Language of document : ECLI:EU:C:2017:74

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

1 de fevereiro de 2017 *(1)

«Reenvio prejudicial — Segurança social — Regulamento (CEE) n.° 1408/71 — Componente de cuidados do subsídio de subsistência para deficientes (disability living allowance) — Pessoa segurada contra o risco de velhice e que deixou de exercer definitivamente qualquer atividade profissional — Conceitos de ‘prestação de doença’ e de ‘prestação de invalidez’ — Exportabilidade»

No processo C‑430/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido), por decisão de 29 de julho de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de agosto de 2015, no processo

Secretary of State for Work and Pensions

contra

Tolley,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev (relator), C. G. Fernlund e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de junho de 2016,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Sr.a Tolley (falecida, representada no processo pelo administrador da sua herança), por R. Drabble, QC, e T. Buley, barrister, mandatados por S. Clarke, solicitor,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por M. Holt e C. Crane, na qualidade de agentes, assistidos por B. Kennelly, QC, e D. Blundell, barrister,

–        em representação do Governo norueguês, por P. Wennerås, M. Schei e C. Rydning, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por D. Martin e J. Tomkin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de outubro de 2016,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 307/1999 do Conselho, de 8 de fevereiro de 1999 (JO 1999, L 38, p. 1) (a seguir «Regulamento n.° 1408/71»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Secretary of State for Work and Pensions (Ministro do Trabalho e das Pensões, Reino Unido, a seguir «ministro») à Sr.a Tolley, falecida em 10 de maio de 2011 e representada no processo principal pelo seu marido, enquanto administrador da herança da Sr.a Tolley, a propósito da supressão do seu direito a receber a componente de cuidados do subsídio de subsistência para deficientes (disability living allowance, a seguir «DLA»), por já não preencher as condições de residência e de presença na Grã‑Bretanha.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O Regulamento n.° 1408/71 foi substituído pelo Regulamento (CE) n.° 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1; retificação no JO 2004, L 200, p. 1) aplicável a partir de 1 de maio de 2010. Porém, atendendo à data dos factos do litígio no processo principal, este continua a ser regido pelo Regulamento n.° 1408/71.

4        O artigo 1.° deste regulamento prevê:

«Para efeitos de aplicação do presente regulamento:

a)      As expressões «trabalhador assalariado» e ‘trabalhador não assalariado’ designam respetivamente qualquer pessoa:

i)      que esteja abrangida por um seguro obrigatório ou facultativo continuado contra uma ou mais eventualidades correspondentes aos ramos de um regime de segurança social aplicável aos trabalhadores assalariados ou não assalariados ou de um regime especial dos funcionários públicos.

ii)      que esteja abrangida por um seguro obrigatório contra uma ou mais eventualidades correspondentes aos ramos a que se aplica o presente regulamento, no âmbito de um regime de segurança social aplicável a todos os residentes ou ao conjunto da população ativa:

–        quando os modos de gestão ou financiamento desse regime permitem identificá‑la como trabalhador assalariado ou não assalariado,

ou

–        na falta de tais critérios, quando estiver abrangida por um seguro obrigatório ou facultativo continuado contra uma outra eventualidade mencionada no anexo I, no âmbito de um regime organizado em benefício dos trabalhadores assalariados ou não assalariados, ou por um dos regimes referidos na subalínea iii) ou, na ausência de um tal regime no Estado‑Membro em causa, quando a pessoa corresponder à definição apresentada no [A]nexo I;

[…]

[…]

o)      A expressão «instituição competente» designa:

i)      a instituição em que o interessado estiver inscrito no momento do pedido das prestações,

[…]

[…]

q)      A expressão «Estado competente» designa o Estado‑Membro em cujo território se encontra a instituição competente;

[…]»

5        O artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71 estabelece:

«O presente regulamento aplica‑se aos trabalhadores assalariados ou não assalariados e aos estudantes que estejam ou tenham estado sujeitos à legislação de um ou vários Estados‑Membros e sejam nacionais de um dos Estados‑Membros, ou sejam apátridas ou refugiados residentes no território de um dos Estados‑Membros, bem como aos membros e membros sobrevivos da sua família.»

6        O artigo 4.° do referido regulamento enuncia:

«1.      O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a:

a)      Prestações de doença e de maternidade;

b)      Prestações de invalidez, incluindo as que são destinadas a manter ou a melhorar a capacidade de ganho;

c)      Prestações de velhice;

[…]

2.      O presente regulamento aplica‑se aos regimes de segurança social, gerais e especiais, contributivos e não contributivos, bem como aos regimes relativos às obrigações da entidade patronal ou do armador que tenham por objeto as prestações referidas no n.° 1.

[…]»

7        O artigo 10.°, n.° 1, primeiro parágrafo, deste mesmo regulamento, tem a seguinte redação:

«Salvo disposição contrária do presente Regulamento, as prestações pecuniárias de invalidez, velhice ou sobrevivência, as rendas por acidente de trabalho ou doença profissional e os subsídios por morte adquiridos ao abrigo da legislação de um ou mais Estados‑Membros não podem sofrer qualquer redução, modificação, suspensão, supressão ou confisco, pelo facto de o beneficiário residir no território de um Estado‑Membro que não seja aquele em que se encontra a instituição devedora.»

8        O artigo 13.° do Regulamento n.° 1408/71 dispõe:

«1.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.°‑C e 14.°‑F, as pessoas às quais se aplica o presente regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Esta legislação é determinada de acordo com as disposições do presente título.

2.      Sem prejuízo dos artigos 14.° a 17.°:

a)      A pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado, mesmo se residir no território de outro Estado‑Membro ou se a empresa ou entidade patronal que a emprega tiver a sua sede ou domicílio no território de outro Estado‑Membro;

[…]

f)      A pessoa à qual a legislação de um Estado‑Membro deixa de ser aplicável, sem que lhe seja aplicável a legislação de um outro Estado‑Membro em conformidade com uma das regras enunciadas nas alíneas precedentes ou com uma das exceções ou regras especiais constantes dos artigos 14.° a 17.°, está sujeita à legislação do Estado‑Membro no território do qual reside, de acordo com as disposições desta legislação.»

9        O título III do Regulamento n.° 1408/71, sob a epígrafe «Disposições especiais relativas às diferentes categorias de prestações» está dividido em oito capítulos, respeitando o primeiro à doença e à maternidade. Da secção 2 deste capítulo, sob a epígrafe «Trabalhadores assalariados ou trabalhadores não assalariados e membros da sua família», consta o artigo 19.° deste regulamento, que dispõe, no seu n.° 1:

«O trabalhador assalariado ou não assalariado que resida no território de um Estado‑Membro que não seja o Estado competente e que preencha as condições exigidas pela legislação do Estado competente para ter direito às prestações, tendo em conta, quando necessário, o disposto no artigo 18.°, beneficiará no Estado em que reside:

[…]

b)      Das prestações pecuniárias concedidas pela instituição competente, em conformidade com as disposições da legislação por ela aplicada. Todavia, por acordo entre a instituição competente e a instituição do lugar de residência, essas prestações podem ser concedidas pela última instituição, por conta da primeira, nos termos da legislação do Estado competente.»

10      O artigo 22.° do referido regulamento, incluído nesta mesma secção, enuncia:

«1.      O trabalhador assalariado ou não assalariado que preencha as condições exigidas pela legislação do Estado competente para ter direito às prestações, tendo em conta, quando necessário, o disposto no artigo 18.°, e:

[…]

b)      Que, depois de ter adquirido o direito às prestações a cargo da instituição competente, seja autorizado por esta instituição a regressar ao território do Estado‑Membro em que reside ou a transferir a residência para o território de outro Estado‑Membro

[…]

terá direito:

[…]

ii)      Às prestações pecuniárias concedidas pela instituição competente, nos termos da legislação por ela aplicada. Todavia, por acordo entre a instituição competente e a instituição do lugar de estada ou de residência, essas prestações podem ser concedidas pela última instituição, por conta da primeira, em conformidade com as disposições da legislação do Estado competente.

2.      A autorização exigida nos termos do n.°1, alínea b) apenas pode ser recusada se se considerar que a deslocação do interessado é suscetível de comprometer o seu estado de saúde ou a aplicação do tratamento médico.

[…]»

11      O artigo 89.° do Regulamento n.° 1408/71 tem a seguinte redação:

«As modalidades especiais de aplicação das legislações de determinados Estados‑Membros constam do anexo VI.»

12      O anexo I do Regulamento n.° 1408/71, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação pessoal do regulamento», inclui uma rubrica O, relativa ao Reino Unido, que tem a seguinte redação:

«Considera‑se trabalhador assalariado ou não assalariado, na aceção da alínea a), subalínea ii), do artigo 1.° do [r]egulamento, qualquer pessoa que tenha a qualidade de trabalhador assalariado (‘employed earner’) ou de trabalhador não assalariado (‘self‑employed earner’), na aceção da legislação da Grã‑Bretanha ou da legislação da Irlanda do Norte, bem como qualquer pessoa em relação à qual sejam devidas contribuições na qualidade de trabalhador assalariado (‘employed person’) ou de trabalhador não assalariado (‘self‑employed person’) na aceção da legislação de Gibraltar.»

13      A rubrica O, relativa ao Reino Unido, do anexo VI do Regulamento n.° 1408/71, ele próprio intitulado «Modalidades especiais das legislações de determinados Estados‑Membros», dispõe, no seu ponto 19:

«Sem prejuízo de qualquer convenção celebrada com os Estados‑Membros, para efeitos do n.° 2, alínea f), do artigo 13.° do [r]egulamento e do artigo 10.°‑B do [r]egulamento de execução, a legislação do Reino Unido deixará de ser aplicável a qualquer trabalhador que tenha estado anteriormente sujeito à legislação do Reino Unido, na qualidade de trabalhador assalariado ou de trabalhador independente, no último, em data, dos três dias a seguir indicados:

[…]

c)      No último dia de qualquer período de concessão de prestações britânicas em matéria de doença, maternidade (incluindo as prestações em espécie relativamente às quais o Estado competente é o Reino Unido) ou de prestações de desemprego que:

i)      Teve início antes da data de transferência de residência para um outro Estado‑Membro ou, se teve início numa data posterior,

ii)      Foi imediatamente subsequente ao exercício de uma atividade assalariada ou de uma atividade não assalariada num outro Estado‑Membro, enquanto esta pessoa permanecia sujeita à legislação do Reino Unido.»

14      O ponto 20 desta mesma rubrica dispõe:

«O facto de uma pessoa ter adquirido a qualidade de sujeita à legislação de outro Estado‑Membro, em conformidade com o n.° 2, alínea f), do artigo 13.° do Regulamento, com o artigo 10.°‑B do [r]egulamento de execução e com o ponto 19 anterior, não prejudicará:

a)      A aplicação a essa pessoa pelo Reino Unido, na qualidade de Estado competente, das disposições relativas aos trabalhadores assalariados ou aos trabalhadores não assalariados do [c]apítulo I e [s]ecção I do [c]apítulo II do [t]ítulo III e n.° 2 do artigo 40.° do [r]egulamento, se essa pessoa conservar a qualidade de trabalhador assalariado ou de trabalhador não assalariado para estes efeitos e t[iver] estado segurad[a] em último lugar nesta qualidade ao abrigo da legislação do Reino Unido;

b)      Que essa pessoa seja tratada na qualidade de trabalhador assalariado ou de trabalhador não assalariado para efeitos do disposto nos [c]apítulos VII e VIII do [t]ítulo III do [r]egulamento ou do artigo 10.° ou artigo 10.°‑A do [r]egulamento de execução, desde que a prestação britânica, nos termos do [c]apítulo I do [t]ítulo III lhe possa ser concedida em conformidade com a alínea a).»

 Direito do Reino Unido

15      Resulta da decisão de reenvio que o DLA é uma prestação não contributiva que tem por objeto cobrir as despesas suplementares decorrentes da necessidade de determinados tipos de cuidados ou da incapacidade ou da quase incapacidade de locomoção. Constituída por uma componente de cuidados e por uma componente de mobilidade, o DLA não está subordinado a nenhum critério de recursos e não é uma prestação de substituição de rendimentos, na medida em que o beneficiário pode exercer uma atividade profissional.

16      Nos termos da Section 71(6) do Social Security Contributions and Benefits Act de 1992 (Lei relativa às contribuições e às prestações de segurança social de 1992, a seguir «Lei de 1992»), «[u]ma pessoa só tem direito ao [DLA] se preencher as condições de residência e presença na Grã‑Bretanha».

17      Estas condições de residência e de presença na Grã‑Bretanha são especificadas nomeadamente na Regulation 2(1)(a) do Social Security (Disability Living Allowance) Regulations 1991 (Regulamento de Segurança Social relativo ao subsídio de subsistência para deficientes de 1991).

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18      A Sr.a Tolley, de nacionalidade britânica, nascida em 17 de abril de 1952, pagou contribuições para a segurança social nacional durante os anos de 1967 a 1984. Subsequentemente, foram‑lhe creditadas contribuições até 1993. Se tivesse preenchido os requisitos em matéria de contribuições ao atingir a idade oficial de reforma, poderia ter tido direito a uma pensão de reforma do Estado.

19      A partir de 26 de julho de 1993, foi concedida, por tempo indeterminado, à Sr.a Tolley a componente de cuidados do DLA, pelo facto de estar incapacitada de preparar as suas próprias refeições.

20      Em 5 de novembro de 2002, a Sr.a Tolley e o seu marido transferiram permanentemente a sua residência para Espanha. A Sr.a Tolley não foi, neste Estado‑Membro, nem trabalhador assalariado nem trabalhador não assalariado.

21      Durante o ano de 2007, o ministro decidiu que o direito da Sr.a Tolley a receber a componente de cuidados do DLA tinha cessado em 6 de novembro de 2002. É pacífico que, devido à legislação do Reino Unido, a interessada perdeu, nessa data, o direito a esse subsídio.

22      A Sr.a Tolley impugnou, então, essa decisão no First‑tier Tribunal (Tribunal de Primeira Instância, Reino Unido). Este julgou a ação procedente, por considerar que a Sr.a Tolley tinha o direito de continuar a receber a componente de cuidados do DLA depois de se mudar para Espanha, nos termos do artigo 10.° do Regulamento n.° 1408/71.

23      O ministro recorreu da decisão do First‑tier Tribunal (Tribunal de Primeira Instância) para o Upper Tribunal (Tribunal Superior, Reino Unido). Este último órgão jurisdicional decidiu que a Sr.a Tolley tinha direito à componente de cuidados do DLA nos termos do artigo 22.° desse regulamento, com o fundamento de que, dado que a Sr.a Tolley estava segurada contra o risco de velhice graças às suas contribuições para a segurança social nacional, era um trabalhador na aceção do artigo 1.°, alínea a), do referido regulamento.

24      A Court of Appeal (England & Wales) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales), Reino Unido] negou provimento ao recurso interposto pelo ministro da decisão do Upper Tribunal (Tribunal Superior). O ministro recorreu então para a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido).

25      Este órgão jurisdicional observa que a componente de cuidados do DLA pode ser considerada uma prestação de invalidez na aceção do Regulamento n.° 1408/71, suscetível de ser exportada, ao abrigo do seu artigo 10.°, para outro Estado‑Membro. As prestações enumeradas nesta disposição têm como característica principal serem pagamentos de longo prazo ou pagamentos únicos relativos a condições permanentes. Em contrapartida, se este subsídio fosse considerado uma prestação de doença, colocar‑se‑ia a questão de saber se a definição de «trabalhador assalariado» que consta do artigo 1.°, alínea a), ii), deste regulamento, se aplica igualmente às disposições do capítulo 1 do título III do referido regulamento relativas à doença. A este respeito, não é lógico considerar pessoas inativas do ponto de vista económico como trabalhadores que há que tratar de modo mais favorável do que as pessoas que procuram ativamente um emprego.

26      Além disso, uma vez que o eventual direito da Sr.a Tolley a uma pensão de reforma ao abrigo da legislação do Reino Unido foi mantido depois de se ter mudado para Espanha, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a expressão «[a] pessoa à qual a legislação de um Estado‑Membro deixa de ser aplicável», que consta do artigo 13.°, n.° 2, alínea f), do Regulamento n.° 1408/71, se refere a toda a legislação de um Estado‑Membro ou apenas à sua legislação relativa à prestação em causa. No caso de apenas se referir a esta última legislação, o referido órgão jurisdicional considera que se pode interrogar se o ponto 19, alínea c), da rubrica O do anexo VI deste regulamento, que precisa o momento em que a legislação do Reino Unido deixa de ser aplicável, se refere ao benefício efetivo da prestação ou apenas ao direito a esta. Coloca‑se igualmente a questão de saber se o ponto 20 desta mesma rubrica impõe ou não ao Reino Unido a obrigação de pagar a componente de cuidados do DLA, de acordo com as disposições do capítulo I do título III do referido regulamento.

27      Nestas condições, a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      É correto classificar a componente de cuidados d[o DLA] do Reino Unido como uma ‘prestação de invalidez’ e não como uma prestação pecuniária de doença para efeitos do Regulamento n.° 1408/71?

2.      a)      Uma pessoa que deixa de ter direito à [componente de cuidados do DLA] por força do direito interno do Reino Unido, por ter transferido a sua residência para outro Estado‑Membro, tendo cessado qualquer atividade profissional antes dessa transferência, embora permanecendo segurada contra o risco de velhice no âmbito do sistema de segurança social do Reino Unido, deixa de estar sujeita à legislação do Reino Unido para efeitos do artigo 13.°, n.° 2, alínea f), do Regulamento n.° 1408/71?

b)      Permanece essa pessoa, em qualquer circunstância, sujeita à legislação do Reino Unido à luz do ponto 19, alínea c), [da rubrica ‘Reino Unido’ do anexo VI do Regulamento n.° 1408/71]?

c)      Caso essa pessoa tenha deixado de estar sujeita à legislação do Reino Unido, na aceção do artigo 13.°, n.° 2, alínea f), é o Reino Unido obrigado a aplicar‑lhe as disposições do [c]apítulo I do [t]ítulo III do regulamento, ou apenas lhe é permitido aplicar essas disposições em virtude do ponto 20 [da rubrica ‘Reino Unido’ do anexo VI deste regulamento]?

3.      a)      É a definição lata de pessoa assalariada do acórdão [de 7 de junho de 2005, Dodl e Oberhollenzer (C‑543/03, EU:C:2005:364)] aplicável para efeitos dos artigos 19.° a 22.° do regulamento, quando a pessoa cessou qualquer atividade profissional antes de transferir a sua residência para outro Estado‑Membro, não obstante a distinção feita no [c]apítulo I do [t]ítulo III entre, por um lado, os trabalhadores assalariados e não assalariados e, por outro, os desempregados?

b)      Caso seja aplicável, tem essa pessoa o direito de exportar a prestação com base no artigo 19.° ou no artigo 22.° [do Regulamento n.° 1408/71]? Visa o artigo 22.°, n.° 1, alínea b), [deste regulamento] evitar que o direito de um requerente à componente de cuidados do DLA seja afastado por uma condição de residência imposta pela legislação nacional à transferência de residência para outro Estado‑Membro?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

28      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se uma prestação como a componente de cuidados do DLA constitui uma prestação de doença ou uma prestação de invalidez na aceção do Regulamento n.° 1408/71.

 Quanto à admissibilidade

29      O Governo de Reino Unido alega que a primeira questão prejudicial é inadmissível pelo facto de, por um lado, não ter sido objeto de uma discussão no órgão jurisdicional de reenvio e, por outro, ser idêntica a uma questão suscitada no processo que deu origem ao acórdão de 18 de outubro de 2007, Comissão/Parlamento e Conselho (C‑299/05, EU:C:2007:608).

30      No que respeita ao primeiro fundamento de inadmissibilidade invocado, há que salientar que o artigo 267.° TFUE confere aos órgãos jurisdicionais nacionais uma faculdade muito ampla de recorrer ao Tribunal de Justiça se considerarem que um processo neles pendente suscita questões relativas à interpretação ou à apreciação da validade de disposições do direito da União necessárias para a resolução do litígio que lhes foi submetido. Os órgãos jurisdicionais nacionais têm a faculdade e, sendo caso disso, a obrigação de reenvio a título prejudicial, quando verifiquem, quer oficiosamente quer a pedido das partes, que o mérito da causa inclui uma questão a resolver referida no primeiro parágrafo dessa disposição. Por esta razão, o facto de as partes no processo principal não terem evocado, perante o órgão jurisdicional de reenvio, um problema de direito da União não se opõe a que o órgão jurisdicional de reenvio possa recorrer ao Tribunal de Justiça (acórdão de 15 de janeiro de 2013, Križan e o., C‑416/10, EU:C:2013:8, n.os 64 e 65 e jurisprudência referida).

31      Com efeito, o reenvio prejudicial assenta num diálogo de juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio (acórdão de 15 de janeiro de 2013, Križan e o., C‑416/10, EU:C:2013:8, n.° 66).

32      Além disso, embora possa interessar a uma boa administração da justiça que uma questão prejudicial só seja apresentada na sequência de uma discussão contraditória, deve reconhecer‑se, no entanto, que a realização de uma discussão contraditória prévia não figura entre os requisitos exigidos para a aplicação do processo previsto no artigo 267.° TFUE (v., neste sentido, acórdão de 3 de março de 1994, Eurico Italia e o., C‑332/92, C‑333/92 e C‑335/92, EU:C:1994:79, n.° 11).

33      Resulta das considerações precedentes que o facto de as partes no litígio não terem previamente debatido no órgão jurisdicional nacional uma questão relativa ao direito da União não se opõe a que essa questão possa ser submetida ao Tribunal de Justiça.

34      Quanto ao segundo fundamento de inadmissibilidade, basta recordar que, mesmo perante uma jurisprudência do Tribunal de Justiça que resolva a questão de direito em causa, os órgãos jurisdicionais nacionais conservam inteira liberdade para recorrer ao Tribunal de Justiça se o considerarem oportuno, sem que a circunstância de as disposições cuja interpretação é solicitada terem já sido interpretadas pelo Tribunal de Justiça tenha por efeito obstar a que o Tribunal de Justiça se pronuncie novamente (acórdão de 17 de julho de 2014, Torresi, C‑58/13 e C‑59/13, EU:C:2014:2088, n.° 32 e jurisprudência referida).

35      Nestas condições, a primeira questão prejudicial deve ser considerada admissível.

 Quanto ao mérito

36      A título preliminar, há que verificar se a situação da Sr.a Tolley está abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1408/71.

37      A este respeito, o artigo 2.°, n.° 1, deste regulamento enuncia que este se aplica aos trabalhadores assalariados ou não assalariados e aos estudantes que estejam ou tenham estado sujeitos à legislação de um ou vários Estados‑Membros e sejam nacionais de um dos Estados‑Membros, ou sejam apátridas ou refugiados residentes no território de um dos Estados‑Membros, bem como aos membros e membros sobrevivos da sua família.

38      Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma pessoa tem a qualidade de «trabalhador», na aceção do Regulamento n.° 1408/71, quando está abrangida por um seguro obrigatório ou facultativo, mesmo que contra um só risco, no âmbito de um regime geral ou especial de segurança social mencionado no artigo 1.°, alínea a), do referido regulamento, e isto independentemente da existência de uma relação de trabalho (acórdão de 10 de março de 2011, Borger, C‑516/09, EU:C:2011:136, n.° 26 e jurisprudência referida).

39      Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio e o Governo do Reino Unido alegam que a situação da Sr.a Tolley está abrangida pelo artigo 1.°, alínea a), ii), segundo travessão, do Regulamento n.° 1408/71, pelo facto de a componente de cuidados do DLA beneficiar todos os residentes, quer sejam assalariados ou não. Uma vez que esta disposição remete para o Anexo I deste regulamento, a Sr.a Tolley apenas pode ser qualificada de «trabalhador» se preencher as condições previstas pela legislação britânica. Ora, esta legislação apenas refere as pessoas que exercem uma atividade remunerada.

40      No caso em apreço, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, de 1967 a 1993, a Sr.a Tolley estava segurada, no Reino Unido, contra o risco de velhice no âmbito de um regime de segurança social aplicável a todos os residentes. É pacífico que o modo de gestão e de financiamento deste regime permitia identificar esta pessoa como trabalhador assalariado. Estando, assim, abrangida pelo seguro contra a eventualidade prevista no artigo 4.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71, a Sr.a Tolley deve ser considerada um trabalhador na aceção do artigo 1.°, alínea a), ii), primeiro travessão, deste regulamento.

41      O facto de a Senhora Tolley ter falecido antes de atingir a idade da reforma não é suscetível de pôr em causa esta conclusão. Com efeito, a possibilidade de se estar abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal do Regulamento n.° 1408/71 não depende da concretização do risco coberto (v., neste sentido, acórdão de 10 de março de 2011, Borger, C‑516/09, EU:C:2011:136, n.° 30).

42      Por conseguinte, há que concluir que uma situação como a que está em causa no processo principal está abrangida pelo âmbito de aplicação pessoal do Regulamento n.° 1408/71.

43      Em seguida, há que recordar que uma prestação é considerada uma prestação de segurança social quando for concedida, fora de qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais, com base numa situação legalmente definida e quando se reportar a um dos riscos expressamente enumerados no artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71 (acórdão de 18 de outubro de 2007, Comissão/Parlamento e Conselho, C‑299/05, EU:C:2007:608, n.° 56 e jurisprudência referida).

44      Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, alíneas a) e b), este regulamento aplica‑se às legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito, respetivamente, a prestações de doença e de maternidade e prestações de invalidez, incluindo as que se destinam a manter ou a melhorar a capacidade de ganho.

45      Para distinguir as diferentes categorias de prestações de segurança social, há que tomar em consideração o risco segurado por cada prestação (acórdão de 18 de julho de 2006, De Cuyper, C‑406/04, EU:C:2006:491, n.° 27).

46      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que as prestações concedidas de forma objetiva com base numa situação legalmente definida e que visam melhorar o estado de saúde bem como a vida das pessoas dependentes têm essencialmente por objetivo completar as prestações do seguro de doença e devem ser consideradas «prestações de doença» na aceção do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71 (acórdãos de 5 de março de 1998, Molenaar, C‑160/96, EU:C:1998:84, n.os 23 a 25, e de 18 de outubro de 2007, Comissão/Parlamento e Conselho, C‑299/05, EU:C:2007:608, n.° 61 e jurisprudência referida).

47      No que respeita à componente de cuidados do DLA, resulta das informações apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que esta prestação pecuniária não contributiva, concedida independentemente do nível dos rendimentos do seu beneficiário, tem como objeto compensar as despesas suplementares que uma pessoa pode ter de suportar devido à sua incapacidade ou à sua quase incapacidade de locomoção.

48      É ponto assente que a concessão da referida prestação não depende de uma apreciação individual das necessidades pessoais do requerente e que se efetua com base em critérios objetivos, como a impossibilidade em preparar as suas próprias refeições, que são definidos na lei de 1992.

49      Além disso, é pacífico que a prestação em causa no processo principal apresenta as mesmas características e prossegue a mesma finalidade que o DLA em vigor à data dos factos no processo que deu origem ao acórdão de 18 de outubro de 2007, Comissão/Parlamento e Conselho (C‑299/05, EU:C:2007:608).

50      Ora, o Tribunal de Justiça considerou, nos n.os 65 e seguintes desse acórdão, em substância, que, ainda que não tenha, no essencial, como objeto completar as prestações de seguro de doença, este subsídio devia, exceto no que respeita à sua componente «mobilidade», ser considerado uma prestação de doença na aceção do Regulamento n.° 1408/71.

51      Nestas condições, a prestação em causa no processo principal constitui uma prestação de doença na aceção do Regulamento n.° 1408/71.

52      Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento avançado pelo órgão jurisdicional de reenvio de que o subsídio em causa no processo principal pode ser qualificado de «prestação de invalidez», por se equiparar às prestações enumeradas no artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71, a saber, nomeadamente, as prestações pecuniárias de invalidez, que têm como característica principal serem pagamentos a longo prazo ou pagamentos únicos relativos a condições permanentes.

53      Com efeito, a circunstância de, para efeitos da concessão da componente de cuidados do DLA, a redução da mobilidade dever respeitar a um período de tempo significativo não é suscetível de alterar a finalidade deste subsídio, que é melhorar a vida das pessoas dependentes (v., por analogia, acórdão de 18 de outubro de 2007, Comissão/Parlamento e Conselho, C‑299/05, EU:C:2007:608, n.° 63).

54      Além disso, o Tribunal de Justiça decidiu que devem ser equiparadas a prestações de doença, na aceção do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71, prestações como as que estão em causa no processo principal, relativas ao risco de dependência, mesmo que, diferentemente das prestações de doença strictu sensu, não se destinem, em princípio, a ser pagas durante um curto período e possam apresentar, nomeadamente nas respetivas modalidades de aplicação, características que, do ponto de vista factual, se aproximam igualmente, em certa medida, dos ramos invalidez e velhice (v., neste sentido, acórdão de 30 de junho de 2011, da Silva Martins, C‑388/09, EU:C:2011:439, n.os 47 e 48).

55      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que uma prestação como a componente de cuidados do DLA constitui uma prestação de doença na aceção do Regulamento n.° 1408/71.

 Quanto à primeira e segunda partes da segunda questão prejudicial

56      Com a primeira e segunda partes da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, por um lado, se o artigo 13.°, n.° 2, alínea f), do Regulamento n.° 1408771 deve ser interpretado no sentido de que a aquisição, por uma pessoa, de direitos a uma pensão de velhice a título das contribuições para o regime de segurança social de um Estado‑Membro pagas durante um determinado período se opõe a que a legislação desse Estado‑Membro possa, posteriormente, deixar de ser aplicável a essa pessoa. Caso a resposta a esta questão seja negativa, este órgão jurisdicional pretende saber, por outro lado, em que momento a legislação do Reino Unido deixou de ser aplicável à Sr.a Tolley, atendendo a que continuou a receber pagamentos a título da componente de cuidados do DLA até 2007, quando tinha, por força dessa legislação, perdido o direito a receber a referida prestação, devido à sua mudança para Espanha em 2002.

57      Há que salientar que o Regulamento n.° 1408/71 não organiza um regime comum de segurança social, mas permite que subsistam regimes nacionais distintos e tem por único objetivo assegurar uma coordenação entre estes últimos. Permite, assim, que subsistam regimes nacionais distintos que originam créditos distintos relativamente a instituições diferentes, face às quais o beneficiário das prestações é titular de direitos diretos, por força quer exclusivamente do direito interno, quer do direito interno, completado, se necessário, pelo direito da União (acórdão de 21 de fevereiro de 2013, Dumont de Chassart, C‑619/11, EU:C:2013:92, n.° 40 e jurisprudência referida).

58      As disposições do título II do referido regulamento, das quais faz parte o artigo 13.° deste último, constituem um sistema completo e uniforme de normas de conflito. Estas disposições têm não só por finalidade evitar a aplicação simultânea de várias legislações nacionais e as complicações que daí podem resultar, mas também impedir que as pessoas abrangidas pelo Regulamento n.° 1408/71 sejam privadas de proteção em matéria de segurança social, por falta de legislação que lhes seja aplicável (acórdão de 11 de junho de 1998, Kuusijärvi, C‑275/96, EU:C:1998:279, n.° 28).

59      Assim, desde que uma pessoa esteja abrangida pelo âmbito de aplicação pessoal do Regulamento n.° 1408/71, tal como é definido no artigo 2.° deste último, a regra da unicidade estabelecida no artigo 13.°, n.° 1, desse regulamento é, em princípio, aplicável, e a legislação nacional aplicável é determinada em conformidade com as disposições do título II do referido regulamento (acórdão de 19 de março de 2015, Kik, C‑266/13, EU:C:2015:188, n.° 47).

60      No que respeita às disposições do artigo 13.°, n.° 2, deste mesmo regulamento, estas têm por único objetivo determinar a legislação nacional aplicável às pessoas que se encontrem numa das situações a que se referem as alíneas a) a f) (acórdão de 11 de junho de 1998, Kuusijärvi, C‑275/96, EU:C:1998:279, n.° 29).

61      Em especial, no que se refere ao artigo 13.°, n.° 2, alínea f), do Regulamento n.° 1408/71, há que recordar que a cessação da aplicação da legislação de um Estado‑Membro constitui uma condição de aplicação desta disposição (v., neste sentido, acórdão de 19 de março de 2015, Kik, C‑266/13, EU:C:2015:188, n.° 51).

62      Em contrapartida, nada na letra da referida disposição sugere que a aquisição, por uma pessoa, de direitos a uma pensão de velhice a título das contribuições para o regime de segurança social de um Estado‑Membro pagas durante um determinado período obsta a que a legislação deste Estado possa, num momento posterior, deixar de ser aplicável a essa pessoa.

63      Além disso, uma vez que a aquisição de direitos a uma pensão de velhice é a consequência normal do exercício de uma atividade profissional, admitir que uma pessoa não possa estar sujeita à legislação de um Estado‑Membro que não seja aquele onde adquiriu esses direitos equivaleria a esvaziar de sentido o artigo 13.°, n.° 2, alínea f), do Regulamento n.° 1408/71.

64      No que respeita às condições em que a legislação de um Estado‑Membro deixa de ser aplicável a uma pessoa, há que recordar que o artigo 13.°, n.° 2, alínea f), do Regulamento n.° 1408/71 não as fixa. Assim, cabe à legislação de cada Estado‑Membro determinar estas condições (v., neste sentido, acórdão de 19 de março de 2015, Kik, C‑266/13, EU:C:2015:188, n.° 51).

65      Com efeito, como previsto no artigo 10.°‑B do Regulamento (CEE) n.° 574/72 do Conselho, de 21 de março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.° 1408/71 (JO 1972, L 74, p. 1; EE 05 F1 p. 156), conforme alterado pelo Regulamento n.° 2195/91 do Conselho, de 25 de junho de 1991 (JO 1991, L 206, p. 2), a data e as condições em que a legislação de um Estado‑Membro deixa de ser aplicável a uma pessoa referida no artigo 13.°, n.° 2, alínea f), do Regulamento n.° 1408/71 são determinadas de acordo com as disposições dessa legislação.

66      Além disso, na determinação do momento em que a legislação de um Estado‑Membro deixa de ser aplicável a uma pessoa, há que atender, se for caso disso, igualmente às disposições do anexo VI deste último regulamento, que refere as modalidades especiais de aplicação das legislações de determinados Estados‑Membros.

67      No caso em apreço, uma vez que a Sr.a Tolley deixou de pagar contribuições para o regime de segurança social do Reino Unido a partir de 1993, pois deixou de exercer qualquer atividade profissional e saiu desse Estado‑Membro em 2002, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, nos termos da legislação do referido Estado‑Membro, estas circunstâncias resultaram na cessação da inscrição da Sr.a Tolley nesse regime e na sua saída deste.

68      O mesmo se verifica quanto ao facto de a Sr.a Tolley ter continuado a receber pagamentos a título da componente de cuidados do DLA até 2007, quando tinha, por força da legislação do Reino Unido, perdido o direito de receber esta prestação, devido à sua mudança para Espanha em 2002.

69      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira e segunda partes da segunda questão que o artigo 13.°, n.° 2, alínea f), do Regulamento n.° 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que a aquisição, por uma pessoa, de direitos a uma pensão de velhice a título das contribuições para o regime de segurança social de um Estado‑Membro pagas durante um determinado período não se opõe a que a legislação desse Estado‑Membro possa, posteriormente, deixar de ser aplicável a essa pessoa. Cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar, face às circunstâncias da causa que lhe foi submetida e às disposições do direito nacional aplicável, em que momento esta legislação deixou de ser aplicável à referida pessoa.

 Quanto à terceira parte da segunda questão e à terceira questão

70      Com a terceira parte da sua segunda questão e a sua terceira questão, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 19.°, n.° 1, e/ou o artigo 22.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1408/71 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma legislação de um Estado‑Membro subordine o benefício de um subsídio como o que está em causa no processo principal a uma condição de residência e de presença, como a prevista na Section 71(6) da Lei de 1992.

71      Antes de mais, importa salientar que o artigo 19.° deste regulamento, sob a epígrafe «Residência num Estado‑Membro que não seja o Estado competente — Regras gerais», garante, a cargo do Estado competente, o direito de o trabalhador assalariado ou de o trabalhador não assalariado, e dos membros da sua família que residam noutro Estado‑Membro, cujo estado de saúde exija cuidados no território do Estado‑Membro de residência, beneficiarem de prestações de doença em espécie concedidas pela instituição deste último Estado‑Membro (acórdão de 16 de julho de 2009, von Chamier‑Glisczinski, C‑208/07, EU:C:2009:455, n.° 42).

72      Consequentemente, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.° 84 das suas conclusões, esta disposição apenas se refere às situações em que um trabalhador, que pede à instituição competente de um Estado‑Membro o benefício de uma prestação de doença, reside, à data do seu pedido, noutro Estado‑Membro.

73      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a Sr.a Tolley ainda residia no Reino Unido quando pediu às instituições competentes desse Estado‑Membro o benefício da componente de cuidados do DLA. Assim, a sua situação não está manifestamente abrangida pelo referido artigo 19.°

74      Em seguida, quanto ao artigo 22.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1408/71, o mesmo refere‑se designadamente à hipótese da transferência, durante uma doença, da residência de um membro da família de um trabalhador assalariado ou de um trabalhador não assalariado para outro Estado‑Membro diferente do da instituição competente (v., neste sentido, acórdão de 16 de julho de 2009, von Chamier‑Glisczinski, C‑208/07, EU:C:2009:455, n.° 45).

75      Por conseguinte, há que verificar se a situação da Sr.a Tolley está abrangida pelo referido artigo 22.°, n.° 1, alínea b).

76      O Governo do Reino Unido alega, por um lado, que a expressão «trabalhador», utilizada nesta disposição, apenas se refere às pessoas que, ao contrário da Sr.a Tolley, não deixaram de exercer de exercer definitivamente qualquer atividade profissional.

77      Esta argumentação não pode ser acolhida.

78      A este respeito, há que salientar que, nos termos do artigo 1.° do Regulamento n.° 1408/71, as definições que constam dessa disposição, entre as quais figuram a de «trabalhador assalariado» e a de «trabalhador não assalariado» são dadas «[p]ara efeitos de aplicação do [referido] regulamento», sem que esteja prevista uma exceção relativamente a algumas das suas disposições.

79      Ora, resulta dos n.os 38 a 40 do presente acórdão que a Sr.a Tolley deve ser considerada um «trabalhador» na aceção do artigo 1.°, alínea a), ii), primeiro travessão, do mesmo regulamento, independentemente de ter deixado de exercer definitivamente qualquer atividade profissional.

80      Além disso, há que sublinhar que o Tribunal de Justiça já declarou que, através da referência ao «trabalhador», que figura no artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71, este último não pretende limitar o âmbito de aplicação desta disposição aos trabalhadores ativos, face aos trabalhadores inativos (v., neste sentido, acórdão de 31 de maio de 1979, Pierik, 182/78, EU:C:1979:142, n.° 7).

81      O Governo do Reino Unido defende, por um lado, que a legislação do Reino Unido deixou de ser aplicável à Sr.a Tolley no momento da sua mudança para Espanha e que, nos termos do artigo 13.°, n.° 2, alínea f), deste regulamento, estava sujeita à legislação deste último Estado‑Membro. Este é, assim, o Estado competente, na aceção do artigo 22.°, n.° 1, alínea b), desse regulamento.

82      A este respeito, resulta da leitura conjugada do artigo 1.°, alínea o), i), e do artigo 1.°, alínea q), do Regulamento n.° 1408/71 que o conceito de «Estado competente» designa, nomeadamente, o Estado‑Membro em que se encontra a instituição em que o trabalhador estiver inscrito no momento do seu pedido de prestações.

83      Além disso, resulta da economia do artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71, que enuncia as condições de manutenção da concessão das prestações a que um trabalhador tem direito nos termos da legislação do Estado competente, nomeadamente no caso de transferência da residência «para o território de outro Estado‑Membro», que, nesta situação, o «Estado competente», na aceção dessa disposição, é necessariamente o Estado‑Membro que era competente para conceder essas prestações antes da transferência da residência.

84      Quanto ao caso concreto em causa no processo principal, resulta de decisão de reenvio que, no momento em que a Sr.a Tolley requereu o benefício do DLA às instituições competentes do Reino Unido, estava inscrita no regime de segurança social deste Estado‑Membro. Consequentemente, mesmo que a legislação do referido Estado‑Membro tivesse posteriormente deixado de lhe ser aplicável, na aceção do artigo 13.°, n.° 2, alínea f), do Regulamento n.° 1408/71, o Estado competente é o Reino Unido, na aceção do artigo 22.°, n.° 1, alínea b), deste regulamento.

85      Esta interpretação é corroborada pelo ponto 20 da rubrica O do anexo VI do Regulamento n.° 1408/71 que prevê que «[o] facto de uma pessoa ter adquirido a qualidade de sujeita à legislação de outro Estado‑Membro, em conformidade com o n.° 2, alínea f), do artigo 13.° [deste] [r]egulamento […], não prejudicará», nomeadamente, «[a] aplicação a essa pessoa pelo Reino Unido, na qualidade de Estado competente, das disposições relativas aos trabalhadores assalariados ou aos trabalhadores não assalariados do [c]apítulo I […] se essa pessoa conservar a qualidade de trabalhador assalariado ou de trabalhador não assalariado para estes efeitos e t[iver] estado segurad[a] em último lugar nesta qualidade ao abrigo da legislação do Reino Unido». Com efeito, esta disposição prevê expressamente a possibilidade de o Reino Unido continuar a ser o Estado competente na aceção das disposições do capítulo II do título III do referido regulamento no caso de a sua legislação deixar de ser aplicável ao trabalhador, na aceção do artigo 13.°, n.° 2, alínea f), desse mesmo regulamento.

86      Resulta das considerações precedentes que uma situação como a que está em causa no processo principal está abrangida pelo artigo 22.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1408/71.

87      Com efeito, esta disposição prevê o direito de um trabalhador assalariado ou não assalariado, que preenche as condições exigidas pela legislação do Estado competente, receber as prestações pecuniárias concedidas pela instituição competente depois da transferência da sua residência para o território de outro Estado‑Membro.

88      A este respeito, não procede o argumento do Governo do Reino Unido de que a expressão «preencha as condições exigidas pela legislação do Estado competente» permite aos Estados‑Membros preverem uma condição de residência para a concessão das prestações pecuniárias abrangidas pela referida disposição. Com efeito, como o advogado‑geral salientou no n.° 119 das suas conclusões, referindo‑se às conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Kuusijärvi (C‑275/96, EU:C:1997:613), essa interpretação, porque permitiria que o direito conferido pelo artigo 22.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1408/71 fosse neutralizado por uma condição de residência exigida pela lei nacional, privaria inteiramente essa disposição de objeto.

89      Daí resulta que o referido artigo 22.°, n.° 1, alínea b), se opõe a que um Estado competente subordine a manutenção do benefício de uma prestação como a que está em causa no processo principal a uma condição de residência e de presença no seu território.

90      Dito isto, há que sublinhar que essa mesma disposição subordina o direito de exportar uma prestação como a que está em causa no processo principal à condição de o trabalhador ter requerido e obtido da instituição competente a autorização para transferir a sua residência para o território de outro Estado‑Membro.

91      É certo que, como resulta do artigo 22.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1408/71, esta autorização apenas pode ser recusada se se considerar que a deslocação do interessado é suscetível de comprometer o seu estado de saúde ou a aplicação do tratamento médico.

92      Todavia, como o advogado‑geral expôs nos n.os 124 a 126 das suas conclusões, esta disposição não pode obrigar os Estados‑Membros a conceder a um trabalhador o benefício do artigo 22.°, n.° 1, alínea b), deste regulamento no caso de este trabalhador ter transferido a sua residência para outro Estado‑Membro sem qualquer autorização concedida pela instituição competente.

93      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à terceira parte da segunda questão e à terceira questão que o artigo 22.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a legislação do Estado competente subordine o benefício de um subsídio como o que está em causa no processo principal a uma condição de residência e de presença no território desse Estado‑Membro. O artigo 22.°, n.° 1, alínea b), e o artigo 22.°, n.° 2, deste regulamento devem ser interpretados no sentido de que uma pessoa que se encontre numa situação como a que está em causa no processo principal conserva o direito a receber as prestações referidas na primeira dessas disposições depois de ter transferido a sua residência para um Estado‑Membro que não seja o Estado competente, desde que tenha obtido uma autorização para esse efeito.

 Quanto às despesas

94      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      Uma prestação como a componente de cuidados do subsídio de subsistência para deficientes (disability living allowance) constitui uma prestação de doença na aceção do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 307/1999 do Conselho, de 8 de fevereiro de 1999.

2)      O artigo 13.°, n.° 2, alínea f), do Regulamento n.° 1408/71, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento n.° 118/97, conforme alterado pelo Regulamento n.° 307/1999, deve ser interpretado no sentido de que a aquisição, por uma pessoa, de direitos a uma pensão de velhice a título das contribuições para o regime de segurança social de um Estado‑Membro pagas durante um determinado período não se opõe a que a legislação desse Estado‑Membro possa, posteriormente, deixar de ser aplicável a essa pessoa. Cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar, face às circunstâncias da causa que lhe foi submetida e às disposições do direito nacional aplicável, em que momento esta legislação deixou de ser aplicável à referida pessoa.

3)      O artigo 22.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1408/71, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento n.° 118/97, conforme alterado pelo Regulamento n.° 307/1999, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a legislação do Estado competente subordine o benefício de um subsídio como o que está em causa no processo principal a uma condição de residência e de presença no território desse Estado‑Membro.

O artigo 22.°, n.° 1, alínea b), e o artigo 22.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1408/71, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento n.° 118/97, conforme alterado pelo Regulamento n.° 307/1999, devem ser interpretados no sentido de que uma pessoa que se encontre numa situação como a que está em causa no processo principal conserva o direito a receber as prestações referidas na primeira dessas disposições depois de ter transferido a sua residência para um Estado‑Membro que não seja o Estado competente, desde que tenha obtido uma autorização para esse efeito.

Assinaturas


1* Língua do processo: inglês.