Language of document : ECLI:EU:C:2008:552

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

9 de Outubro de 2008 (*)

«Directiva 96/9/CE – Protecção jurídica das bases de dados – Direito sui generis – Conceito de ‘extracção’ do conteúdo de uma base de dados»

No processo C‑304/07,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), por decisão de 24 de Maio de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de Julho de 2007, no processo

Directmedia Publishing GmbH

contra

Albert‑Ludwigs‑Universität Freiburg,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Lenaerts (relator), presidente de secção, T. von Danwitz, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász e G. Arestis, juízes,

advogada‑geral: E. Sharpston,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Directmedia Publishing GmbH, por C. von Gierke, Rechtsanwältin,

–        em representação da Albert‑Ludwigs‑Universität Freiburg, por W. Schmid e H.‑G. Riegger, Rechtsanwälte,

–        em representação da Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por F. Arenal, avvocato dello Stato,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por H. Krämer e W. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 10 de Julho de 2008,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 1996, relativa à protecção jurídica das bases de dados (JO L 77, p. 20).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Directmedia Publishing GmbH (a seguir «Directmedia») à Albert‑Ludwigs‑Universität Freiburg, na sequência da comercialização pela Directmedia de uma colectânea de poemas realizada a partir de uma lista de poemas alemães elaborada por U. Knoop, professor nesse estabelecimento universitário.

 Quadro jurídico

3        A Directiva 96/9 tem por objecto, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, a «protecção jurídica das bases de dados, seja qual for a forma de que estas se revistam».

4        O conceito de base de dados encontra­‑se definido, para efeitos da aplicação da Directiva 96/9, no respectivo artigo 1.°, n.° 2, como «uma colectânea de obras, dados ou outros elementos independentes, dispostos de modo sistemático ou metódico e susceptíveis de acesso individual por meios electrónicos ou outros».

5        O artigo 3.° da Directiva 96/9 institui a protecção pelo direito de autor das «bases de dados que, devido à selecção ou disposição das matérias, constituam uma criação intelectual específica do respectivo autor».

6        O artigo 7.° da Directiva 96/9, sob a epígrafe «Objecto da protecção», institui um direito sui generis nos seguintes termos:

«1.      Os Estados‑Membros instituirão o direito de o fabricante de uma base de dados proibir a extracção e/ou a reutilização da totalidade ou de uma parte substancial, avaliada qualitativa ou quantitativamente, do conteúdo desta, quando a obtenção, verificação ou apresentação desse conteúdo representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

2.      Para efeitos do presente capítulo, entende‑se por:

a)      ‘Extracção’: a transferência permanente ou temporária da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados para outro suporte, seja por que meio ou sob que forma for;

b)      ‘Reutilização’: qualquer forma de pôr à disposição do público a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo da base através da distribuição de cópias, aluguer, transmissão em linha ou sob qualquer outra forma. A primeira venda de uma cópia de uma base de dados na Comunidade efectuada pelo titular do direito ou com o seu consentimento esgota o direito de controlar a revenda dessa cópia na Comunidade.

O comodato público não constitui um acto de extracção ou de reutilização.

3.      O direito previsto no n.° 1 pode ser transferido, cedido ou objecto de licenças contratuais.

4.      O direito previsto no n.° 1 é aplicável independentemente de a base de dados poder ser protegida pelo direito de autor ou por outros direitos. Além disso, esse direito será igualmente aplicável independentemente de o conteúdo da base de dados poder ser protegido pelo direito de autor ou por outros direitos. A protecção das bases de dados pelo direito previsto no n.° 1 não prejudica os direitos existentes sobre o seu conteúdo.

5.      Não serão permitidas a extracção e/ou reutilização [repetidas] e sistemáticas de partes não substanciais do conteúdo da base de dados que pressuponham actos contrários à exploração normal dessa base, ou que possam causar um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do fabricante da base.»

7        O artigo 13.° da Directiva 96/9, intitulado «Aplicação de outras disposições legais», esclarece que a referida directiva não prejudica as disposições relativas, nomeadamente, às «decisões ou práticas concertadas entre empresas e concorrência desleal».

8        Nos termos do artigo 16.°, n.° 3, da Directiva 96/9:

«O mais tardar no final do terceiro ano subsequente [a 1 de Janeiro de 1998] e, posteriormente, de três em três anos, a Comissão apresentará ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social um relatório sobre a aplicação da presente directiva, no qual, designadamente com base em informações específicas fornecidas pelos Estados‑Membros, analisará nomeadamente a aplicação do direito sui generis, incluindo os artigos 8.° e 9.°, e verificará, em especial, se a aplicação daquele direito deu origem a abusos de posição dominante ou a outros atentados à livre concorrência que justifiquem medidas apropriadas, entre as quais a instituição de um regime de licenças não voluntárias. A Comissão apresentará, se necessário, propostas de adaptação da presente directiva à evolução do sector das bases de dados.»

 Factos na origem do litígio no processo principal e questão prejudicial

9        U. Knoop dirige, na Albert‑Ludwigs‑Universität Freiburg, o projecto «Klassikerwortschatz» (Vocabulário dos clássicos), que esteve na origem da publicação da Freiburger Anthologie (Antologia de Friburgo‑de‑Brisgovia), uma colectânea de poemas escritos entre 1720 e 1933.

10      Esta antologia baseia­‑se numa lista de poemas elaborada por U. Knoop, Die 1 100 wichtigsten Gedichte der deutschen Literatur zwischen 1730 und 1900 (Os 1 100 poemas mais importantes da literatura alemã entre 1730 e 1900, a seguir «lista de poemas elaborada por U. Knoop»), publicada na Internet.

11      Após uma explicação introdutória, esta lista de poemas, cuja classificação depende da frequência com que estes são referidos nas diferentes antologias, indica o autor, o título, a primeira linha e o ano de publicação de cada poema. Esta lista baseia‑se assim numa selecção de 14 antologias seleccionadas de um total de cerca de 3 000, à qual se acrescentou a compilação bibliográfica de A. Dühmert de 50 antologias de língua alemã, intitulada Von wem ist das Gedicht? (A quem pertence o poema?).

12      A partir destas obras, que contêm cerca de 20 000 poemas, foram seleccionados os poemas referidos em pelo menos três antologias ou por três vezes na compilação bibliográfica de A. Dühmert. Com vista a permitir a sua análise estatística, foram uniformizados os títulos e as linhas iniciais dos poemas, tendo sido elaborada uma lista recapitulativa dos mesmos. Graças a pesquisas bibliográficas, foram identificadas tanto as obras em que os poemas foram publicados como a data da sua criação. Foram necessários cerca de dois anos e meio para realizar este trabalho, cujos custos, no montante total de 34 900 euros, foram suportados pela Albert‑Ludwigs‑Universität Freiburg.

13      A Directmedia distribui um CD‑ROM, 1 000 Gedichte, die jeder haben muss (1 000 poemas que todos devem ter), publicado em 2002. Dos poemas incluídos no CD‑ROM, 876 datam do período compreendido entre 1720 e 1900. Destes, 856 são também referidos na lista de poemas elaborada por U. Knoop.

14      Para a compilação dos poemas incluídos no seu CD‑ROM, a Directmedia inspirou­‑se nesta lista. Não incluiu certos poemas que dela constam, acrescentou outros e procedeu a uma análise crítica da selecção feita por U. Knoop relativamente a cada poema. A Directmedia extraiu os textos dos poemas dos seus próprios recursos digitais.

15      Considerando que, através da distribuição do seu CD‑ROM, a Directmedia violava os direitos de autor de U. Knoop, como autor de uma colectânea, bem como os direitos conexos da Albert‑Ludwigs‑Universität Freiburg, como «fabricante de uma base de dados», ambos propuseram uma acção contra a Directmedia pedindo que esta fosse condenada a cessar a sua conduta e a pagar uma indemnização. Pediram ainda que a Directmedia fosse condenada a entregar as cópias da colectânea do seu CD‑ROM ainda na sua posse para que fossem destruídas.

16      O tribunal de primeira instância julgou procedente essa acção. Tendo sido negado provimento ao recurso, a Directmedia interpôs recurso de «Revision» para o Bundesgerichtshof.

17      Foi negado provimento a esse recurso na parte que se destinava a obter a condenação da Directmedia com base nos pedidos de U. Knoop. Em contrapartida, como as disposições de direito alemão que regulam a protecção do fabricante de uma base de dados, cuja violação a Albert‑Ludwigs‑Universität Freiburg invoca, constituem a transposição da Directiva 96/9, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a solução do litígio, na parte que opõe a Directmedia à referida Universidade, depende da interpretação do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), dessa directiva.

18      Sublinhando que resulta das conclusões do órgão jurisdicional de recurso que a Directmedia se inspirou na lista de poemas elaborada por U. Knoop para seleccionar os poemas que deviam ser incluídos no seu CD‑ROM, que submeteu cada um dos poemas seleccionados por U. Knoop a uma análise crítica e que por último não incluiu, no suporte comercializado, alguns dos poemas que constavam da referida lista e acrescentou outros, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se a utilização do conteúdo de uma base de dados nessas circunstâncias constitui uma «extracção», na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 96/9.

19      Na sua opinião, a definição do conceito de «extracção» contida nessa disposição da Directiva 96/9, diversos considerandos da referida directiva, os n.os 43 a 54 do acórdão de 9 de Novembro de 2004, The British Horseracing Board e o. (C‑203/02, Colect., p. I‑10415), determinadas passagens das conclusões apresentadas pela advogada‑geral C. Stix‑Hackl no processo que deu origem ao acórdão de 9 de Novembro de 2004, Fixtures Marketing (C‑338/02, Colect., p. I‑10497), uma certa concepção da finalidade e do objecto do direito sui generis, bem como os imperativos de segurança jurídica, parecem advogar a favor de uma interpretação estrita deste conceito, segundo a qual o referido direito autoriza o fabricante de uma base de dados a opor­‑se à transferência física da totalidade ou de parte desta de um suporte para outro, mas não à utilização desta base como fonte de consulta, de informação e de recensão, mesmo que partes substanciais da base em causa acabem por ser, assim, progressivamente recopiadas e transferidas para outra base de dados.

20      O órgão jurisdicional de reenvio admite, no entanto, que, de acordo com outra concepção do objecto do direito sui generis, é possível sustentar que o conceito de «extracção», na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 96/9, engloba os actos que consistem unicamente em transferir, como dados, elementos de uma base.

21      Atendendo a esta dificuldade de interpretação, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A transferência de dados constantes de uma base de dados protegida (ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, da [Directiva 96/9]) e a sua integração noutra base de dados pode também ser considerada uma extracção na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), dessa directiva, mesmo quando estes dados são individualmente apreciados após a consulta da base de dados, ou [uma] extracção na acepção da referida disposição abrange apenas a cópia (física) [de um conjunto de] dados?»

 Quanto à questão prejudicial

22      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o conceito de «extracção», na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 96/9, abrange a operação que consiste em transferir elementos de uma base de dados para outra base de dados após uma consulta visual da primeira e de uma selecção baseada numa apreciação pessoal do autor da operação ou se pressupõe o recurso a um processo de cópia física de um conjunto de elementos.

23      A título preliminar, importa observar que esta questão se baseia na premissa, enunciada na decisão de reenvio, segundo a qual a lista de poemas elaborada por U. Knoop constitui uma «base de dados», na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 96/9.

24      Esclarece‑se igualmente, nessa mesma decisão, que a Albert‑Ludwigs‑Universität Freiburg, que financiou os custos de elaboração da referida lista, pode beneficiar da protecção oferecida pelo direito sui generis instituída pela referida directiva, atendendo ao facto de o investimento dedicado à obtenção, à verificação e à apresentação do conteúdo dessa lista, no montante de 34 900 euros, ser considerado «substancial», na acepção do artigo 7.°, n.° 1, dessa directiva.

25      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑­se sobre se uma operação como a realizada pela Directmedia no processo principal constitui uma «extracção», na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 96/9.

26      Nessa disposição, o conceito de extracção é definido como «a transferência permanente ou temporária da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados para outro suporte, seja por que meio ou sob que forma for».

27      O artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 96/9 reserva ao fabricante de uma base de dados que tenha exigido um investimento substancial do ponto de vista quantitativo ou qualitativo o direito de proibir os actos de extracção da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo dessa base. Por outro lado, o n.° 5 do referido artigo 7.° destina‑se a permitir a esse fabricante impedir os actos de extracção repetidos e sistemáticos de partes não substanciais do conteúdo da referida base, que, pelo seu efeito cumulativo, levem a reconstituir, sem autorização do fabricante, a base de dados na sua totalidade ou, pelo menos, uma parte substancial desta, e que, deste modo, prejudiquem gravemente o investimento desse fabricante, à semelhança das extracções referidas no artigo 7.°, n.° 1, dessa directiva (v. acórdão The British Horseracing Board e o., já referido, n.os 86 a 89).

28      Uma vez que o conceito de extracção é assim utilizado em diferentes disposições do artigo 7.° da Directiva 96/9, deve ser interpretado no contexto geral desse artigo (v., neste sentido, acórdão The British Horseracing Board e o., já referido, n.° 67).

29      A este respeito, importa esclarecer, desde logo, que, como a Directmedia admitiu, este conceito não pressupõe que a base de dados ou a parte desta a partir da qual se realiza o acto em causa desapareça, por efeito deste, do seu suporte original.

30      A utilização, em alguns considerandos da Directiva 96/9, entre os quais, designadamente, o sétimo e o trigésimo oitavo, do verbo «copiar» para ilustrar o conceito de extracção indica, com efeito, que, para o legislador comunitário, este conceito, no contexto da referida directiva, visa abranger actos que deixam subsistir a base de dados ou a parte desta em causa no seu suporte inicial.

31      Seguidamente, cabe sublinhar que a utilização, no artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 96/9, da expressão «seja por que meio ou sob que forma for» demonstra que o legislador comunitário quis dar um sentido amplo ao conceito de extracção (v. acórdão The British Horseracing Board e o., já referido, n.° 51).

32      Conforme alegaram a Albert‑Ludwigs‑Universität Freiburg, o Governo italiano e a Comissão, esta interpretação ampla do conceito de extracção é sustentada pelo objectivo prosseguido pelo legislador comunitário através da instituição de um direito sui generis.

33      Esse objectivo é, como decorre, entre outros, do sétimo, trigésimo oitavo a quadragésimo segundo e quadragésimo oitavo considerandos da Directiva 96/9, garantir à pessoa que tomou a iniciativa e assumiu o risco de fazer um investimento substancial, em termos de recursos humanos, técnicos e/ou financeiros, na obtenção, verificação ou apresentação do conteúdo de uma base de dados, a remuneração do seu investimento, protegendo‑a contra a apropriação não autorizada dos resultados deste investimento por actos que consistem, nomeadamente, para um utilizador ou um concorrente, em reconstituir essa base ou uma parte substancial desta a um custo muito inferior ao necessário para uma concepção autónoma de uma base de dados [v., também, neste sentido, acórdãos de 9 de Novembro de 2004, Fixtures Marketing, C‑46/02, Colect., p. I‑10365, n.° 35; The British Horseracing Board e o., já referido, n.os 32, 45, 46 e 51; Fixtures Marketing (C‑338/02), já referido, n.° 25; e de 9 de Novembro de 2004, Fixtures Marketing, C‑444/02, Colect., p. I‑10549, n.° 41].

34      À luz deste objectivo, o conceito de «extracção», na acepção do artigo 7.° da Directiva 96/9, deve ser entendido no sentido de que visa qualquer acto não autorizado de apropriação de todo ou de parte do conteúdo de uma base de dados (v. acórdão The British Horseracing Board e o., já referido, n.os 51 e 67).

35      Conforme alegaram a Albert‑Ludwigs‑Universität Freiburg e a Comissão, resulta do próprio teor do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 96/9 que o referido conceito não depende da natureza nem da forma do modus operandi utilizado.

36      O critério decisivo a este respeito reside na existência de um acto de «transferência» da totalidade ou de parte do conteúdo da base de dados em causa para outro suporte, da mesma natureza que o suporte da referida base ou de natureza diferente. Esta transferência pressupõe que a totalidade ou parte do conteúdo de uma base de dados se encontre noutro suporte diferente do da base de dados original.

37      Neste contexto, conforme sublinhou o Governo italiano, é indiferente, para efeitos da apreciação da existência de uma «extracção», na acepção do artigo 7.° da Directiva 96/9, que a transferência se baseie num processo técnico de cópia do conteúdo de uma base de dados protegida, como um processo electrónico, electromagnético ou electro‑óptico ou qualquer outro processo semelhante (v., a este respeito, décimo terceiro considerando da Directiva 96/9), ou num simples processo manual. Como afirmou a Albert‑Ludwigs‑Universität Freiburg, recopiar o conteúdo dessa base de dados, mesmo que manualmente, para outro suporte corresponde ao conceito de extracção do mesmo modo que o descarregamento de dados ou uma fotocópia.

38      O décimo quarto considerando da Directiva 96/9, nos termos do qual «convém alargar a protecção concedida pela presente directiva às bases de dados não electrónicas», assim como o vigésimo primeiro considerando dessa directiva, nos termos do qual a protecção prevista por esta não exige que as matérias contidas na base de dados «tenham sido fisicamente armazenadas de modo organizado», advogam também a favor de uma interpretação do conceito de extracção, à semelhança da de base de dados, livre de critérios de ordem formal, técnica ou física.

39      É igualmente irrelevante, para efeitos da interpretação do conceito de extracção no contexto da Directiva 96/9, que a transferência do conteúdo de uma base de dados protegida dê lugar a uma disposição dos elementos em causa diferente da que caracteriza a base de dados original. Conforme resulta do trigésimo oitavo considerando da Directiva 96/9, um acto de carregamento não autorizado, acompanhado de um reordenamento do conteúdo da base de dados copiada, faz parte dos actos contra os quais a referida directiva, através da instituição do direito sui generis, procura proteger o fabricante dessa base de dados.

40      Não se pode, portanto, sustentar, como fez a Directmedia, que no conceito de extracção apenas são abrangidos os actos que consistem em reproduzir mecanicamente, sem adaptação, através de um processo clássico que consiste em «copiar/colar», o conteúdo de uma base de dados ou de uma parte dessa base.

41      De igual modo, o facto, sublinhado pela Directmedia, de o autor do acto de reprodução em causa não transferir uma parte dos elementos constantes de uma base de dados protegida e completar os elementos desta transferidos com elementos provenientes de outra fonte pode, no máximo, demonstrar que o acto não incidiu sobre a totalidade do conteúdo da referida base. Em contrapartida, não impede que se constate que ocorreu uma transferência de uma parte do conteúdo dessa base para outro suporte.

42      Contrariamente ao que também alegou a Directmedia, o conceito de «extracção», na acepção do artigo 7.° da Directiva 96/9, não pode, por outro lado, ser reduzido aos actos relativos à transferência da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados protegida.

43      Como resulta do n.° 27 do presente acórdão, decorre, com efeito, da leitura conjugada dos n.os 1 e 5 do artigo 7.° da Directiva 96/9 que este conceito não depende do alcance da transferência do conteúdo de uma base de dados protegida, visto que, em virtude dessas disposições, o direito sui generis instituído pela mesma directiva oferece protecção ao fabricante de uma base de dados não apenas contra os actos de extracção da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo dessa base protegida mas também, sob determinadas condições, contra aqueles desses actos que digam respeito a uma parte não substancial desse conteúdo (v., neste sentido, acórdão The British Horseracing Board e o., já referido, n.° 50).

44      Por conseguinte, o facto de um acto de transferência não dizer respeito a um conjunto significativo e estruturado de elementos que constam de uma base de dados protegida não impede que esse acto seja abrangido pelo conceito de «extracção», na acepção do artigo 7.° da Directiva 96/9.

45      De igual modo, como sublinhou a Comissão, o facto de elementos constantes de uma base de dados apenas serem transferidos para outra base de dados após uma apreciação crítica por parte do autor do acto de transferência poderia, efectivamente, revelar‑se pertinente, quando necessário, para determinar se essa outra base poderia beneficiar de uma das protecções previstas na Directiva 96/9. Em contrapartida, este facto não impede que se constate a existência de uma transferência de elementos da primeira base de dados para a segunda.

46      O objectivo prosseguido pelo acto de transferência é igualmente irrelevante para efeitos da apreciação da existência de uma «extracção», na acepção do artigo 7.° da Directiva 96/9.

47      Assim, pouco importa que o acto de transferência em causa tenha por objectivo a constituição de outra base de dados, concorrente ou não da base de dados originária, de dimensão idêntica ou diferente desta, ou que este acto se inscreva no contexto de outra actividade, comercial ou não, que não a constituição de uma base de dados (v., neste sentido, acórdão The British Horseracing Board e o., já referido, n.os 47 e 48). Além do mais, como decorre do quadragésimo quarto considerando da Directiva 96/9, a transferência da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados protegida para outro suporte, que é necessária para efeitos de uma simples visualização do referido conteúdo em ecrã, constitui já em si mesma um acto de extracção que o titular do direito sui generis pode sujeitar à sua autorização.

48      No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio salienta o trigésimo oitavo considerando da Directiva 96/9. Na medida em que faz referência ao caso do conteúdo de uma base de dados que é «directamente carregado e reordenado por meios electrónicos», o referido considerando poderia, segundo este órgão jurisdicional, advogar a favor de uma interpretação do conceito de extracção circunscrita aos actos baseados num processo de cópia por meios técnicos.

49      Todavia, conforme observou a advogada‑geral no n.° 41 das suas conclusões, o considerando em causa pretende ilustrar os riscos específicos, para os fabricantes de bases de dados, que resultam da utilização crescente da tecnologia digital. Não pode ser interpretado no sentido de reduzir o âmbito dos actos abrangidos pela protecção do direito sui generis apenas aos actos de cópia por meios técnicos, uma vez que, de outra forma, por um lado, ignorar‑se‑iam os diferentes elementos expostos nos n.os 29 a 47 do presente acórdão, que advogam a favor de uma interpretação ampla do conceito de extracção no contexto da Directiva 96/9, e, por outro, privar‑se‑ia o fabricante de uma base de dados, contrariamente ao objectivo atribuído ao referido direito, da protecção contra actos de extracção que, apesar de não se basearem num processo técnico específico, não são menos susceptíveis de lesar os seus interesses do que um acto de extracção baseado nesse processo.

50      A Directmedia sustentou que uma base de dados não constitui propriedade sobre informações e que o facto de incluir, nos actos que podem ser proibidos pelo fabricante de uma base de dados protegida por força do seu direito sui generis, a transferência de informações que constam dessa base equivaleria, por um lado, a violar os direitos legítimos dos utilizadores desta base ao livre acesso à informação e, por outro, a favorecer o aparecimento de monopólios ou de abusos de posição dominante no sector dos fabricantes de bases de dados.

51      Todavia, no que respeita, em primeiro lugar, ao direito de acesso à informação, importa observar que a protecção conferida pelo direito sui generis se refere unicamente aos actos de extracção e/ou de reutilização, na acepção do artigo 7.° da Directiva 96/9. Esta protecção não visa, ao invés, os actos de consulta de uma base de dados (acórdão The British Horseracing Board e o., já referido, n.° 54).

52      É certo que a pessoa que constituiu a base de dados se pode reservar um direito de acesso exclusivo à sua base ou reservar o acesso à mesma a determinadas pessoas (acórdão The British Horseracing Board e o., já referido, n.° 55), ou ainda sujeitar esse acesso a determinadas condições, por exemplo, de ordem financeira.

53      Contudo, quando o fabricante de uma base de dados torna o conteúdo desta acessível a terceiros, ainda que seja a título oneroso, o seu direito sui generis não lhe permite opor‑se à consulta dessa base por esses terceiros para efeitos de informação (v., neste sentido, acórdão The British Horseracing Board e o., já referido, n.° 55). Somente quando a visualização do conteúdo dessa base em ecrã exigir a transferência, permanente ou temporária, da totalidade ou de uma parte substancial desse conteúdo para outro suporte é que pode ser necessária a autorização, para esse acto de consulta, do titular do direito sui generis, conforme resulta do quadragésimo quarto considerando da Directiva 96/9.

54      No caso em apreço, resulta da descrição dos factos na decisão de reenvio que a Albert‑Ludwigs‑Universität Freiburg, embora procure, efectivamente, opor‑se a actos não autorizados de transferência de elementos constantes da lista de poemas elaborada por U. Knoop, não deixa de autorizar terceiros a consultar a referida lista. Por conseguinte, as informações coligidas nessa lista são acessíveis ao público e podem ser por este consultadas.

55      No que respeita, em segundo lugar, ao risco de afectar a concorrência, resulta do quadragésimo sétimo considerando da Directiva 96/9 que o legislador comunitário se mostrou sensível à preocupação de a protecção conferida pelo direito sui generis não dever ser exercida de molde a facilitar abusos de posição dominante.

56      É por esta razão que o artigo 13.° da Directiva 96/9, que confere assim valor normativo à afirmação, constante desse mesmo considerando, de que as disposições da referida directiva «não prejudicam a aplicação das regras sobre concorrência, comunitárias ou nacionais», dispõe que esta directiva não prejudica as disposições relativas, nomeadamente, às decisões ou práticas concertadas entre empresas e concorrência desleal.

57      Na mesma linha, o artigo 16.°, n.° 3, da Directiva 96/9 impõe à Comissão que elabore relatórios periódicos sobre a aplicação desta directiva, destinados, nomeadamente, a verificar se a aplicação do direito sui generis deu origem a abusos de posição dominante ou a outros atentados à livre concorrência que justifiquem a adopção de medidas apropriadas.

58      Neste contexto, caracterizado pela existência de diplomas, de direito comunitário ou de direito nacional, destinados a identificar eventuais infracções às regras da concorrência, como abusos de posição dominante, o conceito de «extracção», na acepção do artigo 7.° da Directiva 96/9, não pode ser objecto de uma interpretação susceptível de privar o fabricante de uma base de dados de uma protecção contra actos que podem lesar os seus interesses legítimos.

59      No processo principal, compete ao órgão jurisdicional de reenvio, a fim de declarar a existência de uma violação por parte da Directmedia do direito sui generis da Albert‑Ludwigs‑Universität Freiburg, verificar, à luz de todas as circunstâncias pertinentes, se a operação realizada pela Directmedia a partir da lista de poemas elaborada por U. Knoop corresponde a uma extracção respeitante a uma parte substancial, avaliada qualitativa ou quantitativamente, do conteúdo dessa lista (v., a este respeito, acórdão The British Horseracing Board e o., já referido, n.os 69 a 72) ou a extracções de partes não substanciais que, pelo seu carácter repetido e sistemático, conduzam à reconstituição de uma parte substancial desse conteúdo (v., a este respeito, acórdão The British Horseracing Board e o., já referido, n.os 73, 87 e 89).

60      À luz do exposto, há que responder à questão submetida que a transferência de elementos de uma base de dados protegida para outra base de dados, após consulta da primeira base em ecrã e de uma apreciação individual dos elementos nela contidos, pode constituir uma «extracção», na acepção do artigo 7.° da Directiva 96/9, desde que – o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar – esta operação corresponda à transferência de uma parte substancial, avaliada qualitativa ou quantitativamente, do conteúdo da base de dados protegida ou a transferências de partes não substanciais que, pelo seu carácter repetido e sistemático, conduzam à reconstituição de uma parte substancial desse conteúdo.

 Quanto às despesas

61      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

A transferência de elementos de uma base de dados protegida para outra base de dados, após consulta da primeira base em ecrã e de uma apreciação individual dos elementos nela contidos, pode constituir uma «extracção», na acepção do artigo 7.° da Directiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 1996, relativa à protecção jurídica das bases de dados, desde que – o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar – esta operação corresponda à transferência de uma parte substancial, avaliada qualitativa ou quantitativamente, do conteúdo da base de dados protegida ou a transferências de partes não substanciais que, pelo seu carácter repetido e sistemático, conduzam à reconstituição de uma parte substancial desse conteúdo.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.