Language of document : ECLI:EU:C:2010:688

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 17 de Novembro de 2010 (1)

Processo C‑275/09

Brussels Hoofdstedelijk Gewest

P. De Donder

F. De Becker

K. Colenbie

Ph. Hutsebaut

B. Kockaert

VZW Boreas

F. Petit

V.S. de Burbure de Wezembeek

L. Van Dessel

contra

Vlaamse Gewest

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State, Bélgica)

«Avaliação de impacto ambiental – Conceito de ‘construção’ de aeroportos»





1.        Um dos problemas mais espinhosos em matéria de avaliação de impacto ambiental é, notoriamente, o de interpretar a lista das actividades que podem ou devem ser objecto do processo que leva a tal avaliação, lista essa contida nos anexos da directiva que regula a matéria. No presente processo, que diz respeito ao aeroporto de Bruxelas, o Tribunal de Justiça terá de se pronunciar acerca do conceito de «construção» de um aeroporto. Deverá ser esclarecido, em especial, se ao mesmo pode ser reconduzida também a exploração de uma estrutura aeroportuária pré‑existente, sem qualquer alteração física da mesma.

I –    Contexto normativo

2.        A matéria da avaliação do impacto ambiental é regulada pela Directiva 85/337/CEE (2) (a seguir também «directiva»). Em particular, a versão da directiva aplicável aos factos do processo principal é a resultante das alterações que lhe foram introduzidas pela Directiva 97/11/CE (3).

3.        O artigo 1.°, n.° 2, da directiva fornece as seguintes definições:

«[…]

projecto:

–        a realização de obras de construção ou de outras instalações ou obras,

–        outras intervenções no meio natural ou na paisagem, incluindo as intervenções destinadas à exploração dos recursos do solo;

[…]

aprovação:

a decisão da autoridade ou das autoridades competentes que confere ao dono da obra o direito de realizar o projecto

[…]».

4.        Os anexos I e II da directiva contêm listas detalhadas de diversos tipos de projectos. O artigo 4.° da directiva prevê que, em geral, serão sempre submetidos a uma avaliação de impacto ambiental os projectos incluídos no anexo I. No que diz respeito aos projectos que se incluem no anexo II, pelo contrário, os Estados‑Membros determinarão, com base numa análise caso a caso ou com base em limiares ou critérios, que projectos devem ser submetidos à avaliação de impacto ambiental.

5.        O anexo I, que contém a lista de projectos para os quais é sempre necessária a avaliação de impacto ambiental, indica, no n.° 7, alínea a), a «[c]onstrução de […] aeroportos cuja pista de descolagem e de aterragem tenha um comprimento de, pelo menos, 2 100 metros» (4).

6.        O anexo II, relativo aos projectos para os quais a avaliação de impacto é possível, mas não necessariamente obrigatória, inclui, no n.° 10, alínea d), a «[c]onstrução de aeroportos (projectos não incluídos no anexo I)» e, no n.° 13, «[q]ualquer alteração ou ampliação de projectos incluídos no anexo I ou no anexo II, já autorizados, executados ou em execução, que possam ter impactes negativos importantes no ambiente».

II –  A matéria de facto, o processo nacional e as questões prejudiciais

7.        O litígio pendente perante o órgão jurisdicional de reenvio diz respeito ao aeroporto de Bruxelas. Trata‑se de um aeroporto dotado de três pistas, que se encontra inteiramente no território da Região flamenga (Vlaamse Gewest).

8.        Nos termos da legislação actualmente em vigor na Região flamenga, a exploração de um aeroporto como aquele em causa requer uma «licença ambiental» (milieuvergunning). Trata‑se de uma licença administrativa de duração limitada, no máximo por vinte anos, obrigatória para os aeroportos desde 1999. Essa licença não está prevista pelo direito da União e é, por conseguinte, um instrumento de protecção ambiental adoptado autonomamente pela Bélgica.

9.        Por outras palavras, no presente processo são objecto de apreciação dois processos de aprovação diferentes com funções de protecção ambiental: a licença ambiental, prevista unicamente pelo direito nacional, e a avaliação de impacto ambiental, prevista pelo direito da União e, consequentemente, também pelo direito nacional que transpôs a directiva.

10.      O aeroporto de Bruxelas, que existe há muitas décadas, obteve uma primeira licença ambiental, de duração quinquenal, no ano 2000. Em 2004, essa licença foi renovada, sem qualquer alteração nas modalidades de exploração, por um período de vinte anos. Como resulta do despacho de reenvio e como foi confirmado na audiência, no decurso do procedimento administrativo considerava‑se a possibilidade de realizar algumas alterações da estrutura aeroportuária (5): no entanto, essa possibilidade foi recusada pelas autoridades nacionais, que, portanto, renovaram a licença deixando inalteradas as modalidades de exploração do aeroporto. A decisão de renovação da licença é o acto impugnado perante o tribunal nacional.

11.      No âmbito do processo perante o órgão jurisdicional de reenvio, o argumento principal utilizado por numerosos recorrentes é o de que a renovação da licença ambiental deveria ter sido acompanhada por uma avaliação de impacto ambiental na acepção da directiva. Neste contexto, o tribunal nacional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Quando são exigidas licenças diferentes para, por um lado, obras na infra-estrutura de um aeroporto com uma pista de descolagem e de aterragem de, pelo menos, 2 100 metros e, por outro, a exploração desse aeroporto, e esta última licença – a licença ambiental – apenas é concedida para um período determinado, deve o termo ‘construção’, previsto no ponto 7, alínea a), do anexo I, da [Directiva 85/337/CEE], alterada pela [Directiva 97/11/CE], ser interpretado no sentido de que é exigida uma avaliação do impacto ambiental não só para a realização de obras na infra-estrutura, mas também para a exploração do aeroporto?

2)      Esta obrigação de avaliação do impacto ambiental também é válida para a renovação da licença ambiental do aeroporto, quer quando a essa renovação está associada uma qualquer alteração ou ampliação da exploração, quer quando não é pretendida semelhante alteração ou ampliação?

3)      É relevante, para a obrigação de proceder à avaliação do impacto ambiental no âmbito da renovação de uma licença ambiental para um aeroporto, que anteriormente, a propósito de uma autorização de exploração anterior, já tivesse sido realizada uma avaliação do impacto ambiental, ou que o aeroporto já estivesse a ser explorado no momento em que a avaliação do impacto ambiental foi introduzida pelo legislador europeu ou nacional?»

12.      O despacho de reenvio deu entrada na secretaria em 21 de Julho de 2009. A audiência teve lugar no dia 6 de Outubro de 2010.

III – Análise

A –    Observações preliminares

13.      Embora o órgão jurisdicional de reenvio não tenha formulado as questões desse modo, a leitura das perguntas mostra claramente que a segunda e a terceira estão subordinadas à primeira.

14.      Com a primeira questão, como se viu, pede‑se ao Tribunal de Justiça que esclareça se o conceito de «construção» de um aeroporto compreende também a simples exploração do mesmo aeroporto. Com a segunda e a terceira questões, partindo do pressuposto de que tenha sido dada uma resposta afirmativa à primeira, e que, por conseguinte, num caso como o presente, a licença ambiental prevista pelo direito belga para a exploração do aeroporto deve ser necessariamente acompanhada de uma avaliação de impacto ambiental na acepção da directiva, pergunta‑se se podem ter importância:

a)      o facto de o pedido de licença ambiental dizer respeito simplesmente a uma renovação da mesma, sem qualquer modificação das condições de exploração (segunda questão);

b)      o facto de ter sido efectuada uma avaliação de impacto ambiental por ocasião de um pedido de licença ambiental anterior (terceira questão, primeira parte);

c)      o facto de o aeroporto já estar em funcionamento antes da entrada em vigor das normas sobre avaliação do impacto ambiental (terceira questão, segunda parte).

15.      Em caso de resposta negativa à primeira questão prejudicial, isto é, se se devesse excluir que a simples exploração de um aeroporto está incluída no conceito de «construção» previsto no anexo I da directiva, não será portanto necessário responder à segunda e à terceira questões.

B –    Quanto à primeira questão prejudicial

1.      As posições das partes

16.      O principal argumento utilizado pelos recorrentes para obterem a anulação da licença impugnada perante o órgão jurisdicional de reenvio consiste, como se viu, na afirmação de que a emissão da licença ambiental para a exploração do aeroporto deveria ter sido precedida de uma avaliação de impacto ambiental. Para esse efeito, quer perante o tribunal nacional, quer perante o Tribunal de Justiça, os recorrentes no processo principal têm insistido de modo especial na necessidade, constantemente reafirmada também na jurisprudência, de interpretar a directiva em sentido amplo, a fim de realizar plenamente os objectivos de protecção ambiental prosseguidos pelo legislador. Essa interpretação ampla, teleologicamente orientada, permitiria considerar como uma licença para «construção» de aeroporto uma licença que, por si só, diz respeito apenas à exploração do próprio aeroporto.

17.      Nesse contexto, os recorrentes evocam também a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à necessidade de a avaliação de impacto ambiental não dizer respeito apenas às consequências ambientais da actividade concreta objecto da aprovação, mas também às que dela poderão resultar por via indirecta.

18.      Por seu lado, as contra‑partes no processo principal, apoiadas na sua posição perante o Tribunal de Justiça pelos Governos austríaco e italiano, bem como, em grande parte, pela Comissão, insistem no facto de a actividade de «construção» de aeroporto implicar a realização de obras de construção em sentido físico, de modo que aí não se pode incluir a simples «exploração» da estrutura aeroportuária.

2.      Apreciação

a)      Quanto à necessidade ou não de uma avaliação de impacto ambiental

19.      Em geral, para verificar se uma determinada actividade deve ser submetida a avaliação de impacto ambiental na acepção da directiva, é necessário desenvolver um exame que se desenrola em duas fases. Deve‑se, em primeiro lugar, verificar se a actividade em questão constitui um «projecto» na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da directiva. Em caso de resposta afirmativa, é depois necessário averiguar se essa actividade se inclui entre as enumeradas nos anexos I e II da directiva. A obrigação de avaliação de impacto diz respeito, de facto, unicamente às actividades especificamente indicadas, cuja lista tem carácter exaustivo (6).

i)      Quanto à natureza de «projecto» da actividade autorizada

20.      No presente processo, recordo‑o, a actividade objecto de aprovação por parte das autoridades nacionais é unicamente a exploração do aeroporto de Bruxelas, sem qualquer intervenção física de alteração da estrutura aeroportuária existente.

21.      Na minha opinião, essa actividade não constitui um «projecto» na acepção da directiva. O próprio conceito de «projecto», como definido no artigo 1.°, implica a realização de actividades que alteram a realidade física de um determinado lugar. Isto resulta claramente também da jurisprudência, segundo a qual «a expressão ‘projecto’ se refere a obras ou intervenções físicas» (7).

22.      Algumas das partes indicaram, como precedente jurisprudencial que permitiria acolher um conceito mais amplo de «projecto», o acórdão no processo C‑127/02, dito «Waddenzee», no qual o Tribunal de Justiça considerou que uma actividade de pesca mecânica de moluscos constituía um «projecto» na acepção da directiva (8). Esse acórdão, se bem que pareça, à primeira vista, confirmar a posição das recorrentes no processo principal, não afecta o que observei no número anterior. Deve‑se, de facto, sublinhar que, no processo Waddenzee, que aliás dizia respeito não à directiva relativa à avaliação de impacto ambiental, mas à directiva dita «habitats» (9), a possibilidade de considerar a pesca mecânica de moluscos como um «projecto» na acepção da Directiva 85/337 não era contestada pelas partes: isto, pelo que se conclui, por causa dos efeitos sobre o fundo do mar dessa actividade, comparável à «exploração dos recursos do solo» especificamente indicada no artigo 1.°, n.° 2, da directiva (10). Essa pesca mecânica incluía, além disso, verdadeiras e próprias alterações físicas do ambiente, uma vez que se realizava raspando vários centímetros do fundo do mar (11).

23.      Nada de semelhante se verifica, no entanto, como se viu, no presente processo, no qual a licença não inclui qualquer alteração da realidade física do aeroporto de Bruxelas ou dos seus arredores (12).

24.      Consequentemente, já neste ponto seria possível dar uma resposta negativa à primeira questão prejudicial, uma vez que a renovação da licença ambiental para a exploração do aeroporto de Bruxelas não possui características que permitam considerá‑la um «projecto» na acepção da directiva. No entanto, para ser exaustivo, e para o caso de o Tribunal de Justiça não partilhar esta primeira parte do meu raciocínio, passarei agora a apreciar se a actividade de exploração do aeroporto pode ser classificada entre as actividades enumeradas nos anexos da directiva.

ii)    Quando à possibilidade de reconduzir a actividade autorizada a uma das actividades enumeradas nos anexos da directiva

25.      Mesmo querendo admitir, por absurdo, que a exploração do aeroporto de Bruxelas possa ser considerada um «projecto» na acepção da directiva, é evidente, na minha opinião, que a mesma não pode ser reconduzida ao conceito de «construção» de aeroportos na acepção do anexo I da directiva (13).

26.      Por um lado, de facto, a terminologia utilizada pela directiva não apresenta qualquer ambiguidade, e mesmo um confronto das diferentes versões linguísticas (14) deixa perceber claramente que, no n.° 7, alínea a), do anexo I, o legislador pretendeu fazer referência à «construção» no seu sentido corrente. Trata‑se, em suma, da realização de obras anteriormente inexistentes ou da alteração, em sentido físico, de construções pré‑existentes.

27.      Por outro lado, o exame da jurisprudência mostra que no mesmo sentido vai, também, a interpretação que o Tribunal de Justiça fez dessa disposição. É verdade, de facto, que o Tribunal de Justiça atribuiu à expressão «construção» de aeroportos um sentido amplo. Em concreto, todavia, isso só significou, para o Tribunal, afirmar que nesse conceito, para além de obras respeitantes às pistas do aeroporto, estão compreendidas também «as obras efectuadas nos edifícios, instalações ou equipamentos de um aeroporto» (15). Vê‑se, portanto, como também a jurisprudência permanece firmemente ancorada à ideia de que, com efeito, «construção» não pode significar senão «construção». Noutra decisão, relativa aos pontos b) e c) do mesmo n.° 7 do anexo I da directiva, nos quais é usado o mesmo termo «construção», o Tribunal de Justiça precisou que este pode compreender também um simples «projecto que tem por objecto a transformação» (contanto que seja significativa), mas manteve bem firme a ideia da natureza necessariamente física das actividades que o vocábulo indica (16).

28.      Fazer entrar no conceito de «construção» também a simples exploração de um aeroporto significaria, portanto, ignorar o texto da directiva, como, de resto, até agora, foi sempre interpretado pelo Tribunal de Justiça. Se bem que a jurisprudência seja constante em afirmar que a directiva 85/337/CEE tem um alcance bastante amplo (17), uma interpretação teleológica da mesma não pode desvirtuar a vontade claramente expressa pelo legislador.

29.      Parece‑me aqui necessária uma última observação a propósito das referências, feitas em especial pelos recorrentes no processo principal, às decisões do Tribunal de Justiça nas quais foi afirmada a necessidade de que a avaliação do impacto ambiental não considere apenas as consequências directas sobre o ambiente das actividades que devem ser desenvolvidas, mas também as consequências indirectas. Assim, por exemplo, no caso de obras para duplicação de uma linha de caminho‑de‑ferro, a avaliação de impacto ambiental deve considerar não só os efeitos das obras de construção em si, mas também os efeitos a longo prazo que o aumento do tráfego de comboios poderá produzir sobre o ambiente (18). Na perspectiva dos recorrentes no processo principal, uma vez que a renovação de uma licença de exploração de um aeroporto pode ter um efeito ambiental importante, também tal licença deveria ser sempre precedida de uma avaliação de impacto.

30.      Parece‑me claro que a posição dos recorrentes, para além de não ser – como se viu – compatível com o texto da directiva, está viciada por um erro de fundo. A mesma confunde de facto dois planos distintos, a saber, o do objecto da avaliação de impacto, por um lado, e o das condições que impõem a avaliação de impacto, por outro. Por outras palavras, é claro que, no caso de construção ou de alteração significativa de um aeroporto, surgirá a obrigação de efectuar a avaliação de impacto e deverão ser objecto de exame não só os efeitos imediatos das obras de construção, mas, também, os efeitos indirectos que poderão resultar para o ambiente em consequência da posterior actividade do aeroporto. Se porém, como aqui, falta a condição de base para se proceder a uma avaliação de impacto, dado que não se desenrola qualquer actividade física de construção ou alteração da estrutura aeroportuária, o problema do âmbito da avaliação de impacto não pode sequer ser colocado, por falta de objecto.

b)      Quanto à jurisprudência relativa às aprovações «por etapas»

31.      Um ponto específico que deve ser discutido, e que foi suscitado em particular nas observações escritas da Comissão, diz respeito à aplicabilidade ao caso em apreço da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às aprovações «por etapas». Segundo essa jurisprudência, mesmo uma decisão de aprovação que não respeita directamente a uma actividade submetida a avaliação de impacto ambiental na acepção dos anexos da directiva pode exigir que se proceda a uma avaliação de impacto, se a mesma constituir uma «etapa» de um «procedimento de aprovação» (19). Aliás, quando um direito nacional prevê um procedimento de aprovação que se desenrole em várias etapas, sendo uma destas a decisão principal e outra uma decisão de execução, é, em princípio, exactamente a decisão principal que deve ser acompanhada de uma avaliação de impacto, mesmo quando o acto que aprova o desenvolvimento das actividades que podem ter efeito sobre o ambiente for a decisão de execução (20).

32.      Não existem motivos para pôr em causa esta jurisprudência do Tribunal de Justiça, e é pacífico, portanto, que competirá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se subsistem os pressupostos para a sua aplicação, com base na apreciação do processo de aprovação previsto no direito nacional.

33.      Parece‑me, porém, essencial pôr bem em evidência um elemento importante que poderia excluir a possibilidade de aplicar essa jurisprudência no caso em apreço. Refiro‑me ao facto de o Tribunal de Justiça, quando apreciou se uma aprovação concedida com base no direito nacional podia ser considerada uma etapa de um processo de aprovação que se desenrola em várias etapas, o ter feito sempre no contexto de um processo destinado a realizar, a final, actividades incluídas quer na definição de projecto quer numa das categorias enumeradas nos anexos da directiva.

34.      Por outras palavras, a aprovação que deve ser acompanhada de uma avaliação de impacto ambiental não é uma aprovação qualquer, mas uma aprovação que se insere num processo cujo resultado final é uma actividade que a directiva submete à obrigação de avaliação de impacto. O espírito da directiva seria completamente desvirtuado se, através da aplicação da jurisprudência relativa às aprovações que se desenrolam em várias etapas, se acabasse por exigir uma avaliação de impacto ambiental sem que existam os pressupostos materiais para o fazer, ou seja, sem a existência de um dos projectos para os quais a directiva exige a avaliação de impacto.

35.      Deve‑se observar, de facto, que o objectivo fundamental desta jurisprudência é o de evitar que a diversidade de procedimentos de aprovação nacionais possa criar verdadeiras lacunas na aplicação da directiva. Isto poderia acontecer se a avaliação de impacto: a) se situasse numa etapa na qual a mesma já não tivesse qualquer sentido, visto a decisão de realizar as obras já ter sido, efectivamente, tomada anteriormente; b) fosse completamente eludida, mantendo‑se que uma determinada aprovação para um projecto abrangido pela directiva é, na realidade, apenas um acto de execução de uma decisão anterior, adoptada quando a directiva não era ainda aplicável (21). Por estas razões, no caso de procedimentos de aprovação que se desenrolem em várias etapas, pode ser necessário que a avaliação de impacto seja efectuada, por exemplo, logo no momento da planificação preliminar, se bem que a verdadeira aprovação só deva ser concedida num momento posterior.

36.      A jurisprudência relativa às aprovações que se desenrolam em várias etapas situa‑se portanto na linha das decisões através das quais o Tribunal de Justiça pretendeu evitar que a directiva possa ser contornada ou, de qualquer modo, esvaziada de sentido. Outros exemplos típicos de afirmações jurisprudenciais que se inserem na mesma corrente são constituídos pelos acórdãos relativos ao fraccionamento artificioso de projectos realizado para evitar atingir os limiares dimensionais fixados pela directiva ou pela legislação nacional (22), mas também pelos acórdãos que esclareceram o alcance limitado da margem de apreciação reconhecida aos Estados‑Membros em relação aos projectos referidos no anexo II da directiva (23).

37.      No presente processo, todavia, como se viu, a licença ambiental concedida para a exploração do aeroporto de Bruxelas não incluiu qualquer alteração física ao próprio aeroporto, nem constitui uma etapa de um processo que possa conduzir a uma tal alteração. O aeroporto de Bruxelas existe há muitas décadas, antes de serem aprovadas quer as normas relativas à avaliação de impacto ambiental, quer as normas nacionais relativas à licença ambiental. Não existe portanto, como resulta, qualquer «projecto» para o qual seja obrigatória uma avaliação de impacto na acepção da directiva.

38.      Em consequência, a jurisprudência relativa aos procedimentos de aprovação que se desenrolam em várias etapas não será, na minha opinião, aplicável no âmbito do presente caso, visto que a concessão da licença ambiental objecto do litígio não está ligada a algum dos projectos enumerados na directiva, nem presente, nem futuro, nem passado.

39.      Concluindo, por conseguinte, a minha apreciação da primeira questão prejudicial, proponho ao Tribunal de Justiça que a decida declarando que, em circunstâncias como as do caso presente, uma autorização para a exploração de um aeroporto que não inclua qualquer alteração física da estrutura aeroportuária não entra no âmbito de aplicação da directiva relativa à avaliação de impacto ambiental.

C –    Quanto à segunda e quanto à terceira questões prejudiciais

40.      Atendendo à resposta de sinal negativo à primeira questão prejudicial, sob o duplo aspecto da ausência de um «projecto» na acepção da directiva e da impossibilidade de incluir a simples «exploração» no conceito de «construção» de um aeroporto, a segunda e a terceira questões não devem, na minha opinião, ser apreciadas.

41.      Essas duas questões, com efeito, como se viu, já não têm relevo caso se aceite a premissa de que a simples gestão de um aeroporto, não acompanhada de qualquer actividade de alteração da realidade física do mesmo, não configura uma «construção» de aeroporto na acepção do n.° 7 do anexo I da directiva.

42.      Aliás, caso, pelo contrário, a resposta à primeira questão devesse ser de sinal oposto, a solução das outras duas questões poderia ser facilmente encontrada na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

43.      Em particular, o facto de uma actividade que constitui um projecto na acepção da directiva estar sujeita a uma aprovação periódica, não constitui, em geral, um obstáculo a que, por ocasião de cada renovação, se deva proceder à necessária avaliação do impacto ambiental da actividade em questão (24).

44.      Além disso, se se admitisse que a «exploração» de um aeroporto é uma «construção» na acepção da directiva, o facto de o aeroporto estar em funcionamento antes do início da aplicação das normas relativas à avaliação do impacto ambiental seria irrelevante: na verdade, o que seria determinante seria o facto de a renovação de aprovação para a actividade que impõe a avaliação de impacto (actividade que seria, nessa hipótese, a exploração do aeroporto) ser posterior à data de entrada em vigor das normas sobre esta matéria (25). Pelo contrário, se se interpreta (como mais acima propus) a directiva no sentido de que só actividades de alteração física da realidade podem constituir uma «construção» de um aeroporto, o facto de a estrutura existir já antes da data de entrada em vigor das normas relativas à avaliação de impacto isenta‑a automaticamente da obrigação. Isto, naturalmente, só enquanto a mesma estrutura não for objecto de algum tipo de obras de construção e/ou de alteração (26).

IV – Conclusões

45.      Com base nas considerações desenvolvidas, proponho, portanto, ao Tribunal de Justiça que decida as questões prejudiciais suscitadas pelo Raad van State nos seguintes termos:

«Não entra no âmbito de aplicação da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, uma aprovação para a exploração de um aeroporto que não inclua qualquer alteração física da estrutura aeroportuária».


1 – Língua original: italiano.


2 – Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9).


3 – Directiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de Março de 1997, que altera a Directiva 85/337/CEE relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 73, p. 5).


4 – Uma nota ao texto precisa que o conceito de aeroporto na acepção da directiva «corresponde à definição da Convenção de Chicago de 1944 relativa à criação da Organização da Aviação Civil Internacional». No presente processo não existe, todavia, qualquer desacordo entre as partes sobre o facto de o aeroporto de Bruxelas se incluir na definição de «aeroporto» acabada de referir.


5 – Em particular, nas suas observações escritas e na audiência, a sociedade Bruxelles Airport Company, que explora o aeroporto, evocou o facto de, numa primeira fase do processo, lhe terem sido impostas a construção de um caminho de rolagem e a instalação de sistemas de voo instrumental ILS nas pistas pré‑existentes: a imposição de uma coisa e de outra foi, contudo, revogada antes da adopção da decisão final. Por seu lado, como resulta da decisão de reenvio, a referida sociedade tinha, no entanto, pedido uma ampliação da área aeroportuária: esse pedido foi, por sua vez, indeferido. É por estes motivos que, segundo as autoridades nacionais, não se impôs a necessidade de uma avaliação de impacto ambiental.


6 – Despacho de 10 de Julho de 2008, Aiello e o. (C‑156/07, Colect., p. I‑5215, n.° 34).


7 – Acórdão de 28 de Fevereiro de 2008, Abraham e o. (C‑2/07, Colect., p. I‑1197, n.° 23). O itálico é meu.


8 – Acórdão de 7 de Setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, Colect., p. I‑7405, n.os 24 e 25).


9 – Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7).


10 – V., a propósito, as conclusões da advogada‑geral J. Kokott, apresentadas em 29 de Janeiro de 2004, no processo C‑127/02 (já referido na nota 8), n.° 31.


11 – Ibidem, n.° 10.


12 – Aliás, como acima recordei, tão‑pouco foram alteradas as modalidades de exploração do aeroporto, dado que a licença ambiental foi renovada sem qualquer modificação.


13 – Não examinarei, nas presentes conclusões, a possibilidade de uma classificação da exploração do aeroporto no anexo II: essa eventualidade foi, de facto, explicitamente excluída pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu despacho (n.° 6.11). De resto, a única categoria do anexo II que poderia aqui ter relevância é a constante do ponto 13, que se refere, entre outras, a «[q]ualquer alteração ou ampliação de projectos incluídos no anexo I»: noutros termos, a partir do momento em que não se trata aqui de qualquer «alteração» ou «ampliação» do aeroporto enquanto estrutura, o problema é novamente o de definir a «construção» de aeroporto constante no anexo I.


14 – V., por exemplo, o uso do termo francês «construction», do inglês «construction», do alemão «Bau», etc.


15 – Acórdão Abraham e o., já referido na nota 7, n.° 36.


16 – Acórdão de 25 de Julho de 2008, Ecologistas en Acción‑CODA (C‑142/07, Colect., p. I‑6097, n.° 36).


17 – V., por exemplo, acórdãos de 24 de Outubro de 1996, Kraaijeveld e o. (C‑72/95, Colect., p. I‑5403, n.° 31); de 16 de Setembro de 1999, WWF e o. (C‑435/97, Colect., p. I‑5613, n.° 40), e Ecologistas en Acción‑CODA (já referido na nota 16, n.° 28).


18 – Acórdão de 16 de Setembro de 2004, Comissão/Espanha (C‑227/01, Colect., p. I‑8253, n.° 49). V., também, acórdãos Abraham e o. (já referido na nota 7, n.° 45), e Ecologistas en Acción‑CODA (já referido na nota 16, n.os 39 a 42).


19 – Acórdão Abraham e o., já referido na nota 7, n.os 25 e 26. Esta decisão tira a este respeito as consequências lógicas de uma série de decisões anteriores do Tribunal de Justiça, em particular dos acórdãos de 18 de Junho de 1998, Gedeputeerde Staten van Noord‑Holland (C‑81/96, Colect., p. I‑3923, n.° 20), e de 7 de Janeiro de 2004, Wells (C‑201/02, Colect., p. I‑723, n.° 52).


20 – Acórdão Wells, já referido na nota 19, n.° 52. Todavia, uma norma nacional que impusesse a avaliação de impacto ambiental sempre e unicamente na etapa da aprovação inicial, e nunca na etapa posterior da decisão de execução, não seria conforme ao direito da União: v. acórdão de 4 de Maio de 2006, Comissão/Reino Unido (C‑508/03, Colect., p. I‑3969, n.os 104 e 105).


21 – Era esta a situação que estava na base do acórdão Wells, já referido na nota 19.


22 – V., por exemplo, acórdão de 21 de Setembro de 1999, Comissão/Irlanda (C‑392/96, Colect., p. I‑5901, n.° 76).


23 – Como é sabido, para os projectos do anexo II, a directiva prevê que os Estados devem determinar, mediante uma análise caso a caso ou com base em limiares ou critérios, em que casos é necessária a avaliação de impacto ambiental. A jurisprudência do Tribunal de Justiça precisou, todavia, que um Estado não pode fixar limiares referidos apenas às dimensões dos projectos, sem tomar em consideração, por exemplo, a sua natureza e/ou a sua localização: v. acórdão Comissão/Irlanda, já referido na nota 22, n.os 65 a 67. Além disso, esses limiares não podem ter por efeito subtrair de antemão à obrigação de avaliação de impacto categorias completas de projectos: v. acórdão WWF e o., já referido na nota 17, n.° 37.


24 – V., por analogia, acórdão Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, já referido na nota 8, n.° 28.


25 – V. acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Comissão/Alemanha (C‑431/92, Colect., p. I‑2189, n.° 32), e Gedeputeerde Staten van Noord‑Holland, já referido na nota 19, n.° 27.


26 – A jurisprudência do Tribunal de Justiça acerca dos limites temporais da aplicação das normas em matéria de avaliação de impacto ambiental está assente: v., por exemplo, acórdãos de 9 de Agosto de 1994, Bund Naturschutz in Bayern e o. (C‑396/92, Colect., p. I‑3717), e Gedeputeerde Staten van Noord‑Holland, já referido na nota 19, n.° 23. Aliás, segundo as indicações fornecidas na audiência, o aeroporto de Bruxelas teria já sido objecto de uma avaliação de impacto ambiental por ocasião de alterações anteriores das suas estruturas.