Language of document : ECLI:EU:C:2010:159

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

23 de Março de 2010 (*)

«Marcas – Internet – Motor de busca – Publicidade a partir de palavras‑chave (‘keyword advertising’) – Exibição, a partir de palavras‑chave que correspondem a marcas, de links para sítios de concorrentes dos titulares das referidas marcas ou para sítios nos quais são propostos produtos de imitação – Directiva 89/104/CEE – Artigo 5.° – Regulamento (CE) n.° 40/94 – Artigo 9.° – Responsabilidade do operador do motor de busca – Directiva 2000/31/CE (‘Directiva sobre o comércio electrónico’)»

Nos processos apensos C‑236/08 a C‑238/08,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pela Cour de cassation (França), por decisões de 20 de Maio de 2008, entrados no Tribunal de Justiça em 3 de Junho de 2008, nos processos

Google France SARL,

Google Inc.

contra

Louis Vuitton Malletier SA (C‑236/08),

e

Google France SARL

contra

Viaticum SA,

Luteciel SARL (C‑237/08),

e

Google France SARL

contra

Centre national de recherche en relations humaines (CNRRH) SARL,

Pierre‑Alexis Thonet,

Bruno Raboin,

Tiger SARL (C‑238/08),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts e E. Levits, presidentes de secção, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, A. Borg Barthet, M. Ilešič (relator), J. Malenovský, U. Lõhmus, A. Ó Caoimh e J.‑J. Kasel, juízes,

advogado‑geral: M. Poiares Maduro,

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

vistos os autos e após a audiência de 17 de Março de 2009,

vistas as observações apresentadas:

–      em representação da Google France SARL e da Google Inc., por A. Néri e S. Proust, avocats, e por G. Hobbs, QC,

–      em representação da Louis Vuitton Malletier SA, por P. de Candé, avocat,

–      em representação da Viaticum SA e da Luteciel SARL, por C. Fabre, avocat,

–      em representação do Centre national de recherche en relations humaines (CNRRH) SARL e de P.‑A. Thonet, por L. Boré e P. Buisson, avocats,

–      em representação da Tiger SARL, por O. de Nervo, avocat,

–      em representação do Governo francês, por G. de Bergues e B. Cabouat, na qualidade de agentes,

–      em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por H. Krämer, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de Setembro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação do artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), e do artigo 14.° da Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre o comércio electrónico») (JO L 178, p. 1).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, no processo C‑236/08, as sociedades Google France SARL e Google Inc. (a seguir, individual ou conjuntamente, «Google») à sociedade Louis Vuitton Malletier SA (a seguir «Vuitton»), e, nos processos C‑237/08 e C‑238/08, a Google às sociedades Viaticum SA (a seguir «Viaticum»), Luteciel SARL (a seguir «Luteciel»), Centre national de recherche en relations humaines (CNRRH) SARL (a seguir «CNRRH») e Tiger SARL (a seguir «Tiger»), bem como a dois particulares, P.‑A. Thonet e B. Raboin, a propósito da exibição, na Internet, de links publicitários a partir de palavras‑chave que correspondem a marcas.

I –  Quadro jurídico

A –  Directiva 89/104

3        O artigo 5.° da Directiva 89/104, sob a epígrafe «Direitos conferidos pela marca», dispõe:

«1.      A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a)      De qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

b)      De um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.

2.      Qualquer Estado‑Membro poderá também estipular que o titular fique habilitado a proibir que terceiros façam uso, na vida comercial, sem o seu consentimento, de qualquer sinal idêntico ou semelhante à marca para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca foi registada, sempre que esta goze de prestígio no Estado‑Membro e que o uso desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique.

3.      Pode nomeadamente ser proibido, caso se encontrem preenchidas as condições enumeradas nos n.os 1 e 2:

a)      Apor o sinal nos produtos ou na respectiva embalagem;

b)      Oferecer os produtos para venda ou colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esse fim, ou oferecer ou fornecer serviços sob o sinal;

c)      Importar ou exportar produtos com esse sinal;

d)      Utilizar o sinal nos documentos comerciais e na publicidade.

[…]»

4        O artigo 6.° da Directiva 89/104, sob a epígrafe «Limitação dos efeitos da marca», dispõe:

«1.      O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir a terceiros o uso, na vida comercial:

a)      Do seu próprio nome e endereço;

b)      De indicações relativas à espécie, à qualidade, à quantidade, ao destino, ao valor, à proveniência geográfica, à época de produção do produto ou da prestação do serviço ou a outras características dos produtos ou serviços;

c)      Da marca, sempre que tal seja necessário para indicar o destino de um produto ou serviço, nomeadamente sob a forma de acessórios ou peças sobressalentes, desde que esse uso seja feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial.

[…]»

5        O artigo 7.° da Directiva 89/104, sob a epígrafe «Esgotamento dos direitos conferidos pela marca», enunciava, na sua versão inicial:

«1.      O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir o uso desta para produtos comercializados na Comunidade sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.

2.      O n.° 1 não é aplicável sempre que existam motivos legítimos que justifiquem que o titular se oponha à comercialização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado desses produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»

6        Em conformidade com o artigo 65.°, n.° 2, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3), lido em conjugação com o anexo XVII, ponto 4, deste acordo, o artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 89/104, na sua versão inicial, foi alterado para efeitos do mesmo acordo, tendo a expressão «na Comunidade» sido substituída pelos termos «numa Parte Contratante».

7        A Directiva 89/104 foi revogada pela Directiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (versão codificada) (JO L 299, p. 25), que entrou em vigor em 28 de Novembro de 2008. No entanto, atendendo à data dos factos, os litígios nos processos principais continuam a ser regidos pela Directiva 89/104.

B –  Regulamento n.° 40/94

8        O artigo 9.° do Regulamento n.° 40/94, sob a epígrafe «Direito conferido pela marca comunitária», dispõe:

«1.      A marca comunitária confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir um terceiro de utilizar, sem o seu consentimento, na vida comercial:

a)      Um sinal idêntico à marca comunitária para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais esta foi registada;

b)      Um sinal que, pela sua identidade ou semelhança com a marca comunitária e pela identidade ou semelhança dos produtos ou serviços abrangidos pela marca comunitária e pelo sinal, provoque o risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;

c)      Um sinal idêntico ou similar à marca comunitária, para produtos ou serviços que não sejam similares àqueles para os quais a marca comunitária foi registada, sempre que esta goze de prestígio na Comunidade e que o uso do sinal sem justo motivo tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca comunitária ou lhe cause prejuízo.

2.      Pode nomeadamente ser proibido, se estiverem preenchidas as condições enunciadas no n.° 1:

a)      Apor o sinal nos produtos ou na respectiva embalagem;

b)      Oferecer os produtos, colocá‑los no comércio ou possuí‑los para esses fins, ou oferecer ou prestar serviços sob esse sinal;

c)      Importar ou exportar produtos sob esse sinal;

d)      Utilizar o sinal em documentos comerciais e na publicidade.

[…]»

9        O artigo 12.° do Regulamento n.° 40/94, sob a epígrafe «Limitação dos efeitos da marca comunitária», dispõe:

«O direito conferido pela marca comunitária não permite ao seu titular proibir a um terceiro a utilização, na vida comercial,

a)      Do seu nome ou endereço;

b)      De indicações relativas à espécie, à quantidade, ao destino, ao valor, à proveniência geográfica, à época de fabrico do produto ou da prestação do serviço ou a outras características destes;

c)      Da marca, sempre que tal seja necessário para indicar o destino de um produto ou serviço, nomeadamente como acessórios ou peças separadas;

Desde que essa utilização seja feita em conformidade com os usos honestos em matéria industrial ou comercial.»

10      O artigo 13.° do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Esgotamento do direito conferido pela marca comunitária», enuncia:

«1.      O direito conferido pela marca comunitária não permite ao seu titular proibir a sua utilização para produtos comercializados na Comunidade sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.

2.      O n.° 1 não é aplicável sempre que motivos legítimos justifiquem que o titular se oponha à comercialização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado dos produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»

11      O Regulamento n.° 40/94 foi revogado pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (versão codificada) (JO L 78, p. 1), que entrou em vigor em 13 de Abril de 2009. No entanto, atendendo à data dos factos, os litígios nos processos principais são regulados pelo Regulamento n.° 40/94.

C –  Directiva 2000/31

12      O considerando 29 da Directiva 2000/31 enuncia:

«A comunicação comercial é essencial para o financiamento dos serviços da sociedade da informação e para o desenvolvimento de uma grande variedade de novos serviços gratuitos. No interesse dos consumidores e da lealdade das transacções, a comunicação comercial […] deve respeitar um certo número de obrigações relativas à transparência […]»

13      Os considerandos 40 a 46 da Directiva 2000/31 têm a seguinte redacção:

«(40) As divergências actuais ou futuras, entre as legislações e jurisprudências nacionais no domínio da responsabilidade dos prestadores de serviços agindo na qualidade de intermediários, impedem o bom funcionamento do mercado interno, perturbando particularmente o desenvolvimento dos serviços transfronteiriços […]. Os prestadores de serviços têm, em certos casos, o dever de agir a fim de evitar ou fazer cessar actividades ilícitas. A presente directiva deve constituir a base adequada para a criação de mecanismos rápidos e fiáveis para remover as informações ilícitas e impossibilitar o acesso a estas. […]

(41)      A presente directiva estabelece um justo equilíbrio entre os diferentes interesses em jogo e consagra princípios em que se podem basear os acordos e normas da indústria.

(42)      As isenções da responsabilidade estabelecidas na presente directiva abrangem exclusivamente os casos em que a actividade da sociedade da informação exercida pelo prestador de serviços se limita ao processo técnico de exploração e abertura do acesso a uma rede de comunicação na qual as informações prestadas por terceiros são transmitidas ou temporariamente armazenadas com o propósito exclusivo de tornar a transmissão mais eficaz. Tal actividade é puramente técnica, automática e de natureza passiva, o que implica que o prestador de serviços da sociedade da informação não tem conhecimento da informação transmitida ou armazenada, nem o controlo desta.

(43)      Um prestador pode beneficiar de isenções por simples transporte ou armazenagem temporária (‘caching‘) quando é inteiramente alheio à informação transmitida. […]

(44)      Um prestador que colabora deliberadamente com um dos destinatários do serviço prestado, com o intuito de praticar actos ilegais, ultrapassa as actividades de simples transporte ou armazenagem temporária (‘caching‘), pelo que não pode beneficiar das isenções de responsabilidade aplicáveis a tais actividades.

(45)      A delimitação da responsabilidade dos prestadores intermediários de serviços, fixada na presente directiva, não afecta a possibilidade de medidas inibitórias de diversa natureza. […]

(46)      A fim de beneficiar de uma delimitação de responsabilidade, o prestador de um serviço da sociedade da informação, que consista na armazenagem de informação, a partir do momento em que tenha conhecimento efectivo da ilicitude, ou tenha sido alertado para esta, deve proceder com diligência no sentido de remover as informações ou impossibilitar o acesso a estas. […]»

14      O artigo 2.°, alínea a), da Directiva 2000/31 define os «serviços da sociedade da informação» por referência ao artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 204, p. 37), conforme alterada pela Directiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Julho de 1998 (JO L 217, p. 18), no sentido de que visam:

«qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via electrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços».

15      O artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 98/34, na sua versão alterada pela Directiva 98/48, prossegue nos seguintes termos:

«[…]

Para efeitos da presente definição, entende‑se por:

–      ‘à distância’: um serviço prestado sem que as partes estejam simultaneamente presentes,

–      ‘por via electrónica’: um serviço enviado desde a origem e recebido no destino através de instrumentos electrónicos de processamento […] e de armazenamento de dados, que é inteiramente transmitido, encaminhado e recebido por cabo, rádio, meios ópticos ou outros meios electromagnéticos,

–      ‘mediante pedido individual de um destinatário de serviços’: um serviço fornecido por transmissão de dados mediante pedido individual.

[…]»

16      O artigo 6.° da Directiva 2003/31 enuncia:

«Além de outros requisitos de informação constantes da legislação comunitária, os Estados‑Membros assegurarão que as comunicações comerciais que constituam ou sejam parte de um serviço da sociedade da informação respeitem as condições seguintes:

[…]

b)      A pessoa singular ou colectiva por conta de quem a comunicação comercial é feita deve ser claramente identificável;

[…]»

17      O capítulo II da Directiva 2000/31 contém uma secção 4, sob a epígrafe «Responsabilidade dos prestadores intermediários de serviços», constituída pelos artigos 12.° a 15.°

18      O artigo 12.° da Directiva 2000/31, sob a epígrafe «Simples transporte [(‘Mere conduit’)]», dispõe:

«1.      No caso de prestações de um serviço da sociedade da informação que consista na transmissão, através de uma rede de comunicações, de informações prestadas pelo destinatário do serviço ou em facultar o acesso a uma rede de comunicações, os Estados‑Membros velarão por que a responsabilidade do prestador não possa ser invocada no que respeita às informações transmitidas, desde que o prestador:

a)      Não esteja na origem da transmissão;

b)      Não seleccione o destinatário da transmissão;

e

c)      Não seleccione nem modifique as informações que são objecto da transmissão.

2.      As actividades de transmissão e de facultamento de acesso mencionadas no n.° 1 abrangem a armazenagem automática, intermédia e transitória das informações transmitidas, desde que essa armazenagem sirva exclusivamente para a execução da transmissão na rede de comunicações e a sua duração não exceda o tempo considerado razoavelmente necessário a essa transmissão.

3.      O disposto no presente artigo não afecta a possibilidade de um tribunal ou autoridade administrativa, de acordo com os sistemas legais dos Estados‑Membros, exigir do prestador que previna ou ponha termo a uma infracção.»

19      O artigo 13.° da mesma directiva, sob a epígrafe «Armazenagem temporária (‘caching’)», enuncia:

«1.      Em caso de prestação de um serviço da sociedade da informação que consista na transmissão, por uma rede de telecomunicações, de informações prestadas por um destinatário do serviço, os Estados‑Membros velarão por que a responsabilidade do prestador do serviço não possa ser invocada no que respeita à armazenagem automática, intermédia e temporária dessa informação, efectuada apenas com o objectivo de tornar mais eficaz a transmissão posterior da informação a pedido de outros destinatários do serviço, desde que:

a)      O prestador não modifique a informação;

b)      O prestador respeite as condições de acesso à informação;

c)      O prestador respeite as regras relativas à actualização da informação, indicadas de forma amplamente reconhecida e utilizada pelo sector;

d)      O prestador não interfira com a utilização legítima da tecnologia, tal como amplamente reconhecida e seguida pelo sector, aproveitando‑a para obter dados sobre a utilização da informação;

e

e)      O prestador actue com diligência para remover ou impossibilitar o acesso à informação que armazenou, logo que tome conhecimento efectivo de que a informação foi removida da rede na fonte de transmissão inicial, de que o acesso a esta foi tornado impossível, ou de que um tribunal ou autoridade administrativa ordenou essa remoção ou que o acesso fosse impossibilitado.

2.      O disposto no presente artigo não afecta a possibilidade de um tribunal ou autoridade administrativa, de acordo com os sistemas legais dos Estados‑Membros, exigir do prestador que previna ou ponha termo a uma infracção.»

20      O artigo 14.° da Directiva 2000/31, sob a epígrafe «Armazenagem em servidor», dispõe:

«1.      Em caso de prestação de um serviço da sociedade da informação que consista no armazenamento de informações prestadas por um destinatário do serviço, os Estados‑Membros velarão por que a responsabilidade do prestador do serviço não possa ser invocada no que respeita à informação armazenada a pedido de um destinatário do serviço, desde que:

a)      O prestador não tenha conhecimento efectivo da actividade ou informação ilegal e, no que se refere a uma acção de indemnização por perdas e danos, não tenha conhecimento de factos ou de circunstâncias que evidenciam a actividade ou informação ilegal,

ou

b)      O prestador, a partir do momento em que tenha conhecimento da ilicitude, actue com diligência no sentido de retirar ou impossibilitar o acesso às informações.

2.      O n.° 1 não é aplicável nos casos em que o destinatário do serviço actue sob autoridade ou controlo do prestador.

3.      O disposto no presente artigo não afecta a faculdade de um tribunal ou autoridade administrativa, de acordo com os sistemas legais dos Estados‑Membros, exigir do prestador que previna ou ponha termo a uma infracção, nem afecta a faculdade de os Estados‑Membros estabelecerem disposições para a remoção ou impossibilitação do acesso à informação.»

21      O artigo 15.° da Directiva 2000/31, sob a epígrafe «Ausência de obrigação geral de vigilância», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros não imporão aos prestadores, para o fornecimento dos serviços mencionados nos artigos 12.°, 13.° e 14.°, uma obrigação geral de vigilância sobre as informações que estes transmitam ou armazenem, ou uma obrigação geral de procurar activamente factos ou circunstâncias que indiciem ilicitudes.

2.      Os Estados‑Membros podem estabelecer a obrigação, relativamente aos prestadores de serviços da sociedade da informação, de que informem prontamente as autoridades públicas competentes sobre as actividades empreendidas ou informações ilícitas prestadas pelos autores aos destinatários dos serviços por eles prestados, bem como a obrigação de comunicar às autoridades competentes, a pedido destas, informações que permitam a identificação dos destinatários dos serviços com quem possuam acordos de armazenagem.»

II –  Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

A –  Serviço de referenciamento «AdWords»

22      A Google explora um motor de busca na Internet. Quando um internauta faz uma busca a partir de uma ou de várias palavras, o motor de busca apresenta os sítios que melhor parecem corresponder a estas palavras, por ordem decrescente de pertinência. São os chamados resultados «naturais» da pesquisa.

23      Por outro lado, a Google propõe um serviço remunerado de referenciamento, denominado «AdWords». Este serviço permite aos operadores económicos, mediante a selecção de uma ou várias palavras‑chave, fazer aparecer, em caso de concordância entre essa palavra ou essas palavras e a palavra ou as palavras constantes da pesquisa lançada por um internauta no motor de busca, um link publicitário para o seu sítio. Este link publicitário aparece na rubrica «links patrocinados», no lado direito do ecrã, à direita dos resultados naturais, ou na parte superior do ecrã, por baixo dos referidos resultados.

24      Esse link publicitário é acompanhado de uma curta mensagem comercial. Constitui, juntamente com a mensagem, o anúncio que aparece na rubrica acima referida.

25      O anunciante paga por esse serviço de referenciamento um certo montante por cada clique no link publicitário. Esse montante é calculado em função, designadamente, do «preço máximo por clique» que o anunciante, quando celebrou o contrato de prestação de serviço de referenciamento com a Google, se dispôs a pagar, bem como do número de cliques dos internautas no referido link.

26      A mesma palavra‑chave pode ser seleccionada por vários anunciantes. Deste modo, a ordem pela qual os referidos links publicitários são exibidos é determinada, designadamente, em função do preço máximo por clique, do número de cliques anteriores nos ditos links, bem como da qualidade do anúncio, avaliada pela Google. O anunciante pode, em qualquer momento, melhorar a sua posição na ordem de exibição, fixando um preço máximo por clique mais elevado ou tentando melhorar a qualidade do seu anúncio.

27      A Google criou um mecanismo automatizado para permitir a selecção de palavras‑chave e a criação de anúncios. Os anunciantes seleccionam as palavras‑chave, redigem a mensagem comercial e inserem o link para o seu sítio.

B –  Processo C‑236/08

28      A Vuitton, que comercializa, designadamente, malas de luxo e outros artigos de pele, é titular da marca comunitária Vuitton e das marcas nacionais francesas Louis Vuitton e LV. É pacífico que se trata de marcas de prestígio.

29      No início de 2003, em processo desencadeado pela Vuitton, foi declarado que a introdução, no motor de busca da Google, dos termos constitutivos das suas marcas fazia aparecer, na rubrica «links patrocinados», links para sítios que propunham imitações de produtos da Vuitton. Foi igualmente demonstrado que a Google oferecia aos anunciantes a possibilidade de seleccionarem não só palavras‑chave correspondentes às marcas da Vuitton mas também essas palavras‑chave associadas a expressões evocativas da imitação, como «imitação» e «cópia».

30      A Vuitton intentou uma acção contra a Google, a fim de obter, designadamente, a declaração de que esta tinha violado os seus direitos de marca.

31      A Google foi condenada por contrafacção das marcas da Vuitton, por sentença de 4 de Fevereiro de 2005 do tribunal de grande instance de Paris e, seguidamente, em recurso, por acórdão de 28 de Junho de 2006 da cour d’appel de Paris. A Google interpôs recurso de cassação deste último acórdão.

32      Nestas condições, a Cour de cassation decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem os artigos 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da [Directiva 89/104] e 9.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Regulamento [n.° 40/94] ser interpretados no sentido de que o prestador de um serviço remunerado [de referenciamento] na Internet, que põe à disposição dos anunciantes palavras‑chave que reproduzem ou imitam marcas registadas e organiza, através do contrato de [referenciamento], a criação e a [exibição] privilegiada, a partir dessas palavras‑chave, de [links publicitários] para sítios nos quais são oferecidos produtos contrafeitos, faz um uso destas marcas que o seu titular está habilitado a proibir?

2)      Na hipótese de as marcas gozarem de [prestígio], pode o titular opor‑se a tal uso, com base nos artigos 5.°, n.° 2, da Directiva [89/104] e 9.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento [n.° 40/94]?

3)      Na hipótese de tal uso não constituir um uso susceptível de ser proibido pelo titular da marca, em aplicação da Directiva [89/104] e do Regulamento [n.° 40/94], pode o prestador do serviço remunerado [de referenciamento] na Internet ser considerado um fornecedor de um serviço da sociedade da informação, que consiste em armazenar informações fornecidas pelo destinatário do serviço, na acepção do artigo 14.° da Directiva 2000/31 […], de modo que [não pode incorrer em] responsabilidade antes de ter sido informado, pelo titular da marca, do uso ilícito do sinal por parte do anunciante?»

C –  Processo C‑237/08

33      A Viaticum é titular das marcas francesas Bourse des Vols, Bourse des Voyages e BDV, registadas para serviços de organização de viagens.

34      A Luteciel exerce uma actividade de prestadora de serviços informáticos por conta de agências de viagens. Assegura a edição e a manutenção do sítio Internet da Viaticum.

35      Em processo desencadeado pela Viaticum e pela Luteciel, foi declarado que a introdução, no motor de busca da Google, dos termos constitutivos das marcas referidas fazia aparecer, na rubrica «links patrocinados», links para sítios de concorrentes da Viaticum. Foi igualmente demonstrado que a Google oferecia aos anunciantes a possibilidade de seleccionarem, para tal fim, palavras‑chave correspondentes às referidas marcas.

36      A Viaticum e a Luteciel intentaram uma acção contra a Google. Por sentença de 13 de Outubro de 2003, o tribunal de grande instance de Nanterre considerou que a Google tinha cometido actos de contrafacção de marcas e condenou‑a a reparar o prejuízo sofrido pela Viaticum e pela Luteciel. A Google interpôs recurso para a cour d’appel de Versailles, a qual, por acórdão de 10 de Março de 2005, declarou que a Google devia ser considerada cúmplice na prática de contrafacção e confirmou a sentença de 13 de Outubro de 2003. A Google interpôs recurso de cassação deste último acórdão.

37      Nestas condições, a Cour de cassation decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da [Directiva 89/104] ser interpretado no sentido de que o prestador de um serviço remunerado [de referenciamento] na Internet, que põe à disposição dos anunciantes palavras‑chave que reproduzem ou imitam marcas registadas e organiza, através do contrato de referenciamento, a criação e a [exibição] privilegiada, a partir dessas palavras‑chave, de [links publicitários] para sítios nos quais são oferecidos produtos idênticos ou semelhantes aos cobertos pelo registo de marcas, faz um uso destas marcas que o seu titular está habilitado a proibir?

2)      Na hipótese de tal uso não constituir um uso susceptível de ser proibido pelo titular da marca, em aplicação da [Directiva 89/104] e do [Regulamento n.° 40/94], pode o prestador do serviço remunerado [de referenciamento] na Internet ser considerado um fornecedor de um serviço da sociedade da informação, que consiste em armazenar informações fornecidas pelo destinatário do serviço, na acepção do artigo 14.° da [Directiva 2000/31], de modo que [não pode incorrer em] responsabilidade antes de ter sido informado, pelo titular da marca, do uso ilícito do sinal por parte do anunciante?»

D –  Processo C‑238/08

38      P.‑A. Thonet é titular da marca francesa Eurochallenges, registada, designadamente, para serviços de agência matrimonial. A CNRRH exerce a actividade de agência matrimonial. É titular de uma licença sobre a marca acima referida, concedida por P.‑A. Thonet.

39      Em processo desencadeado em 2003 por P.‑A. Thonet e a CNRRH, foi declarado que a introdução, no motor de busca da Google, do termo correspondente à marca referida fazia aparecer, na rubrica «links patrocinados», links para sítios concorrentes da CNRRH, explorados, respectivamente, por B. Raboin e pela Tiger. Foi igualmente demonstrado que a Google oferecia aos anunciantes a possibilidade de, para tal fim, seleccionarem o referido termo como palavra‑chave.

40      Em processo desencadeado por P.‑A. Thonet e pela CNRRH, B. Raboin, a Tiger e a Google foram condenados por contrafacção de marca, por sentença de 14 de Dezembro de 2004 do tribunal de grande instance de Nanterre e, seguidamente, em recurso, por acórdão de 23 de Março de 2006 da cour d’appel de Versailles. A Google interpôs recurso de cassação deste último acórdão.

41      Nestas condições, a Cour de cassation decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A reserva, por um operador económico, através de um contrato de prestação de serviços remunerados [de referenciamento] na Internet, de uma palavra‑chave que faz surgir, em caso de interrogação que contenha esta palavra, a [exibição] de [um link] propondo a ligação a um sítio explorado por este operador, a fim de [oferecer] para venda produtos ou serviços, e que reproduz ou imita uma marca registada por um terceiro para designar produtos idênticos ou semelhantes, sem autorização do titular desta marca, constitui, por si só, uma violação do direito exclusivo garantido a este último pelo artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da [Directiva 89/104]?

2)      Deve o artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da […] Directiva 89/104 […] ser interpretado no sentido de que o prestador de um serviço remunerado [de referenciamento] na Internet, que põe à disposição dos anunciantes palavras‑chave que reproduzem ou imitam marcas registadas e organiza, através do contrato de [referenciamento], a criação e a [exibição] privilegiada, a partir dessas palavras‑chave, de [links publicitários para sítios] nos quais são oferecidos produtos idênticos ou semelhantes aos cobertos pelos registos de marcas, faz um uso destas marcas que o seu titular está habilitado a proibir?

3)      Na hipótese de tal uso não constituir um uso susceptível de ser proibido pelo titular da marca, em aplicação da [Directiva 89/104] e do [Regulamento n.° 40/94], pode o prestador do serviço remunerado de [referenciamento] na Internet ser considerado um fornecedor de um serviço da sociedade da informação, que consiste em armazenar informações fornecidas pelo destinatário do serviço, na acepção do artigo 14.° da Directiva 2000/31 […], de modo que [não pode incorrer em] responsabilidade antes de ter sido informado pelo titular da marca do uso ilícito do sinal por parte do anunciante?»

III –  Quanto às questões prejudiciais

A –  Quanto à utilização de palavras‑chave que correspondem a marcas de outrem no âmbito de um serviço de referenciamento na Internet

1.     Considerações preliminares

42      É pacífico que os litígios nos processos principais têm origem no emprego, como palavras‑chave no âmbito de um serviço de referenciamento na Internet, de sinais que correspondem a marcas, sem que os titulares destas tenham dado o seu consentimento. As referidas palavras‑chave foram escolhidas por clientes do prestador do serviço de referenciamento e foram aceites e armazenadas por este último. Os clientes em causa comercializam imitações dos produtos do titular da marca (processo C‑236/08) ou são simplesmente concorrentes deste (processos C‑237/08 e C‑238/08).

43      Através da primeira questão no processo C‑236/08, da primeira questão no processo C‑237/08 e da primeira e segunda questões no processo C‑238/08, que devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Directiva 89/104, e 9.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 40/94 devem ser interpretados no sentido de que o titular de uma marca está habilitado a proibir que um terceiro exiba ou faça exibir, a partir de uma palavra‑chave idêntica ou semelhante a essa marca, que o terceiro seleccionou ou armazenou, sem o consentimento do titular, no âmbito de um serviço de referenciamento na Internet, um anúncio para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes àqueles para os quais a referida marca está registada.

44      A primeira questão no processo C‑236/08, a primeira questão no processo C‑237/08 e a segunda questão no processo C‑238/08 centram‑se, a este respeito, no armazenamento dessa palavra‑chave pelo prestador do serviço de referenciamento e na organização, por este, da exibição do anúncio do seu cliente a partir da referida palavra, enquanto a primeira questão no processo C‑238/08 tem por objecto a selecção do sinal, como palavra‑chave, pelo anunciante e a exibição do anúncio que resulta, através do mecanismo do referenciamento, dessa selecção.

45      Os artigos 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 40/94 habilitam os titulares de marcas, sob determinadas condições, a proibir terceiros de usarem sinais idênticos ou semelhantes às suas marcas, para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes àqueles para os quais essas marcas estão registadas.

46      Nos litígios nos processos principais, a utilização de sinais que correspondem a marcas, como palavras‑chave, tem por objecto e por efeito fazer surgir no ecrã links publicitários para sítios nos quais são propostos produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais as referidas marcas estão registadas, ou seja, respectivamente, artigos de pele, serviços de organização de viagens e serviços de agência matrimonial.

47      Por conseguinte, o Tribunal examinará a questão mencionada no n.° 43 do presente acórdão, principalmente, à luz dos artigos 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 e, apenas de modo incidental, à luz do mesmo n.° 1, alínea b), destes artigos, uma vez que esta última disposição abrange, em caso de sinal idêntico à marca, a hipótese em que os produtos ou os serviços do terceiro são apenas semelhantes àqueles para os quais a referida marca está registada.

48      Na sequência desse exame, deverá ser dada uma resposta à segunda questão no processo C‑236/08, através da qual o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre a mesma problemática à luz dos artigos 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, que dizem respeito aos direitos conferidos por marcas que gozam de prestígio. Sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, resulta do pedido de decisão prejudicial que a legislação aplicável em França comporta a regra prevista no artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104. De resto, o Tribunal de Justiça precisou que esta disposição da directiva não deve ser interpretada exclusivamente tendo em conta o seu teor literal, mas igualmente na perspectiva da economia geral e dos objectivos do sistema no qual essa disposição se insere. Por conseguinte, a regra prevista no artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 não diz apenas respeito aos casos em que um terceiro faça uso de um sinal idêntico ou semelhante a uma marca com prestígio, para produtos ou serviços que não são semelhantes àqueles para os quais essa marca está registada, mas igualmente aos casos em que esse uso é feito para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes àqueles para os quais a referida marca está registada (acórdãos de 9 de Janeiro de 2003, Davidoff, C‑292/00, Colect., p. I‑389, n.os 24 a 30, e de 10 de Abril de 2008, adidas e adidas Benelux, C‑102/07, Colect., p. I‑2439, n.° 37).

2.     Quanto à interpretação dos artigos 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94

49      Em aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 ou, em caso de marca comunitária, do artigo 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94, o titular da marca está habilitado a proibir o uso, sem o seu consentimento, de um sinal idêntico à referida marca, por um terceiro, quando esse uso ocorra na vida comercial, seja feito para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca está registada e prejudique ou possa prejudicar as funções da marca (v., designadamente, acórdão de 11 de Setembro de 2007, Céline, C‑17/06, Colect., p. I‑7041, n.° 16; despacho de 19 de Fevereiro de 2009, UDV North America, C‑62/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 42; e acórdão de 18 de Junho de 2009, L’Oréal e o., C‑487/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 58).

a)     Uso na vida comercial

50      O uso do sinal idêntico à marca ocorre na vida comercial quando se situe no contexto de uma actividade comercial que tenha em vista um proveito económico, e não no domínio privado (acórdãos de 12 de Novembro de 2002, Arsenal Football Club, C‑206/01, Colect., p. I‑10273, n.° 40, e Céline, já referido, n.° 17, bem como despacho UDV North America, já referido, n.° 44).

51      No que diz respeito, em primeiro lugar, ao anunciante que compra o serviço de referenciamento e que escolhe como palavra‑chave um sinal idêntico a uma marca de outrem, observe‑se que esse anunciante faz um uso do referido sinal na acepção desta jurisprudência.

52      Com efeito, do ponto de vista do anunciante, a selecção da palavra‑chave idêntica à marca tem por objecto e por efeito a exibição de um link publicitário para o sítio no qual propõe para venda os seus produtos ou serviços. Uma vez que o sinal seleccionado como palavra‑chave é o meio utilizado para provocar essa exibição publicitária, é incontestável que o anunciante faz um uso desse sinal no contexto das suas actividades comerciais, e não no domínio privado.

53      No que respeita, seguidamente, ao prestador do serviço de referenciamento, é pacífico que este exerce uma actividade comercial e tem em vista uma vantagem económica quando armazena, por conta de alguns dos seus clientes, sinais idênticos a marcas, como palavras‑chave, e organiza a exibição de anúncios a partir destas.

54      É igualmente pacífico que este serviço não é fornecido apenas aos titulares das referidas marcas ou aos operadores habilitados a comercializar os produtos ou os serviços destes, mas, pelo menos nos processos em causa, ocorre sem o consentimento dos titulares e é fornecido a concorrentes destes ou a imitadores.

55      Embora resulte destes elementos que o prestador do serviço de referenciamento opera «na vida comercial» quando permite aos anunciantes seleccionar sinais idênticos a marcas, como palavras‑chave, armazena estes sinais e exibe os anúncios dos seus clientes a partir destes, não resulta de tais elementos, no entanto, que esse prestador faça ele próprio um «uso» destes sinais na acepção dos artigos 5.° da Directiva 89/104 e 9.° do Regulamento n.° 40/94.

56      A este respeito, basta salientar que o uso de um sinal idêntico ou semelhante à marca do titular por um terceiro implica, no mínimo, que este faça uma utilização do sinal no âmbito da sua própria comunicação comercial. O prestador de um serviço de referenciamento, por seu turno, permite aos seus clientes fazerem uso de sinais idênticos ou semelhantes a marcas, sem que ele próprio faça uso dos referidos sinais.

57      Esta conclusão não é infirmada pelo facto de o referido prestador ser remunerado pelo uso dos referidos sinais pelos seus clientes. Com efeito, o facto de criar as condições técnicas necessárias para o uso de um sinal e de ser remunerado por esse serviço não significa que aquele que fornece o serviço faça ele próprio uso do referido sinal. Na medida em que permitiu ao seu cliente fazer uso do sinal, o seu papel não deve ser examinado à luz dos artigos 5.° da Directiva 89/104 e 9.° do Regulamento n.° 40/94, mas eventualmente de outras regras jurídicas, como aquelas a que se faz referência no n.° 107 do presente acórdão.

58      Conclui-se do exposto que o prestador do serviço de referenciamento não faz um uso na vida comercial, na acepção das disposições acima referidas da Directiva 89/104 e do Regulamento n.° 40/94.

59      Daqui resulta que os requisitos relativos ao uso «para produtos ou serviços» e ao prejuízo para as funções da marca devem ser examinados unicamente em relação ao uso do sinal idêntico à marca pelo anunciante.

b)     Uso «para produtos ou serviços»

60      A expressão «para produtos ou serviços» idênticos àqueles para os quais a marca está registada, que figura nos artigos 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94, diz respeito, em princípio, aos produtos ou aos serviços do terceiro que faz uso do sinal idêntico à marca [v. acórdãos de 25 de Janeiro de 2007, Adam Opel, C‑48/05, Colect., p. I‑1017, n.os 28 e 29, e de 12 de Junho de 2008, O2 Holdings e O2 (UK), C‑533/06, Colect., p. I‑4231, n.° 34]. Eventualmente, pode também dizer respeito a produtos ou serviços de outra pessoa por conta da qual o terceiro actua (v. despacho UDV North America, já referido, n.os 43 a 51).

61      Como o Tribunal de Justiça já declarou, os comportamentos enumerados nos artigos 5.°, n.° 3, da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, ou seja, a aposição do sinal nos produtos ou na respectiva embalagem, a oferta para venda dos produtos ou dos serviços que ostentem o sinal, a importação ou a exportação com esse sinal e a utilização do sinal nos documentos comerciais e na publicidade, constituem usos para produtos ou serviços (v. acórdãos, já referidos, Arsenal Football Club, n.° 41, e Adam Opel, n.° 20).

62      Os factos na origem do litígio no processo C‑236/08 aproximam‑se de algumas das situações descritas nas referidas disposições da Directiva 89/104 e do Regulamento n.° 40/94, isto é, a oferta dos produtos do terceiro com um sinal idêntico à marca bem como a utilização desse sinal na publicidade. Com efeito, resulta dos autos que sinais idênticos a marcas da Vuitton apareceram em anúncios exibidos na rubrica «links patrocinados».

63      Em contrapartida, os casos a que se referem os processos C‑237/08 e C‑238/08 caracterizam‑se pela ausência, no anúncio do terceiro, do sinal idêntico à marca.

64      A Google sustenta que, na falta de qualquer menção do sinal no próprio anúncio, não se pode considerar que seja feito um uso do sinal, como palavra‑chave, para produtos ou serviços. Os titulares das marcas que se opuseram à Google, bem como o Governo francês, defendem a tese inversa.

65      A este respeito, recorde‑se que os artigos 5.°, n.° 3, da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94 apenas contêm uma enumeração não exaustiva dos tipos de uso que o titular da marca pode proibir (acórdãos Arsenal Football Club, já referido, n.° 38; de 17 de Março de 2005, Gillette Company e Gillette Group Finland, C‑228/03, Colect., p. I‑2337, n.° 28; bem como Adam Opel, já referido, n.° 16). Consequentemente, a circunstância de o sinal utilizado pelo terceiro para fins publicitários não aparecer na própria publicidade não pode significar, só por si, que essa utilização seja alheia ao conceito de «uso […] para produtos ou serviços», na acepção do artigo 5.° da Directiva 89/104.

66      Por outro lado, uma interpretação segundo a qual apenas são pertinentes os usos mencionados nessa enumeração não tem em conta a circunstância de esta ter sido redigida antes do aparecimento em pleno do comércio electrónico e das publicidades desenvolvidas neste âmbito. Ora, são estas formas electrónicas de comércio e de publicidade que podem, através do emprego das tecnologias informáticas, tipicamente, dar lugar a usos diferentes dos enumerados nos artigos 5.°, n.° 3, da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94.

67      No caso do serviço de referenciamento, é pacífico que o anunciante que selecciona, como palavra‑chave, o sinal idêntico a uma marca de outrem, pretende que os internautas que introduzam essa palavra como termo de pesquisa cliquem não só nos links exibidos, provenientes do titular da referida marca, mas igualmente no link publicitário do referido anunciante.

68      É igualmente claro que, na maior parte dos casos, o internauta que introduz o nome de uma marca como termo de pesquisa quer encontrar informações ou ofertas sobre os produtos ou os serviços dessa marca. Assim, sempre que, ao lado ou por baixo dos resultados naturais da pesquisa, são exibidos links publicitários para sítios que propõem produtos ou serviços de concorrentes do titular da referida marca, o internauta pode, se não puser imediatamente de lado esses links por não serem pertinentes e não os confundir com os links do titular da marca, encarar esses links publicitários como uma alternativa aos produtos ou aos serviços do titular da marca.

69      Nesta situação, caracterizada pelo facto de um sinal idêntico a uma marca ser seleccionado como palavra‑chave por um concorrente do titular da marca, com o fim de propor aos internautas uma alternativa em relação aos produtos ou aos serviços do referido titular, existe um uso do referido sinal para os produtos ou os serviços do referido concorrente.

70      Recorde‑se, a este respeito, que o Tribunal de Justiça já declarou que um anunciante que utiliza, no âmbito de publicidade comparativa, um sinal idêntico ou semelhante à marca de um concorrente, para identificar, explícita ou implicitamente, os produtos ou os serviços oferecidos por este último e com eles comparar os seus próprios produtos ou serviços, faz um uso do referido sinal «para produtos ou serviços», na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/104 [v. acórdãos, já referidos, O2 Holdings e O2 (UK), n.os 35, 36 e 42, bem como L’Oréal e o., n.os 52 e 53].

71      Ora, sem que seja necessário examinar se a publicidade na Internet a partir de palavras‑chave idênticas a marcas de concorrentes constitui ou não uma forma de publicidade comparativa, verifica‑se, em todo o caso, que, à semelhança do que foi declarado na jurisprudência referida no número anterior, o uso que o anunciante faz do sinal idêntico à marca de um concorrente, para que o internauta tome conhecimento não só dos produtos ou dos serviços oferecidos por esse concorrente mas igualmente dos do referido anunciante, é um uso para os produtos ou os serviços desse anunciante.

72      Por outro lado, mesmo em casos em que o anunciante não pretende, através do uso que faz do sinal idêntico à marca como palavra‑chave, apresentar os seus produtos ou os seus serviços aos internautas como uma alternativa aos produtos ou aos serviços do titular da marca, mas, pelo contrário, tem por objectivo induzir os internautas em erro sobre a origem dos seus produtos ou dos seus serviços, fazendo‑lhes crer que estes provêm do titular da marca ou de uma empresa economicamente ligada a este, existe um uso «para produtos ou serviços». Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou, existe esse uso sempre que o terceiro utiliza o sinal idêntico à marca de tal modo que se estabelece uma ligação entre o referido sinal e os produtos comercializados ou os serviços fornecidos pelo terceiro (acórdão Céline, já referido, n.° 23, e despacho UDV North America, já referido, n.° 47).

73      Das considerações precedentes resulta que o emprego, pelo anunciante, do sinal idêntico à marca, como palavra‑chave, no âmbito de um serviço de referenciamento na Internet, está abrangido pelo conceito de uso «para produtos ou serviços» na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104.

74      Da mesma forma, o facto de o sinal que é objecto do referido uso ser idêntico a uma marca comunitária também é constitutivo de um uso «para produtos ou serviços» na acepção do artigo 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94.

c)     Uso susceptível de afectar as funções da marca

75      O direito exclusivo previsto nos artigos 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 foi concedido com o objectivo de permitir ao titular da marca proteger os seus interesses específicos como titular dessa marca, ou seja, assegurar que esta possa cumprir as suas funções próprias. Assim, o exercício deste direito deve ser reservado aos casos em que o uso do sinal por um terceiro prejudica ou é susceptível de prejudicar as funções da marca (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Arsenal Football Club, n.° 51; Adam Opel, n.os 21 e 22; e L’Oréal e o., n.° 58).

76      Resulta desta jurisprudência que o titular da marca não se pode opor ao uso de um sinal idêntico à marca, se esse uso não for susceptível de prejudicar nenhuma das funções daquela (acórdãos, já referidos, Arsenal Football Club, n.° 54 e L’Oréal e o., n.° 60).

77      Entre essas funções figuram não apenas a função essencial da marca, que consiste em garantir aos consumidores a proveniência do produto ou do serviço (a seguir «função de indicação de origem»), mas igualmente as suas outras funções, como, designadamente, garantir a qualidade desse produto ou desse serviço, ou as funções de comunicação, de investimento ou de publicidade (acórdão L’Oréal e o., já referido, n.° 58).

78      A protecção conferida pelos artigos 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 é, a este respeito, mais ampla do que a prevista nos mesmos artigos, n.° 1, alínea b), cuja aplicação exige a existência de um risco de confusão (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Davidoff, n.° 28, e L’Oréal e o., n.° 59).

79      Resulta da jurisprudência acima recordada que, na hipótese, visada nos artigos 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94, em que o uso, por um terceiro, de um sinal idêntico à marca é feito em relação a produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca está registada, o titular da marca está habilitado a proibir esse uso, se ele for susceptível de prejudicar uma das funções da marca, quer se trate da função de indicação de origem quer de uma das outras funções.

80      É certo que o titular da marca não tem o direito de proibir tal uso, nas hipóteses de excepção enunciadas nos artigos 6.° e 7.° da Directiva 89/104 e nos artigos 12.° e 13.° do Regulamento n.° 40/94. Todavia, não foi afirmado que uma dessas hipóteses seja aplicável no caso vertente.

81      Neste caso, as funções pertinentes a examinar são as de indicação de origem e de publicidade.

i)     Violação da função de indicação de origem

82      A função essencial da marca é garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto ou do serviço designado pela marca, permitindo‑lhe distinguir esse produto ou serviço de outros que tenham proveniência diversa (v., neste sentido, acórdãos de 29 de Setembro de 1998, Canon, C‑39/97, Colect., p. I‑5507, n.° 28, e de 6 de Outubro de 2005, Medion, C‑120/04, Colect., p. I‑8551, n.° 23).

83      A questão de saber se esta função da marca é prejudicada quando é mostrado aos internautas, a partir de uma palavra‑chave idêntica a uma marca, um anúncio de um terceiro, como um concorrente do titular dessa marca, depende, em especial, da maneira como esse anúncio é apresentado.

84      A função de indicação de origem da marca é prejudicada quando o anúncio não permite ou permite dificilmente ao internauta normalmente informado e razoavelmente atento saber se os produtos ou os serviços objecto do anúncio provêm do titular da marca ou de uma empresa economicamente ligada a este ou, pelo contrário, de um terceiro (v., neste sentido, acórdão Céline, já referido, n.° 27 e jurisprudência referida).

85      Com efeito, em tal situação, que, de resto, se caracteriza pela circunstância de o anúncio em questão surgir imediatamente após a introdução da marca como termo de pesquisa pelo internauta e de ser exibido no ecrã num momento em que a marca, como termo de pesquisa, é igualmente mostrada no ecrã, o internauta pode equivocar‑se sobre a origem dos produtos ou dos serviços em causa. Nestas circunstâncias, o uso do sinal idêntico à marca, pelo terceiro, como palavra‑chave, que faz aparecer o referido anúncio é susceptível de confirmar a existência de um nexo material na vida comercial entre os produtos ou serviços em causa e o titular da marca (v., por analogia, acórdãos Arsenal Football Club, já referido, n.° 56, e de 16 de Novembro de 2004, Anheuser‑Busch, C‑245/02, Colect., p. I‑10989, n.° 60).

86      Ainda no que respeita à violação da função de indicação de origem, é útil salientar que a necessidade de uma exibição transparente dos anúncios na Internet é realçada na legislação da União sobre o comércio electrónico. Tendo em conta os interesses da lealdade das transacções e da protecção dos consumidores, evocados no considerando 29 da Directiva 2000/31, o artigo 6.° desta última estabelece a regra segundo a qual a pessoa singular ou colectiva por conta de quem é feita a comunicação comercial, que constitua ou seja parte de um serviço da sociedade da informação, deve ser claramente identificável.

87      Embora se verifique, assim, que os anunciantes na Internet podem eventualmente ser responsabilizados em aplicação de regras de outros domínios jurídicos, como a da concorrência desleal, não deixa de ser verdade que a pretensa utilização ilícita, na Internet, de sinais idênticos ou semelhantes a marcas se presta a uma apreciação à luz do direito das marcas. Atendendo à função essencial da marca, que, no domínio do comércio electrónico, consiste, designadamente, em permitir aos internautas que percorrem os anúncios exibidos em resposta a uma pesquisa sobre uma marca precisa distinguirem os produtos ou os serviços do titular dessa marca dos produtos ou serviços de outra proveniência, o referido titular deve ter a possibilidade de proibir a exibição de anúncios de terceiros que os internautas podem erradamente pensar que provêm desse titular.

88      Incumbe ao órgão jurisdicional nacional apreciar, caso a caso, se os factos do litígio cuja apreciação lhe foi submetida se caracterizam por uma violação, ou um risco de violação, da função de indicação de origem descrita no n.° 84 do presente acórdão.

89      Quando o anúncio do terceiro sugere a existência de uma relação económica entre esse terceiro e o titular da marca, deve concluir‑se que a função de indicação de origem é prejudicada.

90      Quando o anúncio, embora não sugira a existência de uma relação económica, é de tal forma vago sobre a origem dos produtos ou dos serviços em causa que um internauta normalmente informado e razoavelmente atento não consegue determinar, com base no link publicitário e na correspondente mensagem comercial, se o anunciante é um terceiro relativamente ao titular da marca ou, pelo contrário, se está economicamente ligado a este, deve igualmente concluir‑se que a referida função da marca é prejudicada.

ii)  Violação da função de publicidade

91      A vida comercial caracteriza‑se por uma oferta variada de produtos e de serviços. Assim, o titular de uma marca pode ter como objectivo não apenas dar uma indicação, através de tal marca, da origem dos seus produtos ou serviços mas igualmente utilizar a sua marca para fins publicitários, tendo em vista informar e convencer o consumidor.

92      Consequentemente, o titular de uma marca está habilitado a proibir que seja feito uso, sem o seu consentimento, de um sinal idêntico à sua marca para produtos ou serviços idênticos aos produtos ou serviços para os quais essa marca foi registada, quando esse uso seja susceptível de violar a utilização da marca, pelo seu titular, como elemento de promoção de vendas ou instrumento de estratégia comercial.

93      Quanto ao uso, por anunciantes na Internet, do sinal idêntico à marca de outrem, como palavra‑chave, para exibir mensagens publicitárias, é evidente que esse uso é susceptível de ter certas repercussões na utilização publicitária da referida marca pelo seu titular, bem como na sua estratégia comercial.

94      Com efeito, atendendo ao lugar importante que a publicidade na Internet ocupa na vida comercial, é plausível que o titular da marca inscreva a sua própria marca como palavra‑chave junto do fornecedor do serviço de referenciamento, a fim de fazer inserir um anúncio na rubrica «links patrocinados». Quando assim é, o titular da marca deve, eventualmente, aceitar pagar um preço por clique mais elevado do que outros operadores económicos, se pretender que o seu anúncio seja exibido antes dos anúncios dos referidos operadores que tenham igualmente seleccionado a sua marca como palavra‑chave. Além disso, mesmo que o titular da marca esteja disposto a pagar um preço por clique mais elevado do que o oferecido pelos terceiros que tenham igualmente seleccionado a referida marca, não pode ter a garantia de que o seu anúncio seja exibido antes dos anúncios dos referidos terceiros, dado que há outros elementos que são igualmente tomados em consideração para determinar a ordem de exibição dos anúncios.

95      Todavia, essas repercussões do uso do sinal idêntico à marca por terceiros não constituem, em si mesmas, uma violação da função de publicidade da marca.

96      Na verdade, segundo as conclusões a que o próprio órgão jurisdicional de reenvio chegou, a situação objecto das questões prejudiciais é a situação de exibição de links publicitários na sequência da introdução pelo internauta, como palavra‑chave, de um termo de pesquisa correspondente à marca seleccionada. É igualmente ponto assente, nos presentes processos, que estes links publicitários são exibidos ao lado ou por cima da lista dos resultados naturais da pesquisa. Finalmente, não é contestado que a ordem dos resultados naturais resulta da pertinência dos sítios respectivos por referência ao termo de pesquisa introduzido pelo internauta e que o operador do motor de busca não reclama nenhuma remuneração pela exibição desses resultados.

97      Resulta destes elementos que, quando o internauta introduz o nome de uma marca como termo de pesquisa, a página de entrada e de promoção do sítio do titular da referida marca fará parte da lista dos resultados naturais, normalmente, numa das primeiras posições dessa lista. Tal exibição, que, além do mais, é gratuita, tem como consequência que está garantida a visibilidade, para o internauta, dos produtos ou serviços do titular da marca, independentemente da questão de saber se esse titular consegue ou não que seja igualmente exibido, numa das primeiras posições, um anúncio na rubrica «links patrocinados».

98      Tendo em conta estas circunstâncias, há que concluir que o uso de um sinal idêntico a uma marca de outrem, no âmbito de um serviço de referenciamento como o que está em causa nos processos principais, não é susceptível de constituir uma violação da função de publicidade da marca.

d)     Conclusão

99      Atento o que precede, deve responder‑se à primeira questão no processo C‑236/08, à primeira questão no processo C‑237/08 e à primeira e segunda questões no processo C‑238/08 que:

–      os artigos 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 devem ser interpretados no sentido de que o titular de uma marca está habilitado a proibir que um anunciante, a partir de uma palavra‑chave idêntica a tal marca, que esse anunciante, sem o consentimento do referido titular, seleccionou no âmbito de um serviço de referenciamento na Internet, faça publicidade a produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a referida marca está registada, quando tal publicidade não permite ou permite dificilmente ao internauta médio determinar se os produtos ou os serviços objecto do anúncio provêm do titular da marca ou de uma empresa economicamente ligada a este, ou, pelo contrário, de um terceiro;

–      o prestador de um serviço de referenciamento na Internet, que armazena como palavra‑chave um sinal idêntico a uma marca e que organiza a exibição de anúncios a partir de tal sinal, não faz um uso desse sinal na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/104 ou do artigo 9.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 40/94.

3.     Quanto à interpretação dos artigos 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94

100    Através da sua segunda questão no processo C‑236/08, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o prestador de um serviço de referenciamento na Internet, que armazena como palavra‑chave um sinal correspondente a uma marca de prestígio e que organiza a exibição de anúncios a partir de tal sinal, faz um uso desse sinal, que o titular da referida marca está habilitado a proibir ao abrigo do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 ou, quando o referido sinal é idêntico a uma marca comunitária de prestígio, ao abrigo do artigo 9.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94.

101    Segundo aquilo que foi apurado pelo órgão jurisdicional de reenvio, está provado, no processo em questão, que a Google permitia aos anunciantes que propunham aos internautas imitações dos produtos da Vuitton seleccionarem palavras‑chave correspondentes às marcas da Vuitton, associadas a palavras‑chave como «imitação» e «cópia».

102    O Tribunal de Justiça já decidiu, no caso da oferta de imitações para venda, que, quando um terceiro procura, através do uso de um sinal idêntico ou semelhante a uma marca de prestígio, pôr‑se na esteira desta para beneficiar do seu poder de atracção, da sua reputação e do seu prestígio, e para explorar, sem nenhuma compensação financeira e sem ter de despender esforços para tanto, o esforço comercial despendido pelo titular da marca para gerar e manter a imagem dessa marca, se deve considerar que o benefício proporcionado pelo referido uso é indevidamente obtido graças ao carácter distintivo ou ao prestígio da referida marca (acórdão L’Oréal e o., já referido, n.° 49).

103    Esta jurisprudência é pertinente nos casos em que anunciantes na Internet oferecem para venda, através do uso de sinais idênticos a marcas de prestígio, como Louis Vuitton ou Vuitton, produtos que constituem imitações dos produtos do titular das referidas marcas.

104    No que respeita, porém, à questão de saber se o prestador de um serviço de referenciamento, quando armazena esses sinais como palavras‑chave, associados a termos como «imitação» e «cópia», e permite a exibição de anúncios a partir de tais palavras‑chave, faz ele próprio um uso que o titular das referidas marcas está habilitado a proibir, importa recordar, como já foi indicado nos n.os 55 a 57 do presente acórdão, que estes actos do prestador não constituem um uso na acepção dos artigos 5.° da Directiva 89/104 e 9.° do Regulamento n.° 40/94.

105    Assim, há que responder à segunda questão submetida no processo C‑236/08 que o prestador de um serviço de referenciamento na Internet, que armazena como palavra‑chave um sinal idêntico a uma marca de prestígio e que organiza a exibição de anúncios a partir de tal sinal, não faz um uso desse sinal, na acepção do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 ou do artigo 9.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94.

B –  Quanto à responsabilidade do prestador do serviço de referenciamento

106    Através da sua terceira questão no processo C‑236/08, da sua segunda questão no processo C‑237/08 e da sua terceira questão no processo C‑238/08, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 14.° da Directiva 2000/31 deve ser interpretado no sentido de que um serviço de referenciamento na Internet constitui um serviço da sociedade da informação, consistente no armazenamento de informações fornecidas pelo anunciante, de modo que esses dados sejam objecto de uma «armazenagem em servidor» na acepção deste artigo e que, portanto, o prestador do serviço de referenciamento não pode ser considerado responsável antes de ele próprio ter sido informado do comportamento ilícito do referido anunciante.

107    A secção 4 da Directiva 2000/31, que engloba os artigos 12.° a 15.°, intitulada «Responsabilidade dos prestadores intermediários de serviços», visa restringir as situações em que, em conformidade com o direito nacional aplicável na matéria, a responsabilidade dos prestadores intermediários de serviços possa ser invocada. Por conseguinte, é no quadro deste direito nacional que devem ser apurados os requisitos de tal responsabilidade, não esquecendo, porém, que, por força do disposto na secção 4 desta directiva, certas situações não podem dar lugar a responsabilidade dos prestadores intermediários de serviços. Desde que terminou o prazo de transposição da directiva, as regras de direito nacional em matéria de responsabilidade de tais prestadores devem comportar as limitações enunciadas nos referidos artigos.

108    A Vuitton, a Viaticum e a CNRRH defendem, porém, que um serviço de referenciamento como o AdWords não é um serviço da sociedade da informação, tal como definido nas referidas disposições da Directiva 2000/31, de forma que o prestador de tal serviço em caso algum pode beneficiar dessas limitações de responsabilidade. A Google e a Comissão das Comunidades Europeias têm uma opinião contrária.

109    A limitação de responsabilidade enunciada no artigo 14.°, n.° 1, da Directiva 2000/31 aplica‑se em caso de «prestação de um serviço da sociedade da informação que consista no armazenamento de informações prestadas por um destinatário do serviço» e significa que o prestador desse serviço não pode ser considerado responsável pelos dados que armazenou a pedido de um destinatário do referido serviço, a menos que esse prestador, tendo tomado conhecimento, através de uma informação fornecida por uma pessoa lesada ou de qualquer outro modo, do carácter ilícito desses dados ou de actividades de tal destinatário, não tenha prontamente retirado ou tornado inacessíveis os referidos dados.

110    Como foi indicado nos n.os 14 e 15 do presente acórdão, o legislador definiu o conceito de «serviço da sociedade da informação» como um serviço que engloba os serviços que são prestados à distância através de equipamentos electrónicos de tratamento e de armazenamento de dados, mediante pedido individual de um destinatário de serviços e, normalmente, contra remuneração. Tendo em conta as características do serviço de referenciamento em causa nos processos principais, resumidas no n.° 23 do presente acórdão, há que concluir que tal serviço reúne o conjunto dos elementos desta definição.

111    Além disso, não pode ser contestado que o prestador de um serviço de referenciamento transmite informações do destinatário do referido serviço, ou seja, o anunciante, para uma rede de comunicação aberta aos internautas e armazena, ou seja, memoriza no seu servidor certos dados, como as palavras‑chave seleccionadas pelo anunciante, o link publicitário e a mensagem comercial que o acompanha, bem como o endereço do sítio do anunciante.

112    É ainda necessário, para que a armazenagem efectuada pelo prestador de um serviço de referenciamento seja abrangida pelo artigo 14.° da Directiva 2000/31, que o comportamento desse prestador se limite ao de um «prestador intermediário de serviços», na acepção pretendida pelo legislador no quadro da secção 4 desta directiva.

113    Resulta, a este respeito, do considerando 42 da Directiva 2000/31 que situações de exoneração de responsabilidade estabelecidas nesta directiva abrangem exclusivamente os casos em que a actividade da sociedade da informação exercida pelo prestador de serviços reveste carácter «puramente técnic[o], automátic[o] e de natureza passiva», o que implica que o referido prestador de serviços «não tem conhecimento da informação transmitida ou armazenada, nem o controlo desta».

114    Por conseguinte, a fim de verificar se a responsabilidade do prestador do serviço de referenciamento poderia ser limitada com base no artigo 14.° da Directiva 2000/31, deve examinar‑se se o papel desempenhado pelo referido prestador é neutro, ou seja, se o seu comportamento é puramente técnico, automático e passivo, implicando o desconhecimento ou a falta de controlo dos dados que armazena.

115    No que respeita ao serviço de referenciamento em causa nos processos principais, resulta dos autos e da descrição que figura nos n.os 23 e seguintes do presente acórdão que a Google procede, graças a programas informáticos por ela desenvolvidos, a um tratamento dos dados introduzidos por anunciantes, daí resultando a exibição dos anúncios em condições, sob o controlo da Google. Entre outras situações, a Google determina a ordem de exibição em função, designadamente, da remuneração paga pelos anunciantes.

116    Cabe salientar que a simples circunstância de o serviço de referenciamento ser pago, de a Google fixar as modalidades de remuneração, ou ainda de facultar informações de ordem geral aos seus clientes, não pode ter por efeito privar a Google das derrogações em matéria de responsabilidade previstas pela Directiva 2000/31.

117    Do mesmo modo, a concordância entre a palavra‑chave seleccionada e o termo de pesquisa introduzido por um internauta não basta, em si, para considerar que a Google tem um conhecimento ou um controlo dos dados introduzidos no seu sistema pelos anunciantes e memorizados no seu servidor.

118    É, em contrapartida, pertinente, no quadro do exame a que se refere o n.° 114 do presente acórdão, o papel desempenhado pela Google na redacção da mensagem comercial que acompanha o link publicitário, ou na determinação ou na selecção das palavras‑chave.

119    É tendo em conta as considerações precedentes que cabe ao órgão jurisdicional nacional, que é quem está em melhores condições para conhecer as modalidades concretas do fornecimento do serviço nos processos principais, apreciar se o papel efectivo exercido pela Google corresponde ao descrito no n.° 114 do presente acórdão.

120    Daqui resulta que há que responder à terceira questão no processo C‑236/08, à segunda questão no processo C‑237/08 e à terceira questão no processo C‑238/08 que o artigo 14.° da Directiva 2000/31 deve ser interpretado no sentido de que a regra que enuncia se aplica ao prestador de um serviço de referenciamento na Internet, quando esse prestador não tenha desempenhado um papel activo susceptível de lhe facultar um conhecimento ou um controlo dos dados armazenados. Se não tiver desempenhado esse papel, o referido prestador não pode ser considerado responsável pelos dados que tenha armazenado a pedido de um anunciante, a menos que, tendo tomado conhecimento do carácter ilícito desses dados ou de actividades do anunciante, não tenha prontamente retirado ou tornado inacessíveis os referidos dados.

IV –  Quanto às despesas

121    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, e o artigo 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária, devem ser interpretados no sentido de que o titular de uma marca está habilitado a proibir que um anunciante, a partir de uma palavra‑chave idêntica a tal marca, que esse anunciante, sem o consentimento do referido titular, seleccionou no âmbito de um serviço de referenciamento na Internet, faça publicidade a produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a referida marca está registada, quando tal publicidade não permite ou permite dificilmente ao internauta médio determinar se os produtos ou os serviços objecto do anúncio provêm do titular da marca ou de uma empresa economicamente ligada a este, ou, pelo contrário, de um terceiro.

2)      O prestador de um serviço de referenciamento na Internet, que armazena como palavra‑chave um sinal idêntico a uma marca e que organiza a exibição de anúncios a partir de tal sinal, não faz um uso desse sinal na acepção do artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Directiva 89/104 ou do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94.

3)      O artigo 14.° da Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre comércio electrónico»), deve ser interpretado no sentido de que a regra que enuncia se aplica ao prestador de um serviço de referenciamento na Internet, quando esse prestador não tenha desempenhado um papel activo susceptível de lhe facultar um conhecimento ou um controlo dos dados armazenados. Se não tiver desempenhado esse papel, o referido prestador não pode ser considerado responsável pelos dados que tenha armazenado a pedido de um anunciante, a menos que, tendo tomado conhecimento do carácter ilícito desses dados ou de actividades do anunciante, não tenha prontamente retirado ou tornado inacessíveis os referidos dados.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.