Language of document : ECLI:EU:C:2011:787

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 29 de novembro de 2011 (1)

Processo C‑406/10

SAS Institute Inc.

contra

World Programming Ltd

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Reino Unido)]

«Propriedade intelectual — Diretiva 91/250/CEE — Diretiva 2001/29/CE — Proteção jurídica dos programas de computador — Criação de diversos programas que reproduzem as funcionalidades de outro programa de computador sem acesso ao seu código‑fonte»





1.        No presente processo de reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça é convidado a precisar o alcance da proteção jurídica conferida pelos direitos de autor aos programas de computador em virtude da Diretiva 91/250/CEE (2), bem como a proteção conferida às obras pela Diretiva 2001/29/CE (3).

2.        Em especial, a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Reino Unido) interroga‑se, no essencial, sobre a questão de saber se as funcionalidades de um programa de computador e a linguagem de programação são protegidas pelos direitos de autor em virtude do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250. Esta disposição prevê que essa proteção abrange a expressão, sob qualquer forma, de um programa de computador, e recorda que as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento de um programa de computador não são protegidos ao abrigo dessa diretiva.

3.        Além disso, é solicitado ao Tribunal de Justiça que declare se os artigos 1.°, n.° 2, e 6.° da Diretiva 91/250 devem ser interpretados no sentido de não ser considerado um ato sujeito a autorização o facto de um licenciado reproduzir um código ou traduzir a forma do código de um formato de ficheiros de dados, a fim de poder escrever, no seu próprio programa de computador, um código‑fonte que lê e escreve esse formato de ficheiros.

4.        Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio pede que o Tribunal de Justiça precise o alcance da exceção aos direitos exclusivos do autor de um programa de computador, prevista no artigo 5.°, n.° 3, da referida diretiva e que dispõe que quem tiver direito a utilizar uma cópia de um programa de computador pode, sem necessidade de autorização do titular do direito, observar, estudar ou testar o funcionamento do programa a fim de apurar as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento do programa quando efetuar operações de carregamento, de visualização, de execução, de transmissão ou de armazenamento, em execução do seu contrato.

5.        Por fim, o Tribunal de Justiça é convidado a interrogar‑se sobre o alcance da proteção prevista no artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29 que prevê que cabe aos autores o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, para as suas obras. Especificamente, trata‑se de saber se a reprodução, num programa de computador ou num manual de utilização, de certos elementos descritos no manual de utilização de outro programa de computador constitui, em virtude dessa disposição, uma violação dos direitos de autor sobre esse último manual.

6.        Nas presentes conclusões, explicarei as razões pelas quais penso que o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250 deve ser interpretado no sentido de que as funcionalidades de um programa de computador, bem como a linguagem de programação, não são suscetíveis, enquanto tais, de ser protegidas pelo direito de autor. Em contrapartida, compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se, ao reproduzir as funcionalidades no seu programa de computador, o autor desse programa reproduziu uma parte substancial dos elementos do primeiro programa que são expressão da criação intelectual do seu próprio autor.

7.        Além disso, sugiro que o Tribunal de Justiça declare que os artigos 1.°, n.° 2, e 6.° da Diretiva 91/250 devem ser interpretados no sentido de não ser considerado como um ato sujeito a autorização o facto de um licenciado reproduzir um código ou traduzir a forma do código de um formato de ficheiros de dados, para poder escrever, no seu próprio programa de computador, um código‑fonte que lê e escreve esse formato de ficheiros, na condição de essa operação ser absolutamente indispensável para a obtenção de informações necessárias à interoperabilidade entre os elementos de diferentes programas. A referida operação não deve ter por efeito permitir que esse licenciado recopie o código do programa de computador para o seu próprio programa, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.

8.        Em seguida, exponho as razões pelas quais entendo que o artigo 5.°, n.° 3, da referida diretiva, conjugado com os artigos 4.°, alíneas a) e b), e 5.°, n.° 1, da referida diretiva, deve ser interpretado no sentido de que a expressão «[quem tiver direito a] efetuar operações de carregamento, de visualização, de execução, de transmissão ou de armazenamento» diga respeito às operações para as quais essa pessoa obteve uma autorização do titular do direito, bem como às operações de carregamento e de funcionamento necessárias à utilização do programa de computador de acordo com o fim a que se destina. A observação, o estudo ou o teste de funcionamento de um programa de computador efetuados em conformidade com essa disposição não devem ter o efeito de permitir que a pessoa autorizada a utilizar uma cópia desse programa tenha acesso a informações protegidas pelos direitos de autor, tais como o código‑fonte ou o código‑objeto.

9.        Por fim, sugiro que o Tribunal de Justiça declare que o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que a reprodução, num programa de computador ou num manual de utilização, de determinados elementos descritos no manual de outro programa de computador é suscetível de constituir uma violação dos direitos de autor neste último manual se — o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar — os elementos reproduzidos deste modo forem a expressão da criação intelectual do seu próprio autor.

I —    Quadro jurídico

A —    Direito da União

1.      Diretiva 91/250

10.      A Diretiva 91/250 visa harmonizar as legislações dos Estados‑Membros no domínio da proteção jurídica dos programas de computador definindo um nível mínimo de proteção (4).

11.      Nos termos do oitavo considerando da diretiva referida, no tocante aos critérios a aplicar para apreciar se um programa de computador constitui ou não uma obra original, não se deverá recorrer a testes dos seus méritos qualitativos ou estéticos.

12.      O décimo terceiro considerando da Diretiva 91/250 indica que, de forma a evitar qualquer dúvida, se tem de deixar claro que a proteção abrange unicamente a expressão de um programa de computador e que as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento de um programa, incluindo os subjacentes às suas interfaces, não são protegidos por direitos de autor ao abrigo desta diretiva. De acordo com este princípio dos direitos de autor, as ideias e princípios eventualmente presentes na lógica, nos algoritmos e nas linguagens de programação não são protegidos ao abrigo da referida diretiva (5).

13.      O artigo 1.° desta diretiva tem a seguinte redação:

«1.      De acordo com o disposto na presente diretiva, os Estados‑Membros estabelecerão uma proteção jurídica dos programas de computador, mediante a concessão de direitos de autor, enquanto obras literárias, na aceção da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas. Para efeitos da presente diretiva, a expressão «programas de computador» inclui o material de conceção.

2.      Para efeitos da presente diretiva, a proteção abrange a expressão, sob qualquer forma, de um programa de computador. As ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento de um programa de computador, incluindo os que estão na base das respetivas interfaces, não são protegidos pelos direitos de autor ao abrigo da presente diretiva.

3.      Um programa de computador será protegido se for original, no sentido em que é o resultado da criação intelectual do autor. Não serão considerados quaisquer outros critérios para determinar a sua suscetibilidade de proteção.»

14.      O artigo 4.° da referida diretiva prevê:

«Sem prejuízo do disposto nos artigos 5.° e 6.°, os direitos exclusivos do titular, na aceção do artigo 2.°, devem incluir o direito de efetuar ou autorizar:

a)      A reprodução permanente ou transitória de um programa de computador, seja por que meio for, e independentemente da forma de que se revestir, no todo ou em parte. Se operações como o carregamento, visualização, execução, transmissão ou armazenamento de um programa de computador carecerem dessa reprodução, essas operações devem ser submetidas a autorização do titular do direito;

b)      A tradução, adaptação, ajustamentos ou outras modificações do programa e a reprodução dos respetivos resultados, sem prejuízo dos direitos de autor da pessoa que altere o programa;

c)      Qualquer forma de distribuição ao público, incluindo a locação, do original ou de cópias de um programa de computador. A primeira comercialização na Comunidade de uma cópia de um programa efetuada pelo titular dos direitos ou realizada com o seu consentimento extinguirá o direito de distribuição na Comunidade dessa mesma cópia, com exceção do direito de controlar a locação ulterior do programa ou de uma sua cópia.»

15.      O artigo 5.° da Diretiva 91/250 dispõe o seguinte:

«1.      Salvo disposições contratuais específicas em contrário, os atos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 4.° não se encontram sujeitos à autorização do titular sempre que sejam necessários para a utilização do programa de computador pelo seu legítimo adquirente de acordo com o fim a que esse programa se destina, bem como para a correção de erros.

2.      O contrato não deve impedir a execução de uma cópia de apoio por uma pessoa que esteja autorizada a utilizar o programa na medida em que tal seja necessário para a sua utilização.

3.      Quem tiver direito a utilizar uma cópia de um programa pode, sem necessidade de autorização do titular do direito, observar, estudar ou testar o funcionamento do programa a fim de apurar as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento do programa quando efetuar operações de carregamento, de visualização, de execução, de transmissão ou de armazenamento, em execução do seu contrato.»

16.      O artigo 6.° da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.      Não é necessária a autorização do titular dos direitos quando a reprodução do código e a tradução da sua forma, na aceção das alíneas a) e b) do artigo 4.°, forem indispensáveis para obter as informações necessárias à interoperabilidade de um programa de computador criado independentemente, com outros programas, uma vez preenchidas as seguintes condições:

a)      Esses atos serem realizados pelo licenciado ou por outra pessoa que tenha o direito de utilizar uma cópia do programa, ou em seu nome por uma pessoa devidamente autorizada para o efeito;

b)      Não se encontrarem já fácil e rapidamente à disposição das pessoas referidas na alínea a) as informações necessárias à interoperabilidade;

c)      Esses atos limitarem‑se a certas partes do programa de origem necessárias à interoperabilidade.

2.      O disposto no n.° 1 não permite que as informações obtidas através da sua aplicação:

a)      Sejam utilizadas para outros fins que não o de assegurar a interoperabilidade de um programa criado independentemente;

[…].

3.      De acordo com o disposto na Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, as disposições do presente artigo não podem ser interpretadas no sentido de permitirem a sua aplicação de uma forma suscetível de lesar os legítimos interesses do titular de direitos ou que não se coadune com uma exploração normal do programa de computador.»

17.      Por outro lado, nos termos do artigo 9.°, n.° 1, segunda frase, da Diretiva 91/250, quaisquer disposições contratuais contrárias ao artigo 6.° ou às exceções previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 5.° dessa mesma diretiva serão consideradas nulas.

2.      Diretiva 2001/29

18.      A Diretiva 2001/29 tem por objetivo a proteção jurídica do direito de autor e dos direitos conexos no âmbito do mercado interno, com especial ênfase na sociedade da informação (6).

19.      A referida diretiva aplica‑se sem prejuízo das disposições existentes relativas, designadamente, à proteção jurídica dos programas de computador (7).

20.      O artigo 2.°, alínea a), desta diretiva indica que os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe aos autores, para as suas obras.

B —    Direito nacional

21.      As Diretivas 91/250 e 2001/29 foram transpostas para a ordem jurídica interna pela Copyright, Designs and Patents Act 1988 (Lei de 1988 sobre direitos de autor, desenhos e patentes, a seguir «Act 1988»), conforme alterado pelas Copyright (Computer Program) Regulations 1992, [Regulamento de 1992 sobre os direitos de autor (programas de computador)], e pelas Copyright and Related Rights Regulations 2003, (Regulamento de 2003 sobre os direitos de autor e direitos conexos, a seguir «Lei de 1988»).

22.      O artigo 1.°, n.° 1, alínea a), da Lei de 1988 prevê que o direito de autor é um direito de propriedade que tem por objeto obras originais literárias, dramáticas, musicais ou artísticas. Segundo o artigo 3.°, n.° 1, alíneas a) a d), desta lei, entende‑se por «obra literária» — qualquer obra, que não uma obra dramática ou musical, que seja escrita, falada ou cantada, nomeadamente uma tabela ou compilação, que não seja uma base de dados; um programa de computador; materiais de conceção preparatórios para um programa de computador; e uma base de dados.

23.      O artigo 16.°, n.° 1, alínea a), da Lei de 1988 prevê que o titular do direito de autor sobre uma obra tem o direito exclusivo de copiar a obra.

24.      Segundo o artigo 16.°, n.° 3, alíneas a) e b), do Act 1988, as referências à prática de um ato limitado pelo direito de autor sobre uma obra constituem referências à sua prática em relação à obra como um todo ou a qualquer parte substancial da mesma, direta ou indiretamente.

25.      Em virtude do artigo 17.°, n.° 2, da referida Lei de 1988, entende‑se por copiar, uma obra literária, dramática, musical ou artística, a reprodução da obra sob qualquer forma material. Isto inclui o armazenamento da obra em qualquer suporte, por meios eletrónicos.

26.      Em contrapartida, o artigo 50.° BA, n.° 1, da Lei de 1988 dispõe que não constitui uma violação dos direitos de autor o facto de um utilizador legítimo de uma cópia de um programa de computador observar, estudar ou testar o funcionamento do programa a fim de apurar as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento do programa quando efetuar operações de carregamento, de visualização, de execução, de transmissão ou de armazenamento, em execução do seu contrato. O artigo 50.° BA, n.° 2, desta lei precisa que quando um ato é permitido ao abrigo do n.° 1, é irrelevante que exista qualquer termo ou condição num contrato que vise proibir ou restringir o ato.

II — Factos e litígio no processo principal

27.      O SAS Institute Inc. (a seguir «SAS Institute»), é uma empresa que desenvolveu um software analítico denominado SAS (a seguir «sistema SAS»). O sistema SAS é um conjunto integrado de programas que permite aos utilizadores executar uma grande variedade de tarefas de análise e processamento de dados nomeadamente, de análise estatística. O principal componente do sistema SAS designa‑se Base SAS, que permite aos utilizadores escrever e executar aplicações para manipular dados. Estas aplicações são escritas numa linguagem denominada linguagem SAS.

28.      A funcionalidade do Base SAS pode ser alargada mediante a utilização de componentes adicionais. Três desses componentes são especialmente relevantes para o processo principal. Trata‑se dos SAS/ACCESS, SAS/GRAPH e SAS/STAT (a seguir designados, conjuntamente com o Base SAS, «componentes do SAS»).

29.      O órgão jurisdicional de reenvio explica que, antes da ocorrência dos factos que originaram o presente litígio, os clientes do SAS Institute não tinham outra alternativa senão continuar a obter a licença de utilização dos componentes do SAS para poderem continuar a executar na linguagem SAS as aplicações que já possuíssem, bem como para criar aplicações novas. Com efeito, um cliente que quisesse mudar, de fornecedor de software ver‑se‑ia confrontado com a necessidade de reescrever, noutra linguagem, as aplicações que já possuísse, o que implica um investimento considerável.

30.      Foi por esta razão que a World Programming Limited (a seguir «WPL») teve a ideia de criar um programa de computador alternativo, o World Programming System (a seguir «sistema WPL»), capaz de executar aplicações escritas na linguagem SAS.

31.      A WPL não esconde que a sua intenção era a de imitar, tanto quanto possível, grande parte das funcionalidades dos componentes do SAS. Deste modo, assegurou que os mesmos inputs (8) produziriam os mesmos outputs (9). A WPL visava assegurar que as aplicações dos clientes da WPL corressem da mesma forma quando fossem executadas no sistema WPL ou nos componentes do SAS.

32.      O órgão jurisdicional de reenvio precisa que não está demonstrado que a WPL para ter acesso ao código‑fonte (10) dos componentes do SAS, tenha copiado qualquer parte do texto desse código, ou tenha copiado qualquer conceção estrutural do referido código.

33.      O SAS Institute intentou uma ação nos tribunais do Reino Unido para que fosse declarado que os atos da WPL constituíam uma violação dos seus direitos de autor sobre os programas de computador. Em duas decisões distintas, esses tribunais decidiram que não constitui violação dos direitos de autor sobre o código‑fonte de um programa informático o facto de um concorrente do titular desses direitos estudar a forma como o programa funciona e, seguidamente, escrever o seu próprio programa para imitar essa funcionalidade.

34.      O SAS Institute, contestando esta orientação, interpôs recurso dessas decisões para o órgão jurisdicional de reenvio. Acusa a WPL, principalmente:

¾        de ter copiado os manuais do sistema SAS publicados pelo SAS Institute (a seguir «manuais do SAS») ao criar o sistema WPL, violando assim os seus direitos de autor sobre os manuais do SAS;

¾        de, ao fazê‑lo, ter copiado indiretamente os programas de computador incluídos nos componentes do SAS, violando os seus direitos de autor sobre esses componentes;

¾        de ter utilizado uma versão do sistema SAS intitulada «Learning Edition» (edição de aprendizagem) em violação das condições da licença, e dos respetivos contratos, e dos seus direitos de autor sobre a referida versão e

¾        de ter violado os direitos de autor sobre os manuais do SAS ao criar o seu próprio manual (a seguir «manual da WPL»).

III — Questões prejudiciais

35.      A High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, tendo dúvidas quanto à interpretação a dar às disposições do direito da União, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      No caso de um programa de computador (a seguir «Primeiro Programa») estar protegido por direito de autor como obra literária, deve o artigo 1.°, n.° 2, [da Diretiva 91/250] ser interpretado no sentido de que não constitui violação do direito de autor sobre o Primeiro Programa o facto de um concorrente do titular do direito, sem ter acesso ao código‑fonte do Primeiro Programa, diretamente ou através de um processo como a descompilação do código‑objeto, criar outro programa («Segundo Programa») que reproduz as funções do Primeiro Programa?

2.      A resposta à primeira questão é afetada por algum dos seguintes factores?

a)      a natureza e/ou extensão da funcionalidade do Primeiro Programa;

b)      a natureza e/ou extensão da competência, avaliação e trabalho que foi empregue pelo autor do Primeiro Programa na definição da funcionalidade do Primeiro Programa;

c)      o grau de detalhe com que a funcionalidade do Primeiro Programa foi reproduzida no Segundo Programa;

d)      o facto de o código‑fonte do Segundo Programa reproduzir aspetos do código‑fonte do Primeiro Programa de uma forma que excede o que seria estritamente necessário com vista a produzir a mesma funcionalidade do Primeiro Programa.

3.      No caso de o Primeiro Programa interpretar e executar aplicações escritas por utilizadores do Primeiro Programa numa linguagem de programação criada pelo autor do Primeiro Programa que compreenda palavras‑chave criadas ou escolhidas pelo autor do Primeiro Programa e uma sintaxe criada pelo autor do Primeiro Programa, deve o artigo 1.°, n.° 2, [da Diretiva 91/250] ser interpretado no sentido de que não constitui violação do direito de autor sobre o Primeiro Programa o facto de o Segundo Programa ser escrito de modo a interpretar e executar essas aplicações utilizando as mesmas palavras‑chave e a mesma sintaxe?

4.      No caso de o Primeiro Programa ler e escrever em ficheiros de dados num determinado formato criado pelo autor do Primeiro Programa, deve o artigo 1.°, n.° 2, [da Diretiva 91/250] ser interpretado no sentido de que não constitui violação do direito de autor sobre o Primeiro Programa o facto de o Segundo Programa ser escrito de modo a ler e escrever em ficheiros de dados do mesmo formato?

5.      É relevante para a resposta à primeira, terceira e quarta questões o facto de o autor do Segundo Programa ter criado o Segundo Programa:

a)      através da observação, estudo e teste do funcionamento do Primeiro Programa; ou

b)      através da leitura de um manual criado e publicado pelo autor do Primeiro Programa, que descreve as funções do primeiro programa (a seguir «Manual»); ou

c)      através de a) e b)?

6.      No caso de uma pessoa ter o direito de usar uma cópia do Primeiro Programa ao abrigo de uma licença, deve o artigo 5.°, n.° 3, [da Diretiva 91/250] ser interpretado no sentido de que o licenciado tem o direito de efetuar operações de carregamento, execução e armazenamento do programa com vista a observar, testar ou estudar o funcionamento do Primeiro Programa, de modo a determinar as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento do programa, sem a autorização do titular do direito, se a licença permitir ao licenciado efetuar operações de carregamento, execução e armazenamento do Primeiro Programa quando o utiliza para o fim particular permitido pela licença, mas os atos praticados com vista a observar, estudar ou testar o Primeiro Programa estiverem fora do âmbito do fim permitido pela licença?

7.      Deve o artigo 5.°, n.° 3, [da Diretiva 91/250] ser interpretado no sentido de que os atos de observação, teste ou estudo do funcionamento do Primeiro Programa devem ser considerados como praticados com vista a determinar as ideias ou princípios subjacentes a qualquer elemento do Primeiro Programa quando sejam praticados:

a)      para averiguar a forma como o Primeiro Programa funciona, em particular quanto a detalhes que não estejam descritos no Manual, com o objetivo de escrever o Segundo Programa da forma referida na primeira questão;

b)      para averiguar como o Primeiro Programa interpreta e executa instruções escritas na linguagem de programação que interpreta e executa (v. terceira questão);

c)      para averiguar os formatos de ficheiros de dados que são escritos ou lidos pelo Primeiro Programa (v. quarta questão);

d)      para comparar o desempenho do Segundo Programa em relação ao Primeiro Programa, com vista a investigar os motivos pelos quais os seus desempenhos diferem e para melhorar o desempenho do Segundo Programa;

e)      para realizar testes paralelos ao Primeiro Programa e ao Segundo Programa, com vista a comparar os seus resultados no decurso do desenvolvimento do Segundo Programa, em particular através da execução dos mesmos scripts de teste no Primeiro Programa e no Segundo Programa;

f)      para averiguar os resultados do ficheiro de registo gerado pelo Primeiro Programa, com vista a produzir um ficheiro de registo cuja aparência seja idêntica ou semelhante;

g)      para providenciar para que o Primeiro Programa produza dados (em concreto, dados de correlação de códigos postais com os Estados dos [Estados Unidos da América]) para efeitos de averiguar se correspondem às bases de dados oficiais de tais dados e, no caso de não corresponderem, para programar o Segundo Programa de modo a que responda da mesma forma que o Primeiro Programa à mesma introdução de dados?

8.      No caso de o Manual estar protegido por direitos de autor como obra literária, deve o artigo 2.°, alínea a), [da Diretiva 2001/29] ser interpretado no sentido de que constitui violação do direito de autor sobre o Manual o facto de o autor do Segundo Programa reproduzir, ou reproduzir substancialmente no Segundo Programa uma das seguintes matérias descritas no Manual:

a)      a seleção de operações estatísticas que foram implementadas no Primeiro Programa;

b)      as fórmulas matemáticas utilizadas no Manual para descrever essas operações;

c)      os comandos ou combinações de comandos específicos pelos quais essas operações podem ser invocadas;

d)      as opções que o autor do Primeiro Programa tiver disponibilizado relativamente aos diversos comandos;

e)      as palavras‑chave e a sintaxe que são reconhecidas pelo Primeiro Programa;

f)      os valores por omissão que o autor do Primeiro Programa tiver optado por implementar no caso de determinado comando ou opção não ser indicado pelo utilizador;

g)      o número de iterações que o Primeiro Programa executa em determinadas circunstâncias?

9.      Deve o artigo 2.°, alínea a), [da Diretiva 2001/29] ser interpretado no sentido de que constitui violação do direito de autor sobre o Manual o facto de o autor do Segundo Programa reproduzir, ou reproduzir substancialmente, num manual que descreve o Segundo Programa, as palavras‑chave e a sintaxe que são reconhecidas pelo Primeiro Programa?»

IV — Análise

36.      Em nossa opinião, as questões apresentadas pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division podem ser tratadas da seguinte maneira.

37.      Em primeiro lugar, com as suas primeira a terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber, no essencial, se o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250 deve ser interpretado no sentido de que as funcionalidades de um programa de computador e a linguagem de programação são consideradas como a expressão desse programa e podem, deste modo, beneficiar da proteção dos direitos de autor prevista por essa diretiva.

38.      Em segundo lugar, com a sua quarta questão, entendo que o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, na realidade, se os artigos 1.°, n.° 2, e 6.°, da referida diretiva devem ser interpretados no sentido de não ser considerado como um ato sujeito a autorização o facto de um licenciado reproduzir um código ou traduzir a forma do código de um formato de ficheiros de dados, a fim de poder escrever, no seu próprio programa de computador, um código‑fonte que lê e escreve esse formato de ficheiros.

39.      Em terceiro lugar, com as suas quinta e sexta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça, no essencial, para precisar o alcance da exceção à exigência de autorização do titular do direito de autor prevista no artigo 5.°, n.° 3, dessa diretiva. Em especial, pretende saber se a expressão «[quem tiver direito a] efetuar operações de carregamento, de visualização, de execução, de transmissão ou de armazenamento» abrange unicamente as operações que o titular da licença de utilização de um programa de computador tem direito de efetuar em virtude dessa licença e se a finalidade com que são efetuadas essas operações tem incidência na possibilidade de o titular da referida licença invocar essa exceção.

40.      Em último lugar, com as suas oitava e nona questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que a reprodução, num programa de computador ou num manual de utilização, de certos elementos descritos no manual de utilização de outro programa de computador constitui uma violação do direito de autor neste último manual.

A —    Quanto à proteção das funcionalidades de um programa de computador e da linguagem de programação em virtude do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250

41.      Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑nos, na realidade, sobre o objeto e a extensão da proteção conferida pela Diretiva 91/250. Em especial, trata‑se da questão de saber se as funcionalidades (11), a linguagem de programação, bem como os formatos de ficheiros de dados de um programa de computador constituem a expressão desse programa e podem, a esse título, ser protegidos pelo direito de autor em virtude dessa diretiva.

42.      Recordo que o artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 91/250 prevê que os Estados‑Membros protejam os programas de computador enquanto obras literárias. A proteção conferida pelos direitos de autor abrange qualquer forma de expressão de um programa de computador e não as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento de um programa de computador (12). O décimo quarto considerando dessa diretiva precisa ainda que, de acordo com este princípio dos direitos de autor, as ideias e princípios eventualmente presentes na lógica, nos algoritmos e nas linguagens de programação não são protegidos ao abrigo da referida diretiva.

43.      O referido princípio é retomado igualmente nos textos internacionais. Designadamente, o artigo 2.° do Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) sobre direito de autor (13) prevê que a proteção ao abrigo do direito de autor abrange as expressões e não as ideias, procedimentos e métodos de funcionamento ou conceitos matemáticos enquanto tais.

44.      A razão de ser desta disposição é que a originalidade de uma obra, que dá acesso a proteção jurídica, se encontra não numa ideia, que circula livremente, mas na sua expressão.

45.      No que respeita aos programas de computador, a Diretiva 91/250 não precisa o conceito de «qualquer forma de expressão de um programa de computador».

46.      A inexistência de definição resulta da vontade expressa do legislador da União. Na sua proposta de diretiva (14), a Comissão Europeia precisa, com efeito, que «foi recomendado por peritos na matéria que qualquer definição numa diretiva do que constitui um programa se tornaria necessariamente obsoleta na medida em que a tecnologia futura alterará a natureza dos programas tal como são atualmente conhecidos» (15).

47.      No entanto, o legislador da União indicou que os elementos de criatividade, capacidade e invenção se manifestam no modo como o programa é elaborado. O programador define as funções a serem realizadas pelo programa de computador e analisa as eventuais maneiras de atingir os resultados pretendidos. O autor de um programa de computador, tal como o autor de um livro, escolhe os passos a seguir e o modo como esses passos são expressos confere ao programa de computador as suas características específicas de velocidade, eficácia e mesmo de estilo (16).

48.      Portanto, a proteção a um programa de computador só pode ser assegurada a partir do momento em que a seleção e compilação destes elementos revelam a criatividade e a capacidade do autor, fazendo da sua obra algo de diferente da dos demais (17).

49.      No acórdão de 22 de dezembro de 2010, Bezpečnostní softwarová asociace (18), o Tribunal de Justiça precisou que o objeto da proteção conferida pela Diretiva 91/250 inclui o programa de computador em todas as formas de expressão deste, que permitem reproduzi‑lo em diferentes linguagens informáticas, tais como o código‑fonte e o código‑objeto (19). Julgou também que qualquer forma de expressão de um programa de computador deve ser protegida a partir do momento em que a sua reprodução provoque a reprodução do próprio programa de computador, permitindo, assim, que o computador cumpra a sua função (20).

50.      A proteção de um programa de computador não se limita, portanto, aos elementos literais desse programa, isto é, o código‑fonte e o código‑objeto, mas estende‑se a qualquer outro elemento que exprima a criatividade do seu autor.

51.      No quadro definido deste modo, deve abordar‑se em seguida a questão de saber se a funcionalidade de um programa de computador e a linguagem de programação podem ser consideradas a expressão de um programa e beneficiar, deste modo, da proteção prevista pela Diretiva 91/250.

1.      Quanto à proteção pelo direito de autor das funcionalidades de um programa de computador

52.      A funcionalidade de um programa de computador pode ser definida como o conjunto das possibilidades que oferece um sistema informático, as ações próprias desse programa. Por outras palavras, a funcionalidade de um programa de computador é o serviço que dele espera o utilizador.

53.      Na minha opinião, as funcionalidades de um programa de computador não podem, enquanto tais, ser objeto de uma proteção pelo direito de autor em virtude do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 91/250.

54.      Veja‑se um exemplo concreto. Quando um programador decide desenvolver um programa de computador de reserva de bilhetes de avião, há nesse software uma multiplicidade de funcionalidades necessárias a essa reserva. Com efeito, o programa de computador deve, sucessivamente, ser capaz de encontrar o voo procurado pelo utilizador, verificar os lugares disponíveis, reservar a cadeira, registar os dados do utilizador, ter em conta os dados de pagamento em linha e, por fim, editar o bilhete eletrónico desse utilizador (21). Todas essas funcionalidades, essas ações, são ditadas por um objetivo bem preciso e limitado. Nisso, aparentam‑se, portanto, a uma ideia. Portanto, podem existir programas de computador que ofereçam as mesmas funcionalidades.

55.      Em contrapartida, existe uma multiplicidade de meios para alcançar essas funcionalidades e são esses meios que serão suscetíveis de ser protegidos pelos direitos de autor nos termos da Diretiva 91/250. Com efeito, tal como vimos, a criatividade, a capacidade e a invenção manifestam‑se no modo como o programa é elaborado, na sua escrita. O programador utiliza fórmulas e algoritmos que, enquanto tais, estão excluídos da proteção pelo direito de autor (22), uma vez que são comparáveis às palavras com que o poeta ou o romancista cria a obra literária (23). No entanto, a forma como todos esses elementos são dispostos tal como o estilo da escrita do programa de computador, é suscetível de espelhar uma criação intelectual do seu próprio autor e, portanto, pode ser protegida.

56.      De resto, esta análise parece‑me ser confirmada pelos trabalhos preparatórios que conduziram à Diretiva 91/250. Com efeito, na sua proposta de diretiva, a Comissão explica que a proteção dos programas de computador através dos direitos de autor tem como principal vantagem o facto de abranger unicamente a expressão individualizada de uma obra, possibilitando uma flexibilidade suficiente que permite aos outros autores criarem programas similares ou mesmo idênticos desde que não se trate de cópias (24). Este aspeto é especialmente importante tendo em conta o facto de o número de algoritmos disponíveis em que se baseiam os programas de computador ser considerável mas não ilimitado (25).

57.      Admitir que uma funcionalidade de um programa de computador pode, enquanto tal, ser protegida, equivale a oferecer a possibilidade de monopolizar as ideias, em detrimento do progresso técnico e do desenvolvimento industrial.

58.      Por outro lado, compreendo que o órgão jurisdicional de reenvio se questione sobre se a reprodução dos aspetos do código‑fonte, que dizem respeito à funcionalidade de um programa de computador, no código‑fonte de outro programa de computador, constitui uma violação dos direitos exclusivos do autor do primeiro programa.

59.      Na minha opinião, tal como nas outras obras suscetíveis de serem protegidas pelos direitos de autor, o facto de reproduzir uma parte substancial da expressão das funcionalidades de um programa de computador pode constituir uma violação desses direitos.

60.      Com efeito, no acórdão de 6 de julho de 2009, Infopaq International (26), o Tribunal de Justiça julgou que as diferentes partes de uma obra beneficiam de uma proteção nos termos do artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29 desde que contenham determinados elementos que são a expressão da criação intelectual do próprio autor dessa obra (27). Dado que o programa de computador deve ser considerado uma obra literária (28), a mesma análise deve ser adotada no que respeita aos elementos que constituem a expressão da criação intelectual do próprio autor do programa de computador.

61.      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a natureza e a extensão de uma funcionalidade de um programa de computador reproduzida noutro programa de computador ou ainda o nível de detalhe com que essa funcionalidade foi reproduzida podem influenciar essa análise.

62.      Não o creio.

63.      Retome‑se o exemplo do programa de computador que permite reservar um bilhete de avião. A estrutura desse programa vai definir as suas funcionalidades e descrever a combinação dessas funcionalidades. A própria função do referido programa, a saber, para o utilizador, obter um bilhete de avião, vai ditar essa combinação. Deve verificar‑se se o voo existe, e, em caso afirmativo, em que data e hora, se ainda há lugares, etc. Seja qual for a natureza e a extensão da funcionalidade, penso que esta última ou mesmo a combinação de várias funcionalidades são equiparáveis a uma ideia e não podem, portanto, ser protegidas, enquanto tais, pelos direitos de autor.

64.      Do mesmo modo, sou da opinião que esta análise não pode ser posta em causa pela natureza e extensão da competência, avaliação e trabalho que foram consagrados à conceção da funcionalidade de um programa de computador.

65.      Com efeito, recordo que o artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 91/250 prevê que um programa de computador é protegido se for original, no sentido em que é o resultado da criação intelectual do autor. Esta disposição precisa que não serão considerados quaisquer outros critérios para determinar a sua suscetibilidade de proteção (29). Designadamente, o oitavo considerando dessa diretiva enuncia que, no tocante aos critérios a aplicar para apreciar se um programa de computador constitui ou não uma obra original, não se deverá recorrer a testes dos seus méritos qualitativos ou estéticos.

66.      Assim, sou da opinião que, para determinar se um programa de computador é suscetível de beneficiar de proteção jurídica em virtude dos direitos de autor, há que ter em conta, não o tempo e o trabalho consagrados à conceção desse programa, nem o nível de competência do seu autor, mas o grau de originalidade da sua escrita.

67.      No presente processo, compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se, ao reproduzir as funcionalidades dos componentes SAS, a WPL reproduziu, no seu sistema WPL, uma parte substancial dos elementos desses componentes que são a expressão da criação intelectual do próprio autor dos referidos componentes.

2.      Quanto à proteção pelos direitos de autor da linguagem de programação

68.      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente sobre a questão de saber se a linguagem de programação de um programa de computador é suscetível de ser protegida pelos direitos de autor em virtude da Diretiva 91/250 (30). Com efeito, a WPL fez com que o seu sistema WPL pudesse interpretar e executar as instruções escritas em linguagem SAS.

69.      Como se viu, um programa de computador é redigido, antes de mais, sob a forma de um código‑fonte. Esse código é escrito numa linguagem de programação que vai agir como um tradutor entre o utilizador e a máquina. Este programa permite a esse utilizador escrever instruções numa linguagem que ele mesmo compreende. O órgão jurisdicional de reenvio explica que a linguagem SAS consiste em instruções, expressões, opções, formatos e funções expressas em símbolos, ou seja, sequências de caracteres utilizados de acordo com determinadas convenções. Um dos principais tipos de símbolos da linguagem SAS é o nome, por exemplo, LOGISTIC e UNIVARIATE. O órgão jurisdicional de reenvio precisa igualmente que a linguagem SAS tem a sua própria sintaxe e as suas próprias palavras‑chave (31).

70.      Segundo Patrick Roussel, «a linguagem de programação enquanto tal assemelha‑se a uma obra científica, uma construção teórica, cuja finalidade consiste em organizar, definir e transmitir conhecimentos com o objetivo de escrever fontes de software num enunciado compreensível para o ser humano e facilmente transformável em instruções executadas por um computador. A linguagem de programação imagina métodos específicos a empregar, facilita o exercício do espírito para a enunciação e a formalização de programas fonte de computador. Não se trata, como num programa, de fazer com que o computador produza um resultado específico, mas de dar as regras de formulação de um programa que permitirá obter um resultado» (32).

71.      Por conseguinte, parece‑me que a linguagem de programação é um elemento funcional que permite dar instruções à máquina. Como se viu com a linguagem SAS, a linguagem de programação é constituída por palavras e caracteres conhecidos de todos, desprovidos de originalidade. Na minha opinião, a linguagem de programação assemelha‑se à linguagem que utiliza o autor de um romance. A linguagem de programação é, portanto, o meio que permite a expressão, e não a própria expressão.

72.      Portanto, não penso que a linguagem de programação enquanto tal, possa ser considerada a expressão de um programa de computador e ser, deste modo, suscetível de ser protegida pelos direitos de autor nos termos da Diretiva 91/250.

73.      Na minha opinião, esta análise não é posta em causa pelo facto de o décimo quarto considerando desta diretiva indicar que as ideias e princípios eventualmente presentes na lógica, nos algoritmos e nas linguagens de programação não são protegidos ao abrigo da referida diretiva. Com efeito, o SAS Institute entende que, interpretado a contrario, este considerando demonstra que a linguagem de programação não fica excluída da proteção pelos direitos de autor sobre os programas de computador.

74.      Na realidade, na minha opinião, o referido considerando apenas retoma o princípio segundo o qual os direitos de autor protegem a expressão das ideias e não as próprias ideias. Consequentemente, enquanto tal, a linguagem de programação não pode ser protegida. Em contrapartida, dado que o código‑fonte de um programa de computador é escrito numa linguagem de programação, é essa expressão pela linguagem de programação que é suscetível de ser protegida nos termos do artigo 1.° da Diretiva 91/250.

75.      Face ao que precede, entendo que a linguagem de programação, enquanto tal, não constitui uma forma de expressão do programa de computador suscetível de ser objeto de proteção pelos direitos de autor nos termos dessa disposição.

76.      Face às considerações precedentes, considero que o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250 deve ser interpretado no sentido de que as funcionalidades de um programa de computador e a linguagem de programação não são suscetíveis, enquanto tais, de serem protegidas pelos direitos de autor. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se, ao reproduzir essas funcionalidades no seu programa de computador, o autor desse programa reproduziu uma parte substancial dos elementos do primeiro programa que são expressão da criação intelectual do seu próprio autor.

B —    Quanto à proteção dos formatos de ficheiros de dados pelo artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250

77.      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber, no essencial, se a WPL não cometeu um ato de contrafação ao obter informações suficientes sobre o formato dos ficheiros de dados SAS para conseguir escrever um código‑fonte, no seu próprio programa de computador, que lê e escreve ficheiros de dados nesse mesmo formato.

78.      Esta questão leva‑me a interrogar‑me sucessivamente sobre a questão de saber se, como interface lógica (33), o formato de ficheiros de dados é uma expressão do programa de computador suscetível de ser protegida nos termos da Diretiva 91/250 e se, a esse título, pode ser sujeita, em virtude do artigo 6.° da referida diretiva, a um ato de descompilação com vista à interoperabilidade entre os elementos dos diferentes programas de computador.

79.      O SAS Institute descreve os formatos de ficheiros de dados da seguinte forma. O sistema SAS armazena dados em ficheiros, donde os extrai. Para o fazer, esse sistema utiliza um certo número de formatos de dados, formatos esses que foram concebidos pelo SAS Institute. Os referidos formatos podem ser considerados formulários virgens que o sistema SAS deve completar com os dados do cliente e que preveem os locais específicos em que as informações especiais devem ser escritas para que esse sistema possa ler e escrever corretamente o ficheiro (34).

80.      A fim de permitir que o seu programa tenha acesso aos dados dos utilizadores armazenados no formato de ficheiros de dados SAS, a WPL fez com que o seu programa entenda e interprete esse formato.

81.      Parece‑me que a Diretiva 91/250 não exclui as interfaces da proteção pelos direitos de autor. Limita‑se a indicar, no seu décimo terceiro considerando, que as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento de um programa, incluindo os subjacentes às suas interfaces, não são protegidos por direitos de autor ao abrigo dessa diretiva.

82.      Tal como o SAS Institute, penso que o formato de ficheiros de dados da SAS faz parte integrante do seu programa de computador. De resto, o décimo primeiro considerando da referida diretiva indica que as partes do programa que permitem a interconexão e a interação entre os componentes de um sistema são geralmente conhecidas como «interfaces». Sendo uma parte do programa de computador, a interface — aqui os elementos que criam, escrevem e lêem o formato de ficheiros de dados SAS — é, portanto, expressa em código‑fonte nesse programa. Por conseguinte, se a expressão da interface constitui uma parte substancial da expressão do programa de computador, tal como se viu nos n.os 59 e 60 das presentes conclusões, é suscetível de ser protegida pelos direitos de autor nos termos da Diretiva 91/250.

83.      Dito isto, a questão é agora a de saber se, nos termos do artigo 6.° dessa diretiva, a WPL podia proceder a um ato de descompilação para assegurar a interoperabilidade entre o sistema SAS e o seu sistema WPL.

84.      Com efeito, a interface permite a interoperabilidade, isto é, a capacidade de trocar informações e de utilizar reciprocamente as informações trocadas (35), entre os elementos de diferentes programas de computador (36). Ora, o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 91/250 prevê, sob reserva de determinadas condições, que não é necessária a autorização do titular dos direitos de autor sobre um programa de computador quando a reprodução do código e a tradução da sua forma na aceção das alíneas a) e b) do artigo 4.° dessa diretiva forem indispensáveis para obter as informações necessárias à interoperabilidade de um programa de computador criado independentemente com outros programas. É o que se chama descompilação.

85.      O artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 91/250 constitui uma exceção aos direitos exclusivos do autor de um programa de computador e deve, na minha opinião, ser interpretado em sentido estrito. A este respeito, o legislador da União teve o cuidado de precisar, no vigésimo primeiro e vigésimo terceiro considerandos dessa diretiva, que a descompilação deve ser realizada apenas em circunstâncias restritas e que não deve ser aplicada de modo a causar prejuízo aos interesses legítimos do titular do direito ou a colidir com a exploração normal do programa.

86.      Assim, a descompilação pode ser efetuada pelo licenciado, quando não se encontrarem já fácil e rapidamente à disposição do licenciado as informações necessárias à interoperabilidade e quando se limitar a certas partes do programa de origem necessárias à interoperabilidade (37).

87.      No meu entendimento, o emprego dos termos «indispensável» ou «necessário» ilustra a vontade do legislador da União de fazer da descompilação um ato de exceção. Na minha opinião, o licenciado deve demonstrar a necessidade absoluta de reproduzir o código ou de traduzir a respetiva forma para os efeitos da interoperabilidade com os elementos do seu próprio programa.

88.      Por fim, penso que a descompilação não deve ter por efeito permitir que o licenciado recopie o código do programa de computador para o seu próprio programa. Com efeito, o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 91/250 prevê que tal procedimento pode ser utilizado a fim de obter as informações necessárias à interoperabilidade (38) entre os elementos de programas de computador diferentes. Em caso algum prevê a autorização de recopiar o código do programa de computador.

89.      Em qualquer caso, compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se os requisitos enumerados no artigo 6.°, n.° 1, alíneas a) a c), desta diretiva, estão preenchidos.

90.      Face aos elementos precedentes, considero que os artigos 1.°, n.° 2, e 6.° da Diretiva 91/250 devem ser interpretados no sentido de não ser considerado um ato sujeito a autorização o facto de um licenciado reproduzir um código ou traduzir a forma do código de um formato de ficheiros de dados, para poder escrever, no seu próprio programa de computador, um código‑fonte que lê e escreve esse formato de ficheiros, na condição de essa operação ser absolutamente indispensável para a obtenção de informações necessárias à interoperabilidade entre os elementos de diferentes programas. A referida operação não deve ter o efeito de permitir que esse licenciado recopie o código do programa de computador para o seu próprio programa, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.

C —    Quanto ao alcance do artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 91/250

91.      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se a expressão «[quem tiver direito a] efetuar operações de carregamento, de visualização, de execução, de transmissão ou de armazenamento», prevista no artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 91/250, engloba unicamente as operações que o titular da licença de utilização de um programa de computador tem direito de efetuar em virtude dessa licença e se a finalidade com que essas operações são efetuadas influencia a possibilidade de o titular da referida licença invocar essa exceção.

92.      O objeto desta disposição é claro. A observação, o estudo ou o teste do funcionamento de um programa de computador visam apurar as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento desse programa. A referida disposição inscreve‑se no prolongamento do princípio enunciado no artigo 1.°, n.° 2, dessa diretiva, segundo o qual as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento de um programa de computador não são protegidos pelos direitos de autor.

93.      Em nossa opinião, o efeito útil do artigo 5.°, n.° 3, da referida diretiva consiste em evitar que, por meio de cláusulas contratuais, o titular dos direitos de um programa de computador proteja indiretamente as ideias e princípios subjacentes a esse programa. A este respeito, o artigo 9.°, n.° 1, segunda frase, da Diretiva 91/250 dispõe que qualquer disposição contrária ao seu artigo 5.°, n.° 3, será nula.

94.      Todavia, se esta última disposição permite à pessoa autorizada apurar as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento de um programa de computador, não deixa de ser verdade que admite essa possibilidade (39). Assim, essa pessoa pode observar, estudar ou testar o funcionamento desse programa dentro dos limites das operações que tem direito de efetuar (40).

95.      Penso que a expressão «[quem tiver direito a] efetuar operações de carregamento, de visualização, de execução, de transmissão ou de armazenamento» se refere aos atos autorizados nos termos dos artigos 4.°, alíneas a) e b), e 5.°, n.° 1, da Diretiva 91/250. Com efeito, os direitos exclusivos do titular incluem o direito de efetuar e autorizar determinados atos (41). Esse titular é o único a determinar esses atos na licença que vai conceder. Por exemplo, pode autorizar a reprodução do seu programa de computador, mas não a tradução ou a adaptação do mesmo.

96.      Por outro lado, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, da referida diretiva, certos atos, não se encontram sujeitos a autorização do titular, salvo disposições contratuais específicas em contrário, sempre que sejam necessários para a utilização do programa de computador pelo seu legítimo adquirente de acordo com o fim a que esse programa se destina, bem como para a correção de erros. O legislador da União teve o cuidado de precisar, no décimo sétimo considerando da Diretiva 91/250, que as operações de carregamento e funcionamento necessárias a essa utilização não podem ser proibidas por contrato.

97.      Portanto, à luz destes elementos, penso que a expressão «[quem] tiver direito a] efetuar operações de carregamento, de visualização, de execução, de transmissão ou de armazenamento» diz respeito às operações para as quais essa pessoa obteve autorização do titular do direito, bem como às operações de carregamento e de funcionamento necessárias à utilização do programa de computador de acordo com o fim a que se destina.

98.      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, além disso, se os fins para os quais o funcionamento de um programa de computador foi observado, estudado ou testado (42) influenciam a possibilidade de invocar a exceção prevista no artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 91/250.

99.      Como se viu, o objetivo desta disposição é permitir apurar as ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento de um programa de computador sem, contudo, violar os direitos exclusivos do autor desse programa.

100. Na minha opinião, resulta da redação e da economia da referida disposição que esta não poderá ter por efeito permitir que a pessoa autorizada a utilizar uma cópia de um programa de computador tenha acesso a informações protegidas pelos direitos de autor, tais como o código‑fonte ou o código‑objeto.

101. Por conseguinte, à luz das considerações precedentes, penso que o artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 91/250, conjugado com os artigos 4.°, alíneas a) e b), e 5.°, n.° 1, da mesma diretiva, deve ser interpretado no sentido de que a expressão «[quem tiver direito a] efetuar operações de carregamento, de visualização, de execução, de transmissão ou de armazenamento» diz respeito às operações para as quais essa pessoa obteve autorização do titular do direito, bem como às operações de carregamento e de funcionamento necessárias à utilização do programa de computador de acordo com o fim a que se destina. A observação, o estudo ou o teste de funcionamento de um programa de computador efetuados em conformidade com essa disposição não devem ter por efeito permitir que a pessoa autorizada a utilizar uma cópia de um programa de computador tenha acesso a informações protegidas pelos direitos de autor, tais como o código‑fonte ou o código‑objeto.

D —    Quanto à proteção do manual de utilização de um programa de computador pelo artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29

102. Com estas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que a reprodução, num programa de computador ou num manual de utilização, de determinados elementos descritos no manual de utilização de outro programa de computador constitui uma violação dos direitos de autor neste último manual.

103. Os manuais SAS constituem obras técnicas que documentam de modo exaustivo e pormenorizado a funcionalidade de cada uma das partes de cada um dos componentes SAS, os inputs necessários e, se for caso disso, os outputs esperados. Têm uma finalidade utilitária e são concebidos para dar aos utilizadores uma grande quantidade de informações sobre o comportamento externo do sistema SAS. Não contêm informações sobre o comportamento interno do referido sistema.

104. O órgão jurisdicional de reenvio indica que cada um dos manuais SAS é uma obra literária original que beneficia da proteção dos direitos de autor ao abrigo da Diretiva 2001/29.

105. O artigo 2.°, alínea a), desta diretiva prevê que cabe ao autor o direito exclusivo de autorizar ou proibir a reprodução das suas obras «por quaisquer meios e sob qualquer forma». Na minha opinião, o facto de a alegada contrafação dizer respeito também à reprodução de manuais para criar uma obra que se apresenta sob uma forma diferente, como um programa de computador, não exclui essa reprodução do âmbito de aplicação da referida diretiva.

106. Com efeito, no acórdão Infopaq International, já referido, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de se pronunciar sobre o alcance da proteção prevista no artigo 2.° da Diretiva 2001/29. O Tribunal de Justiça indicou que o vigésimo primeiro considerando da Diretiva 2001/29 exige que os atos abrangidos pelo direito de reprodução sejam entendidos em sentido amplo. Esta exigência de uma definição ampla dos referidos atos está, de resto, igualmente presente na redação do artigo 2.° da referida diretiva, que emprega expressões como «diretas ou indiretas», «temporárias ou permanentes», «por quaisquer meios» e «sob qualquer forma» (43).

107. Por conseguinte, a proteção conferida pelo artigo 2.° da Diretiva 2001/29 deve ter um alcance que, na minha opinião, inclui quer a reprodução de determinados elementos no manual de outro programa de computador, quer a reprodução no próprio programa de computador.

108. Trata‑se agora da questão de saber se, ao reproduzir no manual WPL e no sistema WPL determinados elementos contidos nos manuais SAS, a WPL violou os direitos de autor que o SAS Institute detém sobre estes últimos manuais.

109. Como se viu no n.° 43 das presentes conclusões, os direitos de autor regem‑se pelo princípio segundo o qual a proteção pelos direitos de autor inclui as expressões mas não as ideias, os procedimentos e métodos de funcionamento ou conceitos matemáticos enquanto tais.

110. No presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio indica‑nos que a WPL reproduziu a partir dos manuais SAS, designadamente, as palavras‑chave, a sintaxe, os comandos e as combinações de comandos, as opções, os valores por omissão e as iterações a fim de os reproduzir no seu programa e no manual WPL.

111. Na minha opinião, esses elementos, enquanto tais, não podem beneficiar da proteção conferida pelos direitos de autor.

112. Com efeito, no que respeita à linguagem de programação, viu‑se nos n.os 69 e 70 das presentes conclusões que esta é constituída por palavras e caracteres e que tem regras de sintaxe próprias, utilizando as suas próprias palavras‑chave.

113. As opções previstas em relação aos diferentes comandos constituem uma forma de subcomportamentos relativamente a um dado comando. Esses subcomportamentos permitem verificar os detalhes do comportamento solicitado. Para o efeito, basta acrescentar palavras após o nome de comando.

114. Quanto aos valores por omissão executados no caso de o utilizador não ter especificado um comando ou uma opção específicos, permitem que o sistema SAS autorize a omissão, em determinadas circunstâncias, dos nomes de comandos, das opções ou dos nomes de dados, valores esses que preenchem o vazio criado.

115. No que respeita à escolha das operações estatísticas, resulta das observações submetidas pela WPL que a execução das operações estatísticas é provocada pela escrita de instruções em linguagem SAS. Os manuais SAS incluem uma descrição de cada uma das operações estatísticas acrescentada às versões sucessivas do sistema SAS. O sistema WPL propõe a mesma escolha de operações estatísticas aos utilizadores que escrevem os programas de aplicação em linguagem SAS. O sistema WPL não reproduz a descrição dessas operações estatísticas, limitando‑se a executá‑las.

116. Sempre segundo a WPL, as fórmulas matemáticas presentes nos manuais SAS descrevem o output que será calculado a partir do input. Não se trata do código do programa necessário para efetuar uma série de cálculos. Com efeito, uma fórmula matemática pode ser executada de muitas maneiras. Os programadores da WPL escreveram um código‑fonte capaz de executar os cálculos tal como são descritos nas fórmulas matemáticas.

117. Por fim, o sistema SAS contém uma operação estatística específica que termina com oito iterações. Na medida em que esse valor, segundo a WPL, influencia o resultado final, os programadores, depois de terem lido os manuais SAS, criaram um código‑fonte igualmente capaz de executar oito iterações.

118. Resulta das considerações expostas que esses diversos elementos correspondem, no meu entender, a ideias, procedimentos, métodos de funcionamento ou conceitos matemáticos. Por isso, não podem, enquanto tais, beneficiar da proteção a título dos direitos de autor concedida pelo artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29.

119. Em contrapartida, a expressão dessas ideias, desses processos, métodos de funcionamento ou conceitos matemáticos é suscetível de ser protegida, em virtude dessa disposição, se se revelar original.

120. Com efeito, só através da escolha, da disposição e da combinação desses elementos é permitido ao autor exprimir o seu espírito criador de modo original e chegar a um resultado que constitui uma criação intelectual (44).

121. Em qualquer caso, compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se é esse o caso no presente processo.

122. Face às considerações precedentes, sugiro que o Tribunal de Justiça declare que o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que a reprodução, num programa de computador ou num manual de utilização, de determinados elementos descritos no manual de outro programa de computador é suscetível de constituir uma violação dos direitos de autor neste último manual se — o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar — os elementos reproduzidos deste modo forem a expressão da criação intelectual do seu próprio autor.

V —    Conclusão

123. Face às considerações precedentes, sugiro que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões submetidas pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division:

«1)      O artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1991, relativa à proteção jurídica dos programas de computador, deve ser interpretado no sentido de que as funcionalidades de um programa de computador, bem como a linguagem de programação não são suscetíveis, enquanto tais, de serem protegidas pelos direitos de autor. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se, ao reproduzir essas funcionalidades no seu programa de computador, o autor desse programa reproduziu uma parte substancial dos elementos do primeiro programa que são expressão da criação intelectual do seu próprio autor.

2)      Os artigos 1.°, n.° 2, e 6.° da Diretiva 91/250 devem ser interpretados no sentido de não ser considerado um ato sujeito a autorização o facto de um licenciado reproduzir um código ou traduzir a forma do código de um formato de ficheiros de dados, para poder escrever, no seu próprio programa de computador, um código‑fonte que lê e escreve esse formato de ficheiros, na condição de essa operação ser absolutamente indispensável para a obtenção de informações necessárias à interoperabilidade entre os elementos de diferentes programas. A referida operação não deve ter por efeito permitir que esse licenciado recopie o código do programa de computador para o seu próprio programa, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.

3)      O artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 91/250, conjugado com os artigos 4.°, alíneas a) e b), e 5.°, n.° 1, desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que a expressão «[quem tiver direito a] efetuar operações de carregamento, de visualização, de execução, de transmissão ou de armazenamento» diz respeito às operações para as quais essa pessoa obteve autorização do titular do direito, e às operações de carregamento e de funcionamento necessárias à utilização do programa de computador de acordo com o fim a que se destina. A observação, o estudo ou o teste de funcionamento de um programa de computador efetuados em conformidade com essa disposição não devem ter por efeito permitir que a pessoa autorizada a utilizar uma cópia de um programa de computador tenha acesso a informações protegidas pelos direitos de autor, tais como o código‑fonte ou o código‑objeto.

4)      O artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que a reprodução, num programa de computador ou num manual de utilização, de determinados elementos descritos no manual de outro programa de computador é suscetível de constituir uma violação dos direitos de autor neste último manual se — o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar — os elementos reproduzidos deste modo forem a expressão da criação intelectual do seu próprio autor.»


1 – Língua original: francês.


2 – Diretiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1991, relativa à proteção jurídica dos programas de computador (JO L 122, p. 42).


3 – Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10).


4 – V. primeiro, quarto e quinto considerandos da referida diretiva.


5 – V. décimo terceiro considerando da Diretiva 91/250.


6 – V. artigo 1.°, n.° 1, da referida diretiva.


7 – V. artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2001/29.


8 – Os inputs são os dados que os utilizadores introduzem.


9 – Os outputs são os resultados dos inputs tratados pelo programa de computador.


10 – Na origem de um programa de computador, está o código‑fonte, redigido pelo programador. Este código, constituído por palavras, é inteligível ao espírito humano. Não é, no entanto, executável pela máquina. Para esse efeito, deve ser compilado para ser traduzido na linguagem da máquina sob uma forma binária, com maior frequência os algarismos 0 e 1. É o que se designa por código‑objeto.


11 – O órgão jurisdicional de reenvio parece utilizar indistintamente os termos «função» e «funcionalidade» nas suas questões prejudiciais e no texto do seu despacho de reenvio. Por motivos de clareza, utilizarei unicamente, nas presentes conclusões, o termo «funcionalidade».


12 – V. artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250.


13 – O Tratado, adotado em Genebra em 20 de dezembro de 1996, foi aprovado em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2000/278/CE do Conselho, de 16 de março de 2000 (JO L 89, p. 6).


14 – Proposta de diretiva do Conselho relativa à proteção jurídica dos programas de computador [COM(1988) 816 final, a seguir «proposta de diretiva»].


15 – V. artigo 1.°, n.° 1, primeiro parágrafo, que figura na segunda parte da proposta de diretiva, intitulada «Disposições especiais».


16 – V. n.° 2.3 da proposta de diretiva.


17 – V. n.° 2.5 da proposta de diretiva.


18 – C‑393/09, Colet., p. I‑13971.


19 – N.° 35.


20 – N.° 38


21 – V. acórdão da High Court of Justice (England & Wales) de 30 de julho de 2004, Navitaire Inc. v. EasyJet, [2004] EWHC 1725 [Ch], n.os 116 e 117.


22 – V. décimo quarto considerando e artigo 1.°, n.° 2, desta diretiva.


23 – V. n.° 2.4 da proposta de diretiva.


24 – V. n.° 3.7 da proposta de diretiva.


25Idem.


26 – C‑5/08, Colet., p. I‑6569.


27 – N.° 39.


28 – V. artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 91/250. V., igualmente, artigo 1.°, n.° 2, da proposta de diretiva.


29 – V., igualmente, artigo 1.°, n.° 3, da proposta de diretiva.


30 – V. n.os 67 a 69 do despacho de reenvio.


31 – V. n.° 11 do despacho de reenvio.


32 – V. Roussel, P., «La maîtrise d’un langage de programmation s’acquiert par la pratique», RevueCommunication Commerce électronique, n.° 4, abril, 2005, Étude 15.


33 – As partes parecem reconhecer, tal como o órgão jurisdicional de reenvio, que o formato de ficheiros de dados SAS é uma interface lógica.


34 – V. n.° 96 das observações escritas do SAS Institute.


35 – V. décimo segundo considerando da Diretiva 91/250.


36 – V. décimo primeiro considerando da referida diretiva.


37 – V. artigo 6.°, n.° 1, alíneas a) a c), da Diretiva 91/250.


38 – O sublinhado é meu.


39 – V. igualmente, décimo oitavo considerando da Diretiva 91/250.


40 – O sublinhado é meu.


41 – Artigo 4.°, alíneas a) e b), da referida diretiva.


42 – Esses fins são enumerados na sétima questão, alíneas a) a g).


43 – N.os 41 e 42.


44 – V., nesse sentido, acórdão Infopaq International, já referido (n.° 45).