Language of document : ECLI:EU:C:2012:392

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 28 de junho de 2012 (1)

Processos apensos C‑399/10 P e C‑401/10 P

Bouygues SA,

Bouygues Télécom SA

contra

Comissão Europeia e o.

e

Comissão Europeia

contra

República Francesa e o.

«Recurso — Auxílio de Estado — Conceito — Vantagens concedidas, direta ou indiretamente, através de auxílios de Estado — Medidas financeiras a favor da France Télécom»





1.        Com os seus recursos, a Bouygues SA e a Bouygues Télécom SA (processo C‑399/10 P), duas sociedades de direito francês, a última das quais ativa no mercado francês da telefonia móvel (a seguir «sociedades Bouygues»), e a Comissão Europeia (processo C‑401/10 P) pedem a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, de 21 de maio de 2010, França e o./Comissão (T‑425/04, T‑444/04, T‑450/04 e T‑456/04, Colet., p. II‑2099, a seguir «acórdão recorrido»), através do qual este, por um lado, anulou o artigo 1.° da Decisão 2006/621/CE da Comissão, de 2 de agosto de 2004, relativa ao auxílio Estatal concedido pela França a favor da France Télécom (JO 2006, L 257, p. 11, a seguir «decisão impugnada»), e, por outro, declarou que não havia que conhecer dos pedidos de anulação do artigo 2.° desta decisão.

I —    Antecedentes do litígio e decisão impugnada

2.        A France Télécom (a seguir «FT»), líder de um grupo ativo no fornecimento de redes e de serviços de telecomunicações, é uma sociedade anónima cotada na Bolsa, em cujo capital, em 2002, a participação do Estado francês ascendia a 56,45%. Em 31 de dezembro de 2001, a FT registava, nas suas contas publicadas relativas ao ano de 2001, uma dívida líquida de 63,5 mil milhões de euros e um prejuízo de 8,3 mil milhões de euros. Em 30 de junho de 2002, a dívida líquida da FT atingia 69,69 mil milhões de euros, dos quais 48,9 mil milhões de euros de empréstimos obrigacionistas com vencimento e reembolso durante os anos de 2003 a 2005.

3.        Face à situação financeira da FT, o Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria francês declarou, numa entrevista publicada em 12 de julho de 2002, no diário Les Echos (a seguir «declaração de 12 de julho de 2002»), o seguinte:

«Somos o acionista maioritário com 55% do capital […] O Estado acionista irá atuar como um investidor prudente e, caso a [FT] tenha dificuldades, tomaremos as medidas adequadas […]. Repito que, se [a FT] registar problemas de financiamento, o que não acontece atualmente, o Estado adotará as decisões necessárias para que tais dificuldades sejam ultrapassadas. Relança o rumor de um aumento de capital […] Não, evidentemente que não! Afirmo simplesmente que tomaremos, oportunamente, as medidas adequadas. Se necessário […]»

4.        Num comunicado de imprensa sobre a situação financeira da FT, de 13 de setembro de 2002 (a seguir «declaração de 13 de setembro de 2002»), as autoridades francesas declararam o seguinte:

«Após os prejuízos excecionais registados no primeiro semestre, a [FT] encontra‑se confrontada com uma grave insuficiência de fundos próprios. Esta situação financeira fragiliza o potencial da [FT]. O Governo [francês] está consequentemente determinado a exercer plenamente as suas responsabilidades […]. O Estado [francês] apoiará a [FT] na execução deste plano e contribuirá, por seu turno, para um reforço significativo dos fundos próprios da empresa, segundo um calendário e modalidades a determinar em função das condições de mercado. Até lá, o Estado [francês] adotará, se necessário, medidas que permitam evitar à [FT] qualquer problema de financiamento.»

5.        Em 2 de outubro de 2002, foi nomeado o novo PDG (Presidente e Diretor‑Geral) da FT. O comunicado de imprensa que anunciava esta nomeação (a seguir «declaração de 2 de outubro de 2002») tem o seguinte teor:

«[…] Neste âmbito, [o novo PDG da FT] contará com o apoio do Estado acionista que está determinado a assumir todas as suas responsabilidades. O Estado [francês] contribuirá para a execução das medidas de recuperação e contribuirá, por seu turno, para o reforço dos fundos próprios da [FT] segundo modalidades a determinar em estreita colaboração com o Presidente da [FT] e o Conselho de Administração. Como já indicado, o Estado [francês] tomará entretanto, se necessário, medidas que permitam evitar à empresa qualquer problema de financiamento.»

6.        Por ocasião do conselho de administração da FT de 4 de dezembro de 2002, os novos dirigentes da FT apresentaram um plano de ação intitulado «Ambition FT 2005» (a seguir «plano Ambition 2005»), destinado essencialmente a reequilibrar o orçamento da FT através de um reforço dos fundos próprios, no montante de 15 mil milhões de euros.

7.        A apresentação do plano Ambition 2005 foi acompanhada de um comunicado de imprensa do Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria, de 4 de dezembro de 2002 (a seguir «anúncio de 4 de dezembro de 2002»), com o seguinte teor:

«[O] ministro da [E]conomia […] confirma o apoio do Estado [francês] ao plano de ação aprovado pelo Conselho de Administração da [FT] em 4 de dezembro de [2002]. 1) O grupo [FT] constitui um conjunto industrial coerente cujos resultados são notáveis. Todavia, a [FT] tem hoje de fazer face a uma estrutura financeira desequilibrada e a necessidades de fundos próprios e de refinanciamento a médio prazo. Esta situação resulta do fracasso dos investimentos anteriores, mal conduzidos e realizados no auge da ‘bolha’ financeira e, em termos mais gerais, da viragem dos mercados. O facto de a [FT] não poder financiar o seu desenvolvimento de outra forma a não ser o endividamento agravou esta situação. 2) O Estado [francês], acionista maioritário, solicitou aos novos dirigentes que restabelecessem o equilíbrio financeiro da [FT], mantendo a integridade do grupo […] 3) Tendo em conta o plano de ação elaborado pelos dirigentes e as perspetivas de rentabilidade do investimento, o Estado [francês] participará no reforço dos fundos próprios de 15 mil milhões de euros proporcionalmente à sua participação no capital, ou seja, um investimento de 9 mil milhões de euros. O Estado [francês] acionista entende que, desta forma, age enquanto investidor prudente. Caberá à [FT] definir as modalidades e o calendário preciso do reforço dos seus fundos próprios. O Governo [francês] deseja que esta operação se desenrole tomando o mais possível em consideração a situação dos acionistas individuais e dos trabalhadores acionistas da [FT]. Para proporcionar à [FT] a possibilidade de lançar uma operação de mercado no momento mais oportuno, o Estado [francês] está disposto a antecipar a sua participação no reforço dos fundos próprios, através de um adiantamento de acionista temporário, remunerado a condições de mercado, colocado à disposição da [FT]. 4) A totalidade da participação do Estado [francês] na [FT] será transferida para a [Entreprise de recherches et d’activités pétrolières (ERAP)], estabelecimento público industrial e comercial. A ERAP contrairá empréstimos junto dos mercados financeiros para financiar a parte do Estado [francês] no reforço dos fundos próprios da [FT].»

8.        A República Francesa notificou à Comissão, em 4 de dezembro de 2002, as medidas financeiras previstas no plano Ambition 2005, incluindo o projeto de adiantamento de acionista anunciado nessa mesma data.

9.        Em 11 e 12 de dezembro de 2002, a FT lançou duas emissões obrigacionistas sucessivas num montante total de 2,9 mil milhões de euros.

10.      Em 20 de dezembro de 2002, a ERAP, através da qual o Estado francês detinha, em 14 de abril de 2003, 28,6% do capital da FT, transmitiu a esta última um projeto rubricado e assinado de contrato de adiantamento de acionista (a seguir «proposta de contrato de adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002»). A FT não assinou este projeto de contrato e o adiantamento de acionista nunca foi executado.

11.      Em 15 de janeiro de 2003, a FT contraiu empréstimos sob a forma de emissões obrigacionistas num montante total de 5,5 mil milhões de euros. Estes empréstimos obrigacionistas não estavam cobertos por um aval nem por uma garantia do Estado. Em 10 de fevereiro de 2003, a FT renovou parcialmente, por um montante de 15 mil milhões de euros, um crédito concedido, que vencia nessa altura.

12.      Em 4 de março de 2003, foi lançada a operação de reforço dos fundos próprios prevista pelo plano Ambition 2005. Em 24 de março de 2003, a FT procedeu a um aumento de capital de 15 mil milhões de euros. O Estado francês participou nesta operação, com 9 mil milhões de euros, proporcionalmente à sua participação no capital da FT. Esta operação ficou concluída em 11 de abril de 2003. A FT encerrou o exercício de 2002 com um prejuízo de cerca de 21 mil milhões de euros e uma dívida financeira líquida de cerca de 68 mil milhões de euros. As contas do exercício de 2002 publicadas pela FT em 5 de março de 2003 registavam um aumento do volume de negócios de 8,4%, do resultado de exploração antes das amortizações de 21,1% e do resultado da exploração de 30,9%. Em 14 de abril de 2003, o Estado francês detinha 58,9% do capital da FT.

13.      Em 22 de janeiro de 2003, as sociedades Bouygues apresentaram à Comissão uma denúncia referente a determinados auxílios concedidos pelo Estado francês à FT e à Orange no quadro do refinanciamento da FT.

14.      Em 3 de agosto de 2004, a Comissão notificou às autoridades francesas a decisão impugnada. O artigo 1.° desta decisão dispõe que «[o] adiantamento de acionista concedido pela [República Francesa] à [FT] em dezembro de 2002, sob a forma de uma linha de crédito de 9 mil milhões de euros, considerado no contexto das declarações […] a partir de julho de 2002, constitui um auxílio estatal incompatível com o mercado comum». Nos termos do artigo 2.° da decisão impugnada, «[o] auxílio referido no artigo 1.° não será objeto de recuperação».

15.      A Comissão constatou que, a partir de junho de 2002, a situação financeira da FT se caracterizava por graves problemas estruturais e apresentava um balanço desequilibrado. Em seu entender, à data da declaração de 12 de julho de 2002, qualquer descida suplementar da notação da dívida da FT teria provocado a perda do seu nível de investimento seguro tendo as agências de notação S & P e Moody’s estado prestes a baixar esta notação para o nível de uma «junk bond». Segundo a Comissão, em julho de 2002, a FT era objeto de uma crise de confiança.

16.      No considerando 186 da decisão impugnada, a Comissão verifica que as medidas de dezembro de 2002, objeto da notificação, haviam sido precedidas, desde julho de 2002, por diversas declarações e medidas das autoridades francesas. Por um lado, estas declarações e medidas permitem compreender melhor as razões e o alcance das medidas de dezembro de 2002. Por outro lado, estas declarações e medidas prévias tiveram um impacto sobre a perceção dos mercados e dos intervenientes económicos relativamente à situação da FT no mês de dezembro de 2002. Em seguida, a Comissão considerou que era possível analisar as sucessivas declarações e medidas das autoridades francesas, a partir de julho de 2002, como um conjunto que poderia ser concebido como suscetível de colocar em risco recursos estatais (considerando 187). Constatou que existia um desfasamento temporal entre as vantagens para a empresa, que teriam sido particularmente significativas no mês de julho, e a utilização potencial de recursos estatais, que parecia mais claramente estabelecida no mês de dezembro. Contudo, segundo a Comissão, não seria fácil determinar, de forma irredutível, se as declarações de julho de 2002 eram suscetíveis de implicar, pelo menos potencialmente, recursos estatais. A tese segundo a qual as declarações de julho de 2002 constituiriam auxílios «é, por conseguinte, uma tese inovadora, mas provavelmente não desprovida de fundamento» (considerando 188). Não obstante, a Comissão considerou não dispor de elementos suficientes para provar de forma irrefutável a presença de auxílios com base nesta tese (considerando 189).

17.      Concentrou, pois, a sua análise nas medidas adotadas a partir de dezembro de 2002 e objeto de notificação pelo Estado francês, em relação às quais considerou que a existência de uma afetação de recursos estatais e de uma vantagem é mais evidente «quando se toma em consideração o impacto das declarações e medidas prévias sobre os mercados». Em seguida, a Comissão salientou que o adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002 concede uma vantagem em benefício da FT, uma vez que lhe permite aumentar os seus meios de financiamento e tranquilizar o mercado quanto à capacidade da empresa de cumprir as suas obrigações de pagamento. Apesar de o contrato de adiantamento de acionista nunca ter sido assinado, «a mensagem transmitida ao mercado relativa à existência deste adiantamento é suscetível de proporcionar uma vantagem à FT, uma vez que o mercado considerou que a situação financeira da empresa era mais sólida» (considerando 194). Considerou que o facto de uma vantagem resultar de um compromisso estatal que implica uma transferência de recursos potencial, mas não imediata, não exclui que essa vantagem seja proveniente de recursos estatais. Segundo a Comissão, «o anúncio da colocação à disposição do adiantamento de acionista, juntamente com a realização das condições prévias a tal colocação à disposição […], a aparência transmitida ao mercado de que tal adiantamento tinha efetivamente sido colocado à disposição […] e, por último, o envio à FT do contrato de adiantamento rubricado e assinado pelo ERAP implicam um encargo potencial suplementar para os recursos estatais» (considerando 196).

18.      A Comissão concluiu que as medidas referidas constituíam um auxílio estatal incompatível com o mercado comum. No entanto, dado que o seu impacto não podia ser avaliado com exatidão, o respeito dos direitos da defesa opunha‑se à sua recuperação. Além disso, tendo procedido a uma análise global de elementos distintos da proposta de adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002 e sendo nova a questão da compatibilidade desse comportamento com as regras em matéria de auxílios estatais, considerou que se lhe opunha igualmente o princípio da proteção da confiança legítima.

II — Acórdão recorrido

19.      Com os seus recursos perante o Tribunal Geral, a República Francesa, a FT, as sociedades Bouygues e a Association française des opérateurs de réseaux et services de télécommunications pediam a anulação (total ou parcial) da decisão impugnada.

20.      No acórdão recorrido, depois de ter admitido o interesse em agir dos diversos recorrentes, o Tribunal Geral analisou a qualificação de auxílio de Estado, tal como efetuada pela Comissão na decisão impugnada. A este respeito, no n.° 221, indica que «há que examinar, num primeiro momento, se as declarações a partir de julho de 2002 e o projeto de adiantamento de acionista de dezembro de 2002, considerados isolada ou conjuntamente, conferiram uma ou várias vantagens à FT. Na afirmativa, num segundo momento, cabe apreciar se estas eventuais vantagens a favor da FT resultam de uma transferência de recursos estatais. Na afirmativa, num terceiro momento, há que examinar se estas eventuais vantagens provenientes de recursos estatais foram concedidas no respeito do critério do investidor privado prudente em economia de mercado».

21.      No que respeita, em primeiro lugar, às declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002, o Tribunal Geral declara, no n.° 234 do acórdão recorrido, que «a Comissão demonstrou de modo bastante, na decisão impugnada, que [elas] conduziram a uma vantagem apreciável em proveito da FT, na medida em que permitiram restaurar a confiança dos mercados financeiros, tornaram possível, mais fácil e menos dispendioso o acesso da FT a novos créditos necessários ao refinanciamento das suas dívidas a curto prazo, num montante de 15 mil milhões de euros, e, em definitivo, contribuíram para estabilizar a sua situação financeira muito frágil, que, em junho e julho de 2002, estava à beira de se deteriorar substancialmente». No número seguinte, o Tribunal constata igualmente que «a Comissão reuniu um conjunto de indícios suscetíveis de estabelecer que, na sequência da declaração de 12 de julho de 2002 e das declarações subsequentes, bem como do anúncio de 4 de dezembro de 2002 do projeto de adiantamento de acionista, as agências de notação procederam a uma notação mais favorável da FT do que a que tinham registado ou anteriormente previsto tendo em conta a sua crise financeira». Reconhece, no n.° 237, que «no seu conjunto, as referidas declarações influíram, de modo decisivo, na reação das agências de notação e que esta reação foi seguidamente determinante para a revalorização da imagem da FT aos olhos dos investidores e dos credores, bem como para o comportamento dos atores dos mercados financeiros que posteriormente participaram no refinanciamento da FT». Finalmente, conclui, no n.° 240, que «o efeito positivo e estabilizador na notação da FT, que resulta diretamente das declarações a partir de julho de 2002 e da vontade das autoridades francesas, tinha necessariamente por consequência a atribuição de uma vantagem financeira à FT e o reforço da sua posição económica. Esta constatação permitia, por si só, que a Comissão concluísse que tinha sido conferida uma vantagem à FT, na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, sem que haja necessidade de a quantificar».

22.      Em seguida, nos n.os 243 e segs. do acórdão recorrido, o Tribunal examina «se o adiantamento de acionista, que se manteve na fase de projeto de contrato não assinado pela FT e que nunca foi executado, produziu, por si só, uma vantagem suplementar e distinta em proveito da FT relativamente à vantagem descrita nos n.os 235 a 237 [do acórdão recorrido]». No n.° 244, o Tribunal refere o considerando 194 da decisão impugnada, «segundo o qual, apesar de a convenção relativa ao adiantamento de acionista nunca ter sido assinada pela FT e, portanto, não ter sido executada, concedia uma vantagem em benefício da FT, uma vez que lhe permitia aumentar os seus meios de financiamento, tranquilizar o mercado quanto à capacidade de cumprir as suas obrigações de pagamento e de influir assim nas condições de contração de empréstimos por parte da FT», especificando que resulta deste considerando que «era esta ‘mensagem transmitida ao mercado, relativa à existência deste adiantamento [que era] suscetível de proporcionar uma vantagem à FT, uma vez que o mercado considerou que a [sua] situação financeira […] era mais sólida’». No n.° 245, o Tribunal Geral observa que, «na medida em que a Comissão equipara a vantagem assim descrita a um efeito tranquilizador do mercado e à aparência para os terceiros desta colocação à disposição do adiantamento de acionista à FT, esta vantagem confunde‑se manifestamente com a que resulta das declarações a partir de julho de 2002 e, em especial, com a associada ao anúncio, em 4 de dezembro de 2002, do projeto de adiantamento de acionista, que tinham produzido já tal efeito nos mercados financeiros e conduzido a uma melhoria das condições de contração de empréstimos por parte da FT». No número seguinte, explica que «está excluído que o projeto de adiantamento de acionista que foi objeto do contrato assinado, rubricado e enviado pelo ERAP à FT tenha podido ter, tal como o seu anúncio de 4 de dezembro de 2002, incidência idêntica, ou pelo menos semelhante, nos mercados», dado que «o envio do contrato de adiantamento de acionista pelo ERAP à FT, em 20 de dezembro de 2002, não foi anunciado publicamente de modo separado e em acréscimo ao anúncio, feito em 4 de dezembro de 2002, do projeto de adiantamento de acionista».

23.      Nos n.os 251 a 256 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examina se a Comissão «demonstrou de forma jurídica bastante que a simples faculdade de a FT recorrer, de modo unilateral e incondicional, à linha de crédito de 9 mil milhões de euros, que era objeto do contrato de adiantamento de acionista, constituía uma vantagem em seu proveito, apesar de o projeto de contrato nunca ter sido por si assinado nem executado». Com efeito, segundo o Tribunal, decorre da decisão impugnada, «com o mínimo de clareza e de precisão requeridos», que a Comissão tinha tomado em consideração essa vantagem, suplementar e distinta relativamente à descrita nos n.os 235 a 237 do referido acórdão, resultante das «declarações a partir de julho de 2002» e do anúncio de 4 de dezembro de 2002 (n.os 248 a 250). No final da sua análise, o Tribunal conclui que não foi feita essa prova, pelo facto de a Comissão não ter analisado se, tendo em conta as condições reguladoras da execução do contrato de crédito em causa, este implicava, em concreto, efeitos económicos vantajosos para a FT (n.° 257).

24.      Nos n.os 262 e segs. do acórdão recorrido, o Tribunal aborda a questão de saber se as vantagens antes identificadas estão ligadas a uma transferência de recursos do Estado. Exclui, em primeiro lugar, a tese das sociedades Bouygues segundo a qual essa transferência resultava das declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002, devido ao seu caráter aberto, impreciso e condicional, e ao facto de não estar demonstrado que preenchiam «as condições de um compromisso unilateral juridicamente vinculativo para o Estado francês, nem que seja sob a forma de uma comunicação de intenção, [implicando] uma transferência de recursos estatais na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE» (n.os 268 a 289).

25.      O Tribunal Geral examinou, em seguida, se está demonstrada uma transferência de recursos estatais no que respeita, por um lado, ao anúncio de 4 de dezembro de 2002 e, por outro, à proposta do contrato de adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002.

26.      No que respeita ao anúncio de 4 de dezembro de 2002, o Tribunal constatou que nem a Comissão nem as sociedades Bouygues sustentaram que este anúncio comportava, à luz do direito administrativo ou civil francês, uma transferência de recursos estatais e que, consequentemente, não lhe incumbia a apreciação dessa questão (n.os 293 a 295). No n.° 296, o Tribunal acrescentou que, «[e]m todo o caso, uma transferência de recursos estatais resultante do anúncio de 4 de dezembro de 2002 só poderia corresponder a uma vantagem que residisse na abertura da linha de crédito de 9 mil milhões de euros que aí estava expressamente prevista. Por um lado, como já foi recordado no n.° 292 [do acórdão recorrido], a Comissão absteve‑se de caracterizar, de modo juridicamente bastante, tal vantagem na decisão impugnada. Por outro, esta vantagem é distinta da que decorre das declarações a partir de julho de 2002, tal como constatada na referida decisão (v. n.os 243 e segs. [do acórdão recorrido]), sem prejuízo da questão de saber se esta última consiste na melhoria das condições de refinanciamento da FT e/ou no eventual aumento da cotação das suas ações e das suas obrigações». No número seguinte, o Tribunal especifica que a «exigência de um nexo entre a vantagem identificada e a transferência de recursos estatais pressupõe que a referida vantagem corresponda a um encargo correspondente que onere o orçamento do Estado […]. Porém, tal não se verifica no presente caso, no respeitante à relação entre a vantagem constatada na decisão impugnada, que resulta das declarações a partir de julho de 2002, por um lado, e a pretensa transferência de recursos públicos consistente na abertura de uma linha de crédito de 9 mil milhões de euros, tal como prevista no anúncio de 4 de dezembro de 2002 do projeto de adiantamento de acionista, por outro». Consequentemente, conclui que a Comissão não demonstrou que o anúncio em questão comportava uma transferência de recursos estatais.

27.      No que respeita à proposta do contrato de adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002, o Tribunal limita‑se a considerar que, «na medida em que a Comissão não estabeleceu de modo bastante, na decisão impugnada, a existência de uma vantagem decorrente da proposta contratual enquanto tal (v. n.os [254 a 257 do acórdão recorrido]), o Tribunal Geral não pode, por maioria de razão, concluir pela existência de uma transferência de recursos estatais que estivesse ligada a essa vantagem» (n.° 299).

28.      Finalmente, o Tribunal analisa a questão de saber se, «com base na sua abordagem global (v. n.° 266 [do acórdão recorrido]), a Comissão podia, contudo, apreciar as declarações a partir de julho de 2002 conjuntamente com o anúncio do projeto de adiantamento de acionista e o envio do contrato de adiantamento de acionista, a fim de concluir que o critério da transferência de recursos estatais estava preenchido no caso em apreço» (n.os 302 a 309). No termo desta análise, conclui que «embora a Comissão pudesse ter em conta o conjunto dos acontecimentos que precederem e influenciaram a decisão definitiva tomada pelo Estado francês, em dezembro de 2002, de apoiar a FT através de um adiantamento de acionista, para caracterizar uma vantagem, não conseguiu demonstrar a existência de uma transferência de recursos estatais conexa com esta vantagem».

III — Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

29.      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 4 de agosto de 2010, as sociedades Bouygues interpuseram recurso do acórdão recorrido (processo C‑399/10 P). Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 5 de agosto de 2010, a Comissão interpôs igualmente recurso deste acórdão (processo C‑401/10 P). Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 28 de fevereiro de 2011, foi admitida a intervenção do Reino da Dinamarca e da República Federal da Alemanha no processo C‑399/10 P em apoio, respetivamente, da Comissão e da República Francesa. Posteriormente, o Reino da Dinamarca desistiu da sua intervenção. Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 8 de setembro de 2011, os processos C‑399/10 P e C‑401/10 P foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão.

30.      No processo C‑399/10 P, as sociedades Bouygues concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne anular o acórdão recorrido; pronunciar‑se quanto ao mérito e anular, por um lado, parcialmente o artigo 1.° da decisão impugnada na parte em que a Comissão recusou implícita, mas necessariamente, qualificar como auxílio de Estado as declarações do Estado francês de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002, e, por outro, o artigo 2.° desta decisão; a título subsidiário, caso considere que o litígio não preenche as condições para ser julgado, remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie de novo; condenar a Comissão, a FT, a República Francesa e a República Federal da Alemanha nas despesas. No processo C‑401/10 P, remetem para os pedidos apresentados nos seus recursos.

31.      No processo C‑401/10 P, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne anular o acórdão recorrido, na medida em que este anulou o artigo 1.° da decisão impugnada e condenou a Comissão a suportar as suas próprias despesas, bem como as da República Francesa e da FT nos processos T‑425/04 e T‑444/04, e remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie de novo, reservando para final a decisão sobre as despesas do processo. No processo C‑399/10 P, a Comissão compartilha do pedido das sociedades Bouygues, salvo no que respeita aos pedidos de anulação do artigo 1.° da decisão impugnada, na parte em que esta recusou implícita mas necessariamente qualificar de auxílio de Estado as declarações do Estado francês de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002, bem como de anulação do artigo 2.° desta decisão e de condenação da Comissão nas suas próprias despesas e nas despesas suportadas pelas sociedades Bouygues.

32.      A FT e a República Francesa concluem pedindo que o Tribunal de Justiça negue provimento aos recursos das sociedades Bouygues e da Comissão, e, se assim não for, remeta o processo ao Tribunal Geral. Na hipótese de o Tribunal de Justiça anular o acórdão e recusar remeter o processo ao Tribunal Geral, concluem pedindo que o Tribunal de Justiça acolha, total ou parcialmente os seus pedidos apresentados em primeira instância e condene as sociedades Bouygues e a Comissão nas despesas.

33.      A República Federal da Alemanha apoia as conclusões da República Francesa e conclui igualmente pedindo que o Tribunal de Justiça condene as sociedades Bouygues e a Comissão nas despesas dos intervenientes no processo.

IV — Quanto aos recursos

34.      Em apoio do seu recurso no processo C‑399/10 P, as sociedades Bouygues invocam dois fundamentos, relativos, o primeiro, a erros quanto à qualificação de auxílio das declarações do Estado francês de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 e, o segundo, a erros na qualificação de auxílio do adiantamento de acionista concedido pelo Estado francês à FT sob a forma de abertura de uma linha de crédito de 9 mil milhões de euros, em dezembro de 2002.

35.      Pelo seu lado, a Comissão invoca três fundamentos no âmbito do seu recurso no processo C‑401/10 P. O primeiro é relativo a uma fundamentação contraditória do acórdão recorrido, o segundo a um alegado erro de direito na interpretação do artigo 87.°, n.° 1, CE e o terceiro suscita a questão de uma desvirtuação da decisão impugnada.

A —    Quanto às alegações relativas a uma violação do artigo 87.°, n.° 1, CE

36.      Nos números seguintes, analisarei, em primeiro lugar, as alegações apresentadas pelas sociedades Bouygues no âmbito do seu primeiro fundamento de recurso, relativo ao facto de o Tribunal Geral ter erradamente recusado qualificar de auxílio as declarações do Estado francês de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 e, em seguida, conjuntamente, as alegações apresentadas pelas sociedades Bouygues, no quadro do seu segundo fundamento de recurso, e pela Comissão, no âmbito do seu segundo fundamento de recurso, quanto à qualificação de auxílio do adiantamento de acionista concedido pelo Estado francês à FT. Dado que a condição do financiamento dos auxílios através de recursos estatais está no centro do debate entre as partes, há que anteceder a análise das referidas alegações de uma breve resenha da jurisprudência a este propósito.

1.      Resenha da jurisprudência relativa à condição do financiamento do auxílio através de recursos estatais

37.      Segundo jurisprudência que se tornou assente, a afetação de recursos estatais figura entre as condições constitutivas de um auxílio, que, consequentemente, deve comportar um encargo para o orçamento de Estado.

38.      Embora, na fase atual da evolução do direito dos auxílios de Estado, se trate de um princípio adquirido, não foi sempre assim e, numa primeira fase da sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça parecia mais orientado para encontrar a origem estatal de uma medida alternativamente na natureza pública dos recursos utilizados para o seu financiamento ou na sua imputabilidade ao Estado (2). Assim, num acórdão de 1985, devendo pronunciar‑se sobre a natureza de auxílio de um subsídio aos agricultores financiado pelos excedentes de gestão da Caixa nacional francesa de crédito agrícola, o Tribunal de Justiça afirmava expressamente que «um auxílio não precisa necessariamente de ser financiado por recursos do Estado para ser qualificado de auxílio de Estado» (3). Alguns anos mais tarde, o Tribunal de Justiça confirmava esta posição no acórdão Kwekerij van der Kooy e o./Comissão (4) e, em 1988, num acórdão relativo à qualificação de auxílio de uma bonificação de juros sobre os créditos à exportação, concedida pelas autoridades helénicas através do Banco da Grécia (5), o Tribunal de Justiça qualificava a referida posição como «jurisprudência constante» (6). A leitura do artigo 92.° do Tratado CE segundo a qual o financiamento público do auxílio não é uma condição indispensável para qualificar de auxílio uma medida cuja imputabilidade ao Estado não suscita dúvidas era igualmente defendida por vários advogados‑gerais (7).

39.      No entanto, a partir do acórdão Sloman Neptun (8), o Tribunal de Justiça toma claramente posição em sentido contrário. Rejeitando a tese defendida pela Comissão, que se apoiava na jurisprudência referida anteriormente, e contrariamente às conclusões do advogado‑geral M. Darmon, o Tribunal de Justiça afirmou, neste acórdão, que «só podem ser consideradas auxílios, na aceção do n.° 1 do artigo 92.° do Tratado, as vantagens atribuídas, direta ou indiretamente, através de recursos do Estado» e que «resulta dos próprios termos daquela disposição […] que as vantagens resultantes de fundos diversos dos recursos do Estado não estão compreendidas no campo de aplicação das disposições em causa» (9). A viragem foi confirmada no acórdão Kirsammer‑Hack (10), igualmente relativo ao domínio da legislação social. Esta orientação foi seguida depois de forma constante (11). No processo PreussenElektra (12), o Tribunal de Justiça tinha sido claramente convidado pela Comissão a reconsiderar a sua jurisprudência, em particular à luz dos desenvolvimentos recentes da ordem jurídica comunitária, mas não deu seguimento a este convite (13).

40.      Embora uma vantagem atribuída a uma ou várias empresas deva ser financiada através de recursos estatais para que possa ser considerada como um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, em contrapartida, segundo jurisprudência constante, não é necessário demonstrar, em todos os casos, que se verificou uma transferência desses recursos (14). A renúncia do Estado à obtenção de receitas, ainda que não implicando qualquer transferência direta de recursos públicos, pode constituir um auxílio, na aceção do artigo 107.° TFUE (15). Assim, o Tribunal de Justiça já considerou que uma isenção ou um benefício fiscal (16), um diferimento de imposto e, em certas condições, facilidades de pagamento relativas às contribuições para a segurança social, concedidas de forma discricionária pelo organismo encarregado da sua cobrança (17), um fornecimento de bens e serviços em condições preferenciais (18), uma renúncia efetiva a créditos públicos ou uma exoneração da obrigação de pagamento de multas e outras sanções pecuniárias (19) podem preencher a condição do financiamento através de recursos estatais.

41.      No acórdão Ecotrade, o Tribunal de Justiça admitiu, ainda, que uma garantia de Estado podia implicar «um encargo suplementar para os poderes públicos» (20), exemplo expressamente evocado pelas sociedades Bouygues em relação às declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002. A este respeito, recorde‑se que, na sua comunicação relativa aos auxílios estatais sob forma de garantias (a seguir «comunicação relativa aos auxílios sob forma de garantias») (21), sobre a questão do envolvimento de recursos estatais, a Comissão especifica «[a] fim de evitar dúvidas», que, quando a assunção do risco por parte do Estado não é remunerada através de um prémio adequado, «existe simultaneamente um benefício para a empresa e uma utilização de recursos do Estado». Por conseguinte, o auxílio é concedido «aquando da atribuição da garantia, e não aquando da sua execução ou da realização de pagamentos ao abrigo da garantia» e «mesmo que se venha a verificar que o Estado não tem de efetuar qualquer pagamento por força da garantia, pode existir, não obstante, um auxílio estatal» (22). A utilização de recursos públicos resultava, não do ónus, futuro e incerto, suportado pelo orçamento de Estado no caso de uma execução da garantia, mas do facto de este último assumir, sem contrapartida adequada, o risco dessa perda, o que, segundo a Comissão, constitui uma ausência de ganho efetiva. Mais exatamente, é a conjugação destes dois elementos, a assunção de risco e a ausência de prémio adequado, que dá lugar a uma mobilização de recursos públicos, no caso de uma garantia (23).

42.      Finalmente, cabe recordar que, tal como foi corretamente evidenciado pelas sociedades Bouygues, no processo Ecotrade, já referido, o Tribunal de Justiça reconheceu que mesmo um encargo futuro e potencial para os poderes públicos pode bastar para preencher a condição de utilização de recursos estatais (24).

2.      Quanto à qualificação de auxílio das declarações do Estado francês de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 (primeiro fundamento de recurso no processo C‑399/10 P)

43.      Com o seu primeiro fundamento, as sociedades Bouygues acusam o Tribunal Geral de ter rejeitado erradamente a qualificação de auxílio das declarações do Estado francês de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002. Este fundamento está dividido em três partes. Na primeira parte, as sociedades Bouygues acusam o Tribunal Geral de ter cometido erros quanto à definição das condições exigidas para que uma declaração de apoio possa implicar uma afetação de recursos estatais [v. ponto a) infra]. Na segunda parte, invocam uma desvirtuação das regras de direito nacional apresentadas perante a Comissão [v. ponto b) infra]. Finalmente, pela terceira parte do seu primeiro fundamento, alegam um erro de qualificação cometido pelo Tribunal Geral ao recusar erradamente tomar em consideração, a título da utilização de recursos públicos, os efeitos económicos associados à expectativa gerada pelas declarações do Estado [v. ponto c) infra].

a)      Quanto aos erros alegadamente cometidos pelo Tribunal Geral quanto à definição das condições exigidas para que uma declaração de apoio possa implicar uma utilização de recursos públicos (primeira parte do primeiro fundamento no processo C‑399/10 P)

44.      No âmbito da primeira parte do seu primeiro fundamento de recurso, as sociedades Bouygues, sem porem em causa, enquanto tal, a condição de financiamento do auxílio através de recursos estatais, contestam as exigências a que o Tribunal Geral subordinou a prova de preenchimento desta condição no que respeita às declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002. Em primeiro lugar, o Tribunal apoiou‑se erradamente no caráter futuro e incerto do risco da mobilização dos recursos públicos para excluir a natureza de auxílio das referidas declarações. Em segundo lugar, contrariamente ao que alega o Tribunal Geral, o caráter indefinido das modalidades de intervenção do Estado, bem como do montante garantido não era um elemento decisivo para excluir uma afetação de recursos estatais, dado que o conceito de garantia não se limita aos avais clássicos previstos e regulados pelo direito nacional. Finalmente, as sociedades Bouygues argumentam que o Tribunal Geral considerou erradamente que era necessário um compromisso juridicamente vinculativo do Estado para demonstrar uma utilização de recursos públicos.

45.      As acusações acima referidas visam os n.os 279 e 280 do acórdão recorrido. No n.° 279, depois de ter analisado a natureza das declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 (n.os 272 a 278 do acórdão recorrido), o Tribunal conclui que, «devido ao seu caráter aberto, impreciso e condicional, em especial no respeitante à natureza, ao alcance e às condições de uma eventual intervenção do Estado a favor da FT […], [estas declarações] não podem ser equiparadas a uma garantia do Estado nem ser interpretadas como revelando o compromisso irrevogável de proceder a uma contribuição financeira precisa em proveito da FT». Prossegue especificando, no número seguinte, que «[u]m compromisso concreto, incondicional e irrevogável de recursos públicos por parte do Estado francês teria pressuposto que estas declarações tivessem precisado, expressamente, quer as quantias exatas a investir, quer as dívidas concretas a garantir, quer, pelo menos, um quadro financeiro predefinido, tal como uma linha de crédito de um determinado montante, bem como as condições de concessão da contribuição prevista».

46.      Saliente‑se desde já que as afirmações do Tribunal Geral, reproduzidas no número anterior, saem do contexto de uma análise orientada na perspetiva do direito nacional, a que o Tribunal se dedica apenas nos números 283 e segs. do acórdão recorrido. Ora, confesso que esta medida do Tribunal Geral, que consiste em analisar a questão de saber se uma declaração de apoio do Estado constitui um compromisso juridicamente vinculativo suscetível de mobilizar recursos públicos sem fazer referência às disposições pertinentes do direito nacional aplicável, me deixa perplexo.

47.      Além disso, e supondo que essa análise é permitida, tenho igualmente reservas de fundo em relação às condições fixadas pelo Tribunal no n.° 280 do acórdão recorrido. Com efeito, parecem‑me excessivamente restritivas, na medida em que levam a excluir que possa causar uma transferência de recursos públicos qualquer medida de apoio cujos efeitos económicos possam ser equiparados aos de uma garantia do Estado (25) mas cujo alcance exato, em termos de risco financeiro que impende sobre o orçamento público, ainda não é mensurável no momento em que a referida medida é aprovada (26), e isso mesmo quando, por força do direito interno aplicável, essa medida cria para o Estado uma obrigação juridicamente vinculativa. Tal exclusão de princípio não me parece justificada designadamente à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual, na fase da qualificação de uma medida como auxílio de Estado, há que ter em conta os efeitos que esta é suscetível de produzir (27).

48.      Dito isto, não considero necessário analisar mais esta questão. Com efeito, a rejeição, pelo Tribunal Geral, da alegação das sociedades Bouygues segundo a qual as declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 constituem auxílios de Estado baseia‑se, no essencial, em fundamentos distintos dos invocados nos n.os 279 e 280 do acórdão recorrido. Dado que, como referirei em seguida, considero que as alegações da sociedade Bouygues contra estes fundamentos devem ser julgadas totalmente improcedentes, mesmo que concluísse que o Tribunal cometeu um erro de direito no n.° 280 do acórdão recorrido, esse erro, por si só, não seria suficiente para a anulação do acórdão recorrido.

49.      Passo, portanto, à análise das alegações das sociedades Bouygues contra os fundamentos do acórdão recorrido pelos quais o Tribunal Geral excluiu, por um lado, com base nas normas do direito civil e administrativo francês, que as declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 tenham criado, para o Estado, uma obrigação juridicamente vinculativa [v. ponto b) infra] e, por outro, que tenham podido incluir uma afetação de recursos estatais mesmo na ausência de qualquer outra obrigação jurídica [v. ponto c) infra].

b)      Quanto à alegada desvirtuação das normas de direito nacional apresentadas perante a Comissão (segunda parte do primeiro fundamento no processo C‑399/10 P)

50.      As sociedades Bouygues alegam que o Tribunal Geral decidiu que alguns elementos das declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002, designadamente a falta de precisão, de clareza e de firmeza quanto aos meios a utilizar para obstar aos problemas de financiamento da FT, o caráter condicionado à ocorrência de dificuldades de financiamento da FT, bem como o facto de estas declarações estarem voltadas para o futuro, se opunham ao reconhecimento de uma obrigação jurídica a cargo do Estado em direito civil ou administrativo francês procedendo a uma desvirtuação das normas de direito nacional que lhe foram apresentadas.

51.      Recorde‑se que o Tribunal de Justiça se pronunciou recentemente sobre os limites do controlo que exerce no âmbito de um recurso sobre as constatações do Tribunal Geral em relação ao direito nacional de um Estado‑Membro (28). Em particular, especificou que «é competente para examinar, em primeiro lugar, se o referido Tribunal, com base nos documentos e nas outras peças dos autos que lhe foram submetidas, não desvirtuou o teor das disposições nacionais em causa ou da jurisprudência nacional a elas relativa ou ainda dos textos da doutrina que lhes dizem respeito, em segundo lugar, se o mesmo Tribunal não chegou, à luz desses elementos, a conclusões manifestamente contrárias ao conteúdo dos mesmos e, por último, se aquele Tribunal, no exame de todos os elementos, não atribuiu a um deles, para efeitos de determinação do conteúdo da legislação nacional em causa, um alcance que não lhe é devido tendo em conta os outros elementos, na medida em que isso resulte de forma manifesta dos autos» (29).

52.      No caso em apreço, em apoio da sua alegação de desvirtuação, as sociedades Bouygues referem‑se, em primeiro lugar, a um parecer jurídico solicitado pela Comissão e anexo aos seus articulados perante o Tribunal Geral. Decorre desse parecer que, em direito francês, um compromisso de obter um resultado claro e preciso gera uma obrigação de resultado, sendo irrelevante a falta de precisão ou de clareza quanto aos meios para alcançar esse resultado.

53.      Contrariamente ao que alega a FT, este argumento é admissível, porque se inscreve no quadro do fundamento relativo a uma interpretação errada do direito francês pela Comissão, que as sociedades Bouygues invocaram em primeira instância. Quanto ao mérito, na medida em que as sociedades Bouygues pretendem invocar uma desvirtuação do conteúdo do parecer jurídico referido anteriormente, a sua argumentação deve ser julgada improcedente, por não especificar em que consistia essa desvirtuação, a qual não pode ser inferida apenas da constatação de que o Tribunal Geral não seguiu a tese apresentada neste parecer. Na medida em que, em contrapartida, as sociedades Bouygues se apoiam no parecer jurídico em questão para defender uma desvirtuação das normas de direito interno, saliente‑se, por um lado, que resulta da própria letra do referido parecer que o seu autor se limita a apoiar a tese segundo a qual parece verosímil qualificar, em direito comercial francês, as declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 como «carta de conforto» (30). Por outro lado, como observa o Tribunal no n.° 283 do acórdão recorrido, decorre igualmente deste parecer que essa tese assenta na premissa de que as referidas declarações expressam um compromisso do Estado claro e preciso, ainda que relativamente indeterminado, premissa que é precisamente rejeitada pelo Tribunal Geral nos n.os 272 a 278 do acórdão recorrido (31). O mesmo acontece no que respeita ao acórdão da Cour de cassation de 9 de julho de 2002, Lordex, citado pelo referido parecer (32).

54.      Em segundo lugar, as sociedades Bouygues sustentam que, segundo as regras do direito administrativo francês, apresentadas ao Tribunal Geral, declarações do Estado em apoio de uma empresa são suscetíveis de vincular juridicamente o Estado.

55.      Alegam, em primeiro lugar, que «a jurisprudência administrativa reconhece caráter obrigatório às promessas de Estado». Em particular, citam um acórdão do Conseil d’État, de 30 de junho de 1922, Lamiable e o., segundo o qual basta que a administração se tenha comportado «de forma a criar a convicção» de que agiria de uma certa maneira para que haja um compromisso do Estado. Este acórdão é aplicável no presente caso, em que, como o próprio Tribunal Geral reconheceu, as declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 geraram uma expectativa do mercado. A este respeito, saliente‑se que este mesmo argumento foi invocado pelas sociedades Bouygues perante o Tribunal tendo‑lhe sido negado provimento no n.° 284 do acórdão recorrido, essencialmente com o fundamento de que pressupõe que as referidas declarações possam ser consideradas como suficientemente claras, precisas, incondicionais e firmes, o que o Tribunal excluiu nos n.os 272 a 278 do mesmo acórdão. Ora, decorre do texto do referido acórdão Lamiable e o., e dos outros acórdãos do Conseil d’État referidos pelas sociedades Bouygues e anexos aos seus articulados (33) que o Tribunal Geral não fez uma leitura manifestamente errada desta jurisprudência e não desvirtuou o seu alcance quando considerou que a mesma fazia a responsabilidade da administração resultar de garantias precisas dadas aos administrados ou de um comportamento que deixasse claramente entender a intenção da administração de agir num determinado sentido. O argumento que as sociedades Bouygues retiram desta jurisprudência não é, pois, procedente.

56.      As sociedades Bouygues referem‑se, em seguida, à circular do Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria, de 22 de julho de 2003, relativa ao recenseamento dos dispositivos de garantia tácita ou expressa concedidos pelo Estado e à nota explicativa que a acompanha. Resulta destes atos que a garantia de Estado pode assumir a forma de uma «garantia tácita», definida como um ato administrativo que «produz e acarreta consequências financeiras para o Estado», que pode resultar, nomeadamente, de um «ofício ministerial ou [de] qualquer outra base» e que mesmo garantias que tenham sido concedidas sem base jurídica válida podem, não obstante, «criar direitos em proveito dos seus beneficiários». A este respeito, observe‑se que, no n.° 285 do acórdão recorrido, o Tribunal afirma que as sociedades Bouygues não se podem valer desta circular e desta nota explicativa, visto que as declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 «não contêm nenhum elemento de natureza a estabelecer a presença de uma garantia tácita do Estado francês a favor da FT» e remete para o n.° 284 do mesmo acórdão (34), no qual rejeita a aplicabilidade ao caso concreto da jurisprudência administrativa citada pelas sociedades Bouygues. Consequentemente, para ultrapassar a objeção do Tribunal Geral quanto ao caráter ineficaz da referida circular e da nota explicativa que a acompanha, cabia a estas últimas pôr em causa as conclusões constantes do referido n.° 284. Ora, os argumentos aduzidos por elas não permitem chegar a tal resultado.

57.      A análise dos argumentos aduzidos pelas sociedades Bouygues em apoio desta segunda parte do seu primeiro fundamento de recurso não permite sustentar a desvirtuação das regras de direito francês que é alegada. De maneira geral, opõe‑se ao reconhecimento da procedência destes argumentos a conclusão a que o Tribunal Geral chega face ao caráter vago, impreciso e condicional das declarações do Estado em apoio da FT. Ora, por um lado, esta conclusão decorre de apreciações de facto, face às quais as sociedades Bouygues não suscitam, de forma direta e expressa, uma alegação de desvirtuação. Por outro lado, os argumentos apresentados por elas não visam e, em qualquer caso, não conseguem, demonstrar que os órgãos jurisdicionais cíveis ou administrativos franceses teriam manifestamente efetuado uma apreciação de facto diferente quanto à natureza destas declarações.

58.      Nestas circunstâncias, esta parte do primeiro fundamento de recurso das sociedades Bouygues deve ser julgada improcedente.

c)      Quanto ao erro de qualificação alegadamente cometido pelo Tribunal Geral ao recusar tomar em consideração, a título da utilização dos recursos públicos, os efeitos económicos associados à expectativa gerada pelas declarações do Estado (terceira parte do primeiro fundamento no processo C‑399/10 P)

59.      Antes de analisar a terceira parte do primeiro fundamento de recurso das sociedades Bouygues, há que abordar a terceira alegação destas no âmbito da primeira parte deste mesmo fundamento, relativa ao facto de o Tribunal ter erradamente considerado necessário um compromisso juridicamente vinculativo do Estado para concluir que há uma afetação de recursos públicos. Segundo as sociedades Bouygues, visto que a forma da intervenção do Estado é irrelevante e que só os efeitos desta devem ser tomados em consideração, a demonstração de um risco financeiro económico, mesmo não baseado numa obrigação jurídica resultante desta intervenção, basta para que haja utilização dos recursos estatais. A República Francesa opõe‑se a esta argumentação, invocando em seu apoio o acórdão do Tribunal de Justiça Áustria/Comissão (35), bem como o acórdão do Tribunal Geral Fleuren Compost (36).

60.      No processo que deu lugar ao primeiro destes acórdãos, a Comissão defendia que, em razão de uma promessa incondicional e juridicamente vinculativa feita ao beneficiário do auxílio controvertido antes da sua notificação, equivalente a uma execução do auxílio, a República da Áustria estava impedida de invocar a jurisprudência Lorenz. Segundo a Comissão, essa promessa produzia, em direito austríaco, os mesmos efeitos que uma legislação que institua um auxílio, visto obrigar legalmente as autoridades austríacas a concederem o auxílio prometido. Em resposta a este argumento, o Tribunal de Justiça, limitou‑se a constatar que as autoridades austríacas tinham subordinado expressamente a concessão do auxílio à autorização prévia da Comissão e que, consequentemente, esta não forneceu elementos suscetíveis de comprovar que o auxílio em causa fora prometido de forma incondicional e, portanto, juridicamente vinculativa segundo o direito austríaco, antes da sua notificação. Em contrapartida, o processo Fleuren Compost, já referido, colocava a questão de saber em que momento o auxílio em causa tinha sido concedido, ou seja, aquando do envio pelas autoridades neerlandesas de um aviso de receção do pedido de subvenção apresentado pela recorrente, como defendia esta última, ou aquando da decisão de concessão adotada na sequência da análise do referido pedido, como defendia a Comissão. O Tribunal especificou que o critério pertinente era o do «ato juridicamente vinculativo pelo qual a autoridade [nacional] competente se compromete a conceder o auxílio» (37).

61.      À semelhança das sociedades Bouygues, não creio que se possa dar aos acórdãos referidos o sentido e o alcance que lhes é conferido pelo Governo francês. Em especial, não penso que seja possível deduzir do acórdão Áustria/Comissão, já referido, que o mesmo «consagra um princípio geral segundo o qual a existência de um compromisso juridicamente vinculativo é necessária para caracterizar um auxílio», como sustenta o referido Governo. Com efeito, este acórdão, tal como o acórdão Fleuren Compost, já referido, não se pronuncia sobre o conceito de auxílio, sendo apenas relativo à questão de saber quando uma medida de auxílio projetada pode considerar‑se como tendo sido concedida, com o objetivo de decidir qual o regime jurídico que lhe é aplicável (38). Além disso, no acórdão Áustria/Comissão, já referido, a única questão suscitada pela Comissão, e analisada pelo Tribunal de Justiça, era a de saber se a promessa de conceder o auxílio feita pelas autoridades austríacas criava, no direito austríaco, uma obrigação juridicamente vinculativa para o Estado de agir neste sentido. Em contrapartida, em momento nenhum se colocou a questão de saber se pode existir uma afetação de recursos estatais mesmo na ausência dessa obrigação. Finalmente, como adequadamente salientam as sociedades Bouygues, nos dois processos, não foi demonstrado, nem sequer defendido, que os atos referidos (a promessa de concessão do auxílio, no processo Áustria/Comissão, já referido, e o aviso de receção do pedido de auxílio, no processo Fleuren Compost, já referido) tinham conferido qualquer vantagem aos futuros beneficiários do auxílio, como em contrapartida acontece no que respeita às declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002.

62.      Feita esta especificação, e ainda que a tese do Governo francês, segundo a qual continua a ser necessário um compromisso juridicamente vinculativo do Estado para que uma medida de apoio a uma empresa possa ser considerada como concedida através de recursos públicos, não me convença totalmente (39), não considero que seja necessário analisar mais esta questão, na medida em que, contudo, o Tribunal analisou, no n.° 288 do acórdão recorrido, a questão de saber se «na ausência do caráter juridicamente vinculativo, à luz do direito nacional, do pretenso compromisso resultante das declarações a partir de julho de 2002, estas implicavam uma transferência de recursos estatais» (40). A terceira parte do primeiro fundamento das sociedades Bouygues incide precisamente sobre esta análise.

63.      Nesta parte, as sociedades Bouygues, essencialmente, sustentam que o Tribunal Geral, depois de ter reconhecido que o Estado francês, pelas declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002, tinha aplicado uma estratégia assente na sua reputação de credor e devedor solvente e fiável para restabelecer a confiança dos mercados, em seguida, ignorou o corolário dessa estratégia, a saber, que este Estado teria sofrido uma perda de credibilidade nos mercados se tivesse frustrado a expectativa que, deste modo, criou. Observam que, na decisão impugnada, a Comissão reconheceu, com base num estudo económico que tinha encomendado, que esta perda de reputação representava um custo muito elevado para o Estado. Tratando‑se de uma questão económica complexa, a Comissão dispunha de um poder de apreciação e não incumbia ao Tribunal substituir a análise da Comissão pela sua própria análise.

64.      Saliente‑se, em primeiro lugar, que, depois de ter analisado, nos considerandos 214 a 218 da decisão impugnada, tanto a questão de saber se as declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 eram vinculativas em direito interno como se eram suscetíveis de pôr em causa a credibilidade do Estado, a Comissão conclui, no considerando 218, que, «[n]o seu conjunto, pode considerar‑se que [os elementos em causa] são efetivamente suscetíveis de pôr em risco recursos do Estado (quer vinculando a responsabilidade do Estado face aos investidores, quer aumentando o custo das transações futuras do Estado)» e que «[a] tese segundo a qual as declarações das Autoridades francesas, a partir de julho de 2002, constituiriam auxílios é, por conseguinte, uma tese inovadora, mas provavelmente não desprovida de fundamento». No entanto, no considerando 219 da decisão impugnada, considera que não pode «estabelecer de forma irrefutável a presença de auxílios nesta base». Por conseguinte, como adequadamente observa o Tribunal Geral no n.° 288 do acórdão recorrido, a Comissão acabou por renunciar a tomar uma posição definitiva sobre a questão de saber se as declarações anteriormente referidas eram suscetíveis de causar uma perda de credibilidade do Estado nos mercados financeiros que implicasse, para este último, um risco financeiro sob a forma de aumento do custo das suas transações futuras. Nestas circunstâncias, não tem fundamento a posição das sociedades Bouygues quando sustentam que o Tribunal substituiu a análise da Comissão pela sua própria análise quando afirmou, no n.° 288 do acórdão, que «não está demonstrado que, mesmo na ausência do caráter juridicamente vinculativo, à luz do direito nacional, do pretenso compromisso resultante das declarações a partir de julho de 2002, estas impliquem uma transferência de recursos estatais».

65.      Em seguida, considero que, na medida em que acusam o Tribunal Geral de não ter tido em conta os efeitos negativos para as finanças públicas da expectativa criada nos mercados pelas declarações em causa e de, deste modo, ter ignorado o efeito útil do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, as sociedades Bouygues, na realidade, pedem ao Tribunal de Justiça que proceda a uma nova apreciação dos factos. Com efeito, no n.° 288 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, «mesmo supondo que o não respeito de uma eventual promessa de apoio do Estado francês em proveito de uma empresa seja suscetível de pôr em perigo a sua credibilidade e a sua reputação nos mercados financeiros, é também verdade que, no presente caso, não se demonstrou que as declarações a partir de julho de 2002 implicavam um compromisso preciso, incondicional e firme, a favor da FT, capaz de engendrar tais consequências danosas». Prossegue, observando que «o comportamento das autoridades francesas a partir de julho de 2002 visava, precisamente, evitar tais consequências, ao deixar pairar a dúvida sobre a natureza, o alcance e as condições exatas da […] eventual intervenção futura [do Estado francês]». Do mesmo modo, no n.° 282 do acórdão recorrido, depois de ter reconhecido que, com as referidas declarações, o Estado francês pretendeu influir ativamente nos mercados financeiros para restabelecer a sua confiança, com a finalidade de preparar o refinanciamento da FT, o Tribunal Geral afirma que «o simples facto de, em tal contexto, o Estado francês se ter socorrido da sua especial reputação nos mercados financeiros não basta para demonstrar que os seus recursos estavam expostos a um risco tal que pudesse ser considerado equivalente a uma transferência de recursos estatais».

66.      Impõe‑se constatar, contrariamente ao que defendem as sociedades Bouygues, que o Tribunal efetivamente teve em conta a possibilidade de poder ocorrer uma afetação de recursos públicos resultante dos custos causados por uma eventual perda de credibilidade do Estado face aos mercados financeiros, mas que a excluiu no caso em apreço na ausência de um comportamento da parte do Estado suscetível de pôr concretamente em perigo essa credibilidade. Esta conclusão baseia‑se, mais uma vez, em apreciações factuais relativas ao teor e à natureza das declarações em causa. Na ausência de uma alegação expressamente relativa a uma desvirtuação do conteúdo destas declarações, tais apreciações não estão abrangidas pela fiscalização do Tribunal de Justiça.

67.      Pelas razões expostas, considero que a terceira alegação da primeira parte do primeiro fundamento das sociedades Bouygues, bem como a terceira parte deste fundamento, devem ser julgadas improcedentes.

d)      Conclusão quanto ao primeiro fundamento no processo C‑399/10 P

68.      À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que declare improcedente o primeiro fundamento de recurso no processo C‑399/10 P, relativo a erros quanto à qualificação de auxílio das declarações do Estado francês de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002, no seu conjunto.

3.      Quanto à qualificação de auxílio do adiantamento de acionista (segundo fundamento de recurso no processo C‑399/10 P e segundo fundamento de recurso no processo C‑401/10 P)

69.      Com argumentações amplamente convergentes, as sociedades Bouygues e a Comissão contestam, em diversos aspetos, o raciocínio que levou o Tribunal Geral a concluir, no acórdão recorrido, que a Comissão não demonstrou de forma juridicamente bastante a existência de um auxílio no adiantamento de acionista concedido pelo Estado francês à FT, e a anular o artigo 1.° da decisão impugnada. As diversas acusações e argumentos suscitados a este respeito nos dois recursos serão agrupados e analisados conjuntamente em seguida.

a)      Quanto ao erro alegadamente cometido pelo Tribunal Geral ao exigir a demonstração de um nexo estreito entre a vantagem e a afetação de recursos estatais (primeiro e segundo aspetos da primeira parte do segundo fundamento de recurso no processo C‑399/10 P e primeira parte do segundo fundamento de recurso no processo C‑401/10 P)

70.      Embora reconhecendo a necessidade de estabelecer um nexo estreito entre a vantagem e a afetação de recursos estatais para poder concluir pela existência de um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.° TFUE, as sociedades Bouygues e a Comissão contestam a posição adotada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido, segundo a qual é exigida uma correspondência estreita entre estes dois elementos. Esta conceção, em seu entender totalmente inovadora, não só não encontra apoio na jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral como é igualmente contradita por esta.

71.      A alegação em análise dirige‑se essencialmente contra o n.° 262 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal Geral, após ter recordado que a vantagem deve decorrer de uma transferência de recursos do Estado, prossegue, especificando que «[e]sta exigência de nexo entre a vantagem identificada e a afetação de recursos estatais pressupõe, em princípio, que a referida vantagem esteja estreitamente ligada a um encargo correspondente que onere o orçamento do Estado» (41). Em apoio desta afirmação, o Tribunal Geral remete para o n.° 21 do acórdão Sloman Neptun, já referido, para o n.° 27 do acórdão Alemanha/Comissão (42), e para o n.° 58 do acórdão PreussenElektra, já referido.

72.      A título liminar, coloca‑se a questão de saber o que o Tribunal Geral entende exatamente quando refere que a vantagem deve estar estreitamente ligada a «um encargo correspondente» ou, noutros pontos do acórdão recorrido, que «corresponda a um encargo correspondente» (n.° 297) ou, ainda, que deve ter como «contrapartida uma correspondente diminuição do orçamento do Estado» (n.° 309). Segundo a FT e os Governos francês e alemão, o Tribunal Geral limita‑se a reiterar a exigência segundo a qual a vantagem deve ser direta ou indiretamente concedida através de recursos estatais, enquanto as sociedades Bouygues e a Comissão alegam que a correspondência requerida pelo Tribunal vai além de um simples nexo e exige que vantagem e recursos afetos «se confundam», incluindo quanto ao seu montante.

73.      Quanto a mim, ainda que não esteja convencido de que o Tribunal Geral tenha realmente pretendido exigir a prova de uma equivalência em termos financeiros entre vantagem e encargo, considero, no entanto, que também não se limitou a exigir a prova da existência de uma simples correlação entre estes, como alega designadamente a FT. Com efeito, tal como é aplicada no acórdão recorrido, a exigência de correspondência entre vantagem e encargo teorizada pelo Tribunal Geral implica um nexo tão estreito que a um dado encargo que onera o orçamento de Estado só poderia corresponder um tipo predefinido de vantagem, com a consequência de a existência de qualquer nexo ser excluída quando vantagem e encargo não foram da mesma ordem.

74.      Ora, embora a jurisprudência exija a existência de um nexo entre a vantagem e o encargo que onera o orçamento de Estado, no sentido de que só as vantagens concedidas «direta ou indiretamente, por meio de recursos estatais» (43) ou que «constituam um encargo suplementar para o Estado» (44) constituem auxílios de Estado na aceção do artigo 107.° TFUE, em contrapartida, não exige a demonstração de uma correspondência estreita entre vantagem e encargo, tal como interpretada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido. Em particular, tal exigência não é corroborada pelos acórdãos referidos no n.° 71 supra, para os quais o Tribunal remete no n.° 262 do acórdão recorrido.

75.      Como indiquei no n.° 39 supra, o primeiro destes acórdãos, proferido no processo Sloman Neptun, já referido, marca uma etapa importante da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que se distanciou definitivamente de uma interpretação do artigo 92.° do Tratado que não considerava o financiamento público como uma condição necessária à qualificação como auxílio de uma medida imputável ao Estado. Assim, no n.° 19 deste acórdão, o Tribunal de Justiça salienta que «só podem ser consideradas auxílios, na aceção do n.° 1 do artigo 92.° do Tratado, as vantagens atribuídas, direta ou indiretamente, através de recursos do Estado», enquanto «as vantagens resultantes de fundos diversos dos recursos do Estado» não estão compreendidas no campo de aplicação desta disposição. No processo que deu lugar a este acórdão, estava em causa uma regulamentação nacional que regia as relações contratuais entre certas empresas de navegação marítima e os seus trabalhadores. No n.° 21 do referido acórdão, para o qual remete o n.° 262 do acórdão recorrido, o Tribunal de Justiça constata que, pelas finalidade e estrutura geral do regime em causa, este não tendia «a criar vantagens que constituam encargos suplementares para o Estado» e especifica que as consequências daí resultantes, designadamente quanto a uma perda de receitas fiscais, eram «inerentes ao regime» e «não constitu[íam] uma forma de atribuir às empresas em causa determinada vantagem». Ora, a tese do Tribunal Geral segundo a qual é necessário um nexo estreito entre a vantagem e os recursos afetos, no sentido exposto no n.° 72 supra, não encontra qualquer apoio nas passagens reproduzidas acima, nas quais o Tribunal de Justiça, no essencial, se limita a afirmar que uma vantagem, tal como a que as empresas de navegação obtinham com a regulamentação em causa, não pode ser considerada como concedida por meio de recursos públicos unicamente em razão de uma perda de receitas fiscais indiretamente resultante da opção do Estado em regular de certo modo um determinado setor.

76.      O n.° 58 do acórdão PreussenElektra, já referido, igualmente citado pelo Tribunal Geral no n.° 262 e, mais à frente, no n.° 308 do acórdão recorrido, reproduz o conteúdo do n.° 19 do acórdão Sloman Neptun, já referido, recordando a exigência de que a vantagem seja concedida «direta ou indiretamente e proveniente […] de recursos estatais». No acórdão PreussenElektra, já referido, o Tribunal de Justiça, tendo‑lhe sido submetida uma questão prejudicial relativa à regulamentação de um Estado‑Membro que impõe a empresas privadas de fornecimento de eletricidade uma obrigação de compra de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis a preços mínimos superiores ao valor económico real deste tipo de eletricidade, excluiu que a simples diminuição das receitas fiscais que essa obrigação podia originar pudesse ser considerada «como constituindo um meio de conceder aos produtores de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis uma determinada vantagem a cargo do Estado» (45). Como no acórdão Sloman Neptun, já referido, o Tribunal de Justiça chegou a essa conclusão face ao caráter «inerente» ao regime em causa dessa diminuição de receitas fiscais. O encargo financeiro decorrente da obrigação de compra a preços mínimos prevista pelo regime em causa assentava assim inteiramente em empresas privadas (46).

77.      Finalmente, o acórdão Alemanha/Comissão, já referido, longe de impor uma correspondência estreita entre vantagem e encargo que onera os recursos públicos, qualifica de auxílio uma situação caracterizada por uma dissociação entre destinatários da medida que onera o orçamento de Estado — no caso, uma dedução fiscal concedida, sob certas condições, aos investidores — e beneficiários do auxílio, indiretamente beneficiados pelos investimentos encorajados pela referida dedução. Para o fazer, o Tribunal de Justiça apoia‑se numa análise dos efeitos do regime em causa que o leva a constatar, por um lado, que o benefício indiretamente concedido às empresas abrangidas por este regime «tem origem na renúncia feita pelo Estado‑Membro às receitas fiscais que teria normalmente cobrado, na medida em que é tal renúncia que confere aos investidores a possibilidade de adquirirem participações em tais empresas em condições fiscalmente mais vantajosas», e, por outro, que «[a] interposição de uma decisão autónoma por parte dos investidores não tem por efeito suprimir o vínculo existente entre a redução fiscal e a vantagem de que gozam as empresas em causa uma vez que, em termos económicos, a alteração das condições de mercado gerada pela referida vantagem é resultante da perda de recursos fiscais por parte dos poderes públicos» (47). Contrariamente aos acórdãos anteriormente analisados, aqui a diminuição de receitas fiscais é considerada pelo Tribunal de Justiça como estando na origem da vantagem indiretamente concedida às empresas abrangidas pelo regime em causa, ainda que esta seja causada por uma redução fiscal acordada não a estas empresas mas a terceiros. Daí resulta, em minha opinião, uma interpretação lata do nexo entre vantagem e encargo, que implica que sejam tidos em conta os efeitos concretos da intervenção do Estado, que não poderia servir de base à interpretação restritiva adotada pelo Tribunal no acórdão recorrido.

78.      Além de não encontrar apoio na jurisprudência, a tese apresentada pelo Tribunal Geral no n.° 262 do acórdão recorrido, em minha opinião, peca igualmente por excesso de formalismo, que se conjuga mal com a aplicação do conceito de auxílio em função dos efeitos da medida em causa. Além disso, corre o risco de tornar extremamente difícil a prova da existência de um auxílio de Estado, designadamente quando se trata de intervenções públicas que se traduzem por operações por vezes extremamente complexas, que englobam, como no presente caso, diversas medidas compostas repartidas ao longo do tempo. Finalmente, como justamente defende a Comissão, certas tipologias de auxílios, como os auxílios indiretos ou os auxílios de natureza social atribuídos a consumidores, previstos no artigo 107.°, n.° 2, alínea a), TFUE — em que os recursos afetos pelo Estado não se traduzem de forma automática numa vantagem correspondente para os beneficiários — prestam‑se mal a ser integrados no sistema rígido imposto pelo Tribunal Geral.

79.      Pelos fundamentos expostos, considero que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao exigir a demonstração de um nexo estreito entre vantagem e encargo que onera o orçamento de Estado, tal como estabelecido no acórdão recorrido.

80.      Como demonstrarei em seguida, este erro viciou, na sua totalidade, a análise do Tribunal Geral relativa à questão da qualificação de auxílio do adiantamento de acionista.

b)      Quanto ao erro alegadamente cometido pelo Tribunal Geral ao recusar reconhecer a existência de um nexo entre, por um lado, a vantagem resultante das declarações desde julho de 2002 e do anúncio de 4 de dezembro de 2002 e, por outro, a afetação de recursos estatais resultantes da proposta de contrato de adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002 (terceiro aspeto da primeira parte do segundo fundamento de recurso no processo C‑399/10 P e primeira e segunda partes do segundo fundamento de recurso no processo C‑401/10 P)

81.      Segundo as sociedades Bouygues e a Comissão, a interpretação que o Tribunal Geral adotou quanto à natureza do nexo que deve existir entre vantagem e utilização dos recursos estatais levou‑o a efetuar uma análise fracionada da intervenção do Estado francês a favor da FT, que não dá conta do efeito de distorção das diferentes medidas adotadas consideradas no seu conjunto. Com base nessa perspetiva errada, o Tribunal Geral excluiu erradamente a existência de um nexo entre, por um lado, a vantagem sob forma de efeito tranquilizador para o mercado resultante das declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 e do anúncio de 4 de dezembro de 2002 e, por outro, a afetação de recursos estatais pela disponibilização do referido adiantamento.

82.      Cabe recordar que, nos n.os 262 e segs. do acórdão recorrido, o Tribunal Geral aborda a questão de saber se as vantagens resultantes para a FT das declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 e do anúncio de 4 de dezembro de 2002, que ele anteriormente identificou, resultam efetivamente de uma transferência de recursos estatais. Essa análise é efetuada autónoma e sucessivamente no que respeita: i) às declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 (n.os 268 a 289) (48); ii) ao anúncio de 4 de dezembro de 2002 (n.os 291 a 298); e iii) à proposta de contrato de acionista de 20 de dezembro de 2002 (n.os 299 a 301). Nos três casos, o Tribunal concluiu pela inexistência de uma transferência de recursos estatais.

83.      No que respeita ao anúncio de 4 de dezembro de 2002, o Tribunal constatou, em primeiro lugar, que nem a Comissão nem as sociedades Bouygues sustentaram que este anúncio comportava, à luz do direito administrativo ou civil francês, uma transferência de recursos estatais (n.os 293 a 295). Ora, na medida em que, como o próprio Tribunal Geral reconhece no n.° 302 do acórdão recorrido, a afetação de recursos públicos aceite pela Comissão na decisão litigiosa resulta do envio da proposta de contrato de adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002 conjugada com o anúncio de 4 de dezembro de 2002 e não deste, isoladamente considerado, a referida constatação não se revela pertinente e, em quaisquer circunstâncias, não é determinante para concluir que a Comissão não demonstrou que existia uma transferência de recursos estatais (49).

84.      Depois, o Tribunal Geral prossegue, afirmando, no n.° 296 do acórdão recorrido, que, «[e]m todo o caso, uma transferência de recursos estatais resultante do anúncio de 4 de dezembro de 2002 só poderia corresponder a uma vantagem que residisse na abertura da linha de crédito de 9 mil milhões de euros que aí estava expressamente prevista» e que tal vantagem que a Comissão se absteve de caracterizar, de modo juridicamente bastante, na decisão impugnada, «é distinta da que decorre das declarações a partir de julho de 2002, tal como constatada na referida decisão» (50). Nesta passagem, o Tribunal Geral exclui, pois, a priori, que possa existir um nexo bastante para caracterizar um auxílio estatal entre, por um lado, a vantagem sob forma de efeito tranquilizador para o mercado, resultante das declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 e do anúncio de 4 de dezembro de 2002 (51), e, por outro, presumindo‑a provada pela Comissão, uma transferência de recursos estatais resultante deste mesmo anúncio.

85.      Resulta dos termos utilizados pelo Tribunal Geral que essa conclusão assenta unicamente na constatação de que não existe uma relação de correspondência ou de equivalência entre a vantagem constituída pelo referido efeito tranquilizador e a eventual obrigação juridicamente vinculativa do Estado de proceder ao adiantamento de acionista referido pelo anúncio de 4 de dezembro de 2002. O Tribunal Geral aplica aqui a tese anteriormente discutida e rejeitada nos n.os 70 a 78 supra, segundo a qual, para provar a existência de um auxílio estatal, a vantagem identificada deve estar estreitamente ligada a um encargo «correspondente» ou «equivalente» que onere o orçamento de Estado. A aplicação desta conceção do nexo entre vantagem e transferência de recursos estatais leva‑o a excluir, no caso em apreço, a existência desse nexo, visto que vantagem (efeito tranquilizador para os mercados financeiros devido unicamente ao anúncio da abertura de uma linha de crédito em benefício da FT) e encargo (compromisso juridicamente vinculativo de proceder à abertura da linha de crédito prevista) não são da mesma ordem.

86.      Consequentemente, segundo o Tribunal Geral, não se poderia constatar a existência de um auxílio que tinha por objeto a vantagem constituída pela melhoria das condições de refinanciamento da FT devido à reação positiva dos mercados financeiros na sequência do anúncio de 4 de dezembro de 2002, mesmo que a Comissão provasse que o referido anúncio, na medida em que criava uma obrigação juridicamente vinculativa para o Estado, implicava em si mesmo uma transferência de recursos estatais, a saber, mesmo quando a vantagem e o encargo para o orçamento de Estado tinham a sua origem num único e mesmo ato (o anúncio de 4 de dezembro de 2002). Ora, tal resultado era tanto mais difícil de compreender quanto o próprio Tribunal reconhece que o anúncio conferiu uma vantagem inegável à FT e que esta vantagem era precisamente a pretendida pelo Estado francês e objeto de todas as medidas que se sucederam ao longo do tempo, entre julho e dezembro de 2002, no quadro de uma mesma estratégia de apoio em favor da FT.

87.      Com base nas considerações precedentes, considero que, com fundamento numa interpretação errada do alcance do nexo que deve existir entre a vantagem e a transferência de recursos públicos, o Tribunal Geral considerou erradamente, nos n.os 296 e 297 do acórdão recorrido, que não foi possível estabelecer esse nexo entre, por um lado, a vantagem constituída pelo efeito tranquilizador sobre os mercados financeiros do anúncio de 4 de dezembro de 2002 e, por outro, uma eventual transferência de recursos estatais associada a este anúncio. No entanto, a constatação desse erro não permite, em si mesma, que se conclua que o acórdão recorrido deve ser anulado. Com efeito, na economia do raciocínio do Tribunal Geral, os referidos n.os 296 e 297 abrangem uma parte de fundamentação subsidiária.

88.      Feita esta especificação, saliente‑se que a mesma interpretação errada se repercute igualmente no seguimento da análise do Tribunal Geral.

89.      Assim acontece designadamente no que respeita ao n.° 299 do acórdão recorrido, em que, quanto à questão de saber se o envio da proposta de contrato de adiantamento de acionista, de 20 de dezembro de 2002, implicava uma transferência de recursos estatais, o Tribunal considerou que, «na medida em que a Comissão não [tinha] estabelec[ido] de modo bastante, na decisão impugnada, a existência de uma vantagem decorrente da proposta contratual enquanto tal […], [este] não pod[ia], por maioria de razão, concluir pela existência de uma transferência de recursos estatais que estivesse ligada a essa vantagem». Ora, se, no raciocínio do Tribunal, esta conclusão resulta logicamente das constatações efetuadas nos n.os 246 a 267 do acórdão recorrido (52), em contrapartida, a opção do Tribunal Geral de, nesta fase, não associar a eventual transferência de recursos estatais resultante do envio desta proposta ao efeito tranquilizador dos mercados financeiros resultante do anúncio de 4 de dezembro de 2002, como tinha feito a Comissão na decisão impugnada, só se justifica à luz da interpretação restritiva do nexo entre vantagem e transferência de recursos estatais analisada e rejeitada nos n.os 70 a 78 supra.

90.      Esta interpretação reflete‑se igualmente na análise constante dos n.os 302 e segs. do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral, ao abordar a questão de saber se a Comissão tinha conseguido provar a transferência de recursos estatais com base na sua «abordagem global», se dedica a verificar, «por um lado, se o potencial encargo para o orçamento do Estado, pela existência do qual concluiu a Comissão a respeito do anúncio do projeto de adiantamento de acionista e do envio do contrato de adiantamento de acionista, estava já implícito nas declarações a partir de julho de 2002 e, por outro, se este encargo correspondia à vantagem que a Comissão atribuiu a estas declarações». No âmbito desta análise, o Tribunal Geral declara, nos n.os 303 a 305 do acórdão recorrido, que, em razão do caráter aberto, impreciso e condicional das declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002, o anúncio de 4 de dezembro de 2002 constituía «uma importante rutura na sucessão dos acontecimentos que conduziram ao refinanciamento da FT» e conclui, no n.° 308, que, tendo em conta esta rutura, a Comissão não tinha o direito de estabelecer um nexo «entre uma eventual afetação de recursos estatais, nesta fase, e as vantagens conferidas pelas medidas anteriores, a saber, as declarações a partir de julho de 2002». Com efeito, segundo o Tribunal Geral, «semelhante nexo […] entre os elementos constitutivos da noção de auxílio, tratando‑se de elementos factuais distintos ocorridos em diversas fases, seria contrário ao requisito da exigência de um nexo entre a vantagem e a transferência de recursos estatais […], como imposto pelo acórdão PreussenElektra». No número seguinte, o Tribunal afirma que «a circunstância de as declarações a partir de julho de 2002 e o anúncio de 4 de dezembro de 2002 terem provocado uma vantagem a favor da FT […] não teve como contrapartida uma correspondente diminuição do orçamento do Estado» e, a este respeito, remete para os n.os 296 e 297 do acórdão recorrido.

91.      Quanto às consequências que o Tribunal Geral associa à constatação de uma rutura entre as declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 e o anúncio de 4 de dezembro de 2002, saliente‑se que, como o próprio Tribunal Geral reconhece, entre outros, no n.° 243 do acórdão recorrido, a vantagem sob forma de efeito tranquilizador dos mercados financeiros considerada na decisão impugnada resulta não só das referidas declarações, mas igualmente do anúncio de 4 de dezembro de 2002 e, portanto, manifesta‑se mesmo depois da referida rutura. Consequentemente, a simples constatação dessa rutura não permite, em si mesma, excluir o nexo estabelecido pela Comissão entre esta vantagem e a transferência de recursos estatais na fase do envio da proposta de contrato de adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002.

92.      Em contrapartida, resulta claramente das passagens reproduzidas no n.° 90 supra, que, mesmo no âmbito da análise efetuada ao conjunto das medidas que levaram ao refinanciamento da FT, o que impede concretamente o Tribunal Geral de reconhecer a existência do nexo estabelecido pela Comissão entre, por um lado, o efeito tranquilizador nos mercados causado pelo anúncio da disponibilização à FT de um adiantamento de acionista de um determinado montante e pela «aparência dada aos mercados da existência deste adiantamento» (53) e, por outro, a transferência de recursos estatais ligada à execução desta medida (54), é a ideia de que esse nexo pressupõe uma correspondência estreita entre vantagem e encargo para o orçamento do Estado, correspondência essa que não existe entre um encargo (no caso, o envio da proposta de contrato de adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002) que não se reflete sobre o património do beneficiário através de uma vantagem da mesma ordem (a saber, no caso em apreço, pela possibilidade de o referido montante ser concedido a qualquer momento).

93.      Resulta do conjunto das considerações precedentes que foi através de uma interpretação errada do alcance do nexo entre vantagem e transferência de recursos estatais que o Tribunal Geral excluiu que a Comissão tivesse provado, no caso vertente, a existência de uma transferência de recursos estatais.

94.      Assim sendo, falta ainda apreciar se, na decisão litigiosa, a Comissão demonstrou adequadamente a existência de um nexo entre a vantagem sob forma de efeito tranquilizador dos mercados financeiros, produzida, designadamente, pelo anúncio de 4 de dezembro de 2002, e a alegada transferência de recursos estatais decorrente do envio da proposta de contrato de adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002 (55).

95.      A este respeito, parece‑me que, tratando‑se de medidas intimamente conexas como o anúncio de que está a ser efetuada uma determinada intervenção estatal e a realização da mesma (pelo envio do contrato assinado e rubricado) (56), entre as quais apenas existe aliás uma variação temporal de cerca de duas semanas, a mera circunstância de a vantagem para o beneficiário resultar da primeira destas medidas, enquanto a transferência de recursos públicos está associada à segunda, não exclui que possa ser estabelecido entre elas um nexo caracterizador de um auxílio. Em minha opinião, seria excessivamente formalista excluir esse nexo pelo simples facto de a vantagem em causa resultar não diretamente da medida suscetível de comportar uma transferência de recursos públicos, mas antes da publicidade feita pelo Estado sobre a execução iminente desta medida. De modo mais geral, negar esse nexo parece‑me ignorar a realidade económica da intervenção do Estado francês no quadro do refinanciamento da FT, uma vez que, por um lado, é facto assente que esta última só pode refinanciar‑se nos mercados graças às repetidas declarações de apoio do Estado a seu favor (57), entre as quais designadamente o anúncio de 4 de dezembro de 2002, e, por outro, as diferentes medidas adotadas pelo Estado, incluindo o envio pela ERAP da proposta de contrato de adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002, o único suscetível de afetar recursos públicos, faziam parte de uma mesma estratégia do Estado em apoio da FT, a qual tinha «por objetivo e consequência, no seu conjunto, reconquistar a confiança dos mercados» (58), a fim de poder refinanciar a FT, em condições mais favoráveis.

96.      Com base no conjunto das considerações precedentes, considero que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao recusar reconhecer, com base numa interpretação errada do artigo 87.°, n.° 1, CE, a existência de um nexo entre, por um lado, a vantagem resultante das declarações desde julho de 2002 e do anúncio de 4 de dezembro de 2002 e, por outro, a afetação potencial de recursos estatais resultante do envio da proposta de contrato de adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002. Esse erro é suscetível de provocar a anulação do acórdão recorrido (59).

97.      Os outros fundamentos e argumentos invocados pelas sociedades Bouygues e pela Comissão serão analisados, de forma breve, no seguimento das presentes conclusões, caso o Tribunal de Justiça não partilhe das conclusões a que cheguei anteriormente.

c)      Quanto aos erros alegadamente cometidos pelo Tribunal Geral no que respeita ao conceito de vantagem resultante da disponibilização de uma linha de crédito (segunda parte do segundo fundamento de recurso no processo C‑401/10 P)

98.      Na segunda parte do seu segundo fundamento de recurso, as sociedades Bouygues alegam que foi erradamente que o Tribunal Geral, na sua análise da existência de uma vantagem, tomou em consideração, separadamente, o anúncio de 4 de dezembro de 2002 e o envio da proposta de contrato de adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002, visto que, segundo elas, se trata de elementos de uma única e mesma intervenção do Estado, que não podem ser analisados isoladamente.

99.      Na medida em que visa pôr em causa a apreciação do Tribunal Geral relativa à existência de uma vantagem associada ao envio da proposta de contrato de adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002, esta acusação deve, em minha opinião, ser declarada inadmissível. Na medida em que, em contrapartida, critica a conclusão do Tribunal Geral segundo a qual não existe um nexo suficientemente estreito entre «o efeito tranquilizador resultante da publicação da abertura de uma linha de crédito de 9 mil milhões [de euros e] a transferência de recursos estatais resultante desta abertura», a referida acusação coincide com a apresentada no âmbito do terceiro aspeto da primeira parte do segundo fundamento de recurso, analisado acima, conjuntamente com as acusações similares invocadas pela Comissão.

d)      Quanto ao erro alegadamente cometido pelo Tribunal Geral ao não analisar o critério do investidor privado prudente para determinar a existência ou não de uma vantagem para a FT (terceira parte do segundo fundamento de recurso no processo C‑401/10 P)

100. Na terceira parte do seu segundo fundamento de recurso, a Comissão, no essencial, sustenta que o Tribunal Geral deveria ter verificado, como ela fez na decisão litigiosa, se a vantagem concedida à FT, resultante de todas as declarações desde julho de 2002 e do anúncio de 4 de dezembro de 2002, «era concedida em condições normais do mercado ou se uma entidade privada poderia ter beneficiado da mesma vantagem nas mesmas condições se o Estado se tivesse comportado como investidor privado». Ao não proceder a essa análise, o Tribunal Geral violou o disposto no artigo 87.°, n.° 1, CE.

101. Esta acusação deve, em minha opinião, ser rejeitada por ser inoperante. Com efeito, resulta claramente dos fundamentos do acórdão recorrido que o Tribunal concluiu que a Comissão infringiu o conceito de auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, devido ao facto de, apesar de ter provado de forma juridicamente bastante a existência de uma vantagem para a FT resultante das declarações desde julho de 2002 e do anúncio de 4 de dezembro de 2002, não ter demonstrado que essa vantagem resultava de uma transferência de recursos estatais. Ora, a Comissão não explicou como é que um eventual exame da legalidade do método que seguiu na aplicação do teste do investidor privado poderia ter levado o Tribunal a modificar essa conclusão, na qual se funda a anulação da decisão litigiosa.

e)      Quanto à alegada violação do artigo 87.° CE, conjugado com o artigo 230.° CE, resultante de o Tribunal não ter respeitado a margem de apreciação de que a Comissão dispõe quando efetua análises económicas complexas (quarta parte do segundo fundamento de recurso no processo C‑401/10 P)

102. Na quarta parte do seu segundo fundamento de recurso, a Comissão acusa, em primeiro lugar, o Tribunal Geral de ter desrespeitado a margem de apreciação de que ela dispunha quando efetuou apreciações económicas complexas ao aplicar, na decisão impugnada, o critério do investidor privado prudente numa economia de mercado. Esta acusação deve igualmente ser rejeitada, dado que a Comissão não explicou como é que o Tribunal poderia ter infringido a margem de apreciação que ela usou ao aplicar o critério do investidor privado, visto que não analisou a legalidade da decisão litigiosa na parte em que teve lugar essa aplicação.

103. Nesta mesma parte do fundamento, a Comissão acusa, em seguida, o Tribunal de ter substituído a sua perspetiva pela da Comissão, efetuando um controlo de oportunidade da decisão impugnada. Em particular, a Comissão parece acusar o Tribunal Geral de, na análise da existência de uma transferência de recursos estatais, ter rejeitado, como não justificada, a «perspetiva global» que a Comissão, em contrapartida, seguiu no âmbito da aplicação do critério do investidor privado. Este argumento também não pode ser acolhido. Com efeito, o Tribunal Geral não pode ser acusado de ter excedido os limites da fiscalização da legalidade na aplicação do conceito de auxílio quando concluiu, apoiando‑se designadamente na sua própria apreciação dos factos, que, mesmo considerando conjuntamente todos os acontecimentos que se sucederam desde julho de 2002, não podia provar‑se que tinha ocorrido uma transferência de recursos estatais.

104. Quanto ao mais, os argumentos invocados pela Comissão nesta parte do seu segundo fundamento de recurso coincidem com os já apresentados na primeira e segunda partes deste mesmo fundamento.

B —    Quanto ao caráter alegadamente contraditório da fundamentação do acórdão recorrido (primeiro fundamento de recurso no processo C‑401/10 P)

105. Segundo a Comissão, o Tribunal Geral, em vários pontos do acórdão recorrido, efetua apreciações dos acontecimentos em análise que são incompatíveis entre si. Em especial, por um lado, analisou conjuntamente as declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 e o anúncio de 4 de dezembro de 2002, para concluir que, consideradas no seu conjunto, estas medidas comportavam uma vantagem para a FT e, por outro, em contradição com as suas afirmações anteriores, constatou a existência de uma rutura significativa entre estas declarações e este anúncio.

106. Não compartilho da posição da Comissão. Pelo contrário, parece‑me que o acórdão recorrido segue uma lógica muito linear, e a sua fundamentação parece‑me isenta das contradições alegadas pela Comissão. Em particular, não vejo qualquer contradição entre, por um lado, a afirmação de que as declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002 e o anúncio de 4 de dezembro de 2002, considerados conjunta ou separadamente, conferem uma mesma vantagem (ou uma vantagem similar) à FT, na medida em que manifestam uma intenção do Estado de intervir em seu apoio, e, por outro, a constatação de que estas várias medidas não apresentam o mesmo grau de precisão no que respeita à definição dos meios a aplicar para realizar esse apoio e de que têm uma natureza e um âmbito diferente quanto à sua aptidão para comprometer o Estado de forma juridicamente vinculativa. Do mesmo modo, se se tiver em conta a interpretação adotada pelo Tribunal Geral no que respeita ao nexo entre uma vantagem e uma transferência de recursos estatais, não se verifica qualquer contradição, contrariamente ao que alega a Comissão, entre, por um lado, o n.° 259 do acórdão recorrido, em que o Tribunal conclui que «as declarações a partir de julho de 2002 e o anúncio de 4 de dezembro de 2002 […] implicaram a concessão de uma vantagem à FT», e o n.° 296, onde este indica que «uma transferência de recursos estatais resultante do anúncio de 4 de dezembro de 2002 só poderia corresponder a uma vantagem que residisse na abertura da linha de crédito de 9 mil milhões de euros que aí estava expressamente prevista». Com efeito, como referi anteriormente, este último aspeto constitui a aplicação, no presente caso, da tese segundo a qual só pode existir um nexo entre uma vantagem e uma transferência de recursos estatais da mesma ordem, o que não acontecia no presente caso, segundo o Tribunal Geral, entre, por um lado, a vantagem que consiste no efeito tranquilizador para os mercados financeiros decorrente das referidas declarações e do referido anúncio e, por outro, a transferência de recursos públicos resultante da abertura a favor da FT da linha de crédito de 9 mil milhões de euros.

107. Por conseguinte, considero que o primeiro fundamento de recurso da Comissão não é procedente.

C —    Quanto à interpretação alegadamente errada e quanto à desvirtuação da decisão impugnada (terceiro fundamento de recurso no processo C‑401/10 P)

108. No seu terceiro fundamento de recurso, a Comissão acusa o Tribunal de ter efetuado uma leitura errada da decisão impugnada e de ter desvirtuado os elementos factuais em que este ato se fundava. Em particular, acusa‑o de, nos n.os 254 e 255 do acórdão recorrido, ter considerado que a Comissão devia ter analisado e fundamentado de forma mais pormenorizada a existência de uma vantagem distinta resultante da proposta de contrato de adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002, quando decorria de forma clara dos n.os 190 e 194 da decisão impugnada que ela nunca tomou em consideração essa vantagem, tendo sempre considerado unicamente a vantagem que consiste na reabertura do mercado de capitais em condições ótimas para a FT, resultantes da «aparência dada ao mercado da existência do adiantamento de acionista». Contesta, além disso, a afirmação constante do n.° 247 do acórdão recorrido segundo a qual, na audiência de 21 de abril de 2009, perante o Tribunal Geral, reconheceu que considerava que a referida proposta de contrato de adiantamento de acionista enquanto tal implicava uma vantagem suplementar e distinta da resultante do anúncio de 4 de dezembro de 2002. Contrariamente ao que sustenta a Comissão, resulta claramente dos fundamentos do acórdão recorrido, designadamente dos seus n.os 244 e 245, que o Tribunal efetivamente tomou em consideração, em primeiro lugar, a vantagem decorrente da «aparência dada ao mercado da existência do adiantamento de acionista» que a Comissão invoca como a única considerada na decisão impugnada, e que foi apenas com o cuidado de ser exaustivo que, nos n.os 254 e 255, analisou se esta decisão podia ser interpretada no sentido de que a Comissão podia ter igualmente previsto uma vantagem posterior. Nestas circunstâncias, e sem que haja necessidade de verificar se o Tribunal desvirtuou as afirmações da Comissão na audiência de 21 de abril de 2009, a acusação relativa a uma interpretação errada da decisão impugnada, apresentada no número anterior, deve, em minha opinião, ser rejeitada por improcedente.

109. No âmbito do seu terceiro fundamento, a Comissão acusa ainda o Tribunal Geral de ter «desvirtuado a decisão [impugnada] e os factos em que esta assenta», ao apresentar uma rutura importante na sucessão de acontecimentos entre julho e dezembro de 2002, entre a declaração de 12 de julho de 2002 e o anúncio de 4 de dezembro de 2002, «ao deixar de recordar as duas outras declarações que ocorreram em setembro e outubro de 2002», que, segundo a Comissão, testemunham a concretização progressiva dos compromissos do Estado francês perante a FT. Esta acusação deve igualmente ser julgada improcedente. Com efeito, decorre designadamente dos n.os 303 e 304 do acórdão recorrido que o Tribunal considerou que o anúncio de 4 de dezembro de 2002 constituía uma «importante rutura» na sucessão dos acontecimentos em relação às três declarações de julho, setembro e outubro de 2002 [as ‘declarações a partir de julho de 2002’, segundo a convenção de redação adotada pelo Tribunal Geral no n.° 21 do acórdão recorrido] — cuja natureza e âmbito já tinham sido pormenorizadamente analisados, quanto a cada uma delas, nos n.os 273 a 276 do acórdão recorrido — e que, portanto, não deixou de considerar, como alega a Comissão, todas as medidas que antecederam este anúncio.

110. À luz do conjunto das considerações precedentes, considero que o terceiro fundamento de recurso da Comissão deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

D —    Quanto ao pedido de substituição de fundamentos apresentado pela República Francesa

111. Na sua contestação no recurso da Comissão, o Governo francês argumenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nos n.os 240 e 259 do acórdão recorrido, ao qualificar de vantagem, na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, os efeitos produzidos pelas declarações a partir de julho de 2002 e pelo anúncio de 4 de dezembro de 2002, antes de analisar estas medidas à luz do critério do investidor privado prudente.

112. O pedido de substituição de fundamentos que o Governo francês, no essencial, apresenta ao Tribunal de Justiça com a referida argumentação não pode, em minha opinião, ser acolhido. Com efeito, no n.° 217 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afirma que «a aplicação do critério do investidor privado pressupõe necessariamente que as medidas tomadas pelo Estado a favor de uma empresa confiram uma vantagem decorrente de recursos estatais». No n.° 221, afirma que há que examinar, em primeiro lugar, se as medidas adotadas pelo Estado francês a favor da FT lhe conferiram uma vantagem e, em seguida, se essa vantagem foi concedida no respeito do critério do investidor privado. Finalmente, no n.° 313, o Tribunal declara que não há que examinar os fundamentos e argumentos invocados pelas recorrentes, relativos à legalidade da aplicação, pela Comissão, do critério relativo ao investidor privado prudente. Nestas circunstâncias, como a própria FT admite, não se pode considerar que o Tribunal Geral se pronunciou sobre o caráter «indevido» na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE da vantagem material resultante das medidas adotadas pelo Estado francês a favor da FT, tal como identificado nos n.os 234 a 240 do acórdão recorrido (60).

V —    Conclusão

113. Pelos fundamentos expostos, proponho ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 21 de maio de 2012, França e o./Comissão (T‑425/04, T‑444/04, T‑450/04 e T‑456/04). Além disso, na medida em que o erro cometido pelo Tribunal vicia a totalidade da sua análise e tendo em conta que este último não procedeu à apreciação de todos os fundamentos aduzidos contra a Decisão 2006/621/CE da Comissão, de 2 de agosto de 2004, relativa ao auxílio Estatal concedido pela França a favor da France Télécom, entre os quais, o relativo à aplicação, pela Comissão, do princípio do investidor privado prudente em economia de mercado, considero adequado que o Tribunal de Justiça remeta o processo ao Tribunal Geral, nos termos do artigo 61.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, para uma nova análise do recurso de primeira instância, e reserve para final a decisão sobre as despesas do recurso.


1 —      Língua original: francês.


2 —      Esta orientação apoiava‑se na utilização da proposição disjuntiva «ou» na expressão «auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais», constante do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado CEE (que se tornou artigo 92.°, n.° 1, do Tratado CE, e, após alteração, artigo 87.° n.° 1, CE, e, posteriormente, artigo 107.° TFUE): v, a este respeito, Merola, M., «Le critère de l’utilisation des ressources publiques», em Les aides d’État, ed. da Université Libre de Bruxelles, 2005, p. 15.


3 —      Acórdão de 30 de janeiro de 1985, Comissão/França (290/83, Recueil, p. 439, n.° 14). No caso em apreço, apesar de não haver dúvidas de que a medida tinha sido decidida por incentivo dos poderes públicos e, portanto, era imputável ao Estado, o Governo francês sustentava que os excedentes utilizados para financiar o subsídio eram o produto financeiro de uma gestão bancária de poupança de origem privada e não dos recursos estatais.


4 —      Acórdão de 2 de fevereiro de 1988 (67/85, 68/85 e 70/85, Recueil, p. 219, n.os 32 a 38). No processo que deu lugar a este acórdão, tratava‑se da aplicação, nos Países Baixos, de uma tarifa preferencial de gás natural, que favorecia um determinado grupo de utilizadores, fixada pelos produtores de gás, entre os quais a Gasunie, sociedade de direito privado de que o Estado neerlandês, direta ou indiretamente, detinha 50 % do capital. O Tribunal de Justiça, depois de ter determinado que, atenta a estrutura acionista da Gasunie, a fixação da referida tarifa era o resultado de um comportamento imputável ao Estado neerlandês, afirmou que «esta simples constatação basta para concluir que a fixação da tarifa litigiosa […] é […] suscetível de ser abrangida pelo conceito de auxílio concedido por um Estado‑Membro nos termos do artigo 92.° do Tratado».


5 —      Acórdão de 7 de junho de 1988, Grécia/Comissão (57/86, Recueil, p. 2855, n.° 12).


6 —      Deve, no entanto, referir‑se que, já nesta época, o Tribunal de Justiça, por duas vezes, tinha excluído a existência de um auxílio depois de ter constatado que as vantagens não eram concedidas, direta ou indiretamente, mediante recursos estatais: v. acórdãos de 24 de janeiro de 1978, Van Tiggele (82/77, Colet., p. 15, n.° 24), e de 13 de outubro de 1982, Norddeutsches Vieh‑ und Fleischkontor Will e o. (213/81 a 215/81, Recueil, p. 3583, n.° 22).


7 —      V. conclusões dos advogados‑gerais VerLoren van Themaat no processo que deu lugar ao acórdão Norddeutsches Vieh‑ und Fleischkontor Will e o., já referido; Slynn no processo que deu lugar ao acórdão Grécia/Comissão, já referido, e M. Darmon no processo que deu lugar ao acórdão de 17 de março de 1993, Sloman Neptun (C‑72/91 e C‑73/91, Colet., p. I‑887). Mais recentemente, v. conclusões do advogado‑geral P. Maduro no processo que deu lugar ao acórdão de 23 de março de 2006, Enirisorse (C‑237/04, Colet., p. I‑2843), n.os 44‑53.


8 —      Acórdão já referido.


9 —      No n.° 19, o Tribunal de Justiça especificava que «[a] distinção entre auxílios atribuídos pelo Estado e através de recursos do Estado destina‑se a incluir no conceito de auxílio não só os auxílios atribuídos diretamente pelo Estado como também os atribuídos por organismos públicos ou privados, designados ou instituídos pelo Estado». Num acórdão posterior, o Tribunal de Justiça especificava que a condição da transferência de recursos estatais não substituía a da imputabilidade ao Estado das vantagens concedidas aos beneficiários das medidas em causa, acrescendo antes à mesma: acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão (C‑482/99, Colet., p. I‑4397, n.° 24).


10 —      Acórdão de 30 de novembro de 1993 (C‑189/91, Colet., p. I‑6185).


11 —      V. acórdãos de 1 de dezembro de 1998, Ecotrade (C‑200/97, Colet., p. I‑7907, n.° 36), em que se colocava a questão de saber se a lei italiana que instituía o processo de administração extraordinária das grandes empresas em crise, que derroga o regime de direito comum em matéria de insolvência, continha elementos de auxílio, e de 17 de junho de 1999, Piaggio (C‑295/97, Colet., p. I‑3735), relativo à mesma lei italiana. Na mesma linha jurisprudencial, ainda que com algumas diferenças no raciocínio adotado, v., igualmente, acórdão de 7 de maio de 1998, Viscido e o. (C‑52/97 a C‑54/97, Colet., p. I‑2629).


12 —      Acórdão de 13 de março de 2001 (C‑379/98, Colet., p. I‑2099).


13 —      É interessante salientar que, no processo que deu lugar ao acórdão PreussenElektra, já referido, os custos da medida em causa eram principalmente suportados por operadores privados ativos no mesmo mercado que os beneficiários do auxílio, com o efeito de falsear mais a concorrência.


14 —      Acórdãos de 15 de março de 1994, Banco Exterior de España (C‑387/92, Colet., p. I‑877, n.° 14); de 27 de junho de 2000, Comissão/Portugal (C‑404/97, Colet., p. I‑4897, n.° 45); e França/Comissão, já referido (n.° 36).


15 —      V., em especial, acórdãos Banco Exterior de España, já referido (n.° 14), e de 19 de maio de 1999, Itália/Comissão (C‑6/97, Colet., p. I‑2981, n.° 16).


16 —      V. acórdãos Banco Exterior de España, já referido (n.° 14); Itália/Comissão, já referido (n.° 16); e de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão (C‑156/98, Colet., p. I‑6857, n.os 26 e 27).


17 —      Acórdão de 29 de julho de 1999, DM Transport (C‑256/97, Colet., p. I‑3913).


18 —      Acórdão de 11 de julho de 1996, SFEI e o. (C‑39/94, Colet., p. I‑3547, n.° 59).


19 —      Acórdão Piaggio, já referido (n.os 41 e 42).


20 —      V. acórdão Ecotrade, já referido (n.° 43). V., igualmente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de junho de 2000, Comissão/Portugal (C‑404/97, Colet., p. I‑4897); e do Tribunal Geral de 13 de junho de 2000, EPAC/Comissão (T‑204/97 e T‑270/97, Colet., p. II‑2267), em que o Tribunal especifica que «a concessão de uma garantia pelo Estado não podia escapar à proibição do artigo 92.° do Tratado em virtude, apenas, de não ter sido através de uma mobilização imediata e certa de recursos do Estado que essa vantagem foi concedida à empresa beneficiária» (n.° 81).


21 —      JO 2008, C 155, p. 10.


22 —      Neste sentido, v. acórdão.


23 —      Tanto quanto sei, o Tribunal de Justiça não se pronunciou ainda expressamente sobre esta questão (v., no entanto, acórdão de 8 de dezembro de 2011, Residex Capital IV, C‑275/10, Colet., p. I‑13043, no qual o Tribunal de Justiça, à semelhança da comunicação relativa aos auxílios sob forma de garantias, identifica o elemento de auxílio no menor custo financeiro que o beneficiário da garantia estatal suporta em relação ao que teria suportado se devesse ter obtido o financiamento ou a garantia a preços de mercado). No que respeita ao Tribunal Geral, v. acórdão EPAC/Comissão, já referido (n.os 80 e 81). V. igualmente, mais recentemente, acórdãos do Tribunal Geral de 19 de outubro de 2005, Freistaat Thüringen/Comissão (T‑318/00, Colet., p. II‑4179, n.° 125), e de 10 de novembro de 2011, Elliniki Nafpigokataskevastiki e o./Comissão (T‑384/08, n.° 92, que remete para o n.° 80 do acórdão EPAC/Comissão, já referido).


24 —      Com efeito, no n.° 41 deste acórdão, o Tribunal de Justiça admitiu que «tendo em conta o caráter prioritário dos créditos ligados ao prosseguimento da atividade económica», a autorização dada às empresas abrangidas pelo processo de administração extraordinária de prosseguirem a sua atividade «poderá implicar um encargo suplementar para os poderes públicos se se verificar que o Estado ou os organismos públicos figuram entre os principais credores da empresa em dificuldade».


25 —      Pode‑se pensar, por exemplo, nas garantias implícitas, decorrentes do regime jurídico específico aplicável a beneficiário ou, ainda, em cartas de intenção ou de conforto. Saliente‑se, a este respeito, que, na aceção da comunicação relativa aos auxílios sob forma de garantias, é abrangida pela noção de garantia, para efeitos da aplicação desta comunicação «qualquer medida de apoio cujos efeitos económicos são equivalentes aos de uma garantia» e que decorrem quer de uma disposição do direito nacional, quer do comportamento da administração. Assim, a Comissão distingue designadamente entre garantias provenientes de uma «fonte contratual» ou de «outra fonte jurídica», por oposição às «garantias com uma forma menos visível», mencionando, a título exemplificativo, os «compromissos orais».


26 —      A título incidental, observe‑se que as condições enunciadas no n.° 280 do acórdão recorrido, exigindo que o âmbito da garantia concedida seja mensurável no momento da sua concessão, constam das enumeradas no n.° 3.2 da comunicação relativa aos auxílios sob forma de garantias, que devem estar preenchidas para que o princípio do investidor privado em economia de mercado seja respeitado. Noutros termos, na ausência das mesmas exigências no que respeita à definição do quadro financeiro da medida de apoio, a Comissão considera que a medida é suscetível de constituir um auxílio, enquanto o Tribunal entende que esta não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 107.° TFUE, dado não estar estabelecida uma afetação de recursos estatais.


27 —      Acórdãos de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão (173/73, Colet., p. 357, n.° 27); de 24 de fevereiro de 1987, Deufil/Comissão (310/85, Colet., p. 901, n.° 8); de 26 de setembro de 1996, França/Comissão (C‑241/94, Colet., p. I‑4551, n.° 20). Mais especificamente, quanto à forma que assume o auxílio de Estado, v. acórdãos de 14 novembro de 1984, Intermills/Comissão (323/82, Recueil, p. 3809, n.° 31); de 3 de outubro de 1991, Itália/Comissão (C‑261/89, Colet., p. I‑4437, n.° 8); Alemanha/Comissão, já referido (n.° 25). Esta ausência de formalismo reflete‑se aliás igualmente no próprio conceito de recursos estatais que, segundo o Tribunal de Justiça, «abrange todos os meios pecuniários que as autoridades públicas podem efetivamente utilizar para apoiar empresas», v. acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão, já referido (n.° 37), em que a definição ampla do Tribunal de Justiça visava incluir os recursos financeiros de empresas públicas, que, ainda que não estando de forma permanente na posse do Tesouro Público, permaneciam todavia constantemente sob controlo público.


28 —      Acórdão de 5 de julho de 2011, Edwin/IHMI (C‑263/09 P, Colet., p. I‑5853). No caso em apreço, a recorrente invocava a violação de uma regra de direito nacional tornada aplicável ao litígio pela remissão efetuada por uma disposição do direito da União.


29 —      Ibidem, n.° 53.


30 —      Em particular, nas passagens do parecer em causa para que remetem as sociedades Bouygues, o autor do mesmo parecer concluir que «parecepossível demonstrar que as declarações do Estado efetuadas entre julho de 2002 e dezembro de 2002, apresentam efetivamente as características de uma garantia sob forma de compromisso unilateral cuja qualificação como carta de conforto parece verosímil, apesar do seu caráter original» (o sublinhado é meu).


31 —      As conclusões a que o Tribunal chega no que respeita ao caráter vago, impreciso e condicional das declarações do Estado em apoio da FT decorrem de apreciações de facto, contra as quais as sociedades Bouygues não invocam, de forma direta e expressa, um fundamento de desvirtuação, o qual é invocado à luz das regras pertinentes do direito francês.


32 —      Neste acórdão, a Cour de cassation, embora rejeitando a qualificação de garantia, acolheu a existência de uma obrigação jurídica de resultado em relação a uma carta de intenção de uma sociedade‑mãe, indicando «a partir desta data, diligenciaremos para a boa tramitação desta operação e […] faremos, perante vós, o necessário para a levar a bom termo».


33 —      Além do acórdão Lamiable e o., já referido, apresentado perante o Tribunal, as sociedades Bouygues anexaram ao seu recurso, entre outros, os acórdãos do Conseil d’État de 3 de março de 1993, Comité central d’entreprise de la société d’exploitation industrielle des tabacs et allumettes, e de 26 de outubro de 1973, Société civile immobilière «Résidence Arcole», citados e comentados na opinião de F. Sureau, de 14 de janeiro de 2004, anexa à petição inicial em primeira instância.


34 —      Neste número, o Tribunal Geral conclui que «não está […] estabelecido que, tendo em conta as suas características intrínsecas, [as declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002] sejam suscetíveis de servir de base […] do compromisso juridicamente vinculativo e incondicional do Estado francês de apoiar a FT».


35 —      Acórdão de 15 de fevereiro de 2001 (C‑99/98, Colet., p. I‑1101).


36 —      Acórdão de 14 de janeiro de 2004 (T‑109/01, Colet., p. II‑127).


37 —      N.° 74.


38 —      No acórdão Áustria/Comissão, já referido, colocava‑se a questão de saber se a medida em causa devia ser considerada como um auxílio novo ou como um auxílio existente, enquanto, no acórdão Fleuren Compost, já referido, se tratava de verificar se a medida litigiosa estava ou não abrangida por um regime de auxílio previamente autorizado pela Comissão.


39 —      Com efeito, à luz da jurisprudência referida no n.° 47 supra, segundo a qual, há que ter em conta os efeitos de uma medida na fase da sua qualificação como auxílio estatal, poder‑se‑ia ser levado a considerar preenchida a condição da afetação de recursos estatais quando o comportamento do Estado é passível de criar um encargo para o orçamento de Estado, expondo‑o, de facto se não de direito, a um risco financeiro suficientemente concreto.


40 —      O sublinhado é meu.


41 —      O sublinhado é meu.


42 —      Acórdão de 19 de setembro de 2000 (C‑156/98, Colet., p. I‑6857, n.° 27).


43 —      V., designadamente, para além dos acórdãos já referidos Sloman Neptun, PreussenElektra e Alemanha/Comissão, acórdãos já referidos Kirsammer‑Hack; Viscido e o.; Ecotrade; e de 5 de março de 2009, UTECA (C‑222/07, Colet., p. I‑1407), que nega a qualificação de auxílio a uma regulamentação geral que obriga os operadores de televisão a afetarem uma parte das suas receitas de exploração ao financiamento antecipado de filmes cinematográficos e de televisão; e de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos (C‑279/08 P, Colet., p. I‑7671, n.° 103).


44 —      V. acórdãos Piaggio, já referido (n.os 34 e 35), e de 15 de julho de 2004, Espanha/Comissão (C‑501/00, Colet., p. I‑6717, n.os 91 e 92).


45 —      N.° 62.


46 —      Cumpre igualmente observar que os acórdãos, já referidos, Sloman Neptun e PreussenElektra eram ambos relativos a legislações nacionais gerais reguladoras de um determinado setor económico, visando, no primeiro caso, assegurar a competitividade do setor e, no segundo caso, realizar objetivos de proteção do ambiente. O tipo de intervenção pública em causa era, pois, muito diferente em relação ao do caso em apreço.


47 —      Neste sentido, v., igualmente, acórdãos do Tribunal Geral de 18 de janeiro de 2005, Confédération nationale du Crédit mutuel/Comissão (T‑93/02, Colet., p. II‑143), e de 4 de março de 2009, Associazione italiana del risparmio gestito e Fineco Asset Management/Comissão (T‑445/05, Colet., p. II‑289).


48 —      V. n.os 44 a 78 supra.


49 —      Na segunda parte do seu segundo fundamento, a Comissão argumenta que, contrariamente ao que é constatado no n.° 293 do acórdão recorrido, apresentou elementos que permitiam considerar que as declarações de 12 de julho, 13 de setembro e 2 de outubro de 2002, consideradas no seu conjunto, constituíam uma afetação de recursos públicos. Argumenta igualmente que o próprio Tribunal Geral, nos n.os 303 a 305 do acórdão recorrido, considerou que essa afetação já estava implícita no anúncio de 4 de dezembro de 2002. Não me parece que estes argumentos possam ser acolhidos. Quanto ao primeiro, resulta do considerando 219 da decisão impugnada que a Comissão afinal se absteve de tomar uma posição definitiva sobre a questão de saber se, consideradas conjuntamente, as declarações a partir de julho de 2002 implicavam uma afetação de recursos estatais. No que respeita ao segundo argumento, resulta claramente do n.° 293 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral não abordou a questão de saber se o anúncio de 4 de dezembro de 2002 implicava para o Estado um compromisso juridicamente vinculativo por força do direito francês.


50 —      O sublinhado é meu.


51 —      Cumpre considerar que, quando, nos n.os 296 e 297 do acórdão recorrido, menciona as «declarações a partir de julho de 2002», o Tribunal Geral se refere igualmente ao anúncio de 4 de dezembro de 2002.


52 —      Recorde‑se que, no n.° 246 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral excluiu que o envio da proposta de contrato de adiantamento de acionista de 20 de dezembro de 2002 possa ter tido, em si, um efeito tranquilizador para o mercado semelhante ao produzido pelo anúncio de 4 de dezembro de 2002, por não ter sido tornado público, e, nos n.os 264 a 267, constatou que a Comissão não tinha estabelecido uma vantagem associada a este envio distinta da resultante das declarações a partir de julho de 2002 e do referido anúncio.


53 —      V. considerando 194 da decisão impugnada e nota de pé de página 116.


54 —      Mais precisamente, «o anúncio da colocação à disposição do adiantamento de acionista, juntamente com a realização das condições prévias a tal colocação à disposição, a aparência transmitida ao mercado de que tal adiantamento tinha efetivamente sido colocado à disposição e, por último, o envio à FT do contrato de adiantamento rubricado e assinado pelo ERAP implicam um encargo potencial suplementar […]» (considerando 196 da decisão litigiosa).


55 —      Como o Tribunal Geral, não tomo posição sobre a questão de saber se, como afirma a Comissão no considerando 196 da decisão litigiosa, o envio do projeto de contrato de adiantamento de acionista implica em si uma afetação de recursos estatais sob forma de encargo potencial para o orçamento do Estado, na medida em que este último «devia ter à disposição da FT, através do ERAP, o montante de recursos correspondentes» e, portanto, independentemente tanto do exame das condições a que este contrato estava sujeito como da circunstância de nunca ter sido executado. Saliente‑se, no entanto, que, contrariamente ao Governo alemão, nem o Governo francês nem a FT contestam que, nesta fase, possa ter ocorrido uma afetação de recursos públicos.


56 —      A este respeito, no seu recurso, a Comissão fala de «duas manifestações de um mesmo facto, que, além disso, foi entendido de maneira unitária pelos mercados».


57 —      Estas declarações, ainda que tenham jogado com as reações subjetivas dos atores dos mercados financeiros, conferiram uma vantagem material objetiva à FT.


58 —      V. acórdão recorrido (n.° 303).


59 —      Como é evidente, esta conclusão, bem como o conjunto das considerações apresentadas anteriormente, não prejudica a questão de saber se a intervenção do Estado francês em causa preenche ou não o critério do investidor privado prudente numa economia de mercado.


60 —      V., igualmente, acórdão de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF e o. (C‑124/10 P, n.° 89).