Language of document : ECLI:EU:C:2007:682

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 15 de Novembro de 2007 1(1)

Processo C‑404/06

Quelle AG

contra

Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha)]

«Protecção dos consumidores – Directiva 1999/44/CE – Venda de um bem de consumo e garantias correspondentes – Direito do vendedor de exigir ao consumidor uma indemnização pelo uso de um bem defeituoso em caso de substituição do mesmo – Substituição gratuita»





I –    Introdução

1.        Através do presente pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as disposições do Código Civil alemão que permitem ao vendedor, em caso de substituição de uma mercadoria defeituosa, exigir ao comprador uma indemnização pelo uso da referida mercadoria, são conformes à Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas (2) (a seguir «Directiva 1999/44»). O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias terá assim a oportunidade de interpretar, pela primeira vez, a Directiva 1999/44.

2.        A questão surgiu no âmbito de um litígio pendente no Bundesgerichtshof entre a sociedade Quelle AG (a seguir «Quelle») e uma associação de consumidores alemã, o Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände (a seguir «Bundesverband»), em que este pede que a demandada no processo principal seja impedida de exigir o pagamento de indemnizações pelo uso de mercadorias defeituosas em caso de substituição das mesmas, bem como a restituição da indemnização paga.

II – Quadro jurídico

A –    Direito comunitário

1.      Direito primário

3.        Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea t), CE, a acção da Comunidade implica, nos termos do disposto e segundo o calendário previsto no Tratado, uma contribuição para o reforço da defesa dos consumidores.

4.        O artigo 153.°, n.° 1, CE dispõe:

«A fim de promover os interesses dos consumidores e assegurar um elevado nível de defesa destes, a Comunidade contribuirá para a protecção da saúde, da segurança e dos interesses económicos dos consumidores, bem como para a promoção do seu direito à informação, à educação e à organização para a defesa dos seus interesses».

5.        O artigo 95.° CE dispõe o seguinte:

«1. [...] O Conselho [...] adopta as medidas relativas à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros, que tenham por objecto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno.

[…]

3. A Comissão, nas suas propostas previstas no n.° 1 em matéria de [...] defesa dos consumidores, basear‑se‑á num nível de protecção elevado, tendo nomeadamente em conta qualquer nova evolução baseada em dados científicos. No âmbito das respectivas competências, o Parlamento Europeu e o Conselho procurarão igualmente alcançar esse objectivo.

[…]».

2.      Directiva 1999/44

6.        O segundo considerando da Directiva 1999/44 salienta que «o mercado interno comporta um espaço sem fronteiras internas no qual é assegurada a livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais» e que a livre circulação de mercadorias implica também que «os consumidores residentes num Estado‑Membro possam adquirir bens no território de outro Estado‑Membro com base num conjunto mínimo de regras equitativas que regulem a venda de bens de consumo».

7.        O quarto considerando desta directiva declara que «o consumidor que procura beneficiar das vantagens do grande mercado, comprando bens num Estado‑Membro diverso do da sua residência, desempenha um papel fundamental na realização do mercado interno».

8.        Nos termos do quinto considerando, «a criação de um corpo mínimo comum de direito do consumo, válido independentemente do local de aquisição dos bens na Comunidade, reforçará a confiança dos consumidores e permitir‑lhes‑á beneficiar mais das vantagens do mercado interno».

9.        O décimo quinto considerando estabelece que «os Estados‑Membros podem dispor no sentido de que qualquer reembolso ao consumidor possa ser reduzido, de modo a ter em conta a utilização que o consumidor fez dos produtos a partir do momento em que lhe foram entregues» e que «as disposições de pormenor mediante as quais a rescisão do contrato ganha efeito podem ser fixadas na legislação nacional».

10.      O vigésimo quarto considerando precisa que «os Estados‑Membros devem dispor da faculdade de adoptar ou de manter, no domínio regulado pela presente directiva, disposições mais estritas, com o objectivo de garantir um nível mais elevado de protecção dos consumidores».

11.      O artigo 3.° da Directiva 1999/44 trata dos direitos do consumidor:

«1. O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.

2. Em caso de falta de conformidade, o consumidor tem direito a que a conformidade do bem seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, nos termos do n.° 3, a uma redução adequada do preço, ou à rescisão do contrato no que respeita a esse bem, nos termos dos n.os 5 e 6.

3. Em primeiro lugar, o consumidor pode exigir do vendedor a reparação ou a substituição do bem, em qualquer dos casos sem encargos, a menos que isso seja impossível ou desproporcionado.

Presume‑se que uma solução é desproporcionada se implicar para o vendedor custos que, em comparação com a outra solução, não sejam razoáveis, tendo em conta:

–        o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade,

–        a importância da falta de conformidade

–        a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.

A reparação ou substituição deve ser realizada dentro de um prazo razoável, e sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza do bem e o fim a que o consumidor o destina.

4. A expressão ‘sem encargos’ constante dos n.os 2 e 3 reporta‑se às despesas necessárias incorridas para repor o bem em conformidade, designadamente as despesas de transporte, de mão‑de‑obra e material.

5. O consumidor pode exigir uma redução adequada do preço, ou a rescisão do contrato:

–        se o consumidor não tiver direito a reparação nem a substituição, ou

–        se o vendedor não tiver encontrado uma solução num prazo razoável, ou

–        se o vendedor não tiver encontrado uma solução sem grave inconveniente para o consumidor.

[…]»

12.      O artigo 5, n.° 1, primeiro período, da Directiva 1999/44 dispõe que o vendedor «é responsável, nos termos do artigo 3.°, quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois anos a contar da entrega do bem».

13.      Em conformidade com o artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 1999/44, os Estados‑Membros podem «adoptar ou manter, no domínio regido pela presente directiva, disposições mais estritas, compatíveis com o Tratado, com o objectivo de garantir um nível mais elevado de protecção do consumidor».

B –    Direito alemão

14.      A Directiva 1999/44 foi transposta para o ordenamento jurídico alemão no âmbito da reforma do código civil (Bürgerliches Gesetzbuch, a seguir «BGB») (3).

15.      O § 439 do BGB, intitulado «Cumprimento a posteriori», dispõe o seguinte:

«(1) A título de cumprimento a posteriori, o comprador pode exigir, à sua escolha, a eliminação do defeito ou a entrega de um bem isento de defeitos.

(2) O vendedor suporta as despesas necessárias ao cumprimento a posteriori, em especial as despesas de transporte, viagem, mão‑de‑obra e material.

(3) Sem prejuízo do disposto no § 275, n.os 2 e 3, o vendedor pode recusar a modalidade de cumprimento a posteriori escolhida pelo comprador, quando esta obrigatoriamente implicar custos desproporcionados. Para este efeito, há que tomar em consideração, nomeadamente, o valor que o bem teria sem defeitos, a importância do defeito e a possibilidade de recorrer a outra modalidade de cumprimento a posteriori sem que tal implique desvantagens relevantes para o comprador. Neste caso, o direito do comprador é limitado à outra modalidade de cumprimento a posteriori, mantendo‑se inalterado o direito do vendedor de recusar também esta modalidade, nas condições previstas no primeiro período do presente parágrafo.

(4) Se o vendedor entregar um bem isento de defeitos, a título de cumprimento a posteriori, pode exigir ao comprador a restituição do bem defeituoso, nos termos previstos pelos §§ 346‑348».

16.      O § 346 do BGB, que rege os efeitos da resolução do contrato, dispõe:

«(1) Se uma das partes se tiver reservado contratualmente o direito à resolução do contrato, ou se tal direito lhe for conferido por lei, o exercício do direito de resolução implica a restituição das prestações recebidas e a reposição dos proveitos obtidos.

(2) Em lugar da restituição ou reposição, o devedor é obrigado ao pagamento de uma indemnização de valor equivalente:

1. se a restituição ou reposição não forem possíveis, devido à natureza da prestação obtida,

2. se tiver consumido, alienado, onerado, transformado ou modificado o objecto recebido,

3. em caso de deterioração ou perda do bem; fica todavia excluída a deterioração do bem resultante do seu uso normal.

No caso de o contrato prever uma contraprestação, deve a mesma ser tomada em conta no cálculo da indemnização; se for devida uma indemnização pelas vantagens decorrentes da utilização de um mútuo, é admitida a prova para demonstrar que o valor dessas vantagens era inferior.

(3) A obrigação de indemnização extingue‑se:

1. se o defeito que justifica a resolução só se tiver manifestado durante a transformação ou modificação do objecto,

2. na medida em que a deterioração ou perda seja imputável ao credor, ou se o dano também tivesse surgido se o bem estivesse na posse deste,

3. se, no caso de o direito à resolução decorrer da lei, a deterioração ou perda se tiver verificado junto do seu titular, embora este tenha usado da diligência que normalmente usa nos seus próprios negócios.

O enriquecimento residual deve ser restituído.

(4) […]».

17.      O § 347 do BGB, relativo aos proveitos e às despesas posteriores à resolução, dispõe:

«(1) Se, contrariamente às regras da boa gestão, o devedor não tiver percebido proveitos, podendo tê‑lo feito, é obrigado a indemnizar o credor pelo valor equivalente. No caso de o direito à resolução decorrer da lei, o seu titular deve, no que respeita aos proveitos, usar apenas da diligência que costuma usar nos seus próprios negócios.

(2) Se o devedor restituir o bem, ou pagar a indemnização de valor equivalente, ou se, nos termos do § 346, n.° 3, pontos 1) ou 2), a sua obrigação de indemnização se extinguir, tem direito ao reembolso das despesas necessárias. As outras despesas devem ser reembolsadas na medida em que o credor tenha enriquecido com as mesmas».

18.      Nos termos do § 100 do BGB, os proveitos são «os frutos de uma coisa ou de um direito bem como as vantagens decorrentes do uso da coisa ou do gozo do direito».

III – Matéria de facto, tramitação do processo principal e questões prejudiciais

19.      Em Agosto de 2002 a Quelle enviou à compradora, no âmbito de uma venda por correspondência, um fogão para seu uso pessoal pelo preço de 524,90 euros. Em Janeiro de 2004 a compradora verificou que a camada de esmalte da parte interna do forno do fogão fornecido se tinha descolado. Dado que a reparação se revelou impossível, requereu, nesse mesmo mês – ou seja, durante o período ainda coberto pela garantia – a substituição da mercadoria. Devolveu o fogão defeituoso ao vendedor (a sociedade Quelle), que lhe enviou um novo, exigindo, porém, o pagamento de uma indemnização pelo uso do bem, primeiro no montante de 119,97 euros, e finalmente de 69,97 euros, montante este que foi pago pela compradora.

20.      O Bundesverband, com base no mandato que lhe foi conferido pela compradora, intentou uma acção contra a Quelle em que pedia, por um lado, a restituição do montante de 67,86 euros (4), acrescido de juros e, por outro, que a Quelle fosse condenada a, no futuro, não exigir o pagamento de indemnizações pelo uso dos bens defeituosos, em caso de substituição dos mesmos.

21.      O Landgericht Nürnberg‑Fürth julgou procedente o pedido de restituição do montante pago e julgou a acção improcedente quanto ao resto. O Oberlandesgericht Nürnberg confirmou a sentença da primeira instância e admitiu o recurso de revista. Na sua fundamentação, precisou que o § 439, n.° 4, do BGB não pode constituir o fundamento jurídico para o pedido de indemnização pelo uso de um bem e que a fundamentação apresentada pelo legislador quanto a este direito à indemnização não era convincente (5). O mesmo órgão jurisdicional de recurso afirmou que não havia justificação para aplicar aos casos de substituição da mercadoria as normas sobre a resolução dos contratos; com efeito, em caso de substituição, por um lado, o comprador obtém um novo bem mas, por outro lado, o vendedor conserva a totalidade do preço, bem como os eventuais benefícios gerados pelo seu pagamento (6). Pelo contrário, em caso de resolução do contrato, o comprador e o vendedor devem restituir reciprocamente as prestações recebidas (7).

22.      Ambas as partes interpuseram recurso de revista da decisão do Oberlandesgericht Nürnberg para o Bundesgerichtshof (supremo tribunal federal). O Bundesgerichtshof tem dúvidas quanto ao encargo unilateral que recai sobre o comprador de pagar uma indemnização pelo uso de um bem, mas não vê qualquer possibilidade de evitar esta desproporção através da interpretação das disposições em questão, uma vez que a tal se opõe tanto a clara letra destas últimas, como a vontade inequívoca do legislador, que decorre dos trabalhos preparatórios que acompanham o projecto de lei sobre a reforma do direito das obrigações (8). Salienta que a possibilidade de interpretação termina no momento em que entra em conflito com a letra da lei e com a clara vontade do legislador (9).

23.      Além disso, o Bundesgerichtshof duvida da conformidade da legislação alemã em causa com o artigo 3.°, n.os 2, 3 e 4, da Directiva 1999/44, que prevê uma substituição «sem encargos» do bem «sem grave inconveniente para o consumidor», e não concorda com a tese segundo a qual essa directiva apenas rege o aspecto de o fornecimento do novo bem dever ser feito sem encargos (10). A este respeito, afirma também que as opiniões da doutrina alemã relativa à conformidade das disposições alemãs com a Directiva 1999/44 são divergentes (11).

24.      Consequentemente, o Bundesgerichtshof, por despacho de 16 de Agosto de 2006, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As disposições do artigo 3.°, n.° 2, em conjugação com os n.os 3, primeiro parágrafo, e 4, ou do artigo 3.°, n.° 3, terceiro parágrafo, da Directiva 1999/44/CE [do] Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que prevê que, em caso de reposição da conformidade do bem por meio de substituição, o vendedor pode exigir do consumidor o ressarcimento do valor do uso do bem inicialmente entregue, o qual não era conforme com o previsto no contrato?»

IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

25.      O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de Setembro de 2006.

26.      Na fase escrita do processo, foram apresentadas observações pelo Bundesverband, pelos Governos alemão, espanhol e austríaco e pela Comissão. Na audiência, realizada em 4 de Outubro de 2007, a Quelle, o Bundesverband, o Governo alemão e Comissão apresentaram os seus argumentos e responderam às perguntas do Tribunal.

V –    Argumentos das partes

A –    Quelle

27.      A Quelle sustentou na audiência que o pedido de decisão é inadmissível, na medida em que o Bundesgerichtshof, no caso em apreço, só pode interpretar as normas do BGB em litígio no sentido de que permitem a exigência do pagamento de uma indemnização pela utilização do bem. Se o Tribunal de Justiça decidir que a Directiva 1999/44 se opõe à legislação alemã, o Bundesgerichtshof não pode respeitar tal decisão, por o artigo 20.° da Constituição alemã (Grundgesetz) o impedir, ao estabelecer que os órgãos jurisdicionais estão vinculados, nas suas decisões, ao respeito da lei. Com efeito, se o órgão jurisdicional nacional se conformasse com tal decisão, deveria interpretar o direito nacional contra legem, o que não se pode aceitar uma vez que, tal como resulta dos acórdãos do Tribunal de Justiça, Pupino (12) e Adeneler (13), uma directiva não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem. No que respeita à resposta a dar à questão prejudicial, a Quelle sustenta que a Directiva 1999/44 não rege a questão da indemnização pelo uso do bem, pelo que o legislador alemão não estava sujeito a qualquer vínculo ao legislar sobre a matéria. A legislação alemã é lícita, na medida em que permite estabelecer um equilíbrio entre o pedido de reparação e o de substituição.

B –    Bundesverband

28.      Na audiência, o Bundesverband exprimiu a opinião de que o pedido de decisão prejudicial é admissível e de que não se trata, no caso em apreço, de um problema de interpretação da legislação alemã à luz da Directiva 1999/44, mas antes da interpretação da própria directiva. Nas suas observações escritas, o Bundesverband sublinha que a Directiva 1999/44 visa assegurar um elevado nível de defesa do consumidor e que a substituição das mercadorias deve ser feita «sem encargos» e «sem grave inconveniente para o consumidor», o que implica uma proibição de exigir ao consumidor uma indemnização pelo uso da mercadoria defeituosa. Além disso, na sua opinião, o facto de o montante da indemnização ser incerto pode dissuadir o consumidor de exercer os direitos que lhe assistem nos termos da Directiva 1999/44.

C –    Governo alemão

29.      O Governo alemão sustenta que o pedido de decisão prejudicial é admissível, na medida em que a interpretação que o Tribunal de Justiça fizer da Directiva 1999/44 é necessária para a solução do litígio no processo principal. Quanto ao mérito, sustenta que a Directiva 1999/44 não se opõe à legislação alemã em questão. Nas suas observações escritas invoca, em apoio desta tese, quatro métodos de interpretação: literal, sistemático, histórico e teleológico.

30.      No âmbito da interpretação literal, o Governo alemão sustenta que a Directiva 1999/44 não rege a questão de saber se o vendedor pode exigir ao consumidor, no caso de substituição do bem, uma indemnização pelo uso do bem defeituoso. As expressões «conformidade do bem [...] reposta sem encargos» e «substituição do bem [...] sem encargos» que constam do artigo 3.°, n.os 2 e 3, da Directiva 1999/44 referem‑se, segundo o Governo alemão, apenas ao pedido de entrega gratuita, ou seja, à execução da substituição, o que é conforme ao artigo 3.°, n.° 4, da directiva, em que a expressão «sem encargos» compreende, entre outras, «designadamente as despesas de transporte». A expressão «sem grave inconveniente para o consumidor» que consta do artigo 3.°, n.° 3, terceiro parágrafo, da Directiva 1999/44, implica apenas a necessidade de o vendedor não opor ao comprador obstáculos práticos ao exercício do seu direito à substituição do bem.

31.      No que respeita à interpretação sistemática da Directiva 1999/44, o Governo alemão parte do pressuposto de que o primeiro período do décimo quinto considerando desta directiva não se refere apenas à resolução do contrato, estabelecendo antes um princípio jurídico geral, por duas razões. Em primeiro lugar, decorre do facto de na posição comum do Conselho de 24 de Setembro de 1998 (14) se precisar claramente que os Estados‑Membros são livres de adoptar disposições «em matéria de reembolso no caso de bens já utilizados pelo consumidor assim como as disposições de pormenor para a rescisão dos contratos», que estas duas situações devem ser tratadas separadamente. Em segundo lugar, a resolução do contrato só é mencionada no décimo quinto considerando no segundo período, separadamente, ao passo que o direito à redução do reembolso é mencionado no primeiro período, o que também leva a crer que a resolução do contrato não é o único caso em que é possível a redução do reembolso.

32.      No âmbito da interpretação histórica, o Governo alemão remete para a proposta (15) e para a proposta alterada da Directiva 1999/44 (16), que revelam a evolução da formulação do artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 1999/44 e que demonstram que a directiva apenas impõe a reparação sem encargos e não a substituição sem encargos.

33.      Segundo o Governo alemão, da interpretação teleológica do artigo 3.° da Directiva 1999/44 resulta apenas que o consumidor não é obrigado a suportar nenhum custo concreto com a reposição da conformidade do bem. A legislação alemã não é contrária ao objectivo da Directiva 1999/44, a saber, a realização do mercado interno e a protecção dos consumidores, na medida em que a substituição das mercadorias é possível sem problemas nem obstáculos burocráticos. O Governo alemão sustenta que o Tribunal de Justiça, no seu acórdão Schulte (17), declarou que a eficácia da protecção europeia dos consumidores não é ameaçada pela obrigação de o consumidor, em caso de resolução de um contrato de crédito imobiliário, reembolsar não apenas os montantes recebidos nos termos desse contrato como também os juros. Na sua opinião, o pedido de pagamento de uma indemnização pelo uso não é contrário à eficácia da protecção dos consumidores, uma vez que tal pagamento constitui uma obrigação de menor valor do que a restituição do mútuo no processo Schulte. Sustenta, por fim, que não se deve permitir ao consumidor obter qualquer vantagem com a substituição do bem.

D –    Governos austríaco e espanhol e Comissão

34.      Segundo o Governo austríaco, o pedido de uma indemnização pelo uso só é possível em caso de resolução do contrato, e não de substituição do bem. A possibilidade de pedir uma indemnização pelo uso geraria uma desproporção entre o direito à reparação e o direito à substituição, que devem ser equivalentes, quando o consumidor deve gozar de um direito de escolha. No plano económico, o consumidor não gozaria de tal direito de escolha se a reparação fosse sem encargos e a substituição fosse, pelo contrário, associada a encargos adicionais, ou seja, ao pagamento de uma indemnização pelo uso.

35.      Segundo o Governo espanhol, se é certo que a indemnização pelo uso não se enquadra juridicamente nos «encargos» indicados no artigo 3.°, n.° 4, da Directiva 1999/44, tal indemnização tem, porém, consequências económicas para o consumidor e, por conseguinte, é contrária ao princípio da substituição sem encargos. O artigo 3, n.° 4, da Directiva 1999/44 deve ser interpretado no sentido de que o consumidor não é obrigado a suportar qualquer despesa directamente associada à substituição do bem.

36.      A Comissão sustentou, na audiência, que o pedido de decisão prejudicial é admissível uma vez que, em caso de dúvidas sobre a conformidade de uma legislação nacional com uma directiva, se discute no processo de decisão prejudicial, indirectamente, a questão de saber se o Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário. Em sua opinião, a possibilidade de interpretar o direito nacional em conformidade com as disposições comunitárias não pode constituir uma condição de admissibilidade de um pedido de decisão prejudicial. Nas suas observações escritas, a Comissão sustenta que a expressão «sem encargos» não pode ser limitada apenas à entrega gratuita do bem. Salienta que, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 1999/44, o vendedor é responsável por qualquer violação contratual que exista no momento da entrega do bem e deve, portanto, por força do artigo 3.°, n.° 4, dessa directiva, suportar todas as despesas necessárias para repor o bem em conformidade. A redução do reembolso indicada no décimo quinto considerando da Directiva 1999/44 refere‑se apenas, segundo a Comissão, aos casos de resolução do contrato. A Comissão salienta a importância, no direito comunitário, da elevada protecção dos consumidores e precisa, por um lado, que o consumidor cumpriu a sua obrigação, através do pagamento do preço do produto e, por outro, que o pedido de pagamento de uma indemnização pelo uso altera o equilíbrio entre o vendedor e o consumidor. Segundo a Comissão, os interesses financeiros do vendedor são suficientemente tutelados pela possibilidade que tem de invocar a desproporcionalidade da substituição do bem.

VI – Apreciação da advogada‑geral

A –    Considerações introdutórias

37.      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se a Directiva 1999/44 se opõe a uma legislação nacional que permite ao vendedor exigir ao comprador, em caso de substituição de um bem defeituoso, o pagamento de uma indemnização pelo uso de tal bem. Este direito do vendedor decorre do § 439, n.° 4, do BGB, que se refere ao cumprimento a posteriori, em conjugação com o § 346, n.os 1 e 2, ponto 1), do BGB, que rege os efeitos da resolução do contrato. As disposições do código civil alemão em questão alargam assim o regime aplicável em caso de resolução de contrato aos casos de substituição do bem. No processo em apreço, o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar, pela primeira vez, a Directiva 1999/44 no âmbito de um pedido de decisão prejudicial (18).

38.      O problema do mérito do direito à indemnização pelo uso suscitou um amplo debate académico na doutrina alemã. A favor desta legislação, os autores invocam frequentemente a fundamentação que o legislador apresentou das disposições pertinentes do BGB (19) e o argumento que dela decorre, segundo o qual o comprador é colocado, com a substituição, numa situação de vantagem económica (20). Estes autores remetem geralmente, a favor da conformidade com a Directiva 1999/44, para o décimo quinto considerando da mesma e para o argumento segundo o qual o pagamento da indemnização pelo uso não se insere entre as despesas necessárias para repor o bem em conformidade, na acepção do artigo 3.°, n.° 4, da mesma directiva (21). Porém, muitos autores afirmaram também que a legislação alemã é contrária à Directiva 1999/44 (22). Além da não conformidade com a directiva, salientam também o desequilíbrio da legislação, que permite ao vendedor conservar os proveitos obtidos com o pagamento do preço (23).

B –    Admissibilidade

39.      No que respeita à admissibilidade do pedido, há que observar, como a Comissão salientou, com razão, na audiência, que a possibilidade de o órgão jurisdicional nacional interpretar a legislação nacional em conformidade com a directiva não pode constituir uma condição de admissibilidade do pedido de decisão prejudicial. O princípio que proíbe a interpretação contra legem só se aplica no caso de o órgão jurisdicional nacional interpretar o direito nacional em conformidade com o direito comunitário. Contudo, no âmbito de um pedido de decisão prejudicial, não se pode falar de proibição de interpretação contra legem. A razão de ser da interpretação num processo de decisão prejudicial consiste em garantir, através da interpretação do direito comunitário, uma aplicação correcta e uniforme desse direito em todos os Estados‑Membros (24).

40.      As referências ao artigo 20.° do Grundgesetz respeitam exclusivamente ao direito constitucional alemão; tal norma não pode, portanto, por si só, afectar a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial. Com efeito, os critérios de admissibilidade de tal pedido são estabelecidos unicamente pelo artigo 234.° CE e não pelo direito nacional. Uma interpretação diferente implicaria que cada Estado‑Membro pudesse autonomamente decidir da aplicação do artigo 234.° CE, o que poderia levar a uma aplicação não uniforme do direito comunitário nos Estados‑Membros. O pedido de decisão prejudicial é, portanto, admissível.

C –    Apreciação

41.      Observe‑se, antes de mais, que o BGB se refere em geral a «comprador» e a «vendedor», ao passo que a Directiva 1999/44 fala de «consumidor» e de «vendedor» de bens de consumo. No processo principal, a compradora pode integrar‑se na noção de «consumidor» (25) e o vendedor na de «vendedor» (26), na acepção da Directiva 1999/44; além disso, a venda do fogão para uso pessoal constitui uma venda de um «bem de consumo» (27), na acepção da directiva.

42.      O problema central do caso em apreço respeita à interpretação da expressão «sem encargos» a que se refere o artigo 3.° da Directiva 1999/44 e à questão conexa de saber se a «substituição sem encargos» implica que o vendedor não pode exigir ao consumidor uma indemnização pelo uso da coisa defeituosa.

43.      No âmbito de uma interpretação literal, há que salientar, antes de mais, que, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 1999/44, o vendedor «responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue». A directiva dispõe, portanto, claramente que a responsabilidade pela falta de conformidade do bem entregue que exista no momento da entrega recai sobre o vendedor e que este deve responder pelo seu incumprimento. Se se admitisse uma legislação que permitisse ao vendedor exigir uma indemnização pelo uso do bem, permitir‑se‑ia ao vendedor eximir‑se da sua plena responsabilidade pela falta de conformidade do cumprimento contratual existente no momento da entrega do bem, e uma parte dessa responsabilidade, que deveria recair sobre o vendedor, seria, essencialmente, transferida para o consumidor.

44.      O artigo 3.°, n.° 2, confere ao consumidor o direito de exigir que a «conformidade do bem seja reposta sem encargos», o que implica que, a pedido do consumidor, a conformidade pode ser alcançada, em primeiro lugar, através de reparação ou de substituição, sem encargos. Neste contexto, o consumidor deve, na minha opinião, escolher, entre a reparação e a substituição, a alternativa que se revele possível e proporcionada (28). Se ambas as alternativas se revelarem impossíveis ou desproporcionadas, o consumidor pode pedir a redução do preço correspondente ou a resolução do contrato (29). O artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 1999/44 reitera expressamente que tanto a reparação como a substituição do bem devem ser feitas «sem encargos». O significado comum da expressão «sem encargos», contida neste artigo, fornece já um motivo para concluir que a legislação alemã é contrária à directiva (30). O artigo 3.°, n.° 4, da Directiva 1999/44 contém a definição da expressão «sem encargos». Esta definição opõe‑se à legislação alemã por duas razões.

45.      Em primeiro lugar, a referida disposição estabelece com toda a clareza que a expressão «sem encargos» compreende «[a]s despesas necessárias incorridas para repor o bem em conformidade». É irrelevante determinar se o vendedor exige o pagamento da indemnização pelo uso do bem como condição da substituição do mesmo ou se pede tal pagamento apenas num segundo momento, depois de ter substituído o bem; em ambos os casos a indemnização pedida deve ser considerada um custo para a reposição da conformidade do bem. Há que interpretar a expressão «sem encargos» em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 1999/44, que dispõe que o vendedor é integralmente responsável pela falta de conformidade existente no momento da entrega do bem, pelo que deve suportar todos os custos associados à reposição dessa conformidade.

46.      Em segundo lugar, no que respeita ao argumento do Governo alemão segundo o qual os referidos encargos compreendem «designadamente as despesas de transporte, de mão‑de‑obra e material», há que salientar que esta enumeração é meramente exemplificativa e não exaustiva. Através da expressão «designadamente», o legislador comunitário pretendeu indicar os exemplos mais frequentes de despesas que podem surgir em caso de substituição, e não limitar o âmbito de aplicação desta disposição. Consequentemente, com base no princípio de que exempla illustrant non restringunt legem, pode concluir‑se que «encargos» não abrange apenas as despesas de entrega do bem em conformidade (31). A disposição em questão indica com toda a clareza que a expressão «sem encargos» compreende «todas» as despesas necessárias para repor o bem em conformidade, uma vez que inclui tanto os tipos de despesas enumeradas a título de exemplo como todas as outras despesas que podem surgir com a entrega do bem.

47.      Há também que esclarecer se o pedido de indemnização pelo uso causa «grave inconveniente» ao consumidor, na acepção do artigo 3.°, n.° 3, terceiro parágrafo, da Directiva 1999/44. A este respeito, há que concordar com a argumentação do Governo austríaco, segundo a qual o pagamento de uma indemnização pelo uso constitui um «grave inconveniente» na acepção da directiva. A expressão «grave inconveniente» não abrange apenas os obstáculos práticos à substituição, como também os inconvenientes em geral e o «inconveniente» financeiro é um inconveniente adicional que, na minha opinião, pode até ser mais grave do que os obstáculos práticos com que o consumidor se pode deparar quando da substituição do bem.

48.      Além disso, como a Comissão salientou, com razão, nas suas observações escritas, os interesses financeiros do vendedor estão suficientemente assegurados pela possibilidade que este tem de invocar a desproporcionalidade da solução escolhida pelo consumidor. O artigo 3.°, n.° 3, segundo parágrafo, da Directiva 1999/44 dispõe que a solução é desproporcionada «se implicar para o vendedor custos que, em comparação com a outra solução, não sejam razoáveis». Consequentemente, se a substituição implicar despesas desrazoáveis para o vendedor, este pode recusar o pedido de substituição apresentado pelo consumidor. Se a reparação do bem também se revelar impossível ou desproporcionada, o consumidor pode optar por uma solução subsidiária, em que pede uma redução do preço ou a resolução do contrato. A directiva protege assim suficientemente o vendedor, permitindo, simultaneamente, ao consumidor exercer os seus direitos de modo eficaz (32).

49.      Há também que considerar as consequências práticas de uma indemnização pelo uso. No caso de o vendedor exigir ao consumidor uma indemnização deste tipo e de não ser possível a reparação, não restam ao consumidor muitas alternativas. Se o vendedor impusesse o pagamento da indemnização como condição da substituição, o consumidor só poderia escolher entre pagar a indemnização e receber um novo bem, ou não pagar, e ficar com o velho. Mesmo se o vendedor não impusesse o pagamento da indemnização como condição da substituição, mas o exigisse num momento posterior, o consumidor pode hesitar entre pedir ou não a substituição. Na prática, pode, portanto, dar‑se o caso de o consumidor se abster de exercer o seu direito à substituição, devido ao pedido de indemnização pelo uso, o que, em qualquer caso, é contrário ao espírito e à finalidade da Directiva 1999/44. Teoricamente, com base no artigo 3.°, n.° 5, terceiro travessão, o consumidor pode sustentar que a substituição lhe causa graves inconvenientes e pedir ao vendedor uma redução adequada do preço ou a resolução do contrato. Porém, a questão que se coloca é a de saber se, à luz da legislação alemã actual, tal objecção é realista. Uma situação deste tipo poderia dissuadir o consumidor de exercer qualquer dos direitos que lhe assistem ao abrigo da Directiva 1999/44. De um ponto de vista prático, há também que considerar que o pedido de indemnização pelo uso se revela particularmente problemático na compra e venda de bens que se desvalorizam rapidamente e cujo preço, em resultado do desenvolvimento de novos modelos entre a data de aquisição e a da substituição, pode até baixar, como é o caso, por exemplo, dos computadores, dos telemóveis e dos automóveis (33). Em tal caso, o comprador recebe um modelo que, no momento da substituição, tem um valor mais baixo do que no momento da aquisição e tem ainda, além disso, que pagar uma indemnização pelo uso.

50.      Resulta, portanto, desde logo da interpretação literal do artigo 3.° da Directiva 1999/44 que esta obsta a uma legislação como a alemã. Embora, na minha opinião, a interpretação literal possa já fornecer uma resposta inequívoca à questão apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio (34), tal interpretação constitui apenas um ponto de partida, devendo ser sustentada através de outros métodos de interpretação (35). A interpretação teleológica e a interpretação sistemática levam também sem dúvida à conclusão de que a Directiva 1999/44 obsta a uma legislação como a alemã. Podem invocar‑se muitos argumentos para sustentar esta afirmação.

51.      Resulta de uma interpretação teleológica da Directiva 1999/44 que esta tem por objectivo alcançar um nível elevado de protecção dos consumidores. É o que decorre do artigo 3.°, n.° 1, alínea t), CE e do artigo 153.°, n.° 1, CE (36); nos termos desta última disposição, a Comunidade, a fim de promover os interesses dos consumidores e de lhes assegurar um elevado nível de defesa, contribuirá para a protecção da saúde, da segurança e dos interesses económicos dos consumidores (37). Uma legislação como a alemã opõe‑se manifestamente ao esforço da Comunidade para atingir o mais alto nível possível de protecção dos consumidores e, sobretudo, ao seu esforço para proteger os seus interesses económicos.

52.      No âmbito da protecção dos consumidores, um dos objectivos específicos (38) da Directiva 1999/44 é o de assegurar uma harmonização mínima das regras relativas à venda de bens de consumo e às respectivas garantias (39). A exigência de uma harmonização mínima resulta claramente tanto do vigésimo quarto considerando como do artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 1999/44, que permitem aos Estados‑Membros adoptar ou manter, em matéria de protecção dos consumidores, disposições mais estritas do que as previstas na mesma directiva. Através da interpretação teleológica conclui‑se claramente que a legislação alemã, que assegura ao consumidor um nível de protecção inferior ao da Directiva 1999/44, é assim, a fortiori, contrária a esta última. Além disso, há que salientar que as disposições da Directiva 1999/44 asseguram padrões inderrogáveis no que respeita aos direitos dos consumidores e que as partes não podem, nem sequer por convenção, acordar num nível mais baixo de protecção dos consumidores e excluir, deste modo, a substituição sem encargos (40).

53.      Acresce que resulta claramente do segundo, do quarto e do quinto considerandos da Directiva 1999/44 que os esforços destinados a assegurar um elevado nível de protecção dos consumidores visam, como objectivo final, o bom funcionamento do mercado interno (41), que permite aos consumidores adquirir livremente bens de consumo nos outros Estados‑Membros (42). Um nível de protecção dos consumidores mais elevado pode, consequentemente, favorecer a chamada livre circulação passiva das mercadorias e dos serviços, ao abrigo da qual o consumidor adquire bens ou serviços noutros Estados‑Membros (43). Para assegurar a livre circulação das mercadorias e dos serviços os consumidores devem beneficiar de condições de aquisição de bens e de serviços tão uniformes quanto possível, o mesmo se aplicando às condições relativas à substituição sem encargos. Tais condições podem apresentar‑se menos favoráveis na Alemanha, uma vez que é possível que o vendedor exija o pagamento de uma indemnização pelo uso, o que pode levar a perturbações do mercado interno e à restrição da livre circulação de mercadorias e de serviços. Observe‑se, a este respeito, que em alguns dos outros Estados‑Membros o vendedor não pode exigir ao consumidor qualquer indemnização pelo uso da mercadoria defeituosa (44). Pode imaginar‑se que um consumidor a quem tenha sido pedido, na Alemanha, o pagamento de uma indemnização pelo uso hesitará em voltar a fazer compras neste Estado‑Membro.

54.      O objectivo da Directiva 1999/44, de alcançar um melhor funcionamento do mercado interno (45), decorre também da base jurídica da sua adopção, o artigo 95.° CE (46). Resulta da jurisprudência e da doutrina que o artigo 95.° CE só pode constituir a base jurídica de uma disposição comunitária se esta tiver efectivamente por objecto contribuir para o estabelecimento e a melhoria das condições de funcionamento do mercado interno e se contribuir para a eliminação de entraves à livre circulação de mercadorias ou à livre prestação de serviços ou ainda para a supressão de distorções da concorrência (47). Não é possível, com base neste artigo, adoptar disposições que só acessoriamente tenham por efeito harmonizar tais condições (48).

55.      Nem sequer recorrendo a uma interpretação sistemática se pode concluir que a Directiva 1999/44 permite, com base no seu décimo quinto considerando, um pedido de indemnização pelo uso. Em primeiro lugar, há que chamar a atenção para o aspecto formal (externo) de tal disposição (49). Resulta claramente da economia sistemática deste considerando que o mesmo se refere exclusivamente à resolução do contrato. O facto de a resolução do contrato só ser mencionada no segundo período deste considerando não significa que o primeiro e o segundo período possam ser apreciados separadamente havendo, pelo contrário, que examinar todo o décimo quinto considerando como um sistema unitário. Lido deste modo, é manifesto que a redução do reembolso devido ao consumidor só é possível no caso da resolução do contrato.

56.      Em segundo lugar, no âmbito da interpretação sistemática, há que tomar em consideração a economia sistemática (interna) de toda a Directiva 1999/44, que deve constituir um sistema coerente, sem contradições intrínsecas (50). Se, por força do décimo quinto considerando, se devesse reconhecer ao vendedor a possibilidade de exigir uma indemnização pelo uso, verificar‑se‑ia uma contradição interna entre o considerando em questão e o artigo 3.° desta directiva, que prevê a substituição sem encargos. Saliente‑se, além disso, que o significado que o Governo alemão atribui ao décimo quinto considerando não encontra qualquer correspondência nas disposições da parte normativa da Directiva 1999/44.

57.      De igual modo, não posso aceitar as afirmações do Governo alemão, segundo as quais a interpretação histórica do artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 1999/44 demonstra que o vendedor pode exigir o pagamento de uma indemnização pelo uso.

58.      O facto de a formulação da Directiva 1999/44 ter sido alterada, relativamente à última proposta da Comissão, de «reparação sem encargos ou [...] substituição do bem» (51) para «reparação ou [...] substituição do bem, em qualquer dos casos sem encargos» (52), é, quando muito, um argumento a favor da tese segundo a qual a substituição do bem também deve ser isenta de encargos de qualquer tipo (53). Encontra‑se nesta alteração do teor literal um elemento adicional que comprova que o legislador comunitário pretendeu incontestavelmente assegurar também a gratuitidade da substituição do bem, e não somente a gratuitidade da reparação e, por esta razão, não seguiu o texto original proposto pela Comissão. Pode retirar‑se uma conclusão semelhante do comunicado de imprensa do Comité de conciliação (54), invocado pelo Governo alemão e que demonstraria que a expressão «sem encargos» se limita às despesas de reparação e, em especial, às despesas de transporte, mão‑de‑obra e material. O texto da Directiva 1999/44 difere do texto dessas declarações, o que comprova, mais uma vez, que a Directiva 1999/44 pretendeu incontestavelmente introduzir também a gratuitidade da substituição dos bens (55).

59.      Saliente‑se, além disso, que mesmo que a interpretação histórica depusesse a favor da solução proposta pelo Governo alemão, este método de interpretação não é, por si só, suficiente e não pode ser determinante (56), uma vez que desempenha um papel meramente secundário na interpretação das disposições comunitárias (57). O significado jurídico das disposições de direito comunitário só pode decorrer das próprias disposições, tendo em conta o seu contexto e a sua finalidade (58).

60.      No âmbito das presentes conclusões, há ainda que responder a dois argumentos apresentados pelo Governo alemão. O primeiro refere‑se ao acórdão Schulte, o segundo à questão de saber se a substituição do bem implica o enriquecimento sem causa do consumidor.

61.      No que respeita ao acórdão Schulte (59), invocado pelo Governo alemão, considero que não pode ser transposto para a problemática associada ao pedido de indemnização pelo uso.

62.      Por um lado, o acórdão Schulte refere‑se à protecção dos consumidores em caso de resolução do contrato, ou seja, uma pretensão com características diferentes da substituição de uma mercadoria. Há que salientar, além disso, que no processo Schulte não se tratava de uma resolução do contrato por defeito da mercadoria, que é regida pelo artigo 3.°, n.° 5, da Directiva 1999/44, mas sim de uma rescisão normal do contrato. No acórdão Schulte o Tribunal de Justiça declarou que a directiva 85/577 (60) não se opõe a uma regulamentação nacional que preveja «a obrigação de o consumidor, em caso de rescisão de um contrato de crédito imobiliário, reembolsar não apenas os montantes recebidos nos termos desse contrato mas também pagar ao mutuante os juros praticados no mercado» (61). Através deste acórdão o Tribunal de Justiça aceitou, portanto, uma regulamentação nacional que respeita o princípio segundo o qual as partes devem restituir reciprocamente as prestações recebidas. Porém, num caso em que se pede a substituição de um bem defeituoso, a situação é diferente. O pedido de substituição de um bem defeituoso não obedece ao princípio da restituição recíproca das prestações recebidas, mas sim ao princípio da interpretação do contrato favor contractus, segundo o qual o contrato deve ser mantido se tal for possível; a substituição do bem visa, portanto, o cumprimento do contrato.

63.      Por outro lado, o acórdão Schulte enuncia o princípio segundo o qual, em caso de rescisão do contrato, o consumidor não tem necessariamente a obrigação de restituir o montante do mútuo, acrescido de juros, se a contraparte não tiver cumprido correctamente as suas obrigações. No n.° 94 desse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a directiva 85/557 não se opõe a que as normas nacionais nos termos das quais o consumidor que rescinde um contrato de mútuo deve reembolsar o empréstimo, acrescido de juros, não se apliquem a situações em que o comerciante não respeitou a obrigação de informação imposta pela directiva. Consequentemente, no âmbito da regra segundo a qual a parte que não cumpriu correctamente a sua obrigação deve responder pelo seu cumprimento incorrecto, é possível estabelecer uma analogia entre a resolução do contrato e a substituição do bem defeituoso. Porém, trata‑se, mais uma vez, de um argumento no sentido de que, em caso de substituição de um bem defeituoso, o vendedor deve suportar toda a responsabilidade pelo seu cumprimento incorrecto, bem como todas as despesas a ele relativas.

64.      Do mesmo modo, não se pode sustentar, no caso em apreço, que o consumidor tenha enriquecido sem causa (62). Através do pagamento do preço de compra o consumidor cumpre correctamente a sua obrigação decorrente do contrato sinalagmático de compra e venda de bens de consumo, ao passo que o vendedor não cumpriu a sua obrigação nas condições contratuais estabelecidas. À luz do princípio pacta sunt servanda, o pedido de substituição do bem consiste, portanto, simplesmente, num pedido de cumprimento das obrigações contratuais do vendedor. Com efeito, cada uma das partes num contrato é obrigada a suportar por si só o risco do seu próprio cumprimento incorrecto. A responsabilidade pelo facto de ter surgido a necessidade de uma substituição não recai sobre o consumidor: o consumidor pretende apenas utilizar o bem de modo normal, e o vendedor é obrigado a permitir‑lhe tal utilização.

65.      Seria, portanto, inaceitável que o consumidor, que cumpriu correctamente a sua obrigação contratual, fosse obrigado a pagar uma indemnização pelo uso do bem defeituoso ao vendedor, que não cumpriu correctamente a sua obrigação. Ao receber um novo bem, o consumidor obterá apenas aquilo a que tem direito, ou seja, um bem em conformidade com o contrato; consequentemente, não pode de modo algum falar‑se, neste caso, de um enriquecimento sem causa do consumidor.

66.      À luz de todas as considerações apresentadas, considero que a Directiva 1999/44 se opõe à legislação alemã, nos termos da qual o vendedor pode exigir ao consumidor, em caso de substituição de um bem, uma indemnização pelo uso deste bem.

VII – Conclusão

67.      Tendo em conta as considerações expostas, proponho ao Tribunal de Justiça que declare que as disposições do artigo 3.°, n.° 2, em conjugação com os n.os 3, primeiro parágrafo, e 4, ou do artigo 3.°, n.° 3, terceiro parágrafo, da Directiva 1999/44/CE Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que prevê que, em caso de reposição da conformidade do bem por meio de substituição, o vendedor pode exigir do consumidor o ressarcimento do valor do uso do bem inicialmente entregue, o qual não era conforme com o previsto no contrato.


1 – Língua original: esloveno.


2 – JO L 171, p. 12.


3 – Lei de modernização do direito das obrigações (Gesetz zur Modernisierung des Schuldrechts), publicada no BGBl. I 2001 n.° 61 de 29 de Novembro de 2001, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2002. Quanto à reforma em geral, v., por exemplo, Westermann, H. P., «Das neue Kaufrecht», Neue Juristische Wochenschrift, n.° 4/2002, p. 241.


4 – A razão pela qual o Bundesverband pediu um montante inferior ao montante pago pela compradora não resulta do despacho de reenvio nem das decisões dos dois órgãos jurisdicionais. Indica‑se na publicação da sentença do Landgericht Nürnberg‑Fürth que a compradora pagou um montante de 67,86 euros, mas tanto a sentença do Oberlandesgericht Nürnberg como o despacho do órgão jurisdicional de reenvio afirmam que a compradora pagou um montante (mais elevado) de 69,97 euros. Aliás, segundo a sentença do Oberlandesgericht Nürnberg, «a diferença quanto ao montante efectivo de 69,97 euros não foi esclarecida». V. sentença do Oberlandesgericht Nürnberg de 23 de Agosto de 2005, 3 U 991/05, Neue Juristische Wochenschrift, n.° 41/2005, p. 3000.


5 – Oberlandesgericht Nürnberg, sentença de 23 de Agosto de 2005, 3 U 991/05, Neue Juristische Wochenschrift, n.° 41/2005, pp. 3000 e segs.


6 – Ibidem, p. 3001.


7 – Ibidem.


8 – Projecto de lei de modernização do direito das obrigações (Entwurf eines Gesetzes zur Modernisierung des Schuldrechts), Deutscher Bundestag, Drucksache 14/6040, 14 de Maio de 2001, p. 232. V. também o despacho de reenvio do Bundesgerichtshof de 16 de Agosto de 2006, p. 8.


9 – Despacho de reenvio do Bundesgerichtshof de 16 de Agosto de 2006, p. 9, disponível no endereço electrónico http://www.bundesgerichtshof.de.


10 – Ibidem, p. 10.


11 – Ibidem.


12 – Acórdão de 16 de Junho de 2005, Pupino (C‑105/03, Colect., p. I‑5285, n.° 47).


13 – Acórdão de 4 de Julho de 2006, Adeneler (C‑212/04, Colect., p. I‑6057, n.° 110).


14 – Posição comum (CE) n.° 51/98 adoptada pelo Conselho em 24 de Setembro de 1998 tendo em vista a adopção da Directiva 98/.../CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas (JO C 333, p. 46).


15 – Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à venda e às garantias dos bens de consumo (COM/95/0520 final – COD 96/0161; JO 1996, C 307, p. 8).


16 – Proposta alterada de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à venda e às garantias dos bens de consumo (COM/98/0217 final – COD 96/0161, JO C 148, p. 12).


17 – Acórdão de 25 de Outubro de 2005, Schulte (C‑350/03, Colect., p. I‑9215, n.° 93).


18 – Até à data, o Tribunal de Justiça só tomou em consideração a Directiva 1999/44 em acções por incumprimento de Estado. V. acórdãos de 19 de Fevereiro de 2004, Comissão/Luxemburgo (C‑310/03, Colect., p. I‑1969), e Comissão/Bélgica (C‑312/03, Colect., p. I‑1975).


19 – Projecto de lei de modernização do direito das obrigações (Entwurf eines Gesetzes zur Modernisierung des Schuldrechts), Deutscher Bundestag, Drucksache 14/6040, 14.5.2001, pp. 230‑233.


20 – V., entre outros, Huber, P., Faust., F., Schuldrechtsmodernisierung. Einführung in das neue Recht, C. H. Beck, München, 2002, p. 335, n.° 55; Westermann, H. P. (ed.), Das Schuldrecht 2002. Systematische Darstellung der Schuldrechtsreform, Richard Boorberg Verlag, Stuttgart, München, Hannover, Berlin, Weimar, Dresden, 2002, pp. 138 e 139; Westermann, H. P., em Münchener Kommentar zum BGB, 4.ª edição, C. H. Beck, München, 2004, comentário ao § 439, n.° 17; Kandler, M., Kauf und Nacherfüllung, Gieseking, Bielefeld, 2004, p. 556.


21 – Tiedtke, K., Schmitt, M., «Probleme im Rahmen des kaufrechtlichen Nacherfüllungsanspruchs (Teil II)», Deutsches Steuerrecht, n.° 48/2004, p. 2060; Kandler, M., Kauf und Nacherfüllung, Gieseking, Bielefeld, 2004, p. 557.


22 – V., entre outros, Gsell, B., «Nutzungsentschädigung bei kaufrechtlicher Nacherfüllung?», Neue Juristische Wochenschrift, n.° 28/2003, p. 1974; Woitkewitsch, C., «Nutzunsersatzanspruch bei Ersatzlieferung?», Verbraucher und Recht, n.° 1/2005, p. 4; Rott, P., «Austausch der fehlerhaften Kaufsache nur bei Herausgabe von Nutzungen?», Betriebs‑Berater, n.° 46/2004, p. 2479; Hoffmann, J., «Verbrauchsgüterkaufrechtsrichtlinie und Schuldrechtsmodernisierungsgesetz», Zeitschrift für Rechtspolitik, n.° 8/2001, p. 349.


23 – Roth, W. H., «Europäischer Verbraucherschutz und BGB», Juristenzeitung. Sondertagung Schuldrechtsmodernisierung, n.° 10/2001, p. 489; Brömmelmeyer, C., «Der Nacherfüllungsanspruch des Käufers als trojanisches Pferd des Kaufrechts?», Juristenzeitung, n.° 10/2006, p. 495; Schwab, M., «Schuldrechtsmodernisierung 2001/2002 – Die Rückabwicklung von Verträgen nach §§ 346ff. BGB n.F.», Juristische Schulung, n.° 7/2002, p. 637.


24 – V., neste sentido, acórdãos de 6 de Outubro de 1982, CILFIT (283/81, Recueil, p. 3415, n.° 7); de 22 de Outubro de 1987, Foto‑Frost (314/85, Colect., p. 4199, n.° 15), e de 6 de Dezembro de 2005, Gaston Schul (C‑461/03, Colect., p. I‑10513, n.° 21).


25 – Nos termos do artigo 1.° n.° 2, alínea a), da Directiva 1999/44 entende‑se por «[c]onsumidor: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional».


26 – Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, alínea c), da Directiva 1999/44 entende‑se por «[v]endedor: qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional».


27 – Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 1999/44 entende‑se por «[b]em de consumo: qualquer bem móvel corpóreo, com excepção:


– dos bens vendidos por via de penhora, ou qualquer outra forma de execução judicial,


– da água e do gás, quando não forem postos à venda em volume delimitado, ou em quantidade determinada,


– da electricidade».


28 – No mesmo sentido, Grundmann, S., Bianca, C. M., EU Kaufrechts‑Richtlinie. Kommentar, Verlag Dr. Otto Schmidt, Köln, 2002, p. 82, n.° 108. Estes autores sustentam que, ao escolher entre a reparação e a substituição, o consumidor não pode optar por uma solução desproporcionada; para determinar se a solução é desproporcionada há que considerar, antes de mais, os custos que o vendedor deve suportar. Também Westermann salienta que a escolha do consumidor entre a reparação e a substituição é condicionada pela possibilidade e pela proporcionalidade do pedido. V. Westermann, H. P., «Das neue Kaufrecht enschlieβlich des Verbrauchsgüterkaufs», Juristenzeitung, n.° 10/2001, p. 537. Segundo Grundmann e Bianca, pode argumentar‑se que o pedido de substituição previsto pela Directiva 1999/44 pressupõe um incumprimento essencial do contrato. V. Grundmann, S., Bianca, M. C., EU Sales Directive. Commentary, Intersentia, Antwerp, Oxford, New York, 2002, p. 162. Do mesmo modo, Možina afirma que o pedido de substituição só pode ser admitido quando se verifique uma desconformidade grave relativamente ao contrato. Možina, D., Kršitev pogodbe, GV Založba, Ljubljana, 2006, p. 229. Também a Convenção de Viena sobre a venda internacional de mercadorias (CISG) prevê, no seu artigo 46.°, n.° 2, que o comprador pode só pedir a substituição do bem se a falta de conformidade constituir um incumprimento essencial do contrato. É o que salienta também Schlechtriem, P., Internationales UN‑Kaufrecht, 4.ª edição, Mohr Siebeck, Tübingen, 2007, p. 134, n.° 185. Relativamente à Convenção de Viena, Grundmann afirma que o comprador goza, decerto, de um direito de escolha, mas não pode escolher uma solução desproporcionada, em comparação com outra solução. Grundmann, S., «Regulating Breach of Contract – The Right to Reject Performance by the Party in Breach», European Review of Contract Law, n.° 2/2007, pp. 132 e 133. Os princípios de direito europeu dos contratos (PECL), no artigo 9:102, n.° 1, reconhecem ao credor insatisfeito com uma obrigação não pecuniária o direito ao bom cumprimento do contrato (remedying of a defective performance). O n.° 2 deste artigo, que se aplica também aos pedidos de bom cumprimento do contrato, dispõe, nas alíneas a) e b), que o bom cumprimento não pode, porém, ser exigido se a prestação for ilícita ou impossível, ou se implicar para o devedor um esforço ou custo desrazoável. Lando, O., Beale, H. (ed.), Principles of European Contract Law, Kluwer Law International, The Hague, London, Boston, 2000, pp. 394 e 395.


29 – A Directiva 1999/44, no seu artigo 3.°, n.os 3 e 5, estabelece um sistema em duas fases para o exercício dos direitos do consumidor que pode pedir, em primeiro lugar, a reparação sem encargos ou a substituição sem encargos do bem. Só subsidiariamente pode pedir uma redução adequada do preço ou exigir a resolução do contrato.


30 – Oppermann observa que o ponto de partida da interpretação literal do direito comunitário deve ser «o significado normal e natural das palavras no contexto imediato da frase». V. Oppermann, T., Europarecht, 3.ª edição, Verlag C. H. Beck, München, 2005, p. 207, n.° 20.


31 – Na doutrina, Oppermann alerta para tais deturpações do sentido das disposições através da interpretação. V. Oppermann, T., Europarecht, 3.ª edição, Verlag C. H. Beck, München, 2005, p. 209, n.° 23.


32 – Neste contexto, há igualmente que observar que a Directiva 1999/44 também protege o vendedor através da limitação temporal da sua responsabilidade. V. décimo sétimo considerando e artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 1999/44.


33 – Na doutrina alemã, Ball, W., «Die Nacherfüllung beim Autokauf», Neue Zeitschrift für Verkehrsrecht, n.° 5/2004, p. 222, refere‑se ao problema do montante da indemnização no caso de automóveis não conformes. Schulze e Ebers mencionam o caso em que o comprador compra, por 2 000 euros, um computador que tem uma vida média de dois anos e, um mês antes do termo do prazo de garantia de dois anos, detecta um defeito no disco duro que não é possível reparar, mas o vendedor só está disposto a substituir o bem se o comprador pagar uma indemnização pelo uso de 1916 euros. Observo, a este respeito, que pode dar‑se o caso de o preço do computador novo no mercado, no momento da verificação do defeito, ter sido reduzido para apenas 500 euros, em razão dos progressos tecnológicos. V. Schulze, R., Ebers, M., «Streitfragen im neuen Schuldrecht», Juristische Schulung, n.° 4/2004, p. 369.


34 – A mera interpretação literal é suficiente se a norma jurídica só puder, incontestavelmente, ser interpretada num único sentido. Mas há que observar que tais exemplos são raros (por exemplo, no caso de prazos). V. neste sentido, nomeadamente, acórdão de 9 de Março de 1978, Kühlhaus Zentrum (C‑79/77, Recueil, p. 611, n.° 6, Colect., p. 239), em que o Tribunal de Justiça recorreu apenas à interpretação literal para interpretar uma disposição de direito comunitário. Se interpretação literal não permitir chegar a uma solução totalmente inequívoca, há que aplicar os outros métodos de interpretação. V., por exemplo, as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral M. Poiares Maduro em 18 de Julho de 2007, Suécia/Comissão (C‑64/05 P, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 37), em que a interpretação literal da disposição comunitária não forneceu uma resposta incontestável, pelo que foi necessário precisar o sentido da disposição em causa, situando‑a no contexto normativo global e recorrendo aos objectivos da regulamentação de que fazia parte.


35 – V. acórdão de 20 de Março de 1980, Knauf Westdeutsche Gipswerke (118/79, Recueil, p. 1183, n.os 5 e 6), em que o Tribunal de Justiça salientou que a mera interpretação literal das disposições em causa não era suficiente.


36 – Trata‑se, portanto, de um fim que se pode depreender objectivamente da disposição. Quanto à objectividade do fim como cerne da interpretação teleológica, v. por exemplo, Alexy, R., A Theory of Legal Argumentation. The Theory of Rational Discourse as Theory of Legal Justification, Clarendon Press, Oxford, 1989, p. 241. Quanto ao significado da interpretação teleológica no direito comunitário, v., por exemplo, Schermers, H. G., Waelbroeck, D. F., Judicial Protection in the European Union, Kluwer Law International, The Hague, London, New York, 2001, p. 20 e segs.


37 – O melhor funcionamento do mercado interno será também no futuro o objectivo principal da política dos consumidores. Na sua estratégia em matéria de política dos consumidores para 2007‑2013, a Comissão salienta que o mercado interno «continua a constituir o quadro fundamental para a política dos consumidores, a qual, por sua vez, [é] determinante para a melhoria do seu funcionamento». V. Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu ‑ Estratégia comunitária em matéria de Política dos Consumidores para 2007‑2013 ‑ Responsabilizar o consumidor, melhorar o seu bem‑estar e protegê‑lo de forma eficaz COM(2007)99 final. As disposições da Directiva 1999/44 serão, com toda a probabilidade, também retomadas no projecto de código civil europeu, onde será claramente expressa a importância da protecção dos consumidores. Neste sentido, v. Heutger, V., «Konturen des Kaufrechtskonzepts der Study Group on a European Civil Code – Ein Werkstattbericht», European Review of Private Law, n.° 2/2003, p. 159.


38 – Reisenhuber salienta que, no âmbito da interpretação teleológica, é importante estabelecer o objecto da disposição especificamente, e não aproximativamente. V. Reisenhuber, K., «Die Auslegung», em Reisenhuber, K., Europäische Methodenlehre. Handbuch für Ausbildung und Praxis, De Gruyter Recht, Berlin, 2006, p. 261, n.° 41.


39 – Nesta perspectiva, a Directiva 1999/44 distingue‑se, por exemplo, da directiva 85/374/CEE, que tem por objectivo assegurar a total harmonização das legislações em matéria de responsabilidade pelos danos decorrentes de produtos defeituosos. V. Directiva do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos (JO L 210, p. 29; EE 13 F19, p. 8). Relativamente a esta última, v. acórdãos de 25 de Abril de 2002, Comissão/França (C‑52/00, Colect., p. I‑3827, n.° 24), Comissão/Grécia (C‑154/00, Colect., p. I‑3879, n.° 20), e González Sánchez (C‑183/00, Colect., p. I‑3901, n.os 26 e 28). V. também as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral L. A. Geelhoed em 20 de Setembro de 2001, Comissão/França e González Sánchez (C‑52/00 e C‑183/00, Colect., p. I‑3879, n.° 56).


40 – O direito imperativo define os limites da liberdade contratual que as partes no contrato não podem ultrapassar. V., por exemplo, Schmidt Kessel, M., «Europäisches Vertragsrecht», em Reisenhuber, K., Europäische Methodenlehre. Handbuch für Ausbildung und Praxis, De Gruyter Recht, Berlin, 2006, p. 397, n.° 15. A natureza imperativa do artigo 3.° da Directiva 1999/44 é defendida na doutrina alemã, por exemplo, por Grundmann, «Internationalisierung und Reform des deutschen Kaufrechts», em Grundmann, S., Medicus, D., Rolland, W., Europäisches Kaufgewährleistungsrecht. Reform und Internationalisierung des deutschen Schuldrechts, Carl Heymanns Verlag, Köln, Berlin, Bonn, München, 2000, p. 317.


41 – Cf. Weatherill, S., EU Consumer Law and Policy, Edward Elgar, Northampton, 2005, p. 63. Em geral, sobre o direito privado comunitário, cujo objectivo é a criação e o funcionamento do mercado interno, v. Müller‑Graff, «Europäisches Gemeinschaftsrecht und Privatrecht – Das Privatrecht in der europäischen Integration», Neue Juristische Wochenschrift, n.° 1/1993, p. 18.


42 – Neste sentido, há que remeter para o quinto considerando da Directiva 1999/44, que salienta que um corpo mínimo comum de direito do consumo reforçará a confiança dos consumidores e permitir‑lhes‑á beneficiar mais das vantagens do mercado interno. Grundmann e Bianca afirmam que surgiu uma necessidade de melhorar o funcionamento do mercado interno na perspectiva da venda aos consumidores, uma vez que estes se abstinham de compras no estrangeiro sobretudo devido à incerteza das garantias, aos obstáculos linguísticos e à dificuldade de resolução dos litígios. Grundmann, S., Bianca, C. M., EU Kaufrechts‑Richtlinie. Kommentar, Verlag Dr. Otto Schmidt, Köln, 2002, p. 28, n.° 16. A Comissão afirma também, no Livro verde sobre a revisão do acervo relativo à defesa do consumidor (COM/2006/0744 final, p. 4), que «a confiança dos consumidores no mercado interno deve ser estimulada através da garantia de um nível elevado de protecção em toda a UE».


43 – A importância do aspecto passivo da livre circulação das mercadorias e dos serviços foi várias vezes destacada pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência. No que respeita à livre circulação passiva dos serviços ver, por exemplo, acórdãos de 31 de Janeiro de 1984, Luisi e Carbone (286/82 e 26/83, Recueil, p. 377, n.° 10), e de 11 de Setembro de 2007, Comissão/Alemanha (C‑318/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 65). Quanto à livre circulação passiva das mercadorias, v., por exemplo, acórdão de 7 de Março de 1990, GB‑INNO‑BM (C‑362/88, Colect., p. I‑667). Relativamente a esta problemática, v. também Wichard, J.C., em Calliess, C., Ruffert, M. (ed.), EUV/EGV. Das Verfassungsrecht der Europäischen Union mit Europäischer Grundrechtecharta. Kommentar, 3.ª edição, Verlag C. H. Beck, München, 2007, p. 1698.


44 – V., por exemplo, a legislação austríaca, francesa, irlandesa, eslovena e espanhola. Na Áustria v. o artigo 8.°, n.° 3, da lei sobre a protecção dos consumidores (Konsumentenschutzgesetz) e o artigo 932.°, n.os 1‑3, do código civil geral (Allgemeines Bürgerliches Gesetzbuch); em França, v. os artigos L. 211‑9 e L. 211‑10 do código do consumo (code de la consommation); na Irlanda v. o artigo 7.°, n.os 1, 3, 5 e 6, dos Regulamentos das Comunidades Europeias de 2003 (sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas) [European Communities (Certain Aspects of the Sale of Consumer Goods and Associated Guarantees) Regulations 2003]; na Eslovénia v. o artigo 37.°, alínea c), da lei sobre a protecção dos consumidores (Zakon o varstvu potrošnikov); em Espanha v. os artigos 4.°, n.° 1, 5.°, n.° 1, e 6.°, alíneas a) e b), da Lei 23/2003 sobre as garantias na venda de bens de consumo (Ley 23/2003, de garantías en la venta de bienes de consumo). Estas informações foram retiradas de um projecto de investigação conduzido pelo Prof. Dr. Hans Schulte‑Nölke. Schulte‑Nölke, H., EC Consumer Law Compendium, Universidade de Bielefeld, Bielefeld, 2007.


45 – O duplo objectivo da Directiva 1999/44 – um nível elevado de protecção dos consumidores e o funcionamento do mercado interno – é também salientado por Možina, D., «Direktiva 1999/44/ES Evropskega parlamenta in Sveta z dne 25. maja 1999 o nekaterih vidikih prodaje potrošniškega blaga in z njim povezanih garancij», em Trstenjak, V., Knez, R., Možina, D., Evropsko pravo varstva potrošnikov. Direktiva ES/EU z uvodnimi pojasnili, GV Založba, Ljubljana, 2005, p. 69. Quanto às normas que prosseguem objectivos múltiplos, v., na doutrina, Engisch, K., Einführung in das juristische Denken, 4.ª edição, Kohlhammer Verlag, Stuttgart, Berlin, Köln, Mainz, 1956, p. 80.


46 – A tese segundo a qual o objectivo de uma disposição pode ser deduzido do seu fundamento jurídico é também defendida por Reisenhuber, K., «Die Auslegung», v Reisenhuber, K., Europäische Methodenlehre. Handbuch für Ausbildung und Praxis, De Gruyter Recht, Berlin, 2006, p. 261, n.° 40.


47 – Quanto ao artigo 95. CE como base jurídica, v., por exemplo, acórdãos de 10 de Dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco (C‑491/01, Colect., p. I‑11453, n.os 59 e 60); de 14 de Dezembro de 2004, Swedish Match (C‑210/03, Colect., p. I‑11893, n.° 29), e de 12 de Dezembro de 2006, Alemanha/Parlamento e Conselho (C‑380/03, Colect., p. I‑11573, n.° 37). Na doutrina, v. também Wichard, J.C., em Calliess, C., Ruffert, M. (ed.), EUV/EGV. Das Verfassungsrecht der Europäischen Union mit Europäischer Grundrechtecharta. Kommentar, 3.ª edição, Verlag C. H. Beck, München, 2007, p. 1702.


48 – V. acórdãos de 4 de Outubro de 1991, Parlamento/Conselho (C‑70/88, Colect., p. I‑4529, n.° 17); de 5 de Outubro de 2000, Alemanha/Parlamento e Conselho (C‑376/98, Colect., p. I‑8419, n.° 33), e de 6 de Dezembro de 2005, Reino Unido/Parlamento e Conselho (C‑66/04, Colect., p. I‑10553, n.os 59 e 64).


49 – Quanto à argumentação relativa ao sistema «externo» na doutrina jurídica, v., por exemplo, Larenz, Methodenlehre der Rechtwissenschaft, 6.ª edição, Springer, Berlin, Heidelberg, 1991, p. 326.


50 – A inexistência de contradições como elemento da interpretação sistemática é sustentada na doutrina por Alexy, R., A Theory of Legal Argumentation.° The Theory of Rational Discourse as Theory of Legal Justification, Clarendon Press, Oxford 1989, p. 240.


51 – Artigo 3.°, n.° 4, da Proposta alterada de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à venda e às garantias dos bens de consumo (COM/98/0217 final – COD 96/0161, JO C 148, p. 12).


52 – O itálico é meu.


53 – V. acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 1961, Gabriel Simon (15/60, Recueil, p. 225, Colect. 1954‑1961, p. 607), em que se sublinha que a diferença entre o texto de uma proposta legislativa e a sua versão definitiva implica também uma diferença de significado, salvo se houver razões para retirar outras conclusões. Na doutrina v. Baldus, C., «Historische und vergleichende Auslegung im Gemeinschaftsprivatrecht – Zur Konkretisierung der geringfügigen Vertragswidrigkeit», em Baldus, C., Müller‑Graff, P.‑C. (ed.), Die Generalklausel im Europäischen Privatrecht, Sellier. European Law Publishers, München, 2006, p. 4.


54 – Comité de conciliação Parlamento Europeu – Conselho, Acordo sobre as garantias para os consumidores, Bruxelas, 18 de Março de 1999, doc. n.° C/99/77.


55 – Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já declarou na sua jurisprudência que o conteúdo de documentos preparatórios que não encontre qualquer expressão no texto de uma disposição de direito derivado não pode ser tomado em consideração para a interpretação de tal disposição. O Tribunal de Justiça salientou que, no caso de uma declaração inscrita numa acta do Conselho não encontrar qualquer expressão no texto de uma disposição de direito derivado, não pode ser considerada para a sua interpretação. V. acórdãos de 26 de Fevereiro de 1991, Antonissen (C‑292/89, Colect., p. I‑745, n.° 18); de 8 de Junho de 2000, Epson Europe (C‑375/98, Colect., p. I‑4243, n.° 26); de 10 de Janeiro de 2006, Skov e Bilka (C‑402/03, Colect., p. I‑199, n.° 42), e de 19 de Abril de 2007, Farrell (C‑356/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 31). V., além disso, por exemplo, as conclusões apresentadas pela advogada‑geral J. Kokott em 18 de Julho de 2007, Tedesco (C‑175/06, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 69), e em 13 de Julho de 2006, Robins e o. (C‑278/05, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 81).


56 – V. as conclusões apresentadas pela advogada‑geral J. Kokott em 7 de Setembro de 2006, T‑Mobile Austria GmbH e o. (C‑284/04, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 88), e em 13 de Julho de 2006, Robins e o. (C‑278/05, ainda não publicadas na Colectânea, n.os 80 e 81).


57 – Oppermann, T., Europarecht, 3.ª edição, Verlag C. H. Beck, München, 2005, p. 209, n.° 25; Schulte‑Nölke, H., «Elf Amtssprachen, ein Recht? Folgen der Mehrsprachigkeit für die Auslegung von Verbraucherschutzrichtlinien», em Schulze, R., Auslegung europäischen Privatrechts und angeglichenen Rechts, Nomos Verlag, Baden‑Baden, 1999, p. 158. Também Schermers e Waelbroeck afirmam que para efeitos de interpretação do direito comunitário só excepcionalmente são utilizados os travaux préparatoires. V. Schermers, H. G., Waelbroeck, D. F., Judicial Protection in the European Union, Kluwer Law International, The Hague, London, New York, 2001, p. 16. Na doutrina belga, a reduzida possibilidade de recurso à interpretação histórica é sublinhada, por exemplo, por Mertens de Wilmars, «Réflexions sur les méthodes d’interprétation de la Cour de justice des Communautés européennes», Cahiers de droit européen, n.° 1/1986, pp. 14 e 15. Em sentido semelhante, v. Rideau, J., Droit institutionnel de l’Union et des Communautés Européennes, 4.ª edição, L.G.D.J., Paris, 2002, p. 182; Arnull, A., The European Union and its Court of Justice, 2.ª edição, Oxford University Press, Oxford, 2006, p. 619.


58 – V., por exemplo, acórdãos de 15 de Abril de 1986, Comissão/Bélgica (237/84, Colect., p. 1247, n.° 17), e de 10 de Dezembro de 1991, Comissão/Grécia (C‑306/89, Colect., p. I‑5863, n.° 8).


59 – Acórdão de 25 de Outubro de 2005, Schulte (C‑350/03, Colect., p. I‑9215). Para uma decisão semelhante, v. acórdão de 25 de Outubro de 2005, Crailsheimer Volksbank (C‑229/04, Colect., p. I‑9273).


60 – Directiva 85/577/CEE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, relativa à protecção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais (JO L 372, p. 31; EE 15 F6 p. 131).


61 – N.° 93 do acórdão Schulte, já referido.


62 – Uma vez que não existem no direito comunitário disposições expressas nesta matéria, as questões do enriquecimento sem causa que se colocam na jurisprudência do Tribunal de Justiça referem‑se sobretudo às condições de reembolso de impostos e direitos aduaneiros indevidamente cobrados. A este respeito v., por exemplo, acórdão de 9 de Fevereiro de 1999, Dilexport (C‑343/96, Colect., p. I‑579).