Language of document : ECLI:EU:C:2012:195

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

Niilo JÄÄSKINEN

apresentadas em 29 de março de 2012 (1)

Processo C‑5/11

Procedimento criminal contra Titus Donner

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha)]

«Livre circulação de mercadorias — Propriedade industrial e comercial — Venda de bens protegidos por direitos de autor no Estado‑Membro do comprador, mas não no Estado‑Membro do vendedor — Sanção penal imposta a pessoa envolvida na venda e na entrega — Contratos de venda à distância — Distribuição de cópias de objetos — Diretiva 2001/29/CE»





I —    Introdução

1.        A Dimensione Direct Sales Srl (a seguir «Dimensione») é uma sociedade com sede em Bolonha, Itália. A Dimensione vende reproduções de peças de mobiliário e de design conhecidas (a seguir «objetos») e parte do seu marketing é orientado para clientes na Alemanha. Isto é feito através de anúncios e suplementos em jornais alemães, cartas de publicidade direta e um sítio Web de língua alemã.

2.        Os objetos eram vendidos e entregues a compradores alemães com a cooperação de uma empresa transportadora italiana denominada In. Sp. Em. Srl (a seguir «Inspem»). Na Alemanha, os objetos eram considerados cópias de obras de artes aplicadas protegidas por direitos de autor. Na Itália, os objetos ou não eram protegidos pela legislação nacional sobre os direitos de autor ou os direitos de autor sobre estes objetos eram, na prática, inexequíveis.

3.        O Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar‑se sobre a questão de saber se o artigo 36.° TFUE (2) e, mais especificamente, as suas disposições relativas à propriedade industrial e comercial, podem ser invocadas pelas autoridades alemãs numa ação penal instaurada a T. Donner, que é o diretor e acionista maioritário da Inspem. A ação penal diz respeito ao papel desempenhado por T. Donner na distribuição dos objetos na Alemanha, em alegada violação dos direitos de autor nacionais. A questão relativa ao artigo 36.° TFUE foi suscitada porque é incontestável que a ação penal se traduz numa medida equivalente a uma restrição quantitativa à importação entre Estados‑Membros na aceção do artigo 34.° TFUE. Portanto, coloca‑se a questão de saber se se pode justificar à luz do artigo 36.° TFUE.

4.        O essencial da questão refere‑se ao alcance da expressão «proteção da propriedade industrial e comercial» contida no artigo 36.° TFUE, e à questão de saber se, numa transação transfronteiriça, os elementos de ligação à República Federal da Alemanha são suficientes para desencadear a sua aplicação. A resposta a esta questão depende da resposta a uma questão anterior relativa à existência, no âmbito da aplicação territorial dos direitos de autor na Alemanha, de uma violação do direito exclusivo de distribuição do autor, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29/CE (a seguir «diretiva direitos de autor») (3), dado que esta disposição harmonizou a noção de direitos de distribuição.

5.        Se houve violação, levanta‑se então a questão de saber se a aplicação do artigo 36.° TFUE levaria a uma compartimentação do mercado interno, ou a uma interferência desproporcionada ou arbitrária no comércio.

6.        O significado da expressão contida no artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor «qualquer forma de distribuição ao público através de venda ou de qualquer outro meio» tem consequências importantes para o mercado interno e para as relações de comércio externo. O artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor harmoniza uma «manta de retalhos» de normas nacionais relativas aos direitos de distribuição. Além disso, o significado e alcance do conceito de distribuição, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, afetam as vias de recurso de que dispõe o titular de direitos de autor no interior da União, e a proteção disponível a nível internacional relativamente ao comércio de mercadorias pirateadas em infração ao direito de autor.

7.        À luz dos desafios contemporâneos apresentados pelo marketing online e pelo comércio eletrónico, as normas desenvolvidas pela União para proteger os direitos de autor, tais como o artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor, devem ser interpretadas de uma maneira que seja suficiente para garantir que estes direitos são integralmente protegidos na era Internet. A interpretação dada ao artigo 4.°, n.° 1, deve permitir controlar as atividades que poderiam ser detetadas com a cooperação das autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros antes da abolição dos controlos de fronteira das mercadorias no interior da União. Por outras palavras, o respeito das obrigações que incumbem à União e aos Estados‑Membros por força do Acordo TRIPS (4), para ajudar a impedir a importação de cópias não autorizadas de obras protegidas por direitos de autor que se encontram em livre circulação no mercado interno, deixou de poder realizar‑se, no caso das mercadorias, por meio de medidas tomadas pelas autoridades aduaneiras nacionais. Essas atividades devem agora ser combatidas através da aplicação do direito harmonizado da União em matéria de direitos de autor.

8.        Estas questões, juntamente com os problemas que a aplicação do princípio da territorialidade a um sistema de vendas à distância transfronteiriças implica, oferecem ao Tribunal de Justiça uma oportunidade para considerar a sua jurisprudência clássica em matéria de livre circulação de mercadorias, no contexto das novas normas da União relativas aos direitos de distribuição de cópias de obras protegidas por direitos de autor.

II — Litígio no processo principal e questão prejudicial

9.        T. Donner, de nacionalidade alemã, desenvolve a sua atividade profissional principalmente a partir da sua residência na Alemanha. No período compreendido entre 1 de janeiro de 2005 e 15 de janeiro de 2008 (a seguir «período em causa»), a Dimensione, com quem T. Donner colaborava, não tinha o consentimento dos titulares dos direitos de autor para vender os objetos na Alemanha. Também não tinha o consentimento para vender os objetos na Itália (5).

10.      Antes do período em causa, e desde aproximadamente abril de 1999, T. Donner tinha estado envolvido na distribuição de mobiliário de estilo ‘Bauhaus’ reproduzido pela Dimensione, de modo que o mobiliário era expedido de Itália para um armazém localizado na Alemanha. As mercadorias eram então vendidas, sendo a Inspem, a sociedade de T. Donner, quem procedia à sua entrega aos compradores na Alemanha. Depois de o ministério público ter instaurado um processo‑crime contra T. Donner por exploração comercial, sem consentimento, de obras protegidas por direitos de autor, foi decidido, no Amtsgericht München, o encerramento do processo mediante o pagamento por T. Donner de um montante de 120 000 euros.

11.      Mais tarde, a Dimensione adquiriu um armazém em Sterzing, na Itália. Na embalagem de cada objeto vendido constava o nome e a morada do cliente ou, pelo menos, o número da encomenda. De acordo com as condições de venda, os compradores estavam obrigados a levantar as mercadorias ou a encarregar alguém de o fazer. Se o comprador não pretendesse fazê‑lo ou não arranjasse transporte, a Dimensione recomendava ao comprador que contactasse a Inspem. No caso de encomendas dos objetos feitas sem contacto direto com a Dimensione, os compradores recebiam um panfleto publicitário no qual a Inspem se oferecia para transportar os objetos de Itália para a Alemanha. O material publicitário da Dimensione referia que os compradores adquiriam os objetos em Itália, mas só os pagariam no ato de entrega, na Alemanha. A Dimensione enviava as suas faturas diretamente aos compradores.

12.      Os motoristas da Inspem pagavam à Dimensione o preço dos objetos, que eram destinados a compradores concretos, no momento em que os levantavam no armazém localizado em Sterzing. Posteriormente, obtinham do comprador, no ato da entrega, na Alemanha, o reembolso do preço, bem como a remuneração pela entrega. Contudo, se o comprador se recusasse a pagar, o(s) objeto(s) era(m) devolvido(s) pela Inspem à Dimensione, em Itália, e esta restituía à Inspem o preço das mercadorias e pagava‑lhe os custos da entrega.

13.      O contrato celebrado entre a Dimensione e os compradores rege‑se pelo direito italiano. Nos termos do direito italiano, a transmissão da propriedade da Dimensione para os compradores operava‑se em Itália, no armazém da Dimensione, no momento da identificação do objeto vendido a um cliente cujo nome era especificado.

14.      Por outro lado, a transmissão da propriedade nos termos do direito alemão só se completa quando as mercadorias se encontram na posse do comprador, no sentido de lhe ter sido transmitido o poder de disposição de facto. Isto ocorria na Alemanha, no momento em que os objetos eram entregues aos compradores pelos motoristas da Inspem, contra pagamento.

15.      Foi instaurada uma ação penal contra T. Donner, com base neste novo sistema. T. Donner foi condenado pelo Landgericht München II por cumplicidade no delito de exploração comercial ilícita de obras protegidas por direitos de autor. De acordo com o despacho de reenvio, o Landgericht também considerou que a Dimensione tinha distribuído cópias dos objetos, através da sua comercialização.

16.      T. Donner recorreu para o Bundesgerichtshof, alegando, inter alia, que a ação penal constituía uma violação da proibição, consagrada no artigo 34.° TFUE, das medidas de efeito equivalente às restrições quantitativas à importação e conduzia a uma compartimentação artificial dos mercados. Embora o ministério público reconhecesse que o processo conduzia a uma tal restrição, o mesmo alegou que esta era justificável por referência ao artigo 36.° TFUE e ao imperativo da proteção da propriedade industrial e comercial.

17.      O Bundesgerichtshof considerou necessário submeter a seguinte questão prejudicial.

«Devem os artigos 34.° TFUE e 36.° TFUE, que regulam a liberdade de circulação de mercadorias, ser interpretados no sentido de que obstam à punibilidade, resultante da aplicação de disposições penais nacionais, da cumplicidade na distribuição ilícita de obras protegidas por direitos de autor (6) quando, numa venda transfronteiriça de uma obra protegida por direitos de autor na Alemanha, se verifique, cumulativamente, que

¾        Essa obra foi trazida de um Estado‑Membro da União Europeia para a Alemanha e o poder de disposição efetivo sobre ela foi transmitido na Alemanha;

¾        A transmissão da propriedade ocorreu no outro Estado‑Membro em que a obra não estava protegida por direitos de autor ou em que tal proteção não era exequível?»

18.      Foram apresentadas observações escritas por T. Donner, pelo Generalbundesanwalt beim Bundesgerichtshof (Procurador‑Geral junto do Bundesgerichtshof), pelo Governo checo e pela Comissão Europeia. Todos eles, com exceção do Governo checo, participaram na audiência que teve lugar em 26 de janeiro de 2012.

III — Análise

A —    Observações preliminares

1.      Alcance da questão prejudicial

19.      O Bundesgerichtshof limitou a sua questão ao Tribunal de Justiça à interpretação dos artigos 34.° TFUE e 36.° TFUE. Na questão submetida a título prejudicial, não há nenhuma referência ao significado do artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor, que o próprio Bundesgerichtshof interpretou antes de proferir o despacho de reenvio.

20.      Embora o processo de decisão prejudicial não tenha por objetivo o exame, pelo Tribunal de Justiça, das interpretações que os órgãos jurisdicionais nacionais fazem do direito da União ou, menos ainda, questionar as conclusões de facto, não é aqui possível interpretar o artigo 36.° TFUE sem considerar o artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor. Tendo em conta que o artigo 4.°, n.° 1, harmoniza integralmente os direitos de distribuição na União, o artigo 36.° TFUE só poderá ser invocado se a distribuição tiver ocorrido nos termos definidos no artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor. Além disso, o ministério público invoca o artigo 36.° TFUE para fazer malograr a defesa apresentada no processo penal com base no artigo 34.° TFUE. O que torna mais importante ainda a análise integral de todos os princípios jurídicos pertinentes.

21.      A Comissão também observou que é necessário, antes de responder às questões prejudiciais submetidas, determinar a medida em que, no presente processo, os direitos de distribuição do autor foram violados por força do direito alemão ou do artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor. O resultado desta análise, segundo a Comissão, constitui um elemento importante para a resposta à questão em apreço; ou seja, a questão de saber se a restrição à livre circulação de mercadorias que resulta da ação penal instaurada a T. Donner pode ser justificada pela proteção dos direitos de autor.

22.      Portanto, examinarei o significado do artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor, no contexto dos princípios gerais pertinentes do direito de autor da União, na secção C, infra. Uma vez que os direitos de autor assentam na criação de direitos territorialmente limitados, e que a aplicação deste princípio está estreitamente ligada à interpretação do artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor, abordarei o princípio da territorialidade nos direitos de autor na secção B. Estas questões, juntamente com a aplicação do artigo 36.° TFUE aos factos em apreço, conforme submetida pelo órgão jurisdicional nacional, constituem o cerne do problema que requer resolução. A interpretação do artigo 36.° TFUE será abordada na secção D.

23.      Por último, dado que as vias de recursos disponíveis para assegurar o respeito pelos direitos de autor foram objeto de legislação da União (7), e que existe um conjunto de princípios jurídicos da União que é aplicável sempre que os Estados‑Membros optem por aplicar o direito da União sob a forma de sanções penais, como acontece no caso em apreço, terminarei com algumas observações a este respeito na secção E.

2.      Harmonização dos direitos de autor

24.      Os direitos de autor na União, a exemplo do que acontece em qualquer outra parte, continuam a ser em grande medida uma criação do direito nacional. Atualmente coexiste no mundo um conjunto de provavelmente mais de 150 regulamentações territoriais de direitos de autor de origem nacional ou regional (8). Sem tentar dar uma imagem completa dos atos legislativos da União no domínio dos direitos de autor, é útil, para efeitos do presente processo, fazer as seguintes observações.

25.      A harmonização dos direitos de autor na União tem sido um processo misto de harmonização total e parcial. Por exemplo, alguns dos denominados direitos conexos foram sujeitos apenas a uma harmonização mínima pela legislação da União, e de uma forma que deixa aos Estados‑Membros uma ampla margem de apreciação (9). Por outro lado, outros direitos exclusivos como os consagrados nos artigos 2.° a 4.° da diretiva direitos de autor foram completamente harmonizados.

26.      Também houve harmonização parcial, a nível da União, das sanções aplicáveis às violações dos direitos de autor. Ao abrigo da aplicação conjugada do Acordo TRIPS e da diretiva relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, os titulares têm direito a sanções eficazes por violação dos direitos de autor com origem tanto no interior como no exterior da União (10). Contudo, a legislação da União em matéria de contrafação e mercadorias pirateadas (11) só é aplicável em relação a países terceiros (12). Este contexto é relevante para o caso em apreço porque o artigo 51.° do Acordo TRIPS prevê um direito mínimo de suspensão da importação de cópias não autorizadas para o território de proteção (13). Contudo, este direito só pode ser exercido no âmbito dos controlos aduaneiros externos e, portanto, não está disponível em relação ao fluxo de mercadorias no interior da União.

27.      Assim sendo, o respeito pelos direitos de autor e direitos conexos depende essencialmente do direito nacional. Isto significa que a sua existência e as condições do seu exercício são definidas pelas medidas nacionais (14) e que os direitos só são válidos e aplicáveis no território nacional do Estado onde é solicitada a sua aplicação.

28.      Portanto, no caso em apreço, o direito alemão é o único a decidir se os objetos em questão estão protegidos por direitos de autor nesse território. A existência ou não de «distribuição» nesse território é, no entanto, regida pelo artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor.

29.      Além disso, os Estados‑Membros não podem excluir as obras de artes aplicadas e os desenhos e modelos industriais, como os objetos em causa no presente processo, do âmbito da proteção dos direitos de autor (15). Isto é assim por causa da Diretiva 98/71/CE (16) que obriga os Estados‑Membros a conferirem proteção de direitos de autor neste domínio.

30.      Por último, no domínio dos direitos de autor, as questões de conflito de leis são regidas pela lex loci protectionis, conforme refletido no artigo 8.° do Regulamento (CE) n.° 864/2007 (a seguir «regulamento Roma II») (17) e no artigo 5.° da Convenção de Berna. Este princípio é relevante para o presente litígio porque sustenta a competência dos Estados‑Membros para apreciarem as violações dos direitos de autor ocorridas no seu território.

3.      Proteção da União relativamente às obras de artes aplicadas

31.      Em Itália houve uma relutância persistente em aplicar a proteção dos direitos de autor às obras de artes aplicadas (18). Todavia, em 27 de janeiro de 2011, no acórdão Flos, o Tribunal de Justiça declarou incompatível com o artigo 17.° da Diretiva 98/71 uma moratória de dez anos, ao abrigo do direito italiano, sobre a proteção conferida a desenhos e modelos, a contar de 19 de abril de 2001 (19). A legislação italiana que foi declarada incompatível com o artigo 17.° da Diretiva 98/71 parece ser a mesma que foi apreciada pelo Bundesgerichtshof, no caso em apreço, antes de expedir o despacho de reenvio (20). Na minha opinião, o acórdão Flos indica que os objetos controvertidos, apesar de não estarem protegidos pelos direitos de autor italianos no período em causa, beneficiavam da proteção conferida pelos direitos de autor da União.

32.      Além disso, o acórdão Flos é posterior ao acórdão Peek & Cloppenburg (21). Nem o Tribunal de Justiça, nem o advogado‑geral, tinham o benefício do acórdão Flos à data em que foi proferido o acórdão Peek & Cloppenburg.

B —    Princípio da territorialidade nos direitos de autor

33.      As ordens jurídicas nacionais dos Estados‑Membros, as convenções internacionais e o direito da União assentam no pressuposto de que os direitos de autor criam direitos territorialmente limitados. Como observou o Tribunal de Justiça, «o princípio da territorialidade [dos direitos de autor], reconhecido pelo direito internacional e também admitido pelo Tratado CE […] têm, pois, um caráter territorial e o direito interno só pode, além disso, sancionar os atos cometidos no interior do território nacional» (22). A doutrina também já esclareceu que esses direitos só podem ser protegidos pelos tribunais se a atividade e o seu efeito no mercado se verificarem no território nacional. Na prática, isto significa que o titular pede proteção, de acordo com o princípio lex loci protectionis, no país onde a violação de direitos de autor terá tido lugar, no caso em apreço a Alemanha, e os tribunais desse país decidem se a violação ocorreu por referência ao direito nacional. Este controlo também pode abarcar atividades parcial ou totalmente situadas fora das fronteiras nacionais (23).

34.      Essas situações, que conduzem, no mínimo, a uma extraterritorialidade limitada, verificam‑se mais vulgarmente no contexto de atividades relacionadas com objetos de proteção incorpóreos, como a radiodifusão ou a distribuição de obras online. Contudo, as atividades respeitantes a cópias tangíveis de obras protegidas pelo direito da propriedade intelectual, como as vendas à distância transfronteiriças, podem conduzir a questões semelhantes. Até à presente data, o Tribunal de Justiça considerou estas questões no contexto das transações transfronteiriças em duas ocasiões. Em ambas, o Tribunal de Justiça confirmou que o comportamento que tem lugar fora do território onde os direitos são protegidos, mas que é dirigido a esse território, é abrangido pelas disposições do direito da propriedade intelectual que foram harmonizadas pelo direito da União. Os dois processos que abordaram esta situação foram os seguintes.

35.      O processo L’Oréal e o. tinha por objeto, inter alia, a proteção de marcas em relação a propostas de venda com origem fora do Espaço Económico Europeu, mas que eram acessíveis neste espaço, num sítio de comércio eletrónico (24). A L’Oréal alegou que esta atividade constituía uma violação das suas marcas europeias. O Tribunal de Justiça decidiu que competia ao órgão jurisdicional nacional determinar se, consideradas todas as circunstâncias, uma proposta de venda ou uma publicidade exibida num sítio de comércio eletrónico acessível no território protegido por uma marca da União Europeia se destina a consumidores desse território. No entanto, o titular da marca podia impedir essas vendas, propostas de venda ou publicidade ao abrigo do artigo 5.° da Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (25), ou do artigo 9.° do Regulamento (CE) n.° 40/94 sobre a marca comunitária (26).

36.      O processo Stichting de Thuiskopie (27) tinha por objeto direitos de autor e referia‑se ao artigo 5.°, n.° 2, alínea b), e n.° 5, da diretiva direitos de autor. As referidas disposições permitem exceções aos direitos de autor no que respeita à cópia privada de obras protegidas, desde que os autores recebam uma compensação equitativa. Uma sociedade com sede na Alemanha comercializava, através da Internet, suportes de reprodução virgens e a sua atividade era especialmente dirigida aos Países Baixos. O Tribunal de Justiça decidiu o seguinte:

«[A] Diretiva 2001/29, em especial o seu artigo 5.°, n.os 2, alínea b), e 5, deve ser interpretada no sentido de que incumbe ao Estado‑Membro que instituiu um sistema de taxa por cópia privada a cargo do fabricante ou do importador de suportes de reprodução de obras protegidas, e no território do qual ocorre o prejuízo causado aos autores pela utilização das suas obras, para fins privados, por compradores aí residentes, garantir que estes autores recebam efetivamente a compensação equitativa destinada a ressarci‑los deste prejuízo. A este respeito, a simples circunstância de o vendedor profissional de equipamentos, aparelhos ou suportes de reprodução estar estabelecido num Estado‑Membro diferente daquele onde residem os compradores não tem incidência nesta obrigação de resultado (28). Cabe ao órgão jurisdicional nacional, em caso de impossibilidade de assegurar a cobrança da compensação equitativa junto dos compradores, interpretar o direito nacional, a fim de permitir a cobrança desta compensação ao devedor que age na qualidade de comerciante» (29).

37.      O sistema de vendas no processo Stichting de Thuiskopie assemelhava‑se ao do processo principal. A construção jurídica tinha por objetivo, em ambos os casos, criar uma situação em que a distribuição era juridicamente concebida como tendo ocorrido no estrangeiro e as mercadorias atravessavam uma fronteira como se se tratasse de uma importação privada para outro Estado‑Membro onde o direito de autor existia e era evocado. Em ambos os casos se estava perante um sistema de vendas à distância dirigido a clientes situados no segundo Estado‑Membro e a transmissão da propriedade operava‑se, segundo as condições do contrato de venda, fora do território do Estado‑Membro onde os direitos de autor estavam protegidos. A figura da sociedade transportadora que intervinha como agente do comprador também estava presente no processo Stichting de Thuiskopie, embora tivesse um papel mais limitado do que a Inspem, na medida em que não intervinha como agente que passa o pagamento do preço do comprador ao vendedor.

38.      É importante, porém, traçar uma linha divisória entre a disponibilidade da proteção dos direitos de autor em relação às transações transfronteiriças em processos cíveis, e a aplicabilidade de sanções penais às violações dos direitos de autor. Os acórdãos L’Oréal e o. e Stichting de Thuiskopie referem‑se ambos a processos cíveis em que os titulares de direitos protegidos pelo direito da propriedade intelectual instauraram em seu nome, em órgãos jurisdicionais nacionais, ações cíveis com o objectivo de serem civilmente ressarcidos. No caso em apreço, é o ministério público que pretende fazer respeitar os direitos de autor protegidos nos termos do direito alemão, e fá‑lo através de uma ação penal.

39.      Por motivos óbvios, as constatações que conduzem à conclusão de que existe uma violação dos direitos de autor ou direitos conexos não são imediatamente transponíveis para um contexto penal no sentido de que a violação em questão justificaria a aplicação de sanções penais ao infrator. Não obstante, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça acima referida, a esse comportamento com origem fora do território nacional, e que é dirigido ao território onde os direitos de propriedade intelectual estão protegidos, poderão ser aplicadas as normas em matéria de direitos de propriedade intelectual que foram harmonizadas pelo direito da União.

C —     Artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor

1.      Observações preliminares

40.      A essência da proteção conferida pelos direitos de autor consiste no facto de o autor, para além de beneficiar dos direitos morais que lhe são reconhecidos pelo direito nacional e internacional, poder decidir se e como a sua obra deve ser economicamente explorada. Esta situação fundamental traduz‑se, nos atos legislativos, em diversos direitos exclusivos do autor de autorizar ou proibir a exploração específica das obras. As diferentes ordens jurídicas utilizam técnicas legislativas diversas para proteger e regular os direitos de autor exclusivos.

41.       Estes podem ser definidos em termos expressos ou implícitos, através da consagração de exceções e limitações a esses mesmos direitos. Além disso, o sistema de direitos exclusivos pode basear‑se em diferentes definições e hierarquias conceptuais. Por exemplo, o direito de emprestar ou de alugar pode ser concebido, numa ordem jurídica, como incluído no direito de distribuição e, noutra, como um direito separado. As diferenças de abordagem nos diferentes Estados‑Membros contribuíram significativamente para a natureza fragmentária do processo de harmonização dos direitos de autor na União.

42.      Neste contexto, é oportuno observar que, em muitas ordens jurídicas nacionais, o direito de distribuição, que é um corolário indispensável do direito essencial de reprodução (30), é definido utilizando termos como oferecer para venda, colocar à disposição ou colocar em circulação. Alguns regimes nacionais de direitos de autor também proíbem a importação não autorizada de obras protegidas como uma forma de atividade abrangida ou decorrente do direito de distribuição (31).

43.      Em 1996, foi introduzida no artigo 6.° do Tratado sobre o Direito de Autor (a seguir «TDA») (32) uma norma de direito internacional distinta sobre o significado do direito de distribuição. De acordo com esta norma, os autores «de obras literárias e artísticas gozam do direito exclusivo de autorizar a colocação à disposição do público do original e de cópias das suas obras, por meio da venda ou por outra forma de transferência de propriedade». A referida disposição foi transposta para o direito da União pelo artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor. Debruçar‑me‑ei agora sobre esta disposição.

2.      Significado do artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor

44.      A redação do artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor difere ligeiramente da disposição correspondente constante do artigo 6.° do TDA. O artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor determina que «os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores, em relação ao original das suas obras ou respetivas cópias, o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer forma de distribuição ao público através de venda ou de qualquer outro meio». O artigo 6.° do TDA inclui a expressão «colocação à disposição do público», ao passo que a diretiva direitos de autor se refere a «qualquer forma de distribuição ao público».

45.      Apesar desta diferença na redação, adoto e sirvo‑me da abordagem adotada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Peek & Cloppenburg (33) no sentido de que o artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor deve ser interpretado em linha com a disposição correspondente do TDA. Além disso, apesar de o TDA apenas conter regras relativas ao nível mínimo de proteção dos direitos de autor que as partes contratantes concordaram garantir, o Tribunal de Justiça entendeu, no acórdão Peek & Cloppenburg, que a diretiva direitos de autor não procura estabelecer um nível superior de proteção dos autores (34).

46.       Por outro lado, como já observei, entendo que a diretiva direitos de autor harmoniza integralmente os três direitos exclusivos previstos nos artigos 2.° a 4.°, a saber, o direito de reprodução, o direito de comunicação ao público não presente no local da comunicação e o direito de distribuição. Não há nenhuma indicação na diretiva direitos de autor de que os Estados‑Membros se podem desviar destas disposições nos direitos de autor nacionais, seja alargando seja restringindo o seu alcance.

47.      Nas suas diferentes interpretações do direito de distribuição previsto no artigo 4.°, n.° 1, o Bundesgerichtshof, as partes, o Governo checo e a Comissão invocam a resposta que o Tribunal de Justiça deu à primeira questão prejudicial no acórdão Peek & Cloppenburg. Todos salientam a importância da transferência de propriedade na conceptualização do direito de distribuição previsto no artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor. No meu entender, esta discussão é inútil.

48.      No acórdão Peek & Cloppenburg, o Tribunal de Justiça respondeu a uma questão que, substancialmente, se referia ao modo como a distribuição por um meio diferente da venda devia ser entendida. Esse processo referia‑se à exposição em montras e à disponibilização para utilização nas áreas de descanso de lojas de vestuário feminino e masculino, na Alemanha, de réplicas de mobiliário que tinham sido produzidas por uma empresa na Itália, mas que eram protegidas por direitos de autor na Alemanha. O pedido de decisão prejudicial estava relacionado com o facto de muitas ordens jurídicas nacionais incluírem, no conceito de distribuição, situações que não implicam a transferência de propriedade. Esta denominada interpretação inclusiva foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Peek & Cloppenburg. O Tribunal de Justiça decidiu que a distribuição por um meio diferente da venda, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor ocorre exclusivamente quando existe uma transferência de propriedade do original ou da cópia da obra protegida (35).

49.      No presente processo está em causa uma distribuição através de venda. É incontestável que houve uma venda de objetos em relação à qual se suscitou um litígio em matéria de direitos de autor. A venda implica, por definição, uma transferência de propriedade mediante pagamento. Portanto, no caso em apreço, a verdadeira questão que se coloca é a de saber se, à luz de todos os factos, esta venda específica se traduziu numa violação dos direitos de autor na Alemanha.

50.      T. Donner e o Bundesgerichtshof consideram esta questão do ponto de vista do conceito civilístico de transmissão da propriedade. Segundo T. Donner, não houve distribuição na Alemanha porque, nos termos do direito italiano aplicável ao contrato, a transmissão da propriedade dos objetos para os compradores se operou na Itália. Segundo o Bundesgerichtshof, o fator decisivo não foi a transmissão da propriedade na Itália, mas a transmissão da posse efetiva dos objetos que o direito alemão exige para que a transmissão da propriedade seja completa. Esta ocorreu na Alemanha. A Comissão também sustenta que a distribuição teve lugar na Alemanha, não devido à transmissão da posse efetiva dos objetos, mas porque estes só ficaram à disposição do público na Alemanha no momento em que os compradores os pagaram aos motoristas de T. Donner.

51.      Em meu entender, o significado do conceito de distribuição do direito da União, na aceção do artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor, não pode depender desses fatores. O artigo 8.°, n.° 3, do regulamento Roma II refere que as partes não podem escolher a lei aplicável às obrigações extracontratuais relativas a direitos de propriedade intelectual. Permitir que a lei escolhida pelas partes para reger o contrato de compra e venda determine se e onde ocorreu a distribuição através de venda de cópias de obras protegidas por direitos de autor seria incompatível com este princípio e permitiria às partes escapar aos direitos dos titulares de direitos de autor (36).

52.      Também me pergunto se a distribuição através de venda só pode ter lugar quando a transação tenha sido concluída com sucesso. Se assim fosse, a proposta de venda de obras protegidas por direitos de autor sem o consentimento do autor não poderia levar à existência de distribuição. O mesmo se aplica às transações com opção de compra. Nestas últimas, a transmissão da propriedade só ocorre muito depois da transmissão da posse efetiva.

53.      Na minha opinião, a noção de distribuição através de venda deve ser interpretada de modo a conferir aos autores o controlo prático e efetivo sobre a comercialização das cópias das suas obras, desde a sua reprodução, passando pelos canais de comercialização, até ao esgotamento dos direitos de autor nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da diretiva direitos de autor (37). Por este motivo, a noção de «distribuição ao público através de venda» prevista no artigo 4.°, n.° 1, deve ser compreendida como tendo o mesmo significado que a expressão «colocação à disposição do público […] por meio da venda» contida no artigo 6.°, n.° 1, do TDA.

54.      A colocação à disposição do público por meio da venda abrange a cadeia de atividades que se estende das propostas de venda até à celebração de contratos de venda e à sua execução. Por outro lado, entendo que a simples publicidade de cópias de obras protegidas por direitos de autor, sem uma proposta de venda, não é abrangida pelo direito exclusivo de distribuição dos autores, embora esteja abrangida pela proteção ao abrigo do direito das marcas.

55.      No caso dos contratos de venda à distância transfronteiriços, a questão de saber se as cópias foram colocadas à disposição do público no Estado‑Membro onde é reivindicado o respeito pelos direitos de autor deve ser apreciada com base nos critérios definidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão L’Oréal e o. (38). Se um vendedor se dirigir a consumidores de um determinado Estado‑Membro e criar ou colocar à disposição destes um sistema de entregas específico e um método de pagamento que permita aos consumidores adquirir cópias de obras protegidas por direitos de autor nesse Estado‑Membro, então existe distribuição através de venda nesse Estado‑Membro (39). A existência de um sítio Web de língua alemã, o conteúdo do material de marketing da Dimensione e a sua cooperação continuada com a Inspem, empresa que se dedica a vendas e entregas na Alemanha, tudo aponta no sentido de um comportamento dirigido. O que é importante saber é se o vendedor criou um canal de vendas e de entregas dirigido aos compradores para estes adquirirem obras protegidas por direitos de autor no respetivo Estado‑Membro.

56.      A este respeito, o modo como está organizada a entrega das cópias é de importância secundária. Existe distribuição através de venda do Estado‑Membro A para o público visado no Estado‑Membro B mesmo que, por força do regime de distribuição, as cópias das obras sejam entregues por correio ou por um serviço de distribuição. Mas a medida do envolvimento do transportador no procedimento de venda afeta a questão de saber se o transportador deve ser considerado um participante no sistema de distribuição ou apenas um intermediário na aceção do artigo 8.°, n.° 3, da diretiva direitos de autor (40), cujos serviços sejam utilizados por terceiros. Esse intermediário pode ser sujeito a injunções, mas não a sanções nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor e da disposição correspondente contida no artigo 11.° da diretiva relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual.

57.      Por outro lado, se o vendedor no Estado‑Membro A não criar um canal específico para os compradores do Estado‑Membro B para assegurar o acesso a obras protegidas por direitos de autor no Estado‑Membro B, não poderá haver distribuição através de venda no Estado‑Membro B (41).

58.      À luz desta análise, entendo que o Bundesgerichtshof não errou ao concluir que houve distribuição através de venda na Alemanha, na aceção do artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor, embora não compartilhe do raciocínio seguido para chegar a essa conclusão. Tal como o Tribunal de Justiça interpretou, no acórdão L’Oreal e o., as disposições aplicáveis do direito das marcas da União para destacar o comportamento dirigido, e o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), e n.° 5, da diretiva direitos de autor, no acórdão Sticthing de Thuiskopie, com o mesmo objetivo, também é necessária uma interpretação semelhante do artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor, sobretudo tendo em conta o desafio para o direito da propriedade intelectual que o marketing pela Internet representa. Além disso, como referi na introdução, na falta de procedimentos aduaneiros nacionais para impedir o comércio no interior da União de cópias não autorizadas de bens protegidos por direitos de autor, a única forma de garantir o respeito pela União e pelos seus Estados‑Membros das obrigações que lhes incumbem ao abrigo do direito de autor internacional é assegurar a interpretação das medidas de harmonização da União em conformidade com essas normas.

D —     Quanto à interpretação dos artigos 34.° TFUE e 36.° TFUE

1.      Jurisprudência clássica do Tribunal de Justiça sobre o artigo 36.° TFUE e restrições disfarçadas ao comércio

59.      O presente processo não aborda o problema clássico suscitado ao abrigo do artigo 36.° TFUE que consiste em apurar se um titular de direitos de autor ou de direitos conexos esgotou esses direitos ao colocar as obras em questão no mercado num Estado‑Membro da União, ou ao praticar outro ato que impeça a reivindicação desses direitos (42). Pelo contrário, é claro que os proprietários dos direitos de autor sobre os objetos não realizaram nenhum ato que pudesse ser considerado suscetível de esgotar os respetivos direitos (43). Além disso, como já referi, permanece a dúvida, ao abrigo do direito da União, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Flos, de que os objetos tivessem sido legalmente comercializados em Itália (44).

60.      Isto significa que se T. Donner distribuiu as obras ao público em violação da diretiva direitos de autor, o Tribunal de Justiça só poderá opor‑se a que o ministério público invoque o artigo 36.° TFUE se, deste modo, for criada uma barreira artificial ao comércio entre Estados‑Membros (45), ou se as normas nacionais em matéria de direitos de autor em questão estabelecerem discriminações em razão da nacionalidade das pessoas (46), ou da origem geográfica das mercadorias (47).

61.      Todavia, a jurisprudência do Tribunal de Justiça invocada por T. Donner e que estabeleceu limites ao funcionamento do artigo 36.° TFUE, não é diretamente relevante para o processo principal ou, pelo menos, não parece ser‑lhe útil.

62.      O acórdão Comissão/Irlanda (48) apoia a tese de que a derrogação ao princípio da livre circulação de mercadorias deve ser interpretada estritamente, mas não acrescenta nada à interpretação do artigo 36.° TFUE, enquanto tal, que seja relevante para o caso em apreço.

63.      No acórdão Merck (49), o titular de uma patente sobre um determinado produto farmacêutico, no Estado‑Membro A, não pôde invocar o artigo 36.° TFUE para impedir a importação do mesmo produto do Estado‑Membro B, onde o produto não podia ser objeto de patente. Isso era assim porque o titular da patente no Estado‑Membro A tinha optado por comercializar o produto no Estado‑Membro B, apesar da falta de proteção conferida por patente. O Tribunal de Justiça decidiu que um titular que opta por este procedimento, deve depois aceitar as consequências da sua escolha no que diz respeito à livre circulação do produto no mercado comum. A conclusão contrária traduzir‑se‑ia numa compartimentação dos mercados nacionais, que seria contrária aos objetivos do Tratado.

64.      Contudo, os factos do presente processo não implicam nenhum comportamento por parte dos titulares de direitos de autor em relação às obras, na Itália, na Alemanha, ou em qualquer outra parte, que pudesse impedi‑los de invocar o artigo 36.° TFUE.

65.      De modo semelhante, o acórdão EMI Electrola (50) dizia respeito a um produtor de suportes de som que não tinha dado consentimento para a comercialização desses suportes de som no Estado‑Membro A, e que posteriormente invocou o artigo 36.° TFUE, e os seus direitos em matéria de reprodução e distribuição, para impedir a sua importação para o Estado‑Membro B. O Tribunal de Justiça decidiu que, dado que os suportes de som não eram licitamente comercializados no Estado‑Membro A devido a um ato ou ao consentimento do titular do direito de autor ou de quem este autorizou, mas sim devido à expiração do prazo de proteção estabelecido pela legislação desse Estado‑Membro A, o titular podia invocar a proteção do Estado‑Membro B. O problema colocado decorria da disparidade das legislações nacionais quanto ao prazo de proteção garantido pelo direito de autor e direitos equiparados, e não de um comportamento do titular.

66.      Tendo em conta que, no processo principal, o problema decorre igualmente das diferenças jurídicas e de facto na proteção dos direitos de autor dos objetos na Itália e na Alemanha, este caso é bastante semelhante ao que deu origem ao acórdão EMI Electrola (51). Os princípios definidos nesse acórdão aplicam‑se aos factos em apreço. O problema no processo principal, tal como no processo EMI Electrola, resultou da disparidade na proteção dos direitos de autor entre Estados‑Membros, o que confere ao artigo 36.° TFUE plena aplicabilidade, à luz dos princípios gerais que abordarei a seguir.

2.      Inexistência de compartimentação desproporcionada dos mercados nacionais ou de obstáculos à livre prestação de serviços

67.      A aplicação do artigo 36.° TFUE não impõe uma restrição desproporcionada à livre circulação de mercadorias. Exige simplesmente que comerciantes como a Dimensione ou T. Donner obtenham o consentimento dos titulares dos direitos de autor antes de praticarem atos que se traduzam numa forma de distribuição ao público através da venda na Alemanha. Como expliquei, aqui inclui‑se a comercialização dos objetos em causa nesse Estado‑Membro.

68.      A seguir‑se esta via, não se verificaria uma compartimentação ilegal dos mercados nacionais. Tendo em conta a necessidade de equilibrar a livre circulação de mercadorias com a proteção da propriedade industrial e comercial que é imposta pelos artigos 34.° TFUE e 36.° TFUE, não se pode dizer que a obrigação de os comerciantes respeitarem a proteção dos direitos de autor no Estado‑Membro onde existe distribuição produza efeitos desproporcionados na livre circulação de mercadorias. Além disso, qualquer restrição à livre circulação de mercadorias que garanta o respeito pela União e pelos Estados‑Membros das obrigações internacionais que lhe incumbem em matéria de direitos de autor não pode ser desproporcionada (52).

69.      Se a distribuição ao público através da venda ou por outro meio, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor, devesse ser interpretada de modo a abarcar os transportadores independentes que não praticaram atos que impliquem a distribuição através de venda, reconheço que daí poderia resultar uma perturbação desproporcionada nos serviços de transporte e de entrega em toda a União. Efetivamente, uma tal interpretação exigiria que as empresas de transporte controlassem se as mercadorias que transportam são protegidas por direitos de autor no Estado‑Membro onde devem ser entregues, sob pena de se arriscarem a ser alvo de processos penais. Uma obrigação geral de controlo deste tipo constituiria um fator dissuasor importante contra o fornecimento de serviços de transporte através das fronteiras nacionais no interior da União.

70.      Contudo, não foi essa a conclusão a que cheguei. T. Donner fica sob a alçada do artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor e, portanto, integra o âmbito de aplicação ratione materiae do artigo 36.° TFUE, porque praticou atos que se incluem na noção de distribuição através de venda das obras protegidas. Esses atos referem‑se ao financiamento, pelo próprio, do pagamento do preço em Itália, ao facto de os seus motoristas receberem instruções no sentido de aceitarem o pagamento do preço dos objetos pelos compradores na Alemanha, e à aceitação da devolução das obras a Itália, de modo a obter a restituição do preço e o pagamento dos custos de entrega pela Dimensione, nesse país, no caso de o comprador se recusar a liquidar esses custos. Estas atividades mostram um envolvimento na transação que vai muito além do que uma empresa de transporte independente, atuando fora do sistema de distribuição da Dimensione, poderia aceitar num contexto normal de entregas transfronteiriças de mobiliário.

3.      Inexistência de discriminação arbitrária

71.      O princípio da igualdade de tratamento aplica‑se às regras sobre o esgotamento dos direitos de autor contidas no artigo 4.°, n.° 2, da diretiva direitos de autor. O princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objetivamente justificado. Além disso, é jurisprudência assente que o direito de autor e os direitos conexos que, em razão, nomeadamente, dos seus efeitos nas trocas intercomunitárias de bens e serviços, são abrangidos pelo Tratado, estão sujeitos ao princípio geral de não discriminação em razão da nacionalidade (53).

72.      Portanto, os princípios gerais do direito da União impedem qualquer interpretação do artigo 36.° TFUE ou do artigo 4.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor que pudesse levar a tratar de maneira diferente situações comparáveis, sem justificação objetiva.

73.      Porém, a interpretação do direito da União que defendo não leva a qualquer discriminação. Os compradores que se deslocam a Itália para levantar obras que adquiriram à Dimensione, ou que dão instruções nesse sentido a um transportador independente não envolvido no sistema de distribuição, não se encontram numa situação comparável à de T. Donner. Limitam‑se a efetuar uma importação privada de cópias de obras protegidas por direitos de autor, o que parece ser permitido na Alemanha.

E —    Sanções

74.      O direito da União não impede que os Estados‑Membros imponham sanções penais proporcionadas para combater comportamentos orientados do tipo que ocorreu no presente processo. Pelo contrário, o vigésimo oitavo considerando da diretiva relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual refere expressamente que as «sanções penais constituem também, em determinados casos, um meio de garantir o respeito pelos direitos de propriedade intelectual» (54), ao passo que o artigo 8.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor exige que os Estados‑Membros prevejam sanções e vias de recurso adequadas para as violações dos direitos e obrigações previstas nessa diretiva, e assegurem a sua aplicação efetiva. Em conformidade com os princípios gerais pertinentes do direito da União, o artigo 8.°, n.° 1, da diretiva direitos de autor acrescenta que as sanções assim previstas devem ser «eficazes, proporcionadas e dissuasivas» (55).

75.      A apreciação da questão de saber se a sanção proposta é proporcionada caberá ao órgão jurisdicional nacional, que deve ter devidamente em conta o facto de a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») contemplar tanto a proteção da propriedade industrial e comercial (56), como a exigência de proporcionalidade das penas (57). Por outro lado, o décimo sétimo considerando da diretiva relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual refere que os recursos deverão ser determinados tendo em conta «as características específicas» de cada caso, «nomeadamente as características específicas de cada direito de propriedade intelectual e, se for caso disso, o caráter intencional ou não intencional da violação».

76.      Também importa observar que o comportamento que pode conduzir a sanções ou a recursos de direito civil ou de direito processual civil, devido à sua natureza abusiva, pode, não obstante, permanecer fora do âmbito de aplicação do direito penal por causa da exigência de previsibilidade inerente ao princípio nulla poena sine lege, consagrado no artigo 49.°, n.° 1, da Carta (58). Por último, a jurisprudência do Tribunal de Justiça oferece uma outra salvaguarda que se aplica às sanções quando os Estados‑Membros optam por transpor as diretivas sob a forma de sanções penais. Foi estabelecido que, quando esteja disponível uma gama de sanções penais, os Estados‑Membros não podem invocar a diretiva pertinente para agravar a responsabilidade penal ou impor, com efeitos retroativos, a sanção penal disponível mais gravosa (59).

IV — Conclusão

77.      Pelos motivos expostos, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão submetida pelo Bundesgerichtshof do seguinte modo:

«Os artigos 34.° TFUE e 36.° TFUE, que regulam a liberdade de circulação de mercadorias, devem ser interpretados no sentido de que não obstam à punibilidade, resultante da aplicação de disposições penais nacionais, da cumplicidade na distribuição ilícita de obras protegidas por direitos de autor, quando cópias de obras protegidas por direitos de autor são distribuídas através de venda num Estado‑Membro, mediante a sua colocação à disposição do público, nesse Estado‑Membro, através de um sistema transfronteiriço de vendas à distância com origem noutro Estado‑Membro da União Europeia em que a obra não estava protegida por direitos de autor ou em que tal proteção não era exequível.»


1 – Língua original: inglês.


2 – Embora a questão prejudicial em apreço se refira aos artigos 34.°TFUE e 36.° TFUE, as disposições aplicáveis, ratione temporis, são os artigos 28.° CE e 30.° CE. No entanto, por razões de clareza, referir‑me‑ei a seguir aos artigos 34.° TFUE e 36.° TFUE, mesmo quando estiver a analisar jurisprudência clássica que se desenvolveu na vigência dos artigos 30.° CEE e 36.° CEE.


3 – Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10).


4 – O Acordo sobre os aspetos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio (a seguir «Acordo TRIPS»), que constitui o anexo 1C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio, assinado em Marraquexe em 15 de abril de 1994, foi aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO L 336, p. 1).


5 – Os seguintes objetos eram vendidos pela Dimensione sem consentimento dos autores em nenhum dos países: cadeiras do «Aluminium‑Group», criação de Charles e Ray Eames; candeeiros «Wagenfeld», criação de Wilhelm Wagenfeld; sofás, criação de ‘Le Corbusier’; uma «Adjustable Table» e o candeeiro «Tubelight», criação de Eileen Gray; cadeiras Stahlrohr‑Freischwingem, criação de Mart Stam. Os objetos criados por Eileen Gray não dispunham de proteção nos termos dos direitos de autor em Itália no período compreendido entre 1 de janeiro de 2002 e 25 de abril de 2007; a proteção só foi renovada a partir de 26 de abril de 2007. Os restantes objetos encontravam‑se protegidos por força do direito italiano no período em causa, mas essa proteção não era exequível no que se refere aos fabricantes que antes de 19 de abril de 2001 tivessem reproduzido, publicitado e/ou comercializado essas obras.


6 –      Existe, aparentemente, uma pequena imprecisão na redação da questão prejudicial. Os objetos distribuídos são cópias das obras e não as próprias obras.


7 – V. Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO L 157, p. 45, e retificação no JO L 195, p. 16; «diretiva relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual»).


8 –      V. Peukert, A., «Territoriality and Extraterritoriality in Intellectual Property Law», em Handl, G. e Zekoll, J. (ed.) «Beyond Territoriality: Transnational Legal Authority in an Age de Globalization», Queen Mary Studies in International Law, Brill Academic Publishing, Leiden/Boston, 2011, p. 2. Disponível em SSRN: http://ssrn.com/abstract=1592263.


9 –      V. vigésimo considerando da Diretiva 92/100/CEE, de 19 de novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 346, p 61). Com efeitos a partir de 17 de janeiro de 2007, a Diretiva 92/100 foi substituída pela Diretiva 2006/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual (versão codificada) (JO L 376, p. 28). V., também, acórdão de 14 de julho de 2005, Lagardère Active Broadcast (C‑192/04, Colet., p. I‑7199, n.° 46).


10 —       V. artigo 61.° do Acordo TRIPS: «Os membros preverão processos penais e penas aplicáveis pelo menos em casos de contrafação deliberada de uma marca ou de pirataria em relação ao direito de autor numa escala comercial. […] Os membros podem prever a aplicação de processos penais e penas correspondentes noutros casos de infração dos direitos de propriedade intelectual, especialmente quando essas infrações sejam cometidas deliberadamente e numa escala comercial». Estas sanções foram preservadas pelo quinto considerando da diretiva relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual. O quinto considerando refere, inter alia, que esta «diretiva não afeta as obrigações internacionais dos Estados‑Membros, incluindo as decorrentes do Acordo TRIPS.» V., também, o sexto considerando.


11 – A nota 14, alínea b), ao artigo 51.° do Acordo TRIPS define «mercadorias pirateadas em desrespeito do direito de autor» como «qualquer mercadoria que seja uma cópia feita sem o consentimento do titular ou de uma pessoa devidamente autorizada pelo titular no país de produção e que seja feita direta ou indiretamente a partir de um artigo, sempre que a realização dessa cópia constitua uma infração de um direito de autor ou de um direito conexo nos termos da legislação do país de importação».


12 – Regulamento (CE) n.° 1383/2003 do Conselho, de 22 de julho de 2003, relativo à intervenção das autoridades aduaneiras em relação às mercadorias suspeitas de violarem certos direitos de propriedade intelectual e a medidas contra mercadorias que violem esses direitos (JO L 196, p. 7).


13 – V. Peukert, A., op. cit., p. 15.


14 – A jurisprudência recente do Tribunal de Justiça decidiu que quando uma questão de direitos de autor é regida pelo direito da União, só as obras que constituam uma criação intelectual do seu próprio autor e que, portanto, sejam originais nessa aceção, poderão ser objeto de proteção dos direitos de autor. V., por exemplo, acórdãos de 16 de julho de 2009, Infopaq International (C‑5/08, Colet., p. I‑6569, n.° 37); e de 1 de dezembro de 2011, Painer (C‑145/10, Colet., p. I‑12533, n.° 87). Como observou o advogado‑geral P. Mengozzi nos n.os 39 a 41 das conclusões que apresentou em 15 de dezembro de 2011 no processo Football Dataco e o. (acórdão de 1 de março de 2012, C‑604/10), esta definição está mais próxima da tradição jurídica continental do que das tradições de common law.


15 – Esta opção foi aberta pelo artigo 2.°, n.° 7, da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas (Ato de Paris de 24 de julho de 1971), na redação resultante da alteração de 28 de setembro de 1979 (a seguir «Convenção de Berna»). A União Europeia não é parte contratante na Convenção de Berna; no entanto, a frequência com que é invocada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça confere‑lhe um estatuto equiparável ao de um acordo internacional celebrado pela UE.


16 – Diretiva 98/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 1998, relativa à proteção legal de desenhos e modelos (JO L 289, p. 28).


17 –      Regulamento (CE) n.° 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II») (JO L 199, p. 40). É importante observar que as partes não são livres de derrogar do princípio lex loci protectionis, v. artigo 8.°, n.° 3, do regulamento Roma II.


18 – Na audiência no Tribunal de Justiça, a Comissão observou que tem havido um debate intenso em Itália, tal como noutros Estados‑Membros, relativamente à distribuição de mobiliário de «design». A legislação tem vindo a ser modificada pouco a pouco. Para uma sua análise v. Fittante, A., «The issue of Conformity of Article 239 of the Italian Industrial Property Code with European Law», The European Legal Forum, 2010, p. 23.


19 —       Acórdão de 27 de janeiro de 2011, Flos (C‑168/09, Colet., p. I‑181).


20 – Com efeito, a data a partir da qual se aplica a suspensão dos direitos de autor é a mesma tanto no acórdão Flos como a que figura no pedido de decisão prejudicial. Isto é, uma moratória de dez anos, a contar de 19 de abril de 2001, durante a qual «a proteção conferida a desenhos e modelos […] não é oponível unicamente a quem, antes da referida data, procurou fabricar, oferecer ou comercializar produtos realizados em conformidade com desenhos e modelos que eram ou que entretanto caíram no domínio público». V. acórdão Flos, já referido na nota 19 (n.° 17).


21 – Acórdão de 17 de abril de 2008 (C‑456/06, Colet., p. I‑2731).


22 – V. acórdão Lagardère Active Broadcast, já referido na nota 9 (n.° 46).


23 –      V. Peukert, A., op. Cit., pp. 7 e 13.


24 – Acórdão de 12 de julho de 2011 (C‑324/09, Colet., p. I‑6011). Uma situação semelhante verificou‑se no processo Wintersteiger, C‑523/10, onde, porém, estava sobretudo em causa a competência do Tribunal de Justiça, ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO L 12, p. 1, a seguir «regulamento Bruxelas I»), nos Estados‑Membros onde a marca está registada. V. as conclusões apresentadas em 16 de fevereiro de 2012 pelo advogado‑geral Cruz Villalón, no processo Wintersteiger (C‑523/10, pendente no Tribunal de Justiça).


25 – Primeira Diretiva 89/104/CEE (JO 1989, L 40, p 1). Com efeitos a partir de 28 de novembro de 2008, a Primeira Diretiva 89/104/CEE foi substituída pela Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (versão codificada) (JO L 299, p. 25).


26 – Regulamento (CE) n.°40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993 (JO 1994, L 11, p. 1). Com efeitos a partir de 13 de abril de 2009, o Regulamento n.°40/94 foi substituído pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (versão codificada) (JO L 78, p. 1). Acórdão L’Oréal e o., já referido na nota 24 (n.° 67).


27 – Acórdão de 16 de junho de 2011 (C‑462/09, Colet., p. I‑5331).


28 –      O sublinhado é meu.


29 –      Acórdão Stichting de Thuiskopie, já referido na nota 27 (n.° 41). Os princípios fundamentais do acórdão Stichting de Thuiskopie foram afirmados pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 9 de fevereiro de 2012, Luksan van der Let (C‑277/10, n.° 106).


30 – O artigo 2.° da diretiva direitos de autor refere que «[o]s Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe: a) Aos autores, para as suas obras […]»


31 —       As grandes variações nos direitos nacionais no modo como os direitos de distribuição são concebidos e formulados foram descritas no estudo comparativo sobre a aplicação da diretiva direitos de autor. V. Westkamp, G. e o., «The Implementation of Directive 2001/29/EC in the Member States», disponível em http://www.ivir.nl/publications/guibault/InfoSoc_Study_2007.pdf


32 – O Tratado sobre o Direito de Autor, adotado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) em Genebra, em 20 de dezembro de 1996, foi aprovado, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2000/278/CE do Conselho, de 16 março de 2000 (JO L 89, p. 6). O décimo quinto considerando da diretiva direitos de autor refere que a diretiva destina‑se também a dar execução a algumas destas novas obrigações internacionais ao abrigo do Tratado sobre o direito de autor. V., também, n.° 31 do acórdão Peek & Cloppenburg, já referido na nota 21: «É pacífico, como resulta do décimo quinto considerando da Diretiva 2001/29, que esta última se destina a dar execução, no plano comunitário, às obrigações que incumbem à Comunidade por força do [Tratado sobre o direito de autor] e do [Tratado sobre prestações e fonogramas].»


33 – Já referido na nota 21 (n.os 29 a 36).


34 – Já referido na nota 21 (n.os 38 e 39).


35 – Já referido na nota 21 (n.° 41).


36 – V. n.os 56 a 58 das conclusões que apresentei no processo Stichting de Thuiskopie, já referido na nota 27. Refira‑se também que a Comissão observou, na audiência, que recebeu muitas queixas relativas a imitações de mobiliário de design produzidas a uma escala massiva em Sterzing. Também existem problemas semelhantes no Reino Unido. A Comissão está atualmente a analisá‑los.


37 – O vigésimo oitavo considerando da diretiva direitos de autor refere: «A proteção do direito de autor nos termos da presente diretiva inclui o direito exclusivo de controlar a distribuição de uma obra incorporada num produto tangível. A primeira venda na Comunidade do original de uma obra ou das suas cópias pelo titular do direito, ou com o seu consentimento, esgota o direito de controlar a revenda de tal objeto na Comunidade […]»


38 – Já referido na nota 24. Como observou o Tribunal de Justiça no acórdão L’Oreal e o., quando «a proposta de venda é acompanhada de precisões em relação às zonas geográficas para as quais o vendedor se dispõe a enviar o produto, este tipo de precisão tem uma importância particular» (n.° 65) para determinar se as propostas de venda exibidas num sítio Internet «se destinam a consumidores situados neste território» (n.° 64). De acordo com os critérios expostos pelo Tribunal de Justiça no n.° 67 do acórdão L’Oréal e o., uma proposta de venda ou uma publicidade exibida num sítio de comércio eletrónico acessível no território protegido pela referida marca destinam‑se a consumidores situados nesse território se se tratar de produtos não anteriormente comercializados no Espaço Económico Europeu ou, se se tratar de uma marca comunitária, não anteriormente comercializados na União, e i) os mesmos forem vendidos por um operador económico através de um sítio de comércio eletrónico e sem o consentimento do titular desta marca a um consumidor situado no território protegido pela referida marca ou ii) forem objeto de uma proposta de venda ou de publicidade nesse sítio destinado a consumidores situados nesse território.


39 – V. também, sobre a noção de comportamento dirigido, acórdão de 7 de dezembro de 2010, Pammer e Hotel Alpenhof (C‑585/08 e C‑144/09, Colet., p. I‑12527), que tinha por objeto um comportamento dirigido, através da Internet, no âmbito de contratos de consumidores e no contexto do regulamento Bruxelas I.


40 – O artigo 8.°, n.° 3, da diretiva direitos de autor dispõe: «Os Estados‑Membros deverão garantir que os titulares dos direitos possam solicitar uma injunção contra intermediários cujos serviços sejam utilizados por terceiros para violar um direito de autor ou direitos conexos.»


41 – Refiro‑me aqui a uma situação em que os próprios compradores viajam até ao Estado‑Membro A para levantarem eles próprios as cópias, ou contratam eles próprios um transportador que é alheio à venda e que, sem conhecer os aspetos da venda relacionados com os direitos de autor, executam a entrega nos termos das condições comerciais normais aplicáveis entre partes independentes.


42 – V., por exemplo, acórdãos de 8 de junho de 1971, Deutsche Grammophon (78/70, Colet., p. 183); e de 24 de janeiro de 1989, EMI Electrola (341/87, Colet., p. 79).


43 – V. acórdão de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb o. (C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, Colet., p. I‑3457). Por uma questão de exaustividade, observo que são possíveis, naturalmente, cadeias de múltiplas distribuições ilegais que se sucedem umas às outras, e em que, portanto, não ocorre esgotamento.


44 – Já referido na nota 19.


45 –      V. acórdão Bristol‑Myers Squibb o., já referido na nota 44 (n.os 52 a 57).


46 –      V. acórdãos de 20 de outubro de 1993, Phil Collins e o. (C‑92/92 e C‑326/92, Colet., p. I‑5145); e de 6 de junho de 2002, Ricordi e Co. (C‑360/00, Colet., p. I‑5089). A proibição de discriminação em razão da nacionalidade é atualmente protegida pelo artigo 18.° TFUE.


47 –      V. acórdãos de 30 de junho de 1988, Thetford e o. (35/87, Colet., p. 3585); de 30 de novembro de 1993, Deutsche Renault (C‑317/91, Colet., p. I‑6227); e de 30 de junho de 2005, Tod’s e Tod’s France (C‑28/04, Colet., p. I‑5781).


48 –      Acórdão de 17 de junho de 1981 (113/80, Recueil, p. 1625).


49 –      Acórdão de 14 de julho de 1981 (187/80, Recueil, p. 2063, n.os 11 e 13).


50 –      Já referido na nota 42.


51 –      T. Donner também invoca o acórdão de 9 de abril de 1987, Basset (402/85, Colet., p. 1747). Este processo parece não ter qualquer relação com as questões submetidas à apreciação do Tribunal de Justiça.


52 –      V. n.° 34 das conclusões que apresentei no processo Stichting de Thuiskopie, já referido na nota 27.


53 –      V. jurisprudência já referida na nota 46. Este princípio estende‑se à proibição de discriminação em razão da origem geográfica das mercadorias. V. jurisprudência já referida na nota 47.


54 –      Neste sentido, a situação é, neste caso, inversa da do acórdão de 28 de abril de 2011, El Dridi (C‑61/11 PPU, Colet., p. I‑3015), onde a imposição de uma sanção penal era incompatível com as normas e procedimentos previstos na diretiva e podia pôr em perigo, em vez de assegurar, a realização do objetivo prosseguido pela diretiva. V., também, acórdão de 6 de dezembro de 2011, Achughbabian (C‑329/11, Colet., p. I‑12695).


55 –      V., de igual modo, o quinquagésimo oitavo considerando da diretiva direitos de autor.


56 –      V. artigo 17.°, n.° 2, da Carta.


57 –      V. artigo 49.° da Carta.


58 –      V. acórdão de 29 de março de 2011, ThyssenKrupp Nirosta/Comissão (C‑352/09 P, Colet., p. I‑2359, n.° 80).


59 –      Acórdão de 3 de maio de 2005, Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, Colet., p. I‑3565, n.os 70 a 78). Em relação aos limites do princípio que se opõe à aplicação retroativa da sanção penal disponível mais gravosa, v. acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporation (C‑17/10, n.os 64 a 66). T. Donner também invocou o acórdão de 6 de março de 2007, Placanica e o. (C‑338/04, C‑359/04 e C‑360/04, Colet., p. I‑1891), onde o Tribunal de Justiça observou, no n.° 68, que era jurisprudência assente que a legislação penal não pode restringir as liberdades fundamentais garantidas pelo direito comunitário. Contudo, tendo em conta a minha conclusão de que qualquer restrição prevista no artigo 34.° TFUE pode ser justificada pelo artigo 36.° TFUE, a imposição de uma sanção penal neste caso não violaria a livre circulação de mercadorias.