização por scanner destas publicações, depois de se ter cortado a sua lombada de modo que todas as folhas fiquem soltas. A parte da publicação a processar é selecionada a partir de uma base de dados antes da inserção da publicação num digitalizador com scanner. A operação permite gerar um ficheiro em formato TIFF («Tagged Image File Format») de cada página da publicação (a seguir «ficheiro TIFF»). Após esta operação, o ficheiro TIFF é transferido para um servidor OCR («Optical Character Recognition») (reconhecimento ótico de carateres).

14      Em terceiro lugar, este servidor OCR converte o ficheiro TIFF em dados que podem ser objeto de processamento digital. No decurso desse processo, a imagem de cada caráter é convertida num código digital que indica ao computador o tipo de caráter. Por exemplo, a imagem das letras «TDC» é transformada numa informação que o computador poderá processar como as letras «TDC» e convertê‑las num formato de texto que pode ser reconhecido pelo sistema do computador. Esses dados são guardados sob a forma de ficheiros de texto que podem ser lidos por qualquer programa de processamento de texto (a seguir «ficheiro de texto»). O processo OCR termina pela supressão do ficheiro TIFF.

15      Em quarto lugar, o ficheiro de texto é analisado para pesquisar as palavras‑chave predefinidas. Em cada ocorrência, é gerado um ficheiro que indica o título, a secção e o número da página da publicação onde consta a palavra‑chave assim como um valor, expresso em percentagem de 0 a 100, para indicar a posição dessa palavra‑chave no texto, facilitando, assim, a leitura do artigo. Para melhorar ainda o seu reconhecimento quando da leitura do artigo, a palavra‑chave é junta às cinco palavras precedentes e às cinco palavras seguintes (a seguir «excerto composto por onze palavras»). O processo termina pela supressão do ficheiro de texto.

16      Em quinto lugar, o processo de captura de dados termina pela edição de uma ficha de acompanhamento para cada página da publicação em que figure a palavra‑chave. Uma ficha de acompanhamento pode apresentar‑se sob a seguinte forma:

«4 de novembro de 2005 — Dagbladet Arbejderen, página 3:

TDC: 73%, ‘próxima cessão do grupo de telecomunicações TDC, prevendo‑se que será adquirido por’».

17      A Infopaq contestou que tal atividade necessite do consentimento dos titulares dos direitos de autor e solicitou a intervenção do Østre Landsret por ação proposta contra a DDF, pedindo que fosse ordenado a esta última que reconhecesse que a Infopaq tem o direito de utilizar o processo supramencionado sem o consentimento desse sindicato profissional ou dos seus membros. Tendo o Østre Landsret julgado a ação improcedente, a Infopaq interpôs recurso para o órgão jurisdicional de reenvio.

18      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é pacífico que o consentimento dos titulares dos direitos de autor não é exigido para exercer uma atividade de acompanhamento da imprensa e de redação de sínteses desde que consista na leitura física pelo homem de cada publicação, na seleção dos artigos pertinentes com base em palavras‑chave predefinidas assim como na transmissão ao autor da síntese de uma ficha de resultado redigida manualmente, com a indicação da palavra‑chave num artigo e a posição desse artigo na publicação. Do mesmo modo, as partes no processo principal estão de acordo quanto ao facto de, em si mesma, a redação de uma síntese ser legítima e não exigir o consentimento dos titulares dos referidos direitos.

19      Também não é contestado que o referido processo de captura de dados compreende dois atos de reprodução, a saber, a criação de ficheiros TIFF quando da digitalização por scanner dos artigos impressos e a criação de ficheiros de texto resultante da conversão dos ficheiros TIFF. Além disso, é pacífico que esse processo implica a reprodução de partes dos artigos digitalizados, uma vez que o excerto composto por onze palavras é armazenado em memória informática e essas onze palavras são objeto de uma ficha impressa num suporte em papel.

20      No entanto, as partes no processo principal estão em desacordo quanto à questão de saber se os dois últimos atos supramencionados constituem atos de reprodução visados no artigo 2.° da Diretiva 2001/29. Do mesmo modo, defendem posições opostas quanto ao ponto de saber se o conjunto dos atos em causa no processo principal estão, eventualmente, cobertos pela exclusão do direito de reprodução prevista no artigo 5.°, n.° 1, desta diretiva.

21      Nestas condições, o Højesteret, em 21 de dezembro de 2007, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça treze questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 2.°, alínea a), e 5.°, n.os 1 e 5, da referida diretiva.

22      O Tribunal de Justiça respondeu a essas questões pelo acórdão de 16 de julho de 2009, Infopaq International (C‑5/08, Colet., p. I‑6569), em que decidiu, por um lado, no sentido de que um ato efetuado no decurso de um processo de captura de dados, que consistia em armazenar em memória informática um excerto composto por onze palavras, bem como em imprimir esse excerto, era suscetível de ser abrangido pelo conceito de reprodução parcial na aceção do artigo 2.° da Diretiva 2001/29, se, o que competia ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, os elementos assim reproduzidos eram a expressão da criação intelectual própria do seu autor. Por outro lado, o Tribunal de Justiça concluiu no sentido de que se o artigo 5.°, n.° 1, desta diretiva permitisse excluir do direito de reprodução atos de reprodução transitórios ou episódicos, o último ato do processo de captura de dados em causa no processo principal, no decurso do qual a Infopaq imprimia os excertos compostos por onze palavras, não constituía tal ato transitório ou episódico. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça declarou que esse ato e o processo de captura de dados de que fazia parte não podiam ser realizados sem o consentimento dos titulares de direito de autor.

23      Na sequência desse acórdão, o Højesteret considerou, no entanto, que poderia ainda ser levado a pronunciar‑se sobre a questão de saber se a Infopaq violava a Diretiva 2001/29 ao levar a cabo o referido processo, com exceção da impressão do excerto composto por onze palavras, isto é, limitando‑se à execução dos três primeiros atos de reprodução. Por consequência, o Højesteret decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A etapa do processo tecnológico em que têm lugar os atos de reprodução temporária é relevante para se considerar que os referidos atos constituem ‘parte integrante e essencial do processo tecnológico’ [na aceção do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29]?

2)      Podem atos de reprodução temporária constituir ‘parte integrante e essencial de um processo tecnológico’ quando consistam na digitalização manual de artigos completos de uma publicação periódica em virtude da qual estes últimos passam de meios impressos a meios digitais?

3)      O conceito de ‘utilização legítima’ [do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29] inclui qualquer forma de utilização que não careça do consentimento do titular dos direitos de autor?

4)      O conceito de ‘utilização legítima’ [do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29] inclui a digitalização, por uma empresa comercial, de artigos completos de publicações periódicas e o subsequente processo da reprodução, para utilização na atividade de redação de sínteses dessa empresa, mesmo quando o titular dos direitos de autor não tenha dado o seu consentimento aos referidos atos?

É relevante para a resposta a esta questão o facto de as onze palavras serem armazenadas após o processo de captura ter terminado?

5)      Qual o critério a utilizar para apreciar se atos de reprodução temporária têm, ‘[em si,] significado económico’ [na aceção do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29], no caso de os outros requisitos estabelecidos por esta disposição estarem preenchidos?

6)      Os ganhos de eficiência [do utilizador] que resultam dos atos de reprodução temporária podem ser tomados em consideração para apreciar se estes atos têm, ‘[em si,] significado económico’ [na aceção do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29]?

7)      A digitalização, por parte de uma empresa, de artigos completos de publicações periódicas e o subsequente processo de reprodução podem ser considerados ‘certos casos especiais que não entram em conflito com uma exploração normal’ dos referidos artigos e que ‘não prejudicam irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito’ [na aceção do artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29], no caso de os outros requisitos estabelecidos por esta disposição estarem preenchidos?

É relevante para a resposta a esta questão o facto de as onze palavras serem armazenadas após o processo de captura ter terminado?»

 Quanto às questões prejudiciais

24      Nos termos do artigo 104.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, quando a resposta a uma questão prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência, o Tribunal pode, depois de ouvir o advogado‑geral, a qualquer momento, decidir por meio de despacho fundamentado, fazendo referência à jurisprudência em causa. É esse o caso no presente processo.

 Observações preliminares

25      Segundo o artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, um ato de reprodução está excluído do direito de reprodução previsto no artigo 2.° dessa diretiva desde que preencha cinco requisitos, a saber, quando o referido ato:

―        seja temporário;

―        seja transitório ou episódico;

―        constitua parte integrante e essencial de um processo tecnológico;

―        tenha por único objetivo permitir uma transmissão numa rede entre terceiros por parte de um intermediário ou uma utilização legítima de uma obra ou de outro material; e

―        não tenha, em si, significado económico.

26      Há que recordar, por um lado, que esses requisitos são cumulativos, no sentido de que o desrespeito de um só deles tem como consequência que o ato de reprodução não esteja excluído, ao abrigo do disposto no artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, do direito de reprodução previsto no artigo 2.° desta diretiva (acórdão Infopaq International, já referido, n.° 55).

27      Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os requisitos acima expostos devem ser objeto de interpretação estrita, pois o artigo 5.°, n.° 1, desta diretiva constitui uma derrogação à regra geral por ela estabelecida que exige que o titular do direito de autor autorize qualquer reprodução da sua obra protegida (v. acórdãos Infopaq International, já referido, n.os 56 e 57, e de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, Colet., p. I‑9083, n.° 162).

28      É neste contexto que se devem examinar as questões prejudiciais pelas quais o órgão jurisdicional de reenvio procura saber se os atos de reprodução efetuados no decurso de um processo tecnológico, tal como o que está em causa no processo principal, preenchem o terceiro e quinto requisitos previstos no artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, bem como os requisitos previstos no artigo 5.°, n.° 5, desta diretiva. Em contrapartida, o pedido de decisão prejudicial não tem por objeto o primeiro e segundo requisitos, uma vez que o Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre esses requisitos nos n.os 61 a 71 do acórdão Infopaq International, já referido.

 Quanto à primeira e segunda questões relativas ao requisito segundo o qual os atos de reprodução devem constituir uma parte integrante e essencial de um processo tecnológico

29      Através da primeira e segunda questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que os atos de reprodução temporária efetuados no decurso de um processo de captura de dados, tais como os que estão em causa no processo principal, satisfazem o requisito segundo o qual esses atos devem constituir parte integrante e essencial de um processo tecnológico. A este propósito, pergunta, nomeadamente, se há que ter em conta a fase do processo tecnológico em que esses atos ocorrem, bem como o facto de o referido processo tecnológico implicar uma intervenção humana.

30      O conceito de «parte integrante e essencial de um processo tecnológico» requer que os atos de reprodução temporária sejam inteiramente praticados no quadro da execução de um processo tecnológico e que não sejam, portanto, realizados, total ou parcialmente, fora de tal processo. Esse conceito pressupõe igualmente que a realização do ato de reprodução temporária seja necessário, no sentido de que o processo tecnológico em causa não possa funcionar de forma correta e eficaz sem esse ato (v., neste sentido, acórdão Infopaq International, já referido, n.° 61).

31      Por outro lado, dado que o artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 não especifica em que fase do processo tecnológico os atos de reprodução temporária devem ocorrer, não se pode excluir que tal ato introduza ou encerre esse processo.

32      Da mesma forma, nada nessa disposição indica que o processo tecnológico não deva implicar alguma intervenção humana e, em particular, que se exclua que esse processo seja lançado manualmente, com a finalidade de chegar a uma primeira reprodução temporária.

33      No presente processo, deve recordar‑se que o processo tecnológico em causa consiste em efetuar buscas eletrónicas e automáticas nos artigos de imprensa e em identificar e em extrair deles as palavras‑chave predefinidas, com vista a tornar mais eficaz a redação de sínteses de artigos de imprensa.

34      Neste quadro, ocorrem sucessivamente três atos de reprodução. Materializam‑se pela criação de um ficheiro TIFF, em seguida, pela do ficheiro de texto e, finalmente, pela do ficheiro que contém o excerto composto por onze palavras.

35      A este propósito, é antes de mais pacífico que nenhum desses atos é realizado fora do referido processo tecnológico.

36      Em seguida, à luz das considerações enunciadas nos n.os 30 a 32 do presente despacho, é desprovido de pertinência que tal processo tecnológico seja lançado pela inserção manual dos artigos de imprensa num digitalizador com scanner, com o objetivo de chegar a um primeira reprodução temporária — a criação do ficheiro TIFF —, e que esse processo seja encerrado por um ato de reprodução temporária, a saber, a criação do ficheiro que contém o excerto composto por onze palavras.

37      Por último, deve salientar‑se que o processo tecnológico em questão não pode funcionar de forma correta e eficaz sem os atos de reprodução em causa. Com efeito, esse processo visa identificar as palavras‑chave predefinidas nos artigos de imprensa e transcrevê‑las num suporte digital. Tal busca eletrónica exige, assim, uma transformação desses artigos, a partir do suporte em papel, em dados digitais, sendo tal transformação necessária para reconhecer os referidos dados, para identificar as palavras‑chave e para as transcrever.

38      Contrariamente ao que sustenta a DDF, essa conclusão não é infirmada pelo facto de ser possível redigir sínteses de artigos de imprensa sem reprodução. A este propósito, basta salientar que essa síntese é realizada fora do referido processo, sendo feita depois deste, e, portanto, não é pertinente para apreciar se tal processo pode funcionar de forma correta e eficaz sem os atos de reprodução em causa.

39      Em face do exposto, deve responder‑se à primeira e segunda questões que o artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que os atos de reprodução temporária efetuados no decurso de um processo de captura de dados, tais como os que estão em causa no processo principal, satisfazem o requisito segundo o qual esses atos devem constituir parte integrante e essencial de um processo tecnológico, não obstante o facto de introduzirem e encerrarem o processo e implicarem uma intervenção humana.

 Quanto à terceira e quarta questões relativas ao requisito segundo o qual os atos de reprodução devem prosseguir um único objetivo, concretamente, permitir ou a transmissão de uma obra ou de outro material numa rede entre terceiros por um intermediário ou a utilização legítima de tal obra ou de tal material

40      Através da terceira e quarta questões, que devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que os atos de reprodução temporária efetuados no decurso de um processo de captura de dados, tais como o que estão em causa no processo principal, são conformes com o requisito segundo o qual os atos de reprodução devem prosseguir um único objetivo, concretamente, permitir ou a transmissão de uma obra ou de outro material numa rede entre terceiros por um intermediário, ou a utilização legítima de tal obra ou de tal material.

41      Cumpre desde logo sublinhar que os atos de reprodução em causa não visam permitir uma transmissão numa rede entre terceiros por um intermediário. Nestas circunstâncias, deve examinar‑se se o único objetivo desses atos consiste em permitir uma utilização legítima de uma obra ou de outro material.

42      A este propósito, como resulta do trigésimo terceiro considerando da Diretiva 2001/29, uma utilização reputa‑se legítima quando for autorizada pelo titular do direito em causa ou quando não for limitada pela regulamentação aplicável (acórdão Football Association Premier League e o., já referido, n.° 168).

43      No processo principal, deve salientar‑se, por um lado, que, na situação evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, em que se renunciou ao último ato do processo tecnológico de captura de dados, a saber, a impressão do excerto composto por onze palavras, o processo tecnológico em causa, incluindo, portanto, a criação do ficheiro TIFF, a do ficheiro de texto e a do ficheiro que comporta o excerto composto por onze palavras, visa permitir uma redação mais eficaz de sínteses de artigos de imprensa e, por isso, a sua utilização. Por outro lado, nada nos autos submetidos ao Tribunal de Justiça indica que o resultado desse processo tecnológico, a saber, o excerto composto por onze palavras, tem por objetivo permitir outra utilização.

44      Quanto ao caráter legítimo ou não da referida utilização, é pacífico que a redação de uma síntese de artigos de imprensa não é, no caso em apreço, autorizada pelos titulares dos direitos de autor sobre esses artigos. Sendo assim, deve salientar‑se que tal atividade não é limitada pela regulamentação da União. Além disso, resulta das afirmações concordantes da Infopaq e da DDF que a redação da referida síntese não é uma atividade que seja limitada pela regulamentação dinamarquesa.

45      Nestas condições, a referida utilização não poderá ser considerada ilegítima.

46      Em face do exposto, há que responder à terceira e quarta questões que o artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que os atos de reprodução temporária efetuados ao longo de um processo de captura de dados, tais como os que estão em causa no processo principal, são conformes com o requisito segundo o qual os atos de reprodução devem prosseguir um único objetivo, concretamente, permitir uma utilização legítima de uma obra ou de outro material.

 Quanto à quinta e sexta questões relativas ao requisito segundo o qual os atos de reprodução não devem ter, em si, significado económico

47      Tendo em conta o contexto do processo principal no seu conjunto, bem como o alcance das questões precedentes, a quinta e sexta questões devem ser entendidas como visando saber se os atos de reprodução temporária efetuados no decurso de um processo de captura de dados, tais como os que estão em causa no processo principal, satisfazem o requisito previsto no artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, segundo o qual esses atos não devem ter, em si, significado económico.

48      A este propósito, deve recordar‑se que os atos de reprodução temporária, na aceção do referido artigo 5.°, n.° 1, visam tornar possível o acesso às obras protegidas e a sua utilização. Tendo estas um valor económico próprio, o acesso e a utilização delas revestem, assim, necessariamente um significado económico (v., neste sentido, acórdão Football Association Premier League e o., já referido, n.° 174).

49      Além disso, como resulta do trigésimo terceiro considerando da Diretiva 2001/29, os atos de reprodução temporária — à semelhança dos atos que permitem o «browsing» e o «caching» — têm por objetivo facilitar a utilização da obra ou tornar essa utilização mais eficaz. Assim, é inerente a esses atos permitir a realização de ganhos de produtividade no quadro de tal utilização e, por conseguinte, incrementar os lucros ou uma redução das despesas de produção.

50      Assim sendo, os referidos atos não devem ter, em si, um significado económico, no sentido de que a vantagem económica extraída da sua execução não deve ser distinta nem separável da vantagem económica extraída da utilização legítima da obra em causa e não deve gerar uma vantagem económica suplementar, que vá para além da extraída da referida utilização da obra protegida (v., neste sentido, acórdão Football Association Premier League e o., já referido, n.° 175).

51      Os ganhos de produtividade resultantes da execução dos atos de reprodução temporária, tais como os que estão em causa no processo principal, não têm, em si, tal significado económico, desde que as vantagens económicas extraídas da sua aplicação se materializem apenas na utilização do material reproduzido, de forma que não são distintas nem separáveis das vantagens extraídas da sua utilização.

52      Em contrapartida, uma vantagem extraída de um ato de reprodução temporária é distinta e separável se o autor desse ato puder realizar lucros devido à exploração económica de reproduções temporárias, em si mesmas.

53      O mesmo é válido se os atos de reprodução temporária redundarem numa modificação do material reproduzido, tal como existe no momento do desencadeamento do processo tecnológico em causa, pois esses atos não visam também facilitar a sua utilização, mas a utilização de um material diferente.

54      Por conseguinte, deve responder‑se à quinta e sexta questões que o artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que os atos de reprodução temporária efetuados no decurso de um processo de captura de dados, tais como os que estão em causa no processo principal, satisfazem o requisito segundo o qual esses atos não devem ter, em si, significado económico, desde que, por um lado, a execução desses atos não permita realizar um lucro suplementar, que vá para além do obtido da utilização legítima da obra protegida, e, por outro, os atos de reprodução temporária não redundem numa alteração dessa obra.

 Quanto à sétima questão relativa ao requisito segundo o qual os atos de reprodução não devem entrar em conflito com uma exploração normal da obra nem prejudicar irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito

55      Através da sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que os atos de reprodução temporária efetuados no decurso de um processo de captura de dados, tais como os que estão em causa no processo principal, satisfazem o requisito segundo o qual os atos de reprodução não podem entrar em conflito com uma exploração normal da obra nem prejudicar irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito.

56      A este propósito, basta reconhecer que, se os atos de reprodução preencherem todos os requisitos do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, tal como interpretados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, deve considerar‑se que não entram em conflito com a exploração normal da obra nem prejudicam irrazoavelmente os interesses legítimos do titular do direito (v. acórdão Football Association Premier League e o., já referido, n.° 181).

57      Por conseguinte, deve responder‑se à sétima questão que o artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que, se preencherem todos os requisitos previstos no artigo 5.°, n.° 1, desta diretiva, os atos de reprodução temporária efetuados no decurso de um processo de captura de dados, tais como os que estão em causa no processo principal, satisfazem o requisito segundo o qual os atos de reprodução não podem entrar em conflito com a exploração normal da obra nem prejudicar irrazoavelmente os interesses legítimos do titular do direito.

 Quanto às despesas

58      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que os atos de reprodução temporária efetuados no decurso de um processo dito «de captura de dados», tais como os que estão em causa no processo principal,

―        satisfazem o requisito segundo o qual esses atos devem constituir parte integrante e essencial de um processo tecnológico, não obstante o facto de introduzirem e encerrarem o processo e implicarem uma intervenção humana;

―        são conformes com o requisito segundo o qual os atos de reprodução devem prosseguir um único objetivo, concretamente, permitir uma utilização legítima de uma obra ou de outro material;

―        satisfazem o requisito segundo o qual esses atos não devem ter, em si, significado económico, desde que, por um lado, a execução desses atos não permita realizar um lucro suplementar, que vá para além do obtido da utilização legítima da obra protegida, e, por outro, os atos de reprodução temporária não redundem numa alteração da obra.

2)      O artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que, se preencherem todos os requisitos previstos pelo artigo 5.°, n.° 1, desta diretiva, os atos de reprodução temporária efetuados no decurso de um processo dito «de captura de dados», tais como os que estão em causa no processo principal, satisfazem o requisito segundo o qual os atos de reprodução não podem entrar em conflito com a exploração normal da obra nem prejudicar irrazoavelmente os interesses legítimos do titular do direito.

Assinaturas


** Língua do processo: dinamarquês.