Language of document : ECLI:EU:C:2013:661

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

17 de outubro de 2013 (*)

«Reenvio prejudicial — Agricultura — Regulamento (CE) n.° 21/2004 — Sistema de identificação e registo de ovinos e caprinos — Obrigação de identificação eletrónica individual — Obrigação de manutenção de um registo da exploração — Validade — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Liberdade de empresa — Proporcionalidade — Igualdade de tratamento»

No processo C‑101/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Verwaltungsgericht Stuttgart (Alemanha), por decisão de 9 de fevereiro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 27 de fevereiro de 2012, no processo

Herbert Schaible

contra

Land Baden‑Württemberg,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász (relator), A. Rosas, D. Šváby e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de março de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de H. Schaible, por M. Winkelmüller, Rechtsanwalt,

¾        em representação do Land Baden‑Württemberg, por C. Taubald, Rechtsanwältin,

¾        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e C. Candat, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo neerlandês, por B. Koopman e C. Wissels, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e M. Szpunar, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Conselho da União Europeia, por P. Mahnič Bruni, Z. Kupčová e R. Wiemann, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por G. von Rintelen e B. Burggraaf, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de maio de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a validade dos artigos 3.°, n.° 1, 4.°, n.° 2, 5.°, n.° 1, e 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento (CE) n.° 21/2004 do Conselho, de 17 de dezembro de 2003, que estabelece um sistema de identificação e registo de ovinos e caprinos e que altera o Regulamento (CE) n.° 1782/2003 e as Diretivas 92/102/CEE e 64/432/CEE (JO 2004, L 5, p. 8), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 933/2008 da Comissão, de 23 de setembro de 2008 (JO L 256, p. 5, a seguir «Regulamento n.° 21/2004»).

2        Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe H. Schaible ao Land Baden‑Württemberg, a respeito da compatibilidade das referidas disposições com o direito primário da União.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Em conformidade com os artigos 1.° e 3.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 90/425/CEE do Conselho, de 26 de junho de 1990, relativa aos controlos veterinários e zootécnicos aplicáveis ao comércio intracomunitário de certos animais vivos e produtos, na perspetiva da realização do mercado interno (JO L 224, p. 29), a supressão dos referidos controlos nas fronteiras entre os Estados‑Membros torna necessário que os animais sejam identificados em conformidade com as exigências da regulamentação da União e registados de modo a permitir identificar a exploração, o centro ou o organismo de origem ou de passagem.

4        Os considerandos 1, 3, 7 e 11 do Regulamento n.° 21/2004 enunciam:

«(1)      Nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 3.° da Diretiva 90/425/CEE [...], os animais destinados às trocas comerciais intracomunitárias devem ser identificados de acordo com os requisitos da regulamentação comunitária e registados de modo a permitir identificar a exploração, o centro ou o organismo de origem ou de passagem. [...]

[...]

(3)      A Diretiva 92/102/CEE [do Conselho, de 27 de novembro de 1992, relativa à identificação e ao registo de animais (JO L 355, p. 32)] definiu regras de identificação e registo dos ovinos e caprinos. A experiência no caso dos ovinos e caprinos e, em especial, a crise da febre aftosa mostraram que a aplicação da Diretiva 92/102/CEE não foi satisfatória e deve ser melhorada. É, pois, necessário estabelecer regras mais rigorosas e específicas, como já foi feito para os animais da espécie bovina através do Regulamento (CE) n.° 1760/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de julho de 2000, que estabelece um regime de identificação e registo de bovinos e relativo à rotulagem da carne de bovino e dos produtos à base da carne de bovino [, e que revoga o Regulamento (CE) n.° 820/97 do Conselho (JO L 204, p. 1)].

[...]

(7)      Em 1998, a Comissão lançou um projeto em grande escala sobre a identificação eletrónica dos efetivos pecuários (IDEA), tendo o seu relatório final sido concluído em 30 de abril de 2002. Esse projeto demonstrou que é possível melhorar substancialmente os regimes de identificação dos ovinos e caprinos por meio de identificadores eletrónicos desses animais, desde que sejam respeitadas certas condições relativas às medidas de acompanhamento.

[...]

(11)      Nos Estados‑Membros em que os efetivos de ovinos ou caprinos sejam relativamente reduzidos, poderá não se justificar a introdução de um sistema de identificação eletrónica. É pois, conveniente permitir a esses Estados‑Membros torná‑lo facultativo. É igualmente conveniente prever a possibilidade de adaptar, por um processo rápido, os limiares demográficos abaixo dos quais se poderá tornar facultativa a identificação eletrónica.»

5        O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 21/2004 prevê:

«Todos os Estados‑Membros devem estabelecer um regime de identificação e registo de ovinos e caprinos em conformidade com as disposições do presente regulamento.»

6        Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, do referido regulamento:

«O regime de identificação e registo de animais deve incluir os seguintes elementos:

a)      Meios de identificação que permitam identificar cada animal;

b)      Registos atualizados mantidos em cada exploração;

c)      Documentos de deslocação;

d)      Registo central ou base de dados informatizada.»

7        O artigo 4.° do mesmo regulamento tem a seguinte redação:

«1.      Todos os animais de uma exploração nascidos após 9 de julho de 2005 [...] devem ser identificados em conformidade com o n.° 2, num prazo a determinar pelo Estado‑Membro, a partir do nascimento do animal e, em qualquer caso, antes de este deixar a exploração em que nasceu. [...]

Em derrogação deste requisito, os Estados‑Membros podem alargar esse prazo, mas sem que ultrapasse nove meses no caso dos animais criados em regime extensivo ou ao ar livre. Os Estados‑Membros em questão devem informar a Comissão da derrogação concedida. Se necessário, podem ser adotadas normas de execução nos termos do n.° 2 do artigo 13.°

2.      a)     Os animais devem ser identificados por um primeiro meio de identificação em conformidade com os requisitos constantes dos pontos 1 a 3 da parte A do anexo; e

b)      Por um segundo meio de identificação aprovado pela autoridade competente e que obedeça às características técnicas enumeradas no ponto 4 da parte A do anexo.

c)      Todavia, até à data prevista no n.° 3 do artigo 9.°, este segundo meio de identificação pode ser substituído pelo sistema descrito no ponto 5 da parte A do anexo, exceto no que se refere aos animais que sejam alvo de trocas comerciais intracomunitárias.

[...]

3.      Contudo, para os animais destinados ao abate antes da idade de 12 meses e que não se destinem a trocas comerciais intracomunitárias nem à exportação para países terceiros, a autoridade competente pode autorizar o método de identificação descrito no ponto 7 da parte A do anexo, em alternativa aos meios de identificação referidos no n.° 2.

[...]»

8        Por força do artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 21/2004, todos os detentores de animais, com exceção dos transportadores, devem manter um registo atualizado que contenha, no mínimo, as informações constantes da parte B do anexo deste regulamento.

9        O artigo 9.°, n.° 3, do referido regulamento dispõe:

«A partir de 31 de dezembro de 2009, a identificação eletrónica, de acordo com as orientações referidas no n.° 1 e em conformidade com as disposições pertinentes da parte A do anexo, é obrigatória para todos os animais.

Todavia, os Estados‑Membros onde o efetivo total de animais das espécies ovina e caprina seja inferior ou igual a 600 000 cabeças podem tornar a referida identificação eletrónica facultativa para os animais que não sejam alvo de trocas comerciais intracomunitárias.

Os Estados‑Membros onde o efetivo total de animais da espécie caprina seja inferior ou igual a 160 000 cabeças podem igualmente tornar a referida identificação eletrónica facultativa para os animais da espécie caprina que não sejam alvo de trocas comerciais intracomunitárias.»

10      A parte A do anexo do Regulamento n.° 21/2004, para a qual remete o seu artigo 4.° no respeitante à identificação individual, determina os meios de identificação e prevê, designadamente, que estes meios devem ser concebidos de modo a assegurar, pelo menos, uma marca visível e uma legível eletronicamente, bem como as características, as informações fornecidas pelos códigos inscritos por estes meios de identificação, os critérios que o primeiro e segundo meios de identificação devem satisfazer e os critérios técnicos dos dispositivos eletrónicos.

11      A parte B do anexo do Regulamento n.° 21/2004, para a qual remete o seu artigo 5.° no respeitante ao registo da exploração, enumera as informações que, no mínimo, esse registo deve conter.

 Direito alemão

12      Resulta do pedido de decisão prejudicial que a regulamentação nacional, adotada em conformidade com o Regulamento n.° 21/2004, prevê que cada animal deve ser individualmente identificado através de dois meios de identificação e de um código de doze dígitos. Estes dois meios de identificação são, por um lado, uma marca auricular com uma inscrição em caracteres negros sobre fundo amarelo e, por outro, um identificador eletrónico sob a forma de uma marca auricular ou de um bolo ruminal.

13      Além disso, os meios de identificação individual dos animais devem ser inscritos num registo da exploração que contenha, designadamente, o código de identificação da exploração, o da exploração de destino, para os animais que deixam a exploração, o da exploração de origem, para os animais que entram na exploração, o código de identificação do animal, o ano de nascimento e a data de identificação, o mês e o ano da morte, se o animal tiver morrido na exploração, bem como a raça e, se conhecido, o genótipo do animal.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      H. Schaible, um criador de ovinos com 450 ovelhas, intentou uma ação no órgão jurisdicional de reenvio, pedindo que seja declarado que não está sujeito à obrigação de identificar individualmente os seus animais e à obrigação de os identificar por meios eletrónicos, nem à obrigação de manter o registo da exploração, nos termos do Regulamento n.° 21/2004.

15      O Land Baden‑Württemberg concluiu pela improcedência da ação.

16      Tendo dúvidas sobre a validade de determinadas disposições do Regulamento n.° 21/2004, o Verwaltungsgericht Stuttgart decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      [A] obrigação [...] de identificar os animais individualmente nos termos dos artigos 3.°, n.° 1, e 4.°, n.° 2, do Regulamento [...] n.° 21/2004,

2)      a obrigação [...] de identificação eletrónica individual dos animais [...] nos termos do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 21/2004 […],

3)      a obrigação [...] de [...] manter o registo [...] da exploração em conformidade com o artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 21/2004, conjugado com o ponto 2 da parte B do anexo,

são compatíveis com o direito da União hierarquicamente superior e, portanto, válidas?»

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral

17      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 8 de julho de 2013, H. Schaible pediu a reabertura da fase oral, evocando a possibilidade de o Tribunal de Justiça não estar suficientemente esclarecido sobre dois pontos da argumentação do Conselho da União Europeia e da Comissão, que são suscetíveis de constituir elementos essenciais para poder proferir o seu acórdão.

18      Por um lado, H. Schaible alega que, contrariamente ao que estas instituições sustentaram na audiência e tal como decorre da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à saúde animal [COM (2013) 260 final], não está prevista nenhuma reforma legislativa a fim de alargar igualmente aos suínos a identificação eletrónica individual. Por outro lado, sustenta que é possível inferir da referida proposta de regulamento que a Comissão já não considera que a identificação eletrónica e a identificação individual sejam necessárias para combater eficazmente as epizootias e que, estando ciente das dificuldades técnicas relacionadas com a identificação eletrónica dos animais que ainda devem ser superadas, prevê proceder a uma análise da exequibilidade e a uma avaliação das incidências, antes de proceder a um desenvolvimento dos sistemas eletrónicos integrados que facilitam o rastreio dos animais.

19      Nos termos do artigo 83.° do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

20      No presente caso, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, considera que dispõe de todos os elementos necessários para decidir e que do pedido de H. Schaible não resulta um facto novo que pudesse ter uma influência determinante no acórdão a proferir nem um argumento que ainda não tivesse sido debatido entre as partes, com base no qual o processo devesse ser resolvido.

21      Nestas condições, não há que deferir o pedido de H. Schaible relativo à reabertura da fase oral do processo.

 Quanto às questões prejudiciais

22      Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, que o Tribunal de Justiça aprecie a validade dos artigos 3.°, n.° 1, 4.°, n.° 2, 5.°, n.° 1, e 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, bem como do ponto 2 da parte B do anexo do Regulamento n.° 21/2004, tendo em consideração a liberdade de empresa e o princípio da igualdade de tratamento.

23      Segundo o referido órgão jurisdicional, as obrigações impostas aos criadores de ovinos e caprinos, por força das referidas disposições do Regulamento n.° 21/2004, a saber, a identificação individual dos animais, a sua identificação eletrónica individual e a manutenção atualizada de um registo (a seguir «obrigações controvertidas»), são suscetíveis, por um lado, de violar o artigo 16.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), que consagra a liberdade de empresa, devido a uma ingerência desproporcionada nos direitos dos referidos criadores, e, por outro, de ser discriminatórias.

 Quanto à liberdade de empresa

24      Nos termos do artigo 16.° da Carta, é reconhecida a liberdade de empresa, de acordo com o direito da União.

25      A proteção conferida pelo referido artigo 16.° abrange a liberdade de exercer uma atividade económica ou comercial, a liberdade contratual e a livre concorrência, como decorre das explicações relativas a este mesmo artigo, que devem, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 1, terceiro parágrafo, TUE e o artigo 52.°, n.° 7, da Carta, ser tomadas em consideração para a interpretação desta (v. acórdão de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich, C‑283/11, n.° 42).

26      As disposições do Regulamento n.° 21/2004 em causa no processo principal impõem aos criadores de ovinos e caprinos obrigações relativas a uma identificação individual eletrónica dos animais e à manutenção atualizada de um registo da exploração. Assim, no que respeita aos criadores de animais para fins comerciais, as referidas disposições são suscetíveis de limitar o exercício da liberdade de empresa.

27      Todavia, o artigo 52.°, n.° 1, da Carta admite a introdução de restrições ao exercício dos direitos e liberdades, como a liberdade de empresa, desde que essas restrições sejam previstas por lei, respeitem o conteúdo essencial dos referidos direitos e liberdades e, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União Europeia ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros (v., neste sentido, acórdão de 9 de novembro de 2010, Volker und Markus Schecke e Eifert, C‑92/09 e C‑93/09, Colet., p. I‑11063, n.° 65, e acórdão Sky Österreich, já referido, n.° 48).

28      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a liberdade de empresa não constitui uma prerrogativa absoluta. Pode ser sujeita a um amplo leque de intervenções do poder público, suscetíveis de estabelecer, no interesse geral, limitações ao exercício da atividade económica (v., neste sentido, acórdão Sky Österreich, já referido, n.os 45 e 46 e jurisprudência aí referida).

29      Quanto ao princípio da proporcionalidade, cabe recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o mesmo exige que os atos das instituições da União não excedam os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, sendo que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados face aos objetivos prosseguidos (acórdãos de 8 de julho de 2010, Afton Chemical, C‑343/09, Colet., p. I‑7027, n.° 45; de 23 de outubro de 2012, Nelson e o., C‑581/10 e C‑629/10, n.° 71, e acórdão Sky Österreich, já referido, n.° 50).

30      No tocante, desde logo, aos objetivos do Regulamento n.° 21/2004 e à questão de saber se os meios instituídos por este regulamento são aptos para os realizar, importa, em primeiro lugar, recordar os seus considerandos 1 e 3, dos quais resulta que o legislador da União procura impedir a possibilidade da propagação das doenças infecciosas, designadamente da febre aftosa que provocou a crise do ano 2001 nos efetivos ovino e caprino, no contexto do estabelecimento do mercado interno para o comércio destes animais e seus produtos.

31      A eliminação dos riscos de epizootias dos ovinos e caprinos assim como a instituição do mercado interno no respetivo setor não estavam ainda realizadas no momento da adoção do Regulamento n.° 21/2004.

32      A fim de garantir o bom funcionamento do mercado dos animais e seus produtos, a Diretiva 90/425 eliminou os obstáculos veterinários e zootécnicos que entravavam o desenvolvimento do comércio intracomunitário. Segundo os artigos 1.° e 3.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva, a supressão dos controlos nas fronteiras entre os Estados‑Membros requer que os animais sejam identificados em conformidade com as exigências de uma regulamentação da União e registados de modo a permitir identificar a exploração, o centro ou o organismo de origem ou de passagem.

33      Num primeiro momento, a identificação e o registo dos animais das espécies ovina e caprina eram regidos pela Diretiva 92/102. Este sistema baseava‑se na identificação dos animais por exploração. O artigo 4.°, n.° 1, alínea b), desta diretiva tinha previsto que qualquer detentor de animais devia manter um registo que indicasse o número total de ovinos e caprinos presentes cada ano na sua exploração, e o artigo 5.°, n.° 3, da referida diretiva impunha que os ovinos e caprinos fossem marcados por meio de uma marca auricular ou de uma tatuagem que permitissem relacionar estes animais com a exploração de proveniência.

34      Todavia, após a grande epizootia de febre aftosa que grassou durante o ano de 2001, verificou‑se que a realização do duplo objetivo de prevenção das epidemias que afetam os ovinos e caprinos e de estabelecimento de um mercado interno destes animais a funcionar sem obstáculos só podia ser atingido reforçando o sistema instituído pela Diretiva 92/102. Foi nesta perspetiva que o legislador da União introduziu, com a adoção do Regulamento n.° 21/2004, um novo sistema de identificação e registo dos animais das espécies ovina e caprina.

35      A proteção da saúde, a luta contra as epizootias e o bem‑estar dos animais, objetivos que se cruzam, constituem objetivos legítimos de interesse geral da legislação da União, tal como a realização, no setor em causa, do mercado interno agrícola (v., neste sentido, no tocante à proteção da saúde, acórdãos de 4 de abril de 2000, Comissão/Conselho, C‑269/97, Colet., p. I‑2257, n.° 48, e de 10 de julho de 2003, Booker Aquaculture e Hydro Seafood, C‑20/00 e C‑64/00, Colet., p. I‑7411, n.° 78, e, no tocante ao bem‑estar dos animais, acórdãos de 17 de janeiro de 2008, Viamex Agrar Handel e ZVK, C‑37/06 e C‑58/06, Colet., p. I‑69, n.° 22, e de 19 de junho de 2008, Nationale Raad van Dierenkwekers en Liefhebbers e Andibel, C‑219/07, Colet., p. I‑4475, n.° 27).

36      Feita esta constatação, há que examinar, em segundo lugar, se os meios instituídos pelo Regulamento n.° 21/2004 são aptos à realização destes objetivos.

37      O sistema introduzido pelo referido regulamento prevê a identificação individual de cada animal através de dois meios de identificação. Salvo determinadas exceções, estes dois meios de identificação são a tradicional marca auricular e um dispositivo eletrónico sob a forma de uma marca auricular eletrónica, um bolo ruminal, um transpondedor eletrónico ou uma marca eletrónica no travadouro, que possam ser lidos por leitores específicos. A identificação de cada animal deve também ser inscrita num registo da exploração. Acresce que, quando os animais saiam da exploração, as suas deslocações devem ser registadas num documento que os acompanha. Além disso, cada Estado‑Membro deve criar um registo central ou uma base de dados informatizada que contenha todas as explorações localizadas no seu território e fazer periodicamente um inventário dos animais mantidos nessas explorações.

38      H. Schaible considera que este sistema não é adequado para se atingir o objetivo de controlo das doenças epizoóticas. Além disso, alega que este sistema é ineficaz, visto que 5% dos meios eletrónicos de identificação aplicados nos animais se perdem ao longo do tempo ou se deterioram.

39      Quanto à identificação individual dos animais, não se pode deixar de observar que esta permite um sistema de controlo e de rastreio de cada animal, o que é essencial no caso de epizootias em massa. Um meio eletrónico de identificação torna mais eficaz a luta contra as doenças contagiosas, na medida em que garante uma maior fiabilidade e rapidez na comunicação dos dados.

40      No tocante à obrigação de manter um registo por exploração, cabe realçar, tal como o Governo francês, que os dados registados pelo identificador devem estar inscritos num documento que possa ser rapidamente atualizado e ao qual, a pedido, as autoridades competentes possam ter facilmente acesso. Assim, este sistema permite estabelecer o lugar de proveniência de cada animal e os vários lugares por onde um animal passou. Em caso de epizootia, estas informações são fundamentais para realizar estudos epidemiológicos precisos, identificar os contactos perigosos suscetíveis de propagar a doença e, por conseguinte, permitir às autoridades competentes tomar as medidas necessárias para evitar a propagação dessa doença contagiosa. Importa acrescentar, no referente às epizootias, que, segundo o considerando 4 da Diretiva 2003/50/CE do Conselho, de 11 de junho de 2003, que altera a Diretiva 91/68/CEE no que diz respeito ao reforço dos controlos da circulação de ovinos e caprinos (JO L 169, p. 51), os movimentos de ovinos contribuíram largamente para a propagação da febre aftosa em certas partes da União, durante o surto de 2001.

41      Quanto às alegações relativas às falhas técnicas do sistema de identificação, mesmo supondo que a percentagem dos meios eletrónicos de identificação que se perdem ou se deterioram, aplicados nos animais, possa atingir o nível comunicado por H. Schaible, tal disfuncionamento não pode, por si só, demonstrar que o sistema em causa é inadequado na sua integralidade.

42      Há, pois, que concluir que as obrigações do sistema instituído pelo Regulamento n.° 21/2004 são adequadas para se atingir o objetivo de controlo das epizootias e que não se apurou nenhum elemento que pudesse pôr em questão a eficácia deste sistema na sua integralidade.

43      Seguidamente, no que toca à questão de saber se os meios instituídos pelo Regulamento n.° 21/2004 são necessários para se atingirem os objetivos por este prosseguidos, bem como à questão de um eventual carácter desproporcionado das obrigações controvertidas, importa examinar três séries de alegações aduzidas por H. Schaible.

44      Em primeiro lugar, sustenta que o antigo sistema de identificação da exploração, que permitia um rastreio eficaz dos movimentos de animais e uma luta eficaz contra as epizootias, já tinha, na prática, dado provas. H. Schaible considera que a epidemia de febre aftosa do ano de 2001 não põe em causa esse sistema, pois as causas dessa epidemia foram, não o referido sistema, propriamente dito, mas o facto de as autoridades terem realizado de maneira insuficiente os seus controlos. Consequentemente, em seu entender, não era necessário que o legislador da União revisse o antigo sistema, uma vez que uma execução e uma aplicação corretas das regras menos gravosas fixadas pela Diretiva 92/102 teriam bastado para assegurar a realização dos objetivos prosseguidos.

45      Em segundo lugar, H. Schaible alega que as obrigações controvertidas são excessivamente dispendiosas para os criadores de animais, devido ao material suplementar que são obrigados a adquirir, a saber, designadamente, os transpondedores e os leitores eletrónicos, e ao enorme volume de trabalho que a utilização deste material exige dos próprios criadores e dos especialistas, a saber, a aplicação do transpondedor, a reprodução dos códigos no registo da exploração, a gestão desse registo e a manutenção dos leitores, bem como o custo das intervenções informáticas e veterinárias.

46      Em terceiro lugar, H. Schaible alega que as obrigações controvertidas não são compatíveis com os princípios que regem o bem‑estar dos animais, devido ao facto de a aplicação dos transpondedores provocar ferimentos num grande número de animais. Lembra que, no sistema anterior, era aplicada uma única marca de identificação em cada animal, o que permitia reduzir em 50% o risco de ferimentos, e que as marcas auriculares não eletrónicas provocam nitidamente menos inflamações. Acrescenta que os bolos ruminais podem ser rejeitados durante a ruminação ou durante a digestão e que as marcas de identificação eletrónicas fixadas no travadouro dos animais por meio de uma ligadura de plástico podem dar azo a um especial risco de ferimentos.

47      Cabe recordar, no referente à fiscalização jurisdicional da validade das disposições de um regulamento, que o Tribunal de Justiça, na apreciação da proporcionalidade dos meios instituídos por essas disposições, admitiu que o legislador da União, no exercício das competências que lhe são conferidas, dispõe de um amplo poder de apreciação nos domínios em que a sua ação implica opções de natureza política, económica e social e em que é chamado a efetuar apreciações complexas (v., neste sentido, acórdão de 8 de junho de 2010, Vodafone e o., C‑58/08, Colet., p. I‑4999, n.os 51 e 52).

48      No domínio da agricultura, o legislador da União dispõe deste amplo poder de apreciação, correspondente às responsabilidades políticas que lhe são atribuídas pelos artigos 40.° TFUE a 43.° TFUE. Por conseguinte, a fiscalização jurisdicional deve limitar‑se a verificar se o legislador não excedeu manifestamente os limites do seu poder de apreciação (v., neste sentido, acórdãos de 17 de março de 2011, AJD Tuna, C‑221/09, Colet., p. I‑1655, n.° 80, e de 14 de março de 2013, Agrargenossenschaft Neuzelle, C‑545/11, n.° 43).

49      É certo que, mesmo dispondo desse poder de apreciação, o legislador da União deve basear a sua opção em critérios objetivos e, no âmbito da apreciação dos condicionalismos ligados a diferentes medidas possíveis, deve examinar se os objetivos prosseguidos pela medida adotada são de natureza a justificar consequências económicas negativas, mesmo consideráveis, para certos operadores económicos (v., neste sentido, acórdão Vodafone e o., já referido, n.° 53).

50      Todavia, importa realçar que a validade de um ato da União deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data de adoção do ato e não pode depender de considerações retrospetivas relativas ao seu grau de eficácia. Quando o legislador da União é levado a apreciar os efeitos futuros de uma regulamentação a adotar, apesar de esses efeitos não poderem ser previstos com exatidão, a sua apreciação só pode ser censurada se se afigurar manifestamente errada à luz dos elementos de que dispunha no momento da adoção da regulamentação em causa (v., neste sentido, acórdãos de 12 de janeiro de 2006, Agrarproduktion Staebelow, C‑504/04, Colet., p. I‑679, n.° 38, e de 28 de julho de 2011, Agrana Zucker, C‑309/10, Colet., p. I‑7333, n.° 45).

51      Por conseguinte, a fiscalização do Tribunal de Justiça relativa à proporcionalidade das disposições em causa do Regulamento n.° 21/2004 deve ser efetuada neste quadro.

52      No que respeita ao alegado carácter adequado do antigo sistema, não se pode deixar de observar que, dado o contexto zoossanitário, epizoótico, económico e social que caracterizam o período da preparação e o momento da adoção do Regulamento n.° 21/2004, foi com razão que o legislador da União considerou que, mesmo admitindo que as regras do sistema estabelecido pela Diretiva 92/102 pudessem ter sido aplicadas de forma mais correta, essas regras e esse sistema necessitavam de revisão.

53      Durante a epizootia do ano de 2001, como recordou o Conselho, foi necessário proceder ao abate sistemático de vários milhões de animais, devido à existência de ovinos não identificados e à falta de rastreio, para descobrir depois que um grande número destes animais não estava infetado. Foi necessário recorrer a diversas restrições no seio da União e à interdição, à escala mundial, de todas as exportações de animais vivos, de carne e de produtos de animais a partir do Reino Unido. Estas medidas causaram perdas consideráveis no setor agroalimentar, bem como nos orçamentos dos Estados‑Membros e da União.

54      Resulta do ponto 9 do Relatório Especial do Tribunal de Contas n.° 8/2004 sobre a gestão e a supervisão pela Comissão de medidas de luta contra a febre aftosa e despesas inerentes, acompanhado das respostas da Comissão (JO 2005, C 54, p. 1), que, no respeitante apenas à crise do ano de 2001, o montante global das despesas declaradas pelos Estados‑Membros para a indemnização dos abates, a destruição dos animais e a desinfeção das explorações e do equipamento se elevou a cerca de 2 693,4 milhões de euros. Este relatório indica igualmente, no ponto 36, que a regulamentação da União não exigia a identificação individual dos ovinos e que, por outro lado, a sua identificação por lote apresentava lacunas, o que impediu o rastreio dos animais suspeitos e atrasou, portanto, o seu abate.

55      Além disso, já em 1998, antes da epizootia do ano de 2001, a Comissão tinha lançado o projeto IDEA, coordenado pelo Centro de Investigação Conjunta da União Europeia, cujo relatório final ficou pronto em 30 de abril de 2002. Uma das conclusões do relatório final IDEA foi que os vários surtos de doença do gado na União Europeia tinham revelado que os sistemas de identificação utilizados à época não eram suficientemente eficientes e fiáveis para um rastreio e um controlo veterinário corretos das espécies de gado. Um controlo individual mais rigoroso dos animais e dos seus movimentos foi considerado uma questão crucial do controlo sanitário e da monitorização das doenças, o que impõe a possibilidade de rastrear o paradeiro de cada animal em qualquer momento. Em consequência, a fim de tornar o controlo individual dos animais mais eficiente, foi sugerida uma identificação única de cada animal, durante toda a sua vida, através da aplicação de um meio eletrónico de identificação.

56      O considerando 7 do Regulamento n.° 21/2004 enuncia que o projeto IDEA demonstrou que é possível melhorar substancialmente os regimes de identificação dos ovinos e caprinos por meio de identificadores eletrónicos desses animais, desde que sejam respeitadas certas condições relativas às medidas de acompanhamento. Cabe acrescentar que, como o Conselho corretamente indicou, uma identificação individual não garante ainda um rastreio cabal, pois permite unicamente uma colheita de dados para uma utilização posterior, e é o registo que constitui o elemento central do sistema de rastreio.

57      Como salientado pelo advogado‑geral nos n.os 72 a 74 das suas conclusões, vistos os diversos estudos efetuados na sequência da crise de epizootia do ano de 2001, o relatório especial do Tribunal de Contas n.° 8/2004 e o relatório final IDEA não foram de modo algum os únicos documentos a sugerir uma revisão aprofundada do quadro regulamentar relativo à identificação dos animais.

58      Atento o contexto zoossanitário, epizoótico, económico e social da adoção do Regulamento n.° 21/2004 e os referidos relatórios, o legislador da União podia legitimamente considerar, por um lado, que, nos termos das obrigações controvertidas, os animais devem ser identificados individualmente e as autoridades competentes devem ter acesso aos dados que, graças aos dispositivos eletrónicos de identificação e aos registos da exploração, permitem adotar as medidas necessárias para prevenir e limitar a propagação das doenças contagiosas nas espécies ovina e caprina e, por outro lado, que o antigo sistema de identificação da exploração não constituía um meio igualmente eficaz para garantir a realização dos objetivos previstos no Regulamento n.° 21/2004.

59      Verifica‑se, assim, que as obrigações controvertidas são necessárias para se atingir os objetivos prosseguidos pelo referido regulamento.

60      No tocante a um eventual carácter desproporcionado das obrigações controvertidas, importa constatar que o legislador da União estava obrigado a ponderar os interesses em presença (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Volker und Markus Schecke e Eifert, n.° 77, e Sky Österreich, n.° 59), a saber, por um lado, a liberdade de empresa dos criadores de ovinos e de caprinos e, por outro, o interesse geral da luta contra as epizootias dos ovinos e caprinos.

61      No que respeita ao alegado carácter excessivo dos encargos financeiros decorrentes das obrigações controvertidas, que um estudo da associação dos criadores alemães de ovinos (Vereinigung deutscher Landesschafzuchtverbände eV), invocado por H. Schaible, avalia em mais de 20 euros por ano e por ovino, importa referir que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esse estudo não leva em conta os custos que, em todo o caso, se prenderiam com a identificação por exploração. De igual modo, como refere a Comissão, os custos das marcas auriculares eletrónicas são suscetíveis de diminuir com o tempo e o aumento da sua utilização. Além disso, como sustenta o Governo neerlandês, os custos atuais podem ser inferiores aos custos de medidas não seletivas, como a proibição das exportações ou o abate preventivo de gado, em caso do surto de uma doença.

62      Seguidamente, há que observar que nenhum elemento dos autos presentes ao Tribunal põe em causa a alegação do Conselho e da Comissão de que os aspetos financeiros do novo sistema instituído pelo Regulamento n.° 21/2004 foram amplamente debatidos durante o processo legislativo e os custos e as vantagens desse sistema foram objeto de ponderação.

63      Além do mais, o Regulamento n.° 21/2004 contém várias derrogações à obrigação de identificação eletrónica, a fim de tomar em conta o resultado do processo de ponderação das vantagens das obrigações controvertidas e dos encargos daí decorrentes.

64      Assim, ao abrigo do artigo 4.°, n.° 1, segundo parágrafo, do referido regulamento, os Estados‑Membros podem prever que os animais criados em regime extensivo ou ao ar livre só sejam identificados após um prazo que pode atingir os nove meses em vez de seis. Segundo o n.° 3 deste artigo, as autoridades competentes podem permitir uma solução diversa da identificação eletrónica para os animais destinados a abate antes da idade de 12 meses e que não se destinem a trocas comerciais intracomunitárias nem à exportação para países terceiros. O artigo 9.°, n.° 3, segundo e terceiro parágrafos, do Regulamento n.° 21/2004 prevê que a identificação eletrónica só é obrigatória para os Estados‑Membros nos quais o número total de animais excede um determinado limiar.

65      Cabe constatar que a Comissão, atentos os custos dos dispositivos eletrónicos, dos leitores e do equipamento de tratamento dos dados, bem como os cálculos realizados pelo Centro Comum de Investigação da União e por diversos Estados‑Membros, propôs uma introdução gradual da obrigação de identificação eletrónica, começando pelas marcas eletrónicas e relacionando depois as informações relativas à circulação com os códigos individuais dos animais, com vista à limitação das despesas durante o período introdutório do sistema, como resulta do ponto 2.3 do relatório da Comissão ao Conselho, de 16 de novembro de 2007, sobre a aplicação da identificação eletrónica de ovinos e caprinos [COM (2007) 711 final], bem como das alterações introduzidas no Regulamento n.° 21/2004 pelo Regulamento n.° 933/2008.

66      Por último, importa recordar que o legislador da União moderou os custos adicionais para os criadores de animais, autorizando os Estados‑Membros e as regiões a conceder‑lhes, sendo caso disso, uma ajuda financeira proveniente dos fundos da União. O Regulamento (CE) n.° 1257/1999 do Conselho, de 17 de maio de 1999, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural e que altera e revoga determinados regulamentos (JO L 160, p. 80), foi modificado pouco tempo antes da adoção do Regulamento n.° 21/2004. Assim, o artigo 21.° ‑B, n.° 1, do Regulamento n.° 1257/1999, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1783/2003 do Conselho, de 29 de setembro de 2003 (JO L 270, p. 70), prevê que pode ser concedido um apoio temporário, para compensar parcialmente despesas e perdas de rendimento, aos agricultores que devam aplicar normas exigentes, baseadas na legislação da União e recém‑introduzidas na legislação nacional. Essa disposição aplica‑se, designadamente, aos criadores de animais alvo das obrigações controvertidas.

67      A este respeito, o Conselho afirma que esta possibilidade de os agricultores obterem uma ajuda financeira constituía um fator importante que foi levado em conta no seu processo decisório. Alega igualmente que o artigo 31.° do Regulamento (CE) n.° 1698/2005 do Conselho, de 20 de setembro de 2005, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO L 277, p. 1), regulamento que revogou o Regulamento n.° 1257/99 e que está atualmente em vigor, preservou, no seu essencial, a referida disposição.

68      Nestas condições, não se pode sustentar que o legislador da União não examinou devidamente o encargo financeiro resultante das despesas adicionais que os criadores de ovinos e de caprinos devem suportar para cumprir as obrigações controvertidas e as vantagens que estas obrigações permitem concretizar, nem que cometeu um erro de apreciação na ponderação dos vários interesses a fim de estabelecer um justo equilíbrio entre eles.

69      No tocante à argumentação segundo a qual a aplicação dos meios de identificação eletrónica tem como consequência o aumento do número de ferimentos nos animais e o respetivo agravamento, refira‑se que alguns efeitos negativos que podem afetar a saúde e o bem‑estar dos ovinos e dos caprinos foram examinados e levados em conta no quadro dos estudos realizados antes da adoção do Regulamento n.° 21/2004.

70      Designadamente, o relatório final IDEA estudou as principais causas de ferimentos e de morte após a aplicação de um dispositivo eletrónico de identificação e forneceu ao legislador da União informações úteis sobre como os vários tipos de aparelhos podiam afetar a saúde dos animais.

71      Os elementos apresentados por H. Schaible não põem em causa as apreciações e as opções do legislador da União, efetuadas com base nos referidos estudos, quando da adoção do Regulamento n.° 21/2004.

72      O facto de deverem ser aplicados nos animais dois meios de identificação, em vez de um único, e a circunstância de os novos meios de identificação provocarem estatisticamente mais ferimentos e complicações que os dispositivos tradicionais, devido à aplicação e ao sítio onde são fixados e ao seu peso, não são de natureza a demonstrar que a avaliação do legislador da União, quanto às vantagens da introdução da obrigação de identificação eletrónica dos ovinos e dos caprinos, estava errada por não respeitar o bem‑estar dos animais.

73      Acresce que há que realçar que o novo sistema instituído pelo Regulamento n.° 21/2004, que permite uma identificação mais precisa dos animais que tenham estado em contacto durante as epizootias, é apto a limitar a propagação das doenças contagiosas e permite, assim, evitar a existência de animais infetados. Portanto, deste ponto de vista, as obrigações controvertidas contribuem positivamente para a proteção do bem‑estar dos animais.

74      Consequentemente, devem ser julgadas improcedentes as alegações aduzidas para alicerçar a invocação da invalidade do Regulamento n.° 21/2004 devido à amplitude do impacto negativo, no bem‑estar dos animais, da obrigação de identificação eletrónica dos ovinos e dos caprinos, prevista por este regulamento.

75      Nestas condições, há que concluir que o legislador da União podia legitimamente impor as obrigações controvertidas e considerar que os inconvenientes decorrentes dessas obrigações não são desmesurados face aos objetivos previstos no Regulamento n.° 21/2004 e que não cometeu nenhum erro no exame das vantagens e desvantagens destas obrigações face aos interesses em jogo e, portanto, também não violou a liberdade de empresa dos criadores de ovinos e de caprinos.

 Quanto à igualdade de tratamento

76      O princípio da igualdade perante a lei, enunciado no artigo 20.° da Carta, é um princípio geral do direito da União que exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento diferente for objetivamente justificado (v., neste sentido, acórdão de 11 de julho de 2006, Franz Egenberger, C‑313/04, Colet., p. I‑6331, n.° 33).

77      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma diferença de tratamento é justificada quando se baseie num critério objetivo e razoável, isto é, quando esteja relacionada com um objetivo legalmente admissível prosseguido pela legislação em causa, e seja proporcionada ao objetivo prosseguido pelo tratamento em questão (acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, Colet., p. I‑9895, n.° 47).

78      Uma vez que se trata de um ato legislativo da União, incumbe ao legislador da União demonstrar a existência de critérios objetivos apresentados como justificação e submeter ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação, por este, da existência dos referidos critérios (v. acórdão Arcelor Atlantique et Lorraine e o., já referido, n.° 48).

79      Na causa principal, a validade de algumas disposições do Regulamento n.° 21/2004, devido ao seu caráter discriminatório, é posta em causa a diversos títulos. Por um lado, sustenta‑se que a derrogação prevista no artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 21/2004 (a seguir «derrogação controvertida») origina uma diferença de tratamento não justificada. Por outro lado, as obrigações controvertidas previstas por este regulamento introduzem uma discriminação em detrimento dos criadores de ovinos e de caprinos relativamente aos criadores de bovinos e de suínos.

 Quanto à derrogação controvertida

80      H. Schaible alega que a derrogação controvertida, que autoriza os Estados‑Membros que tenham um número reduzido de efetivos ovinos ou caprinos a tornar facultativo o sistema de identificação eletrónica, constitui uma discriminação e confere aos criadores de animais dos Estados‑Membros que não tenham introduzido esse sistema uma vantagem concorrencial face aos outros criadores estabelecidos na União. Considera que os encargos impostos aos criadores são idênticos nas duas categorias de Estados‑Membros, assim como os riscos de epizootia.

81      No que respeita às alegações de H. Schaible, cabe referir que, no caso vertente, está apurado que a derrogação controvertida origina um tratamento jurídico diferente dos criadores de animais, consoante a categoria do Estado‑Membro onde estejam estabelecidos.

82      Todavia, não se pode deixar de observar que o critério que constitui a base da derrogação controvertida reveste um carácter objetivo e razoável.

83      Com efeito, em primeiro lugar, os limiares previstos no artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 21/2004 comportam critérios cabalmente objetivos. Assim, os Estados‑Membros que satisfaçam estes critérios independentemente da sua dimensão geográfica absoluta e que decidam optar pela derrogação controvertida podem introduzir futuramente a identificação eletrónica, se as circunstâncias pertinentes se alterarem, e estão mesmo obrigados a introduzi‑la se a sua população animal vier a exceder os limiares respetivos.

84      Seguidamente, os limiares previstos pela derrogação controvertida afiguram‑se razoáveis e proporcionados aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.° 21/2004, dado que, como realça a Comissão, no caso dos efetivos de reduzida dimensão e não destinados ao comércio intracomunitário, não é possível realizar economias de escala a nível nacional que permitam manter sob controlo os custos do sistema eletrónico.

85      No tocante aos custos e às despesas, o Conselho lembra corretamente que, nos Estados‑Membros com efetivos reduzidos, o encargo financeiro com a erradicação e a eliminação, em caso de grandes epizootias, se pode revelar inferior aos custos com a instituição desse sistema de identificação eletrónica. Deste modo, mesmo supondo que haja um risco acrescido de contágio, esse risco está, em princípio, limitado aos territórios dos Estados‑Membros que, tendo decidido fazer uso da derrogação controvertida, aceitem o dever de assumir esses encargos financeiros no caso do surto de uma epizootia.

86      Uma vez que a derrogação controvertida autoriza que os Estados‑Membros tornem facultativa a identificação eletrónica individual unicamente no que respeita aos animais que não sejam objeto de trocas comerciais intracomunitárias, há que observar, tal como o Governo francês, que um criador estabelecido num Estado‑Membro onde seja obrigatória a referida identificação não sofre nenhuma desvantagem económica resultante dos efeitos comuns dessa obrigação e da derrogação controvertida. Com efeito, qualquer animal com destino a esse Estado‑Membro deverá também necessariamente estar identificado eletronicamente, mesmo que esse animal seja originário de um Estado‑Membro onde, ao abrigo da referida derrogação, não seja obrigatória uma identificação eletrónica individual para os animais que não sejam objeto de trocas comerciais intracomunitárias.

87      Por último, importa lembrar que resulta de jurisprudência constante que a proibição de discriminação não visa as eventuais disparidades de tratamento que possam resultar, de um Estado‑Membro para outro, das divergências existentes entre as legislações dos diferentes Estados‑Membros, desde que estas afetem igualmente todas as pessoas a quem são aplicáveis (acórdão de 16 de julho de 2009, Horvath, C‑428/07, Colet., p. I‑6355, n.° 55 e jurisprudência aí referida). O Tribunal de Justiça considerou que, embora, é certo, este princípio tenha sido desenvolvido no quadro da interpretação das disposições do direito da União para efeitos da apreciação da compatibilidade da legislação nacional com o princípio da não discriminação, não poderia, contudo, ser de outra forma no que toca à apreciação da validade da disposição do direito da União que atribui aos Estados‑Membros uma margem de apreciação ao abrigo da qual adotam as referidas legislações diferentes (v., por analogia, acórdão de 19 de setembro de 2013, Panellinios Syndesmos Viomichanion Metapoiisis Kapnou, C‑373/11, n.os 35 e 36).

88      Nestas condições, cabe concluir que não se apurou nenhum elemento que fosse suscetível de pôr em causa a validade da derrogação controvertida, devido ao seu carácter discriminatório.

 Quanto à alegada discriminação dos criadores de ovinos e de caprinos face aos criadores de bovinos e de suínos

89      H. Schaible refere que a obrigação de identificar eletronicamente cada animal não foi imposta aos criadores de bovinos e de suínos, pese embora o facto de os referidos animais estarem tão expostos às epizootias como os ovinos e os caprinos. Considera que o sistema de identificação da exploração permite lutar eficazmente contra as epizootias no caso dos suínos. H. Schaible alega que não está prevista a introdução de um sistema obrigatório de identificação eletrónica dos bovinos e que resulta da Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de agosto de 2011, que altera o Regulamento (CE) n.° 1760/2000 no respeitante à identificação eletrónica dos bovinos e que suprime as disposições sobre rotulagem facultativa da carne de bovino [COM (2011) 525 final], que a Comissão propõe que seja mantido o carácter facultativo da identificação eletrónica dos bovinos, devido, designadamente, aos problemas encontrados no quadro da identificação individual obrigatória dos ovinos e dos caprinos. Considera que falta coerência às políticas da União neste domínio e que a União está a experimentar uma tecnologia que não está pronta a ser aplicada num setor em que os agricultores gozam de pouca influência.

90      Os Governos francês e neerlandês põem em realce as diferenças que caracterizam, por um lado, o setor dos ovinos e dos caprinos e, por outro, os setores dos bovinos e dos suínos. Salientam as particularidades destes diversos tipos de animais, no que se refere à respetiva criação, transporte e comercialização, bem como às doenças e aos tipos de risco a que estão sujeitos. Nomeadamente, os ovinos e os caprinos são normalmente objeto de mais deslocações do que os bovinos e os suínos e, ao contrário destes, também são comercializados mais vezes em leilões de grandes lotes. Além disso, os grupos de ovinos e caprinos mudam mais frequentemente de composição do que os dos bovinos e os dos suínos. Quanto à febre aftosa, o risco de contágio é maior nos ovinos e caprinos do que nos suínos. Estas circunstâncias tornam mais difíceis a identificação e o rastreio de cada animal ovino e caprino.

91      A este respeito, importa referir que quando o legislador da União é chamado a reestruturar ou a criar um sistema complexo, é‑lhe permitido recorrer a uma abordagem por etapas e atuar em função da experiência adquirida, desde que a escolha do legislador se baseie em critérios objetivos e adequados relativamente às finalidades prosseguidas pela legislação em causa (v., neste sentido, acórdão Arcelor Atlantique et Lorraine e o., já referido, n.os 57 e 58 e jurisprudência aí referida).

92      Cabe constatar, a respeito das alegações enunciadas nos n.os 89 e 90 do presente acórdão, relativas às semelhanças e às diferenças que caracterizam, por um lado, os ovinos e os caprinos e, por outro, os bovinos e os suínos, que, apesar de algumas semelhanças nestes diversos tipos de mamíferos, há diferenças que justificam um quadro regulamentar próprio para cada espécie animal. Levando em conta o contexto histórico da crise da febre aftosa em 2001, o legislador da União podia legitimamente introduzir, com o Regulamento n.° 21/2004, uma legislação específica que previsse a identificação eletrónica das espécies particularmente afetadas por essa crise.

93      Por conseguinte, o Conselho não tinha que recusar a adoção do Regulamento n.° 21/2004 proposta pela Comissão, sobre a introdução da identificação eletrónica dos ovinos e dos caprinos, por ser o seu âmbito de aplicação demasiado limitado.

94      Todavia, cabe referir que, embora o legislador pudesse legitimamente basear‑se nessa abordagem gradual para a introdução da identificação eletrónica, deve, à luz dos objetivos do Regulamento n.° 21/2004, considerar a necessidade de proceder à revisão das medidas instituídas, nomeadamente no que se refere ao carácter facultativo ou obrigatório da identificação eletrónica (v., por analogia, acórdão Arcelor Atlantique et Lorraine e o., já referido, n.° 62).

95      Importa, pois, constatar que este regulamento não introduz nenhuma discriminação em detrimento dos criadores de ovinos e de caprinos relativamente aos criadores de bovinos e de suínos.

96      Nestas condições, não está demonstrado que a derrogação e as obrigações controvertidas previstas pelo Regulamento n.° 21/2004 violem o princípio da igualdade de tratamento.

97      Resulta de todas estas considerações que o exame das questões suscitadas não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade dos artigos 3.°, n.° 1, 4.°, n.° 2, 5.°, n.° 1, e 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 21/2004, ou do ponto 2 da parte B do seu anexo.

 Quanto às despesas

98      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

O exame das questões suscitadas não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade dos artigos 3.°, n.° 1, 4.°, n.° 2, 5.°, n.° 1, e 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento (CE) n.° 21/2004 do Conselho, de 17 de dezembro de 2003, que estabelece um sistema de identificação e registo de ovinos e caprinos e que altera o Regulamento (CE) n.° 1782/2003 e as Diretivas 92/102/CEE e 64/432/CEE, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 933/2008 da Comissão, de 23 de setembro de 2008, ou do ponto 2 da parte B do seu anexo.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.