Language of document : ECLI:EU:C:2017:226

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 21 de março de 2017 (1)

Processo C‑76/16

INGSTEEL spol. s r.o.,

Metrostav, as,

contra

Úrad pre verejné obstarávanie

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Najvyšší súd Slovenskej republiky (Supremo Tribunal da República Eslovaca)]

«Contratos públicos — Critérios de seleção qualitativos — Prova da capacidade económica e financeira do operador económico — Recurso jurisdicional de uma decisão de exclusão de um operador económico de um concurso público»






1.        O Najvyšší súd Slovenskej republiky (Tribunal Supremo da República Eslovaca) submete ao Tribunal de Justiça, no seu pedido de decisão prejudicial, três questões sobre a interpretação das regras da União relativas aos critérios de adjudicação dos contratos públicos e aos recursos das decisões das entidades adjudicantes.

2.        As duas primeiras questões dizem respeito à prova da capacidade económica e financeira dos proponentes, no sentido da Diretiva 2004/18/CE (2). As dúvidas do órgão de reenvio abrangem a prova dessa capacidade e o momento a que deva referir‑se. A terceira diz respeito aos mecanismos de recurso previstos na Diretiva 89/665/CEE (3), relativamente aos quais o Najvyšší súd (Tribunal Supremo) pretende saber, em síntese, se se mantém a sua efetividade quando o contrato está praticamente executado no momento em que tenha de ser proferida uma decisão quanto à impugnação.

I –    Quadro jurídico

A –    Direito da União

1.      Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

3.        O primeiro e segundo parágrafos do artigo 47.° dispõem:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.»

2.      Diretiva 2004/18

4.        De acordo com o considerando 33:

«As condições de execução dos contratos serão compatíveis com a presente diretiva desde que tais condições não sejam direta ou indiretamente discriminatórias e venham indicadas no anúncio de concurso ou no caderno de encargos. Podem, nomeadamente, ter por objetivo fomentar a formação profissional prática, o emprego de pessoas com dificuldades especiais de inserção, a luta contra o desemprego ou a proteção do ambiente. A título de exemplo, poderão citar‑se, entre outras, as obrigações — aplicáveis à execução do contrato — de recrutamento de desempregados de longa duração ou de pôr em prática ações de formação para os desempregados ou jovens, de respeitar, na sua substância, as disposições das convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho, caso não tenham sido implementadas no direito nacional, ou de recrutamento de um número de pessoas deficientes superior ao exigido pela legislação nacional.»

5.        O considerando 39 afirma:

«A verificação da aptidão dos proponentes, nos concursos públicos, e dos candidatos, nos concursos limitados e nos procedimentos por negociação com publicação de um anúncio de concurso, bem como no diálogo concorrencial, e a respetiva seleção devem ser efetuadas em condições de transparência. Para tanto, importa indicar os critérios não discriminatórios que as entidades adjudicantes podem utilizar para selecionar os concorrentes e os meios que os operadores económicos podem utilizar para provar que satisfazem tais critérios. Nesta perspetiva de transparência, a entidade adjudicante terá a obrigação de indicar, desde a abertura de um concurso, os critérios de seleção que utilizará, bem como o nível de capacidades específicas que eventualmente exige aos operadores económicos para os admitir ao processo de adjudicação.»

6.        O artigo 26.° («Condições de execução do contrato») dispõe:

«As entidades adjudicantes podem fixar condições especiais de execução do contrato desde que as mesmas sejam compatíveis com o direito da União e sejam indicadas no anúncio de concurso ou no caderno de encargos. de execução de um contrato podem, designadamente, visar considerações de índole social e ambiental.»

7.        De acordo com o artigo 44.° intitulado «Verificação da aptidão, seleção dos participantes e adjudicação dos contratos», n.° 2:

«As entidades adjudicantes poderão exigir níveis mínimo de capacidade que os candidatos e proponentes devem satisfazer nos termos dos artigos 47.° e 48.°

O âmbito das informações referidas nos artigos 47.° e 48.°, bem como os níveis mínimos de capacidades exigido para um determinado concurso, devem estar ligados e ser proporcionais ao objeto do contrato.

Tais níveis mínimos serão indicados no anúncio do concurso.»

8.        O artigo 47.° («Capacidade económica e financeira») determina:

«1.      A prova da capacidade económica e financeira do operador económico pode ser feita, regra geral, por um ou mais dos elementos de referência seguintes:

a)      Declarações bancárias adequadas ou, se necessário, prova de que se encontra seguro contra riscos profissionais;

[…]

4.      As entidades adjudicantes devem especificar no anúncio de concurso ou no convite à apresentação de propostas qual o elemento ou elementos de referência previstos no n.° 1 que escolheram, bem como quaisquer outros elementos de referência que devam ser apresentados.

5.      Se, por motivo fundamentado, o operador económico não puder apresentar as referências pedidas pela entidade adjudicante, poderá provar a sua capacidade económica e financeira por qualquer outro documento que essa entidade considere adequado.»

3.      Diretiva 89/665 (4)

9.        De acordo com o artigo 1.° («Âmbito de aplicação e acesso ao recurso»), n.° 1:

«[…]

Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que, no que se refere aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18/CE, as decisões das entidades adjudicantes possam ser objeto de recursos eficazes e, sobretudo, tão céleres quanto possível, nos termos dos artigos 2.° a 2.°‑F da presente diretiva, com fundamento na violação, por tais decisões, do direito da União em matéria de contratos públicos ou das normas nacionais de transposição desse direito.»

10.      O artigo 2.° («Requisitos do recurso») dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que as medidas tomadas relativamente aos recursos a que se refere o artigo 1.° prevejam poderes para:

a)      Decretar, no mais curto prazo, mediante processo de urgência, medidas provisórias destinadas a corrigir a alegada violação ou a impedir que sejam causados novos danos aos interesses em causa, designadamente medidas destinadas a suspender ou a mandar suspender o procedimento de adjudicação do contrato público em causa ou a execução de quaisquer decisões tomadas pela entidade adjudicante;

b)      Anular ou mandar anular as decisões ilegais, incluindo suprimir as especificações técnicas, económicas ou financeiras discriminatórias que constem do convite à apresentação de propostas, dos cadernos de encargos ou de qualquer outro documento relacionado com o procedimento de adjudicação do contrato em causa;

c)      Conceder indemnizações aos lesados por uma violação.

[…]

4.      Salvo nos casos previstos no n.° 3 do presente artigo e no n.° 5 do artigo 1.°, o recurso não deve ter necessariamente efeitos suspensivos automáticos relativamente aos processos de adjudicação de contratos a que se refere.

[…]

6.      Os Estados‑Membros podem estabelecer que, caso seja pedida indemnização com fundamento no facto de uma decisão ter sido tomada ilegalmente, a decisão contestada deva primeiro ser anulada por uma instância com a competência necessária para esse efeito.

7.      Salvo nos casos previstos nos artigos 2.°‑D a 2.°‑F, os efeitos do exercício dos poderes a que se refere o n.° 1 do presente artigo sobre o contrato celebrado na sequência de uma adjudicação são determinados pelo direito interno.

Além disso, exceto se a decisão tiver de ser anulada antes da concessão de indemnização, os Estados‑Membros podem prever que, após a celebração do contrato nos termos do n.° 5 do artigo 1.°, do n.° 3 do presente artigo, ou dos artigos 2.°A a 2.° F, os poderes da instância responsável pelo recurso se limitem à concessão de indemnização aos lesados por uma violação.

8.      Os Estados‑Membros devem assegurar que as decisões tomadas pelas instâncias responsáveis pelo recurso possam ser executadas de modo efetivo.

[…]»

11.      O artigo 2.°‑D («Privação de efeitos») estabelece:

«1.      Os Estados‑Membros devem assegurar que o contrato seja considerado desprovido de efeitos por uma instância de recurso independente da entidade adjudicante ou que a não produção de efeitos do contrato resulte de uma decisão dessa instância de recurso em qualquer dos seguintes casos:

a)      Se a entidade adjudicante tiver adjudicado um contrato sem publicação prévia de um anúncio de concurso no Jornal Oficial da União Europeia sem que tal seja permitido nos termos da Diretiva 2004/18/CE;

b)      Em caso de violação do n.° 5 do artigo 1.°, do n.° 3 do artigo 2.°, ou do n.° 2 do artigo 2. ‑A da presente diretiva se essa violação tiver privado o proponente que interpôs recurso da possibilidade de prosseguir as vias de impugnação pré‑contratuais. Caso tal violação, conjugada com uma violação da Diretiva 2004/18/CE, tiver afetado as hipóteses do proponente que interpôs recurso de obter o contrato;

c)      Nos casos a que se refere o segundo parágrafo da alínea c) do artigo 2.°‑B da presente diretiva, se os Estados‑Membros tiverem invocado a exceção à aplicação do prazo suspensivo para os contratos baseados num acordo‑quadro e num sistema de aquisição dinâmico.

2.      As consequências decorrentes do facto de um contrato ser considerado desprovido de efeitos são estabelecidas pelo direito interno.

O direito interno pode dispor a anulação retroativa de todas as obrigações contratuais ou limitar a anulação às obrigações que ainda devam ser cumpridas. Neste último caso, os Estados‑Membros devem prever a aplicação de outras sanções na aceção do n.° 2 do artigo 2.°‑E.

3.      Os Estados‑Membros podem estabelecer que a instância de recurso independente da entidade adjudicante não possa considerar um contrato desprovido de efeitos, ainda que este tenha sido adjudicado ilegalmente pelos motivos mencionados no n.° 1, se a instância de recurso constatar, depois de analisados todos os aspetos relevantes, a existência de razões imperiosas de interesse geral que exijam a manutenção dos efeitos do contrato. Neste caso, os Estados‑Membros devem, em vez disso, prever a aplicação de sanções alternativas, na aceção do n.° 2 do artigo 2.°‑E.

O interesse económico na manutenção dos efeitos do contrato só pode ser considerado razão imperiosa se, em circunstâncias excecionais, a privação de efeitos acarretar consequências desproporcionadas.

No entanto, não deve constituir razão imperiosa de interesse geral o interesse económico diretamente relacionado com o contrato em causa. O interesse económico diretamente relacionado com o contrato inclui, designadamente, os custos resultantes de atraso na execução do contrato, os custos resultantes da abertura de um novo procedimento de adjudicação, os custos resultantes da mudança do operador económico que executa o contrato e os custos das obrigações legais resultantes da privação de efeitos.

[…]»

B –    Direito eslovaco

1.      Lei sobre os Contratos Públicos (a seguir «LCP»)

12.      O artigo 27.°, intitulado «Capacidade económica e financeira», dispõe:

«1.      A capacidade económica e financeira do operador económico pode ser provada, regra geral, através de:

a)      Declarações do banco ou de uma filial estrangeira do banco, eventualmente sob a forma de promessa de crédito por parte do banco;

[…]

3.      Se o proponente ou candidato não puder, por razões objetivas, demonstrar a sua capacidade económica e financeira através de um determinado documento, a administração adjudicante ou a entidade adjudicante pode admitir que tal prova seja apresentada através de qualquer outro documento.»

II – Matéria de facto e questão prejudicial

13.      A Slovenský futbalový zväz (Federação Eslovaca de Futebol) submeteu a concurso (5) um contrato para a «reestruturação, modernização e construção de estádios de futebol» (a seguir «contrato») (6), cujo objeto consistia em construir bancadas em dezasseis estádios de futebol (oito de categoria 2, sete de categoria 3 e um de categoria 4) (7).

14.      De acordo com o anúncio do concurso, os candidatos teriam de provar a sua capacidade económica e financeira através «da declaração do banco ou de uma filial estrangeira do banco relativa à concessão de um crédito no montante mínimo de 3 milhões de euros para o período de vigência da relação contratual (48 meses)» (8).

15.      Exigia‑se, especificamente, uma «declaração do banco (contrato de crédito ou contrato preliminar de crédito) tendo por objeto o compromisso do banco segundo o qual o proponente, em caso de aceitação da sua proposta, disporia financeiramente de recursos económicos suficientes para assegurar a execução do contrato por um montante mínimo de 3 milhões de euros. Deve depreender‑se do referido documento a disponibilidade dos recursos financeiros do proponente após a celebração do contrato. O documento deve ser confirmado por uma pessoa autorizada pelo banco para o efeito».

16.      As empresas INGSTEEL spol. s r.° e Metrostav, a.s (a seguir «Ingsteel e Metrostav»), participaram no concurso público sob forma de agrupamento de operadores económicos. O Instituto recusou a sua candidatura conjunta por não se encontrar verificado o requisito previsto na cláusula III.2.2. do anúncio do concurso.

17.      Concretamente, o Instituto não admitiu como prova da solvência económica e financeira da Ingsteel e da Metrostav a declaração de um banco sobre o regular cumprimento dos seus compromissos (que continha igualmente informação relativa à abertura de um crédito em conta corrente de montante superior a 5 milhões de euros), nem a declaração sob compromisso de honra das referidas empresas segundo a qual, se lhes fosse adjudicado o contrato, teriam na sua conta um montante mínimo de três milhões de euros, tanto no momento da celebração do contrato como durante todo o período da sua execução.

18.      A Ingsteel e a Metrostav recorreram para o Krajský súd Bratislava (Tribunal regional de Bratislava, República Eslovaca) para que anulasse a decisão que as excluía do concurso. Foi negado provimento ao recurso por sentença de 13 de janeiro de 2015.

19.      A sentença do Krajský súd v Bratislave (Tribunal regional de Bratislava) foi impugnada no Najvyšší súd (Tribunal Supremo), que manifesta dúvidas quanto à interpretação do artigo 47.° da Diretiva 2004/18, em particular, dos seus n.os 1, alínea a), e 4. Põe em causa que a atuação do Instituto esteja em conformidade com estas disposições quando, com base nos documentos apresentados pelo proponente, entende que este não provou que a sua situação económica e financeira cumpre as condições estabelecidas no anúncio de concurso.

20.      O Najvyšší súd (Tribunal Supremo) centra a sua atenção na necessidade de que se apresente, como documento justificativo da capacidade económica e financeira, uma promessa vinculativa de crédito, assim como na recusa em admitir a declaração de um banco nacional que, formalmente apresentada como promessa vinculativa de crédito, condiciona a concessão do crédito à verificação de determinados requisitos previstos num contrato posterior. Pergunta se, nestas circunstâncias, a capacidade económica e financeira pode ser provada através de elementos de referência alternativos e se seria suficiente uma declaração sob compromisso de honra na qual constasse a existência de uma relação de crédito com um banco, num montante superior ao pedido no anúncio de concurso.

21.      Por último, o órgão de reenvio pergunta se o facto de o contrato ter sido já praticamente executado constitui um obstáculo ao exercício da proteção jurisdicional exigida pela Diretiva 89/665, em conjugação com o artigo 47.° da Carta.

22.      O Najvyšší súd (Tribunal Supremo) submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Pode a forma de proceder de uma autoridade nacional que, no âmbito de um concurso público para um contrato com um valor estimado de 3 milhões de euros, considerou não preenchidos os requisitos do anúncio de concurso relativos à capacidade económica e financeira de um proponente, com base numa declaração sob compromisso de honra apresentada por este último e na informação fornecida pelo banco, segundo a qual o interessado podia obter um crédito bancário especial sem vínculo de afetação num montante limite que excede o montante do concurso, ser considerada conforme ao objetivo do artigo 47.° em particular dos seus n.os 1, alínea a) e 4, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços?

2)      Pode a situação no mercado dos serviços bancários de um Estado‑Membro em que o banco, na sua promessa vinculativa de crédito, subordina a concessão de recursos financeiros à satisfação das condições previstas no contrato de crédito, as quais não são concretamente especificadas no momento do concurso público, constituir, na aceção do artigo 47.°, n.° 5, da referida Diretiva 2004/18, um motivo fundamentado pelo qual o proponente não pode apresentar os documentos exigidos pela entidade adjudicante, ou seja, é possível, nessa situação, provar a sua capacidade económica e financeira através de uma declaração sob compromisso de honra que ateste a existência de uma relação de crédito suficiente com o banco?

3)      No âmbito da fiscalização jurisdicional da decisão da autoridade nacional para os contratos públicos de excluir um proponente, pode a circunstância de vários contratos se encontrarem já quase completamente executados pelo proponente adjudicatário ser considerada um impedimento objetivo, por força do qual o órgão jurisdicional nacional não pode dar cumprimento ao conteúdo do disposto no artigo 47.°, primeiro e segundo parágrafos, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, conjugado com os artigos 1.°, n.° 1, e 2.°, n.os 3, 6, 7 e 8 da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras de fornecimento?»

III – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

23.      O despacho de reenvio deu entrada na Secretaria do Tribunal em 11 de fevereiro de 2016.

24.      O Tribunal de Justiça pediu, em 23 de março de 2016, ao Najvyšší súd (Tribunal Supremo) que especificasse o montante do contrato objeto do litígio. Na resposta, de 25 de abril de 2016, foi afirmado que ascendia a 25 500 000 euros acrescido de IVA.

25.      O Governo eslovaco e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. A Ingsteel e a Metrostav recusaram intervir no processo prejudicial. Não foi considerada necessária a realização de uma audiência.

IV – Síntese das observações das partes

A –    Quanto à primeira questão prejudicial

26.      O Governo eslovaco defende que a declaração bancária a apresentar pelos proponentes deve incluir uma garantia superior a três milhões de euros durante todo o período de execução da relação contratual (quarenta e oito meses). Afirma que, embora o teor literal do artigo 47.°, n.os 1 e 4, da Diretiva 2004/18 não preveja essa condição, a sistemática e a finalidade desta última sustentam que o proponente tenha de dispor dos fundos necessários para o período de execução do contrato. Tal derivaria, analogicamente, do artigo 47.°, n.° 2, dessa mesma diretiva, quando admite que o proponente se apoie nas capacidades de outras entidades para a execução do contrato.

27.      De acordo com o Governo eslovaco, seria contrário ao princípio da eficácia do concurso que nele se participasse sem que a entidade adjudicante pudesse exigir a prova de uma efetiva capacidade económica e financeira para garantir a execução do contrato.

28.      A Comissão entende que o artigo 47.° da Diretiva 2004/18 se refere à capacidade económica e financeira do proponente no momento da adjudicação do contrato. A solvência económica e financeira durante o período da sua execução seria regulada, pelo contrário, pelo artigo 26.° da referida diretiva, relativo às condições de execução do contrato. Em todo o caso, considerando a redação da questão prejudicial, propõe analisar a condição imposta ao proponente, tanto sob a perspetiva do artigo 26.° como sob a perspetiva do artigo 47.° da Diretiva 2004/18.

29.      De acordo com a Comissão, o artigo 26.° da Diretiva 2004/18 exige que as condições de execução constem no anúncio do concurso, o que se verifica neste caso, e que sejam compatíveis com o direito da União. Fazendo referência a jurisprudência do Tribunal de Justiça, defende que, como a Diretiva 2004/18 não regula de forma exaustiva as condições especiais de execução, estas podem ser analisadas de acordo com o direito primário da União.

30.      Analisando a questão sob a perspetiva do artigo 47.° da Diretiva 2004/18, a Comissão, depois de aceitar a ampla margem de apreciação da entidade adjudicante, destaca que o referido artigo se centra nos meios para provar a solvência económica e financeira. Duvida de que o anúncio de concurso tivesse expressado com clareza a necessidade de dispor de um crédito vinculado ao cumprimento do contrato (o que permitiria à entidade adjudicante ter a certeza de que os meios financeiros disponibilizados pelo banco seriam efetivamente utilizados na execução do contrato). Em sua opinião, como as condições de participação têm de ser expostas com clareza e precisão no anúncio de concurso, não é possível excluir um proponente por não ter apresentado prova da concessão de um crédito destinado ao cumprimento do contrato, exceto se essa imposição tiver sido referida de forma precisa e inequívoca no referido anúncio.

B –    Quanto à segunda questão prejudicial

31.      De acordo com o Governo eslovaco, o agrupamento constituído pela Ingsteel e pela Metrostav entregou a documentação justificativa da sua solvência económica e financeira na data de apresentação das propostas, mas não provou que teria fundos durante o período de execução do contrato, pelo que não cumpriu as condições do concurso.

32.      Quanto à possibilidade de aceitar uma declaração sob compromisso de honra, como meio para demonstrar a solvência ao abrigo do artigo 47.°, n.° 5, da Diretiva 2004/18, o Governo eslovaco nega que se tivessem verificado circunstâncias que o justificassem, baseando‑se na análise da prática bancária eslovaca sobre a obtenção de créditos com vínculo de afetação.

33.      A Comissão considera motivo suficiente para a aplicação do artigo 47.°, n.° 5, da Diretiva 2004/18 a existência de factos objetivos, não imputáveis ao proponente, que o impeçam de apresentar os documentos exigidos pela entidade adjudicante para justificar a sua capacidade económica e financeira.

C –    Quanto à terceira questão prejudicial

34.      O Governo eslovaco afirma que a Diretiva 89/665 não atribui efeitos suspensivos aos recursos interpostos contra as decisões de adjudicação de contratos públicos e prevê mecanismos tanto para a anulação da decisão de adjudicação ou de formalização do contrato, como para o reconhecimento de uma indemnização.

35.      A Comissão entende que, com a questão prejudicial, o órgão de reenvio pretende saber se a execução do contrato, apesar da decisão de exclusão de um proponente ter sido impugnada, constitui motivo suficiente para suspender o processo judicial. Afirma que a Diretiva 89/665 não constitui base suficiente para tal suspensão.

V –    Apreciação

A –    Quanto à primeira questão prejudicial

36.      Embora não seja fácil traçar uma linha divisória, se é que ela existe, entre a aplicação, por um lado, e a interpretação, por outro, das normas jurídicas, compete ao órgão de reenvio aplicar o seu direito interno (incluindo, neste caso, as cláusulas do anúncio de concurso) e ao Tribunal de Justiça fornecer‑lhe a interpretação do artigo 47.°, n.os 1, alínea a) e 4, da Diretiva 2004/18. Não compete ao Tribunal de Justiça, mas sim ao órgão jurisdicional nacional, avaliar se a documentação apresentada pelas Ingsteel e a Metrostav para justificar a sua capacidade económica e financeira cumpria o anúncio de concurso.

37.      Faço esta observação porque, na primeira questão prejudicial, o órgão de reenvio afirma que a autoridade nacional de adjudicação tinha considerado que a proposta da Ingsteel e da Metrostav não cumpria um dos requisitos do anúncio de concurso. Se esta decisão é juridicamente correta, ou não, é algo que apenas os tribunais nacionais podem esclarecer. Ao interpretar a Diretiva 2004/18, o Tribunal de Justiça pode fornecer‑lhes algumas orientações hermenêuticas, mas não pode substituí‑los nas suas funções próprias, nomeadamente a de analisar pormenorizadamente a documentação que o proponente excluído tenha apresentado e determinar se se enquadra nos termos concretos do anúncio.

38.      De acordo com os artigos 44.° e 47.° da Diretiva 2004/18, para verificar a aptidão daqueles que pretendem a adjudicação de um contrato podem ser‑lhes exigidos níveis mínimos de capacidade económica e financeira, cuja prova tem de ser feita através dos elementos de referência especificados no anúncio de concurso (n.os 1 e 4 do artigo 47.°), ou através de outros documentos que a entidade adjudicante considere adequados (n.° 5).

39.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça está assente ao afirmar que o artigo 47.° da Diretiva 2004/18 «confere uma ampla liberdade às entidades adjudicantes», uma vez que, contrariamente ao artigo 48.°, as «autoriza expressamente […] a escolher as referências comprobatórias que devem ser apresentadas pelos candidatos ou proponentes para justificarem a sua capacidade económica e financeira. Referindo‑se o artigo 44.°, n.° 2, da Diretiva 2004/18 a esse artigo 47.°, a mesma liberdade de escolha existe no respeitante aos níveis mínimos de capacidade económica e financeira» (9).

40.      A cláusula III.2.2 do anúncio de concurso exigia, como elemento de referência da capacidade económica e financeira dos proponentes, que no certificado bancário expressivo da concessão de um crédito no montante mínimo de três milhões de euros constasse que a sua eficácia teria de se manter «durante o período de execução da relação contratual (48 meses)».

41.      Não há discussão entre as partes quanto ao nível de solvência necessário (que se traduz no montante do crédito bancário) nem quanto ao requisito de que fosse comprovado através de um documento emitido pela entidade financeira. A controvérsia circunscreve‑se ao âmbito temporal da cobertura bancária pedida no anúncio de concurso: a disponibilidade do crédito tinha de manter‑se «durante o período de execução da relação contratual», ou seja, durante os quarenta e oito meses nos quais se teria de executar o contrato. Esta exigência concreta viola os artigos 44.° e 47.° da Diretiva 2004/18? Pelos motivos que seguidamente exporei, entendo que não.

42.      A Comissão, como já referi, distingue entre os regimes dos artigos 26.° e 47.° da Diretiva 2004/18: este último destinar‑se‑ia a justificar a capacidade económica e financeira do proponente no momento da adjudicação do contrato, enquanto o artigo 26.° seria o adequado para definir as condições relativas ao período da sua execução.

43.      Não partilho desta opinião. O artigo 26.° da Diretiva 2004/18 coloca a ênfase em determinadas condições especiais de execução do contrato e reflete‑se, curiosamente, em objetivos de tipo social ou ambiental. A leitura do seu considerando 33 (10) é esclarecedora quando se refere ao facto de que as condições de execução de um contrato, «[p]odem, nomeadamente, ter por objetivo fomentar a formação profissional prática, o emprego de pessoas com dificuldades especiais de inserção, a luta contra o desemprego ou a proteção do ambiente».

44.      Os artigos 44.° e 47.° da Diretiva 2004/18, pelo contrário, ao exigirem determinados níveis mínimos de capacidade, pressupõem que a sua prova tem de dizer respeito ao período de execução do contrato. Não seria razoável pedir a solvência apenas no momento da adjudicação e que a entidade adjudicante ficasse privada do poder de exigir garantias de que a capacidade económica e financeira do futuro adjudicatário se manterá durante o período de execução do contrato.

45.      Na minha opinião, é coerente com esta interpretação que o artigo 47.°, n.° 4, da Diretiva 2004/18 permita, como expressão da ampla liberdade de apreciação concedida à entidade adjudicante, acrescentar aos elementos de justificação previstos no n.° 1 «quaisquer outros elementos de referência», assim como o n.° 2 do mesmo artigo autoriza «recorrer às capacidades de outras entidades», se se provar à entidade adjudicante que, com a sua intervenção, o proponente terá os recursos para cumprir o seu compromisso.

46.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça disponibiliza indícios importantes sobre o objetivo desta regulamentação. Durante a vigência da Diretiva 92/50/CEE (11), o acórdão Holst Italia (12) afirmou que «compete à entidade adjudicante […] verificar a aptidão dos prestadores de serviços de acordo com os critérios enumerados. Esta verificação tem nomeadamente por objetivo dar à entidade adjudicante a garantia de que o proponente disporá efetivamente, durante o período coberto pelo contrato dos meios, qualquer que seja a sua natureza, por ele invocados». E também declarou, quanto às capacidades decorrentes da vinculação com outras entidades, que, «para demonstrar as suas capacidades financeiras, económicas e técnicas com vista a ser admitida a participar num concurso, […] compete‑lhe provar que pode efetivamente dispor dos meios desses organismos ou empresas que lhe não pertencem a título próprio e que são necessários para a execução do contrato» (13).

47.      Este entendimento de que a capacidade deve ser avaliada enquanto indicador da aptidão para o cumprimento correto do contrato está também presente na jurisprudência que interpretou a Diretiva 2004/18. No acórdão de 18 de outubro de 2012, Édukövízig e Hochtief Solutions (14), o Tribunal de Justiça esclareceu que os elementos selecionados pela entidade adjudicante (nesse caso, integrados no balanço das empresas) «para formular um nível mínimo de capacidade económica e financeira devem ser objetivamente adequados a dar informação sobre esta capacidade por parte de um operador económico e que o limiar assim fixado deve ser ajustado à importância do contrato em questão, no sentido de que constitui objetivamente um indício positivo da existência de uma base económica e financeira bastante para levar a bom termo a execução deste contrato» (15).

48.      Por último, o Tribunal de Justiça, noutros processos em que analisou a possibilidade de que os proponentes recorram às capacidades de terceiros, condiciona essa opção a que provem à entidade adjudicante que disporão dos meios necessários para a execução desse contrato (16). Quando estejam em causa meios financeiros ou económicos, é razoável que a sua duração não seja efémera, mas sim que se mantenha até ao término das obrigações contratuais.

49.      Na minha opinião, os artigos 44.° e 47.° da Diretiva 2004/18, ao mesmo tempo que permitem às entidades adjudicantes que exijam aos proponentes um nível mínimo de capacidade económica e financeira, habilitam‑nas também a requerer, nos anúncios correspondentes, a apresentação de determinadas provas justificativas de uma base económica e financeira suficiente para a execução do contrato, durante todo o período de tempo para ela previsto. Ao especificarem esta exigência, as entidades adjudicantes beneficiam, como foi referido, de uma ampla liberdade de apreciação.

50.      No exercício dessa liberdade de configurar as condições de solvência e os meios de a justificar, entendo que a entidade adjudicante podia, neste caso, pedir os documentos bancários nos mesmos termos em que o fazia a cláusula III.2.2 do anúncio de concurso, uma vez que:

–        O montante de crédito, até três milhões de euros, estava vinculado e era proporcional ao objeto do contrato (cujo montante global ascendia a mais de vinte e cinco milhões de euros), como determina o artigo 44.°, n.° 2, da Diretiva 2004/18.

–        O período a que tinha de ser alargada essa garantia de solvência, conferida por um banco, coincidia com o período de execução do contrato, o que, repito, é coerente (e razoável) à luz de tudo o que precede.

51.      Assentes estas premissas, compete ao órgão jurisdicional a quo decidir se, em concreto, as provas documentais apresentadas pela Ingsteel e a Metrostav cumpriam as exigências do concurso relativas à sua capacidade económica e financeira, incluindo a relativa ao alargamento do período do crédito bancário e à sua afetação ao cumprimento do contrato durante o tempo necessário para a sua execução.

B –    Quanto à segunda questão prejudicial

52.      O artigo 47.°, n.° 5, da Diretiva 2004/18 prevê que «[s]e, por motivo fundamentado, o operador económico não puder apresentar as referências pedidas pela entidade adjudicante, poderá provar a sua capacidade económica e financeira por qualquer outro documento que essa entidade considere adequado».

53.      A aplicação desta disposição ao processo dos autos implicaria considerar que a Ingsteel e a Metrostav não se encontravam em situação de assumir as condições «normais» que a entidade adjudicante tinha estabelecido para provar a sua capacidade económica e financeira. Tal seria o caso se, na Eslováquia, um proponente não pudesse obter das entidades financeiras um crédito vinculado ao cumprimento do contrato, nos termos exigidos pela cláusula III.2.2 do anúncio de concurso.

54.      Neste contexto, o tribunal a quo pergunta se seria eficaz uma declaração sob compromisso de honra do proponente em que afirmasse que, se lhe fosse adjudicado o contrato de empreitada de obras, disporia na sua conta de um montante mínimo de três milhões de euros, correspondente à importância de crédito exigida, tanto no momento da sua celebração com a entidade adjudicante como durante todo o período da sua execução.

55.      A aplicação do artigo 47.°, n.° 5, da Diretiva implica, em primeiro lugar, que o operador económico não pode reunir as referências pedidas pela entidade adjudicante. E, em segundo lugar, que essa impossibilidade se deve a um «motivo fundamentado». Apenas quando ambas as circunstâncias se verificarem é possível recorrer a outros meios alternativos para provar a solvência.

56.      Assim, no caso dos autos, teria que se provar a impossibilidade «objetiva» (17) de obter um crédito bancário vinculado ao cumprimento do contrato, durante o seu período de execução. Trata‑se de uma constatação puramente fáctica, que compete ao órgão jurisdicional nacional determinar. Deverá analisar se a prática bancária na Eslováquia impede que as empresas proponentes, como a Ingsteel e a Metrostav, obtenham uma declaração bancária nos termos previstos no caderno de encargos (18).

57.      Se o tribunal de reenvio concluísse que é possível obter, no referido país, tal compromisso bancário, o argumento para aplicar a previsão do n.° 5 do artigo 47.° da Diretiva 2004/18 simplesmente não existiria.

58.      Pelo contrário, se fosse impossível conseguir esse compromisso bancário, poderia efetuar‑se a avaliação dos meios alternativos que o proponente tivesse apresentado para provar a sua solvência. Importa sublinhar, no entanto, que a impossibilidade de apresentar as referências exigidas no caderno de encargos deve ser analisada sob o ponto de vista objetivo: não constituiria um «motivo fundamentado» o simples facto de que, devido a circunstâncias particulares caracterizadas precisamente pela insuficiência de recursos económicos, as empresas proponentes não pudessem ter tido acesso a um crédito bancário que correspondesse às cláusulas do caderno de encargos.

59.      De acordo com o despacho de reenvio, o proponente apresentou, como meio alternativo, a declaração sob compromisso de honra a que já fiz referência. A eficácia dessa autodeclaração de solvência deve ser analisada, em primeiro lugar, pela entidade adjudicante, a quem compete, de acordo com o artigo 47.°, n.° 5, in fine, da Diretiva 2004/18, avaliar se o documento é «adequado» para esse efeito.

60.      A decisão de não aceitar esse documento pode, logicamente, ser impugnada no órgão jurisdicional nacional, que, por sua vez, deverá analisar os seus motivos e a sua fundamentação ao determinar se a entidade adjudicante ultrapassou a margem de apreciação que o artigo 47.°, n.° 5, in fine, lhe confere para «considerar adequado» o meio de prova alternativo apresentado pelo proponente. Mais uma vez, o Tribunal de Justiça não pode substituir o juiz nacional nessa decisão, muito ligada à matéria de facto, nem determinar se a declaração sob compromisso de honra do proponente constitui, num caso concreto, uma garantia económica e financeira suficiente para a execução do contrato.

C –    Quanto à terceira questão prejudicial

61.      Concordo com o Governo eslovaco quanto ao facto de a terceira questão do Najvyšší súd (Tribunal Supremo) não ser muito clara, tanto quanto aos factos que descreve como quanto ao seu próprio conteúdo.

62.      No que diz respeito aos factos, o órgão de reenvio transcreve, por um lado, a opinião do Instituto, de acordo com a qual a situação era «irreversível, e não pode ser alterada nem sequer em caso de uma decisão que implique a alteração da adjudicação do contrato por parte do Conselho do Instituto», uma vez que os contratos estavam já em curso de execução (19). Por outro lado, o despacho admite, como premissa da questão prejudicial, a hipótese de que «o objeto do exame do procedimento administrativo inicial tenha desaparecido, isto é, a participação num concurso público, ou seja, [que] a possibilidade de reabrir o concurso inicial, fique excluída pela execução do contrato por parte do adjudicatário».

63.      Neste contexto, o que parece interessar ao tribunal de reenvio é se, de acordo com o artigo 47.° da Carta conjugado com o artigo 1.°, n.° 1, e o artigo 2.°, n.os 3, 6, 7 e 8, da Diretiva 89/665, o facto de que o contrato esteja praticamente executado constitui um obstáculo para que o proponente excluído intente as ações pertinentes (recursos) contra o ato de adjudicação, incluindo a declaração da sua nulidade.

64.      Os artigos da Diretiva 89/665 transcritos pelo órgão de reenvio correspondem à sua versão original, que já não se encontrava em vigor na data do concurso público (16 de novembro de 2013). As referências legais têm, portanto, de ser adaptadas ao texto consolidado após a entrada em vigor da reforma realizada pela Diretiva 2007/66 (20).

65.      Nas conclusões do processo Connexxion Taxi Services (21) sublinhei que, «[p]erante as decisões das entidades adjudicantes (quando se trate, obviamente, de contratos incluídos no âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18), os Estados têm de garantir que os interessados dispõem de mecanismos de recurso adequados para julgar, com rapidez e eficácia, se aquelas violam o direito da União em matéria de adjudicação de contratos públicos ou as normas nacionais que o transpõem para os seus respetivos ordenamentos. Este é, afinal, o objetivo da Diretiva 89/665».

66.      Com esse objetivo geral, o artigo 2.° da Diretiva 89/665 prevê dois cenários processuais distintos: a) o processo de urgência que permite adotar medidas provisórias na fase prévia à celebração do contrato e b) os restantes processos de recurso, que visam obter a anulação do ato administrativo de adjudicação e, se for o caso, obter uma indemnização, admitindo‑se que a decisão do órgão de recurso se limite a esta última.

67.      Ora, como a ação intentada pela Ingsteel e pela Metrostav nos tribunais eslovacos foi a de anulação, a eventual procedência das suas pretensões deveria permitir, em princípio, a declaração da nulidade do ato de adjudicação do contrato (22). No entanto, o tribunal de reenvio estaria a dar por adquirido (23) que uma declaração de nulidade não implicaria, na prática, a retroação do processo, de forma que fosse possível reverter a conjuntura criada.

68.      Como o artigo 2.°, n.° 4, da Diretiva 89/665 aceita que a interposição de um recurso não tem efeitos suspensivos automáticos, é lógico que a diretiva preveja a possibilidade de que o exercício da ação de anulação abranja um contrato que está em curso de execução ou foi já executado.

69.      Na realidade, a Diretiva 89/665 não adota uma solução unívoca a este respeito. Em algumas situações (artigos 2.°‑D a 2.°‑F) é aplicável a regulamentação da própria diretiva (24) que admite, até, que as instâncias de recurso dos Estados não declarem o contrato desprovido de efeitos, ainda que este tenha sido adjudicado ilegalmente, se se verificar a existência de razões imperiosas de interesse geral que exijam a manutenção dos seus efeitos, sem prejuízo da imposição das sanções e das indemnizações correspondentes (25). Noutras, pelo contrário (artigo 2.°, n.° 7, da Diretiva), são as regras do direito interno que determinam as repercussões que os recursos terão nos contratos celebrados.

70.      Deste leque de possibilidades, a que terá de se limitar o órgão jurisdicional de reenvio (ou a instância de recurso), o que seria inadmissível é que a situação de facto em que se encontre a execução do contrato possa ser tratada como um obstáculo insuperável para determinar se a decisão que excluiu o proponente foi conforme ao direito. Seja qual for a solução processual mais concordante com a Diretiva 89/665 (e com o direito interno que a transpõe), assim como as suas consequências práticas nos efeitos do contrato, subsistirá o interesse dos recorrentes em conseguir a decisão judicial devida, para obterem, pelo menos, caso a sua ação seja procedente, as indemnizações decorrentes da sua exclusão, de forma ilegal, do processo de seleção.

71.      Compete, também, ao juiz nacional avaliar as repercussões de uma hipotética declaração de nulidade da decisão de adjudicação do contrato celebrado.

VI – Conclusão

72.      Atendendo a todas as considerações efetuadas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Najvyšší súd Slovenskej republiky (Tribunal Supremo da República Eslovaca) nos seguintes termos:

«1)      O artigo 47.°, em particular, os n.os 1, alínea a), e 4, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, não se opõe a que um anúncio de concurso inclua, como requisitos relativos à capacidade económica e financeira do adjudicatário, os que constavam no anúncio que deu origem ao processo principal. Compete ao juiz nacional determinar se os proponentes excluídos cumpriam os referidos requisitos.

2)      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio avaliar se se verificava um ‘motivo justificado’, nos termos do artigo 47.°, n.° 5, da Diretiva 2004/18/CE, que impedisse um proponente de apresentar as referências pedidas pela entidade adjudicante. Em caso afirmativo, compete‑lhe também avaliar se, de acordo com o direito eslovaco, uma declaração sob compromisso de honra do proponente relativa à sua solvência poderia ser admitida como garantia económica e financeira adequada.

3)      O facto de que o contrato tenha sido quase completamente executado pelo adjudicatário selecionado não impede o exercício, pelos proponentes excluídos, das ações previstas, em aplicação do artigo 47.°, primeiro e segundo parágrafos, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em conjugação com os artigos 1.° e 2.° da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras de fornecimento.»


1 Língua original: espanhol.


2 Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114).


3 Diretiva do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras de fornecimento (JO 1989, L 395, p. 33).


4 O texto é transcrito é o da Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007, que altera as Diretivas 89/665/CEE e 92/13/CEE do Conselho no que diz respeito à melhoria da eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos (JO 2007, L 335, p. 31).


5 Embora a Slovenský futbalový zväz (Federação Eslovaca de Futebol) tenha intervindo como entidade adjudicante, o órgão de contratação foi o Úrad pre verejné obstarávaine (Instituto dos Contratos Públicos, a seguir «Instituto»).


6 O anúncio de concurso foi publicado em 16 de novembro de 2013 no suplemento do Jornal Oficial da União Europeia n.° 223/2013 e no Jornal Oficial dos Contratos Públicos eslovaco (referência 18627‑MSP).


7 A classificação dos estádios de futebol consta do Regulamento da UEFA aprovado em reunião de 24 de março de 2010. São estabelecidas quatro categorias ascendentes, de 1 a 4, em função de critérios relativos à área destinada aos jogadores e ao pessoal de serviço (incluindo a capacidade de estacionamento), aos espetadores e aos meios de comunicação.


8 Cláusula III.2.2.


9 Acórdão de 18 de outubro de 2012, Édukövízig e Hochtief Solutions (C‑218/11, EU:C:2012:643, n.° 28).


10 Referido expressamente pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 17 de novembro de 2015, RegioPost (C‑115/14, EU:C:2015:760, n.° 56).


11 Diretiva do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO 1992, L 209, p. 1).


12 Acórdão de 2 de dezembro de 1999 (C‑176/98, EU:C:1999:593, n.° 28). O sublinhado é meu.


13 As conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo Holst Italia (C‑176/98, EU:C:1999:447) contêm, nos seus n.os 24 a 26, orientações úteis sobre os poderes da entidade adjudicante para avaliar a aptidão dos concorrentes para executar os contratos da maneira desejada. Este é o objetivo dos artigos 31.° e 32.° da Diretiva 92/50 (relativos à capacidade económico‑financeira e técnica, respetivamente) quando visam «proteger o interesse das entidades adjudicantes contra a candidatura de operadores económicos mais preocupados em obter a atribuição de contratos remuneradores do que em assegurar o encargo principal, isto é a sua execução conscienciosa».


14 Processo C‑218/11, EU:C:2012:643, n.° 29.


15 O sublinhado é meu. Esta foi a ratio decidendi do acórdão e que foi refletida na resposta ao pedido de decisão prejudicial.


16 Acórdãos de 10 de outubro de 2013, Swm Costruzioni e Mannocchi Luigino (C‑94/12, EU:C:2013:646, n.° 29); de 14 de janeiro de 2016, Ostas celtnieks (C‑234/14, EU:C:2016:6, n.° 23); e de 7 de abril de 2016, Partner Apelski Dariusz (C‑324/14, EU:C:2016:214, n.° 33).


17 No n.° 16 do despacho de reenvio são utilizados, precisamente, os termos «impossibilidade objetiva de obter a documentação exigida pela entidade adjudicante».


18 De acordo com o despacho de reenvio, n.° 20, «o Instituto baseou‑se nos esclarecimentos de dois bancos eslovacos, que se exprimiram sobre a possibilidade de obter uma promessa de crédito não vinculativa e uma promessa vinculativa, e sobre a diferença entre estas duas opções».


19 O despacho reproduz as seguintes observações do Instituto: «em 3 de agosto de 2014, a entidade adjudicante celebrou […] um Acordo‑quadro, nos termos do qual foram sucessivamente celebrados quatro contratos públicos para a construção dos seguintes estádios: NTC Poprad, em 15 de agosto de 2014. Estádio de futebol de Bardejov, em 24 de fevereiro de 2015. Estádio de futebol de Zvolene, em 20 de maio de 2015. Estádio de futebol de Podbrezová, em 22 de maio de 2015».


20 V. nota 4 destas conclusões.


21 Processo C‑171/15, EU:C:2016:506.


22 Nas conclusões do processo Prezes Urzędu Komunikacji Elektronicznej e Petrotel (C‑231/15, EU:C:2016:440, n.os 62 a 69), expus que, como regra geral, da declaração de nulidade de uma decisão administrativa decorre a produção de efeitos retroativos de modo que, na ausência de uma medida provisória de suspensão da sua eficácia, a invalidade da decisão administrativa implica a obrigação de anular, desde o seu início, os seus efeitos. Esta regra geral admite, no entanto, algumas exceções que não são desconhecidas do direito da União e referia, precisamente, o âmbito da contratação administrativa e o sistema de recursos introduzido na Diretiva 89/665 pela Diretiva 2007/66.


23 O Instituto afirmou, de acordo com a transcrição feita no n.° 23 do despacho de reenvio, que «depois de se tornar definitiva [sic] a decisão do Instituto sobre a reclamação, a entidade continuou o processo do contrato público».


24 Sobre a ação de anulação e a privação de efeitos dos contratos celebrados, o acórdão de 11 de setembro de 2014, Fastweb (C‑19/13, EU:C:2014:2194, n.° 42), indica que «para as situações referidas, nomeadamente, no artigo 2.°‑D da referida Diretiva [89/665], as medidas que podem ser tomadas para efeitos dos recursos interpostos contra as entidades adjudicantes são determinadas apenas segundo as regras previstas por esta diretiva».


25 Artigo 2.°‑D, n.° 3. O n.° 2 desse mesmo artigo autoriza que as legislações internas prevejam «a anulação retroativa de todas as obrigações contratuais» ou a limitação «[d]a anulação às obrigações que ainda devam ser cumpridas».