Language of document : ECLI:EU:C:2014:1997

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 12 de junho de 2014 (1)

Processo C‑311/13

O. Tümer

contra

Raad van bestuur van het Uitvoeringsinstituut werknemersverzekeringen

[pedido de decisão prejudicial
apresentado pelo Centrale Raad van Beroep (Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 80/987/CEE — Diretiva 2002/74/CE — Proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador — Trabalhador assalariado cidadão de um Estado terceiro não titular de uma autorização de residência válida — Direito à garantia dos créditos salariais»





1.        Um trabalhador assalariado, cidadão de um Estado terceiro, pode ser excluído do direito de obter, em caso de insolvência do seu empregador, a garantia dos seus créditos salariais em dívida, pelo facto de residir irregularmente no território do Estado‑Membro em questão?

2.        Esta é, no essencial, a questão submetida pelo Centrale Raad van Beroep (Países Baixos) na sequência do indeferimento, pelo Raad van bestuur van het Uitvoeringsinstituut werknemersverzekeringen (conselho de administração do Instituto de Gestão dos Seguros dos Trabalhadores por conta de outrem) (2),do pedido de prestação em caso de insolvência apresentado por O. Tümer.

3.        Nestas conclusões, proporemos ao Tribunal de Justiça que responda negativamente a esta questão, que diz respeito à interpretação da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (3), conforme alterada pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002 (4).

4.        Neste sentido, defenderemos, antes de mais, que não resulta da base jurídica da Diretiva 2002/74 que os cidadãos de Estados terceiros sejam excluídos do âmbito de aplicação da Diretiva 80/987.

5.        Em seguida, explicaremos que uma disposição nacional, como a que está em causa no processo principal, que subordina a uma condição de regularidade de residência o direito de um cidadão de um Estado terceiro, que tem a qualidade de trabalhador assalariado de acordo com o direito civil nacional, de receber uma prestação em caso de insolvência, prejudica a economia geral da Diretiva 80/987, bem como o seu efeito útil e não respeita o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação, avaliado à luz dos objetivos desta diretiva, sem que possa ser justificada por razões da política do combate à imigração ilegal.

I –    Quadro jurídico

A –    Direito da União

6.        Por força do seu artigo 1.°, n.° 1, a Diretiva 80/987 aplica‑se aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho e que existem face aos empregadores que se encontrem em estado de insolvência na aceção do artigo 2.°, n.° 1, desta diretiva.

7.        O artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 80/987 autoriza os Estados‑Membros, a título excecional, a excluir do seu âmbito de aplicação os créditos de certas categorias de trabalhadores assalariados, devido à existência de outras formas de garantia, se for determinado que estas asseguram aos interessados uma proteção equivalente.

8.        O artigo 2.°, n.os 2 e 3, da Diretiva 80/987 dispõe que esta diretiva não prejudica o direito nacional, no que se refere à definição dos termos «trabalhador assalariado», «empregador», «remuneração», «direito adquirido» e «direito em vias de aquisição», sem que os Estados‑Membros possam, todavia, excluir do seu âmbito de aplicação os trabalhadores a tempo parcial, os que sejam titulares de um contrato de trabalho a termo ou os que tenham uma relação de trabalho temporário, nem submeter o direito à garantia dos trabalhadores a uma duração mínima do contrato de trabalho ou da relação de trabalho.

9.        Por força do artigo 3.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 80/987, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem, sob reserva do artigo 4.° desta diretiva, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados, emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho. Os créditos a cargo da instituição de garantia consistem, nos termos do artigo 3.°, segundo parágrafo, da referida diretiva, em remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados‑Membros.

10.      Por exceção, o artigo 4.° da Diretiva 80/987 reconhece aos Estados‑Membros a faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia, a que se refere o seu artigo 3.°, fixando a duração do período que dá lugar ao pagamento, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 2, da referida diretiva, ou estabelecendo limites máximos para esse pagamento, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 3, da mesma diretiva.

11.      A Diretiva 80/987 foi revogada e codificada pela Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (5), que entrou em vigor em 17 de novembro de 2008.

B –    Legislação neerlandesa

12.      A Lei do desemprego (Werkloosheidswet) (6) prevê, no seu artigo 61.°, o princípio segundo o qual um trabalhador por conta de outrem tem direito a uma prestação em caso de insolvência, se conseguir demonstrar um crédito relativo a remunerações, a retribuição de férias ou a subsídio de férias perante um empregador declarado insolvente, ou que possa sofrer um prejuízo financeiro pelo facto de esse empregador não ter pago montantes de que é devedor a terceiros, por força da sua relação de trabalho com o trabalhador por conta de outrem.

13.      A WW define, no seu artigo 3.°, n.° 1, trabalhador por conta de outrem como «a pessoa singular com idade inferior a 65 anos que exerce uma atividade por conta de outrem, regida pelo direito privado ou pelo direito público».

14.      Todavia, o artigo 3.°, n.° 3, da WW esclarece que não é considerado trabalhador por conta de outrem, em derrogação do n.° 1, deste artigo, o cidadão de um Estado terceiro que não resida legalmente nos Países Baixos.

15.      Nos termos do artigo 8.°, alíneas a) a e) e l), da Lei relativa aos estrangeiros (Vreemdelingenwet), de 23 de novembro de 2000 (7), um estrangeiro reside legalmente nos Países Baixos, se dispuser de uma autorização de residência por tempo determinado ou indeterminado ou, se, como cidadão de um Estado‑Membro da União Europeia, a sua residência se basear numa norma adotada por força do Tratado que institui a Comunidade Europeia ou do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu de 2 de maio de 1992 (8), ou ainda se o seu direito de residência se basear na Decisão n.° 1/80 do Conselho de Associação, de 19 de setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação (9), instituído pelo Acordo que cria uma associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia (10).

II – Factos relativos ao litígio no processo principal e questão prejudicial

16.      O. Tümer é um cidadão turco que reside nos Países Baixos, desde 1988.

17.      No período compreendido entre 18 de agosto de 1988 a 31 de março de 1995, beneficiou de uma autorização de residência por tempo determinado, concedida com a condição de residir com a esposa. Divorciou‑se em 1996.

18.      Em 14 de outubro de 2005, O. Tümer apresentou um pedido de autorização de residência por tempo indeterminado, o qual foi indeferido pelo Secretário de Estado da Justiça. A reclamação apresentada contra esta decisão foi declarada improcedente, por decisão de 16 de abril de 2007, da qual O. Tümer interpôs recurso ao qual foi negado provimento, em 28 de agosto de 2008, pela Vreemdelingenkamer (secção de estrangeiros) do Rechtbank ’s‑Gravenhage. Não foi interposto recurso desta última decisão. O. Tümer não possui nenhum título de residência, desde 25 de abril de 2007.

19.      A partir de 1997, O. Tümer trabalhou intermitentemente nos Países Baixos. Em 3 de janeiro de 2005, foi contratado pela Halfmoon Cosmetics BV, que, em 2007, pagou, por sua conta, contribuições ao abrigo da WW. A partir de agosto de 2007, a Halfmoon Cosmetics BV passou a pagar apenas uma parte do salário e foi declarada insolvente em 22 de janeiro de 2008. Em 26 de janeiro de 2008, o recorrente no processo principal foi despedido.

20.      O. Tümer apresentou um pedido de indemnização devido à insolvência da Halfmoon Cosmetics BV, ao abrigo da WW, pedido este que foi indeferido por uma decisão de 8 de fevereiro de 2008, da qual O. Tümer interpôs recurso que foi declarado improcedente pelo UWV, por decisão de 10 de junho de 2008, com o fundamento de que o recorrente no processo principal, que não reside legalmente nos Países Baixos, não era trabalhador por conta de outrem, na aceção do artigo 3.°, n.° 3, da WW. Em 18 de dezembro de 2009, o Rechtbank ’s‑Hertogenbosch, com o mesmo fundamento, negou provimento ao recurso que O. Tümer tinha apresentado da decisão de 10 de junho de 2008.

21.      Tendo sido interposto recurso desta decisão para o Centrale Raad van Beroep que entende que, caso a exclusão de cidadãos de Estados terceiros, que não dispõem de título de residência, deva ser considerada uma limitação da obrigação de pagamento das instituições de garantia, essa exclusão não é compatível com o direito da União, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:

«A [Diretiva 80/987], em especial os seus artigos 2.°, 3.° e 4.°, deve ser interpretada, atendendo também à base jurídica do artigo 137.°, n.° 2, [CE] (atual artigo 153.°, n.° 2, TFUE), no sentido de que se opõe a um regime nacional, como o dos artigos 3.°, n.° 3, e 61.° da WW, nos termos da qual não pode ser considerado trabalhador por conta de outrem o estrangeiro que seja nacional de um país terceiro e que não resida legalmente nos Países Baixos, na aceção do artigo 8.°, alíneas a) a e) e l), da [lei relativa aos estrangeiros], mesmo num caso como o [de um cidadão de um Estado terceiro], que solicitou uma prestação em caso de insolvência, que deve ser considerado trabalhador por conta de outrem à luz do direito civil e que satisfaz as demais condições para a atribuição dessa prestação?»

III – Análise

A –    Considerações preliminares

1.      Elementos de facto e de direito fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio

22.      Nas suas observações escritas e orais, a Comissão Europeia considerou, por um lado, que O. Tümer preenchia as condições para poder invocar disposições do artigo 6.°, n.° 1, ou do artigo 7.° da Decisão n.° 1/80 e, por outro, que resultava do princípio da não discriminação, enunciado no artigo 10.° daquela decisão e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual o título de residência e a autorização de trabalho constituem duas realidades distintas, que se um Estado‑Membro concede uma autorização de trabalho a um cidadão turco, não lhe pode recusar o benefício da prestação em caso de insolvência, com o fundamento de que esse cidadão já não dispõe de um título de residência.

23.      Consequentemente, a Comissão convidou o Tribunal de Justiça a não se cingir a responder apenas à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, mas a analisar também se, de acordo com a legislação da União, O. Tümer reside, efetivamente, de forma ilegal nos Países Baixos.

24.      Consideramos que o Tribunal de Justiça deve declinar esse convite.

25.      De acordo com jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.° TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido, se necessário, reformulando as questões que lhe foram apresentadas (11), para interpretar todas as disposições do direito da União de que o órgão jurisdicional nacional necessite para decidir. Para o efeito, o Tribunal de Justiça pode ser levado a extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, e nomeadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (12).

26.      Todavia, a faculdade de reformular as questões prejudiciais, ampliando, sendo esse o caso, os elementos de direito da União que exigem uma interpretação, não pode levar o Tribunal de Justiça a propor uma interpretação do direito da União tendo em conta uma situação diferente da que constitui o objeto do litígio no processo principal, para substituir as considerações de facto dos órgãos jurisdicionais nacionais pelas suas próprias considerações, ou pôr em causa a força do caso julgado que é inerente às decisões nacionais.

27.      Ora, resulta claramente da relação dos factos contida na decisão de reenvio que foi declarado na decisão de 28 de agosto de 2008, da qual O. Tümer não interpôs recurso, que este não podia extrair direito algum dos artigos 6.° ou 7.° da Decisão n.° 1/80, uma vez que não estavam reunidas as condições para considerar que estava abrangido pelo mercado regular do emprego ou que a sua ex‑esposa tinha trabalhado antes de 31 de março de 1995. Embora a Comissão tenha expressado dúvidas a este propósito nas suas observações escritas e persistam efetivamente várias áreas por esclarecer na situação exata de O. Tümer (13), apesar de terem sido especialmente clarificadas pelas explicações do Governo neerlandês na audiência, deve dar‑se este elemento de facto como assente para efeitos da presente análise.

28.      Além disso, não resulta da leitura da decisão de reenvio que o Centrale Raad van Beroep tenha constatado que O. Tümer fosse titular de uma autorização de trabalho.

29.      Interpretar a Decisão n.° 1/80 nos termos propostos pela Comissão equivaleria não a dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido, mas a alterar o quadro factual e jurídico para o levar a decidir sobre um litígio que tem um objeto diferente e já foi decidido por um outro órgão jurisdicional nacional.

30.      Nestas condições, há que analisar, exclusivamente, a questão submetida pelo Centrale Raad van Beroep, sem alargar o debate à interpretação da Decisão n.° 1/80.

2.      Direito da União aplicável ratione temporis

31.      Deve‑se salientar que as disposições mencionadas pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua questão, a saber, os artigos 2.° a 4.° da Diretiva 2008/94, ainda não tinham entrado em vigor à data dos factos que estão na origem do litígio no processo principal.

32.      Em conformidade com uma jurisprudência constante, baseada na necessidade de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio (14), há que reformular a questão a fim de se interpretar as disposições do direito da União que eram aplicáveis à data dos factos que estão na origem do litígio no processo principal, neste caso, as disposições da Diretiva 80/987 e, mais precisamente, os seus artigos 2.° a 4.°, cuja redação é, de resto, no essencial, idêntica à das disposições referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

B —   A nossa apreciação

33.      Para concluir que a legislação nacional é compatível com a Diretiva 80/987, o Governo neerlandês invoca, sucessivamente, dois argumentos principais relativos, o primeiro, à base jurídica daquela diretiva (15) e, o segundo, à margem de manobra que esta reconhece aos Estados‑Membros para definirem o conceito de trabalhador assalariado.

34.      Em primeiro lugar, a Diretiva 80/987 não pode respeitar aos cidadãos de Estados terceiros, uma vez que se baseia no artigo 137.° CE, disposição que não oferece base jurídica para o reconhecimento de direitos a esses cidadãos, mesmo que tenham permanência regular.

35.      Em segundo lugar, a remissão para o direito nacional para definir o conceito de trabalhador assalariado e precisar o seu conteúdo, permite, em todo o caso, que os Estados‑Membros excluam desse conceito os cidadãos de Estados terceiros que se encontrem em situação de residência irregular.

36.      Este duplo argumento levanta, antes de mais, a questão da aplicabilidade da Diretiva 80/987 aos cidadãos de Estados terceiros, antes de se analisar, em seguida, a sua aplicabilidade àqueles, de entre estes cidadãos, que se encontrem em situação irregular.

1       Aplicabilidade da Diretiva 80/987 aos cidadãos de Estados terceiros

37.      A base jurídica da Diretiva 2002/74 exclui que a Diretiva 80/987 se possa aplicar aos cidadãos de Estados terceiros?

38.      Antes de analisar esta questão mais pormenorizadamente, há que salientar, para já, que, com o seu argumento sobre a base jurídica da Diretiva 80/987, o Governo neerlandês desloca, de forma significativa, o debate para a condição da nacionalidade, enquanto a questão diz respeito, exclusivamente e com razão, à possibilidade de sujeitar o direito à prestação em caso de insolvência a uma condição de regularidade da residência.

39.      A este propósito, importa referir que a posição do Governo neerlandês não é compatível com a legislação neerlandesa, tal como descrita na decisão de reenvio, uma vez que resulta de uma leitura a contrario do artigo 3.°, n.° 3, da WW que o reconhecimento da qualidade de «trabalhador por conta de outrem» e, consequentemente, o direito a uma prestação em caso de insolvência não estão sujeitos a nenhuma condição de nacionalidade. Ora, o Governo neerlandês, ao reconhecer o direito a uma prestação em caso de insolvência aos cidadãos de Estados terceiros que residam legalmente em território nacional, não defende que tenha alargado o âmbito de aplicação ratione personae da Diretiva 80/987, ao usar da faculdade prevista no artigo 9.°, primeiro parágrafo, daquela diretiva, de aplicar ou introduzir disposições mais favoráveis aos trabalhadores assalariados.

40.      Seja como for, a análise da base jurídica da Diretiva 2002/74 não nos parece que conduza a uma limitação do âmbito de aplicação pessoal da Diretiva 80/987 apenas aos cidadãos da União.

41.      Importa recordar que o artigo 137.°, n.° 2, primeiro parágrafo, CE, na sua versão anterior ao Tratado de Nice, com base no qual foi adotada a Diretiva 2002/74 (16), autorizava a adoção, mediante diretivas, de prescrições mínimas que, em conformidade com o artigo 137.°, n.° 1, CE, se destinassem a contribuir para realizar os objetivos de política social, previstos no artigo 136.° CE, entre os quais se contam a melhoria das condições de vida e de trabalho e uma proteção social adequada dos trabalhadores.

42.      É verdade que entre os domínios nos quais o artigo 137.°, n.° 2, primeiro parágrafo, CE habilitava o Conselho da União Europeia a adotar, mediante diretivas, prescrições mínimas para realizar os objetivos previstos no artigo 136.° CE, o artigo 137.°, n.° 1, CE não enumerava as «[c]ondições de emprego dos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território da Comunidade»», que figuravam no artigo 137.°, n.° 3, CE que constituía uma base jurídica distinta que impunha o recurso a um procedimento diferente. Enquanto o artigo 137.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE prescrevia a aplicação do procedimento previsto no artigo 251.° CE, dito de «codecisão», que implicava o voto por maioria qualificada do Conselho e a plena participação do Parlamento Europeu no processo legislativo, o artigo 137, n.° 3, CE, prescrevia o voto por unanimidade do Conselho, após simples consulta ao Parlamento (17).

43.      Todavia, na nossa opinião, foi erradamente que o UWV e o Governo neerlandês deduziram desta base jurídica que a Diretiva 80/987 não podia abranger os cidadãos de Estados terceiros.

44.      Com efeito, este argumento baseia‑se na premissa de que uma disposição de direito derivado só pode conferir direitos aos cidadãos de Estados terceiros, quando tenha por base jurídica uma disposição de direito primário, como o artigo 63.°, ponto 4, CE, que habilita expressamente o legislador da União a adotar medidas destinadas a regulamentar a sua situação.

45.      Esta premissa, que respeita à questão fundamental da determinação do âmbito de aplicação ratione personae do direito da União (18), parece‑nos incorreta.

46.      De facto, o direito primário comporta regras, cujo alcance quanto às pessoas visadas é expressamente limitado.

47.      Algumas disposições estabelecem as bases jurídicas que permitem a adoção de medidas que visam especificamente os cidadãos de Estados terceiros. Tal é o caso das disposições do título IV da parte III do Tratado CE, com o título «Vistos, asilo, imigração e outras políticas relativas à livre circulação de pessoas», entre as quais consta o artigo 63.° CE, ao qual se refere o Governo neerlandês.

48.      Pelo contrário, outras disposições têm um âmbito de aplicação circunscrito apenas aos cidadãos da União. Assim, as disposições relativas à livre circulação de trabalhadores condicionam o reconhecimento do direito à livre circulação à posse da nacionalidade de um dos Estados‑Membros da União Europeia (19).

49.      Todavia, há também disposições que, não comportando nenhuma limitação especial do seu âmbito de aplicação pessoal, são suscetíveis de ser aplicáveis independentemente da nacionalidade das pessoas em causa e, por conseguinte, podem ser invocadas pelos cidadãos de Estados terceiros ou ser contestadas por eles, quando exista um fator de conexão da sua situação com o direito da União. O alcance do âmbito de aplicação pessoal das medidas adotadas com fundamento numa base jurídica desprovida de limitação explícita, deve, nesse caso, ser analisada tendo em conta os objetivos prosseguidos pela regulamentação (20).

50.      Com exceção do artigo 137.°, n.° 3, quarto travessão, CE, as disposições contidas no capítulo 1 do título XI da parte III do Tratado CE, que conferiam à Comunidade uma competência normativa no domínio social, devem ser incluídas na categoria das que são, em princípio, aplicáveis sem consideração de nacionalidade.

51.      A este propósito, saliente‑se que, entre os domínios em que a Comunidade dispunha de competências para dar apoio e completar a ação dos Estados‑Membros, com vista ao cumprimento dos objetivos visados pelo artigo 136.° CE, o artigo 137.°, n.° 2, CE, que constitui a base jurídica da Diretiva 2002/74, visava a proteção da saúde e da segurança, bem como a informação e a consulta dos «trabalhadores», a integração das «pessoas» excluídas do mercado de trabalho, a «igualdade entre homens e mulheres», sem mencionar uma qualquer condição de nacionalidade.

52.      Excluir os trabalhadores cidadãos de Estados terceiros das medidas de proteção aplicáveis aos trabalhadores assalariados cidadãos de um Estado‑Membro da União não condiz com os objetivos da política social desta, como enunciados no artigo 136.°, primeiro parágrafo, CE, nomeadamente porque essa exclusão podia favorecer o emprego de mão‑de‑obra estrangeira para reduzir os custos salariais. No seu acórdão Alemanha e o./Comissão (281/85, 283/85 à 285/85 e 287/85, EU:C:1987:351), o Tribunal de Justiça pôs em evidência a estreita relação existente entre a política social da União e a que pode ser seguida relativamente à mão‑de‑obra proveniente de Estados terceiros. É em função desta realidade que deve ser entendido o âmbito de aplicação das medidas adotadas pela União no domínio social (21).

53.      Por conseguinte, somos levados a concluir que a base jurídica da Diretiva 2002/74 não exclui de forma alguma que a Diretiva 80/987 possa ser aplicável aos cidadãos de Estados terceiros.

54.      Além disso, há que salientar que a Diretiva 80/987 faz da existência de créditos em dívida, emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho entre trabalhadores assalariados e um empregador em situação de insolvência, o fator gerador das obrigações que prevê a cargo das instituições de garantia. Não é exigida aos trabalhadores assalariados nenhuma condição de nacionalidade, para que possam beneficiar da garantia. Por conseguinte, subordinar o benefício desta a um requisito de nacionalidade significa acrescentar ao texto daquela diretiva, violando do seu objetivo, uma condição que ela não prevê. A este propósito, importa recordar que a referida diretiva prossegue uma finalidade social que consiste em assegurar a todos os trabalhadores assalariados uma proteção mínima na União, em caso de insolvência do empregador, através do pagamento dos créditos em dívida resultantes de contratos ou de relações de trabalho, respeitantes à remuneração de um período determinado (22).

55.      Contudo, resta por esclarecer se os Estados‑Membros dispõem de margem de manobra que lhes permita excluir de entre os trabalhadores assalariados, cidadãos de Estados terceiros, os que se encontrem em situação irregular.

2.      Aplicabilidade da Diretiva 80/987 aos cidadãos de Estados terceiros em situação irregular

56.      De acordo com o Governo neerlandês, a falta de definição do conceito de trabalhador assalariado na Diretiva 80/987 permite que o direito nacional defina o seu conteúdo e exclua, sendo caso disso, os cidadãos de Estados terceiros em situação irregular.

57.      Este argumento não pode ser acolhido.

58.      É verdade que a remissão para o direito nacional operada pelo artigo 2.°, n.° 2, da Diretiva 80/987 deixa uma margem de apreciação aos Estados‑Membros para estabelecerem o âmbito de aplicação ratione personae desta diretiva. Na falta de instauração de um nível de proteção uniforme para toda a União em função de critérios comuns, é efetivamente ao direito nacional que cabe definir as categorias de trabalhadores assalariados aos quais a referida diretiva é aplicável (23).

59.      Todavia, importa sublinhar que essa margem de apreciação não pode ter como efeito pôr em causa, nem a economia geral, nem o efeito útil da Diretiva 80/987 e deve ser exercida no respeito do direito da União e, designadamente, dos princípios fundamentais que consagrou, entre os quais figura o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação (24).

60.      Ora, uma disposição nacional como a que está em causa no processo principal, que subordina o direito de um trabalhador assalariado de receber uma prestação em caso de insolvência, a uma condição de regularidade da residência, tem como efeito, ao mesmo tempo, prejudicar a economia geral da Diretiva 80/987 e o seu efeito útil e ignorar o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação.

61.      Em primeiro lugar, tal disposição prejudica a economia geral da Diretiva 80/987 e o seu efeito útil.

62.      Como resulta de uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a obrigação de assegurar a «todos» (25) os trabalhadores assalariados um mínimo de proteção constitui o princípio e este princípio está sujeito a exceções que devem ser interpretadas e aplicadas estritamente, devido ao seu carácter derrogatório e ao objetivo da Diretiva 80/987 (26).

63.      Estas exceções que estão especificamente enumeradas nos artigos 1.°, n.° 2, 2.°, n.° 2, 4.° e 10.° da Diretiva 80/987, permitem aos Estados‑Membros excluir, a título excecional, do seu âmbito de aplicação determinadas categorias de trabalhadores assalariados, por haver outras formas de garantia que lhes asseguram uma proteção equivalente (27) e limitar, em determinadas circunstâncias, a proteção que a referida diretiva procura assegurar aos trabalhadores assalariados. Nenhuma delas prevê a possibilidade de os Estados‑Membros limitarem ou, a fortiori, suprimirem a garantia, devido à irregularidade da situação do trabalhador assalariado, ao abrigo das normas relativas à entrada e à permanência.

64.      Saliente‑se ainda que, em conformidade com o artigo 2.°, n.° 2, da Diretiva 80/987, mesmo quando os Estados‑Membros definem, ao abrigo do artigo 2.°, n.° 1, desta diretiva, a expressão «trabalhador assalariado», não podem excluir nem os trabalhadores a tempo parcial, na aceção da Diretiva 97/81/CE (28), nem os trabalhadores que tenham um contrato a termo, na aceção da Diretiva 1999/70/CE (29), nem ainda os trabalhadores que tenham uma relação de trabalho temporário, na aceção da Diretiva 91/383/CEE (30).

65.      Na realidade, a remissão para o direito nacional para definir o conceito de trabalhador assalariado não decorre da vontade de deixar aos Estados‑Membros a possibilidade de restringir, como entenderem, o âmbito de aplicação da Diretiva 80/987 (31), antes se explica, essencialmente, pela dificuldade de elaborar uma definição uniforme de um conceito que deve ter em conta a diversidade das formas de emprego e das relações de trabalho, a qual contribuiu para tornar mais esbatida a distinção tradicional entre o trabalho assalariado e o trabalho independente, bem como a variedade de objetivos prosseguidos pelas diferentes regulamentações (32).

66.      Apesar da margem de manobra deixada aos Estados‑Membros, resulta claramente da Diretiva 80/987 que todas as pessoas que correspondem à qualificação de «trabalhadores assalariados», segundo o direito nacional, podem beneficiar da garantia, salvo se uma outra forma de garantia lhes assegurar uma proteção equivalente.

67.      Ora, resulta dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, os quais não foram contestados sobre esta questão pelo Governo neerlandês, que os cidadãos de Estados terceiros são considerados como trabalhadores assalariados em direito civil neerlandês, qualidade esta que só lhes é negada para efeitos de os excluir do benefício da garantia contra a insolvência.

68.      A exclusão do âmbito de aplicação da Diretiva 80/987 de pessoas que cumprem a qualificação de «trabalhador assalariado» em direito comum nacional, parece‑nos ser contrário ao efeito útil desta diretiva e comprometer a sua eficácia. Em nossa opinião, embora a referida diretiva deixe aos Estados‑Membros a possibilidade de definir o conceito de trabalhador assalariado, impõe‑lhes, contudo, que façam coincidir a definição em vigor no respetivo direito do trabalho nacional com a utilizada para determinar o âmbito de aplicação das medidas de transposição da mesma diretiva, para que qualquer trabalhador assalariado, na aceção do direito do trabalho nacional, possa beneficiar da garantia dos créditos salariais. Por outras palavras, a definição de trabalhador assalariado não pode ser de geometria variável, consoante se trate das relações do trabalhador com o empregador ou das suas relações com o fundo de garantia.

69.      Em segundo lugar, o facto de subordinar o direito à garantia dos créditos salariais, à regularidade da residência do trabalhador assalariado cidadão de um Estado terceiro, não nos parece conforme com o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação.

70.      Este é um princípio geral do direito da União consagrado, nomeadamente, nos artigos 20.° e 21.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, cujas disposições têm como destinatários, tanto as instituições, os órgãos e os organismos da União, como os Estados‑Membros quando aplicam o direito da União, como decorre, em especial, do artigo 51.°, n.° 1, da Carta (33).

71.      Ora, quando, no âmbito da remissão para o direito nacional operada pelo artigo 2.°, n.° 2, da Diretiva 80/987, um Estado‑Membro define as categorias de trabalhadores assalariados a que esta diretiva é aplicável, implementa o direito da União e, por conseguinte, deve respeitar o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação.

72.      Segundo jurisprudência constante, este princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (34).

73.      O Tribunal de Justiça esclareceu que os elementos que caraterizam as diferentes situações e, portanto, o seu caráter comparável, devem ser determinados e apreciados à luz do objeto e da finalidade do ato do direito da União que institui a distinção em causa. Além disso, devem ser tidos em consideração os princípios e objetivos do domínio do qual releva o ato em questão (35).

74.      Segundo o Tribunal de Justiça, a abordagem deve ser a mesma, mutatis mutandis, no âmbito de uma análise da conformidade, à luz do princípio da igualdade de tratamento, de medidas nacionais que aplicam o direito da União (36).

75.      Ora, como já tínhamos sublinhado anteriormente, resulta das informações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, de acordo com o direito civil neerlandês, os cidadãos de Estados terceiros em situação de residência irregular têm a qualidade de trabalhador assalariado e podem pedir o pagamento de uma remuneração com base no seu contrato de trabalho. Todavia, em caso de insolvência do empregador, o artigo 3.°, n.° 3, da WW reserva‑lhes um tratamento diferente, na medida em que os exclui do direito à garantia dos seus créditos em dívida.

76.      Tal diferença de tratamento não está objetivamente justificada.

77.      Para justificar a referida diferença de tratamento, o UWV e o Governo neerlandês invocam duas séries de considerações.

78.      Em primeiro lugar, admitir‑se que a Diretiva 80/987 visa os cidadãos de Estados terceiros em situação de residência irregular, esvaziaria de sentido as diretivas que reconhecem, sob certas condições, uma igualdade de tratamento em proveito dos cidadãos de Estados terceiros, sob reserva, todavia, da regularidade da sua residência (37).

79.      Esta objeção não nos convence.

80.      Considerar que é contrário ao princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação que, à luz dos objetivos da Diretiva 80/987, os trabalhadores assalariados, em situação de residência irregular, não possam beneficiar da garantia dos seus créditos salariais, em caso de insolvência do seu empregador, não significa que esses cidadãos sejam sempre colocados em situações comparáveis às dos cidadãos da União ou dos cidadãos de Estados terceiros em situação regular e que não poderá nunca ser‑lhes aplicada alguma diferença de tratamento. A solução que preconizamos, limitada à questão da garantia dos créditos salariais em caso de insolvência do empregador e relacionada com a qualidade de trabalhador assalariado do estrangeiro, mesmo em situação irregular, não põe em causa, de maneira geral, a condição da regularidade da residência.

81.      Em segundo lugar, o reconhecimento do direito à garantia em caso de insolvência, a favor dos cidadãos de Estados terceiros em situação de residência irregular, é contrário à política instituída para combater a imigração ilegal. A este propósito, o UWV e o Governo neerlandês observam que a legislação neerlandesa obedece a uma lógica de «acoplamento» que consiste em estabelecer um vínculo entre o direito às prestações de segurança social e a regularidade da residência nos Países Baixos. Embora um empregador que não cumpre as suas obrigações de controlo e emprega um trabalhador ilegal, não possa eximir‑se ao pagamento do trabalho efetuado, não decorre consequentemente daí, por essa razão, o direito a uma proteção social, no caso de este empregador ser declarado insolvente.

82.      Esta objeção também não resiste a uma análise.

83.      Em primeiro lugar, embora a Diretiva 80/987 autorize os Estados‑Membros a adotar as medidas necessárias para evitar abusos, esta faculdade está estritamente enquadrada e não pode fundamentar uma derrogação genérica ao princípio da garantia dos créditos salariais. Com efeito, o Tribunal de Justiça esclareceu, por um lado, que os abusos a que se refere o artigo 10.°, alínea a), da Diretiva 80/987 são as práticas abusivas que implicam um prejuízo em detrimento das instituições de garantia, criando artificialmente um crédito salarial e fazendo, assim, funcionar ilegalmente a obrigação de pagamento a cargo destas instituições e, por outro, que as medidas que os Estados‑Membros estão autorizados a tomar em conformidade com aquela disposição são as necessárias a fim de evitar tais práticas (38).

84.      Em segundo lugar, a objeção suscitada pelo UWV e pelo Governo neerlandês não nos parece em conformidade com os objetivos do direito da União em matéria de luta contra a imigração clandestina. Com efeito, é forçoso constatar que a Diretiva 2009/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2009, que estabelece normas mínimas sobre sanções e medidas contra os empregadores de nacionais de países terceiros em situação irregular (39), autoriza expressamente os Estados‑Membros a não aplicar a proibição de emprego de nacionais de países terceiros em situação irregular, àqueles cujo afastamento tenha sido protelado e que estejam autorizados a trabalhar de acordo com o direito nacional (40).

85.      Além disso, a referida diretiva prevê que, em caso de violação da proibição de emprego, os Estados‑Membros assegurem que o empregador seja responsável pelo pagamento das remunerações em dívida, designadamente, a totalidade do salário em dívida, inclusive as despesas decorrentes do envio dos pagamentos em atraso para o Estado de origem do empregado e as contribuições para a segurança social (41).

86.      Por conseguinte, os Estados‑Membros encontram‑se perante a alternativa seguinte.

87.      Ou admitem que os cidadãos de Estados terceiros, embora em situação de residência irregular, podem trabalhar legalmente. Nesta hipótese, não há nada que justifique que recusem reconhecer a esses estrangeiros as garantias decorrentes do reconhecimento da qualidade de trabalhador assalariado e, nomeadamente, a prevista pela Diretiva 80/987 em caso de insolvência do empregador.

88.      Ou proíbem o emprego de cidadãos de Estados terceiros em situação de residência irregular. Nesta hipótese, o empregador continua responsável pelo pagamento das remunerações em dívida. Ora, os créditos salariais têm, pela sua própria natureza, uma grande importância para os interessados e têm também a particularidade de constituir a contrapartida de um trabalho efetuado, do qual o empregador beneficiou.

89.      A este propósito, os cidadãos de Estados terceiros em situação de residência irregular, que trabalharam e pagaram contribuições sociais, parece‑nos encontrarem‑se numa situação comparável à dos outros trabalhadores assalariados, pelo que entendemos que, apesar dos termos restritivos do considerando 14 da Diretiva 2009/52 (42), não há nada que justifique uma diferença de tratamento em relação à garantia devida em caso de insolvência do empregador.

90.      A única exceção que podia justificar uma solução diferente e privar o cidadão de um Estado terceiro do seu direito à garantia é aquela em que ele tivesse agido fraudulentamente, designadamente, ao fornecer ao empregador um título de residência falso.

91.      Tal não é o caso de O. Tümer. Ainda que permanecendo irregularmente em território neerlandês, O. Tümer trabalhou aí e foi declarado pelo seu empregador que pagou, por sua conta, as cotizações ao abrigo da WW, em 2007. Na medida em que solicitou, por várias vezes, a emissão de um título de residência, O. Tümer era, além disso, perfeitamente conhecido das autoridades nacionais, ainda que, retomando a expressão utilizada pelo Governo neerlandês na audiência (43), por vezes «saísse do campo de visão» dessas autoridades.

92.      Nessas condições O. Tümer tinha direito a uma prestação em caso de insolvência. Recusar‑lhe essa prestação equivale, em definitivo, a puni‑lo por erros cometidos tanto pelo empregador, como pela administração que tolerou, durante vários anos, uma situação não conforme com a regulamentação, privando‑o de um crédito que tem uma natureza alimentar e que não é mais do que a contrapartida do trabalho que efetuou.

93.      Por conseguinte, somos levados a concluir que tanto a Diretiva 80/987 como o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação se opõem à legislação em causa.

IV – Conclusão

94.      Tendo em conta as conclusões antecedentes, propomos ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial suscitada pelo Centrale Raad van Beroep, como se segue:

A Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, conforme alterada pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, bem como o princípio geral de igualdade de tratamento e de não discriminação, atentos os objetivos da referida diretiva, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que subordina o direito de um cidadão de um Estado terceiro de receber uma prestação em caso de insolvência a uma condição de regularidade de residência, mesmo reconhecendo‑lhe a qualidade de trabalhador assalariado em conformidade com o direito civil.


1 —      Língua original: francês.


2 —      A seguir «UWV».


3 —      JO L 283, p. 23.


4 —      JO L 270, p. 10, a seguir «Diretiva 80/987».


5 —      JO L 283, p. 36.


6 —      A seguir «WW».


7 —      Stb. 2000, n.° 495.


8 —      JO 1994, L 1, p. 3..


9 —      A seguir «Decisão n.° 1/80».


10 —      Este acordo foi assinado em 12 de setembro de 1963, em Ancara, pela República da Turquia, por um lado e pelos Estados‑Membros da CEE e a Comunidade, por outro, e concluído, aprovado e confirmado, em nome desta última, pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685).


11 —      V. acórdão Betriu Montull (C‑5/12, EU:C:2013:571, n.° 40).


12 —      Idem (n.° 41).


13 —      Nomeadamente, entre 31 de março de 1995, data em que O. Tümer deixou de beneficiar de uma autorização de residência por tempo determinado, e 25 de abril de 2007, data a partir da qual deixou de ser titular de um título de residência.


14 —      V. acórdãos Derudder (C‑290/01, EU:C:2004:120, n.os 37 e 38) e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (C‑157/10, EU:C:2011:813, n.os 17 a 21).


15 —      O Governo neerlandês refere‑se ao artigo 137.° CE, que, na realidade, constitui a base jurídica da Diretiva 2002/74.


16 —      Como a Comissão tinha recordado na sua proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que alterava a Diretiva 80/987/CEE do Conselho relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador [COM(2000) 832 final], o recurso ao artigo 100.° do Tratado CE, enquanto base jurídica da Diretiva 80/987, na sua versão inicial, explicava‑se pela inexistência, nessa altura, de base jurídica especifica para a adoção de medidas em matéria social (n.° 6).


17 —      Durante a discussão da proposta da Comissão pelo grupo «Questões Sociais» do Conselho, em 19 de março de 2001, a delegação britânica expressou, aliás, dúvidas sobre a base jurídica do texto, tendo solicitado um parecer ao serviço jurídico do Conselho.


18 —      Para uma visão de conjunto, v. Dubos, O., «Qual o estatuto pessoal para os cidadãos de Estados terceiros?», Revista dos assuntos europeus, 2003‑2004/1, p. 83; Guild, E., e Peers, S., «Out of the Ghetto? The Personal Scope of EU Law», EU Immigration and Asylum Law: Text and Commentary, 1.ª ed., Martinus Nijhoff Publishers, Leiden, p. 81; Martin, D., «A proteção dos cidadãos de países terceiros pelo ordenamento jurídico comunitário», A União Europeia e os direitos fundamentais, Bruylant, Bruxelas, 1999, p. 173, e Mavridis, P., «União Europeia: um prémio Nobel de proteção social dos cidadãos de países terceiros?», Revista de direito do trabalho, n.° 12, 2012, p. 719, e n.° 1, 2013, p. 57.


19 —      V., neste sentido, artigo 45.°, n.° 2, TFUE. V., também, em matéria de acesso ao emprego, artigo 1.° do Regulamento (UE) n.° 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União (JO L 141, p. 1), que só reconhece o livre acesso ao emprego aos cidadãos dos Estados‑Membros.


20 —      Uma parte da doutrina milita a favor do reconhecimento de uma presunção genérica de inclusão dos cidadãos de Estados terceiros no âmbito de aplicação do direito da União, salvo disposição expressa em contrário. V., neste sentido, Guild, E., e Peers, S., «Out of the Ghetto? The Personal Scope of EU Law», EU Immigration and Asylum Law: Text and Commentary, op. cit. Estes autores alegam que, «[i]f Member States were free to exempt third‑country nationals from EC social legislation, a significant section of the workforce would have limited prospects of ‘improved living and working conditions’ and there would be little progress towards ‘combating of exclusion’ — rather the reverse» (p. 95). V., também, Martin, D., «A proteção dos cidadãos de países terceiros pelo ordenamento jurídico comunitário», A União Europeia e os direitos fundamentais, op. cit., que considera que «tanto o Tratado como o direito derivado são aplicáveis aos cidadãos de países terceiros, salvo se o contrário estiver expressamente previsto» (p. 173).


21 —      O artigo 136.°, primeiro parágrafo, CE, que define os objetivos para cuja realização o Conselho pode adotar, nas matérias visadas no artigo 137.°, n.° 1, CE, prescrições mínimas mediante diretivas, remete para a Carta Social Europeia, assinada em Turim, em 18 de outubro de 1961 e revista em Estrasburgo, em 3 de maio de 1996, e para a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, adotada na reunião do Conselho Europeu de Estrasburgo, de 9 de dezembro de 1989. Todavia, não nos parece que seja possível considerar que esta remissão, que permanece bastante vaga e que pretende destacar o compromisso dos Estados‑Membros para com a proteção dos direitos sociais fundamentais, tenha a função de determinar o âmbito da política social da União, por referência ao alcance ratione personae das duas Cartas. V., neste sentido, Guild, E., e Peers, S., «Out of the Ghetto? The Personal Scope of EU Law», EU Immigration and Asylum Law: Text and Commentary, op. cit. (p. 94 e 95).


22 —      V. acórdãos Andersson (C‑30/10, EU:C:2011:66, n.° 25 e jurisprudência referida) e van Ardennen (C‑435/10, EU:C:2011:751, n.° 27 e jurisprudência referida).


23 —      V., por analogia, para a definição do termo «remuneração», acórdão Visciano (C‑69/08, EU:C:2009:468, n.° 28 e jurisprudência referida).


24 —      V., quanto à sujeição da faculdade reconhecida, pela Diretiva 80/987, ao direito nacional, de precisar as prestações a cargo da instituição de garantia às exigências decorrentes do princípio da igualdade e da não discriminação, acórdão Robledillo Núñez (C‑498/06, EU:C:2008:109, n.° 30 e jurisprudência referida).


25 —      V. acórdãos Andersson (EU:C:2011:66, n.° 25 e jurisprudência referida) e van Ardennen (EU:C:2011:751, n.° 27 e jurisprudência referida).


26 —      V., neste sentido, acórdão van Ardennen (EU:C:2011:751, n.° 34).


27 —      As exclusões relacionadas com a natureza especial do contrato de trabalho ou da relação de trabalho dos trabalhadores assalariados, que constam da Diretiva 80/987, na sua versão original, foram suprimidas pela Diretiva 2002/74.


28 —      Diretiva do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, respeitante ao acordo‑quadro relativo ao trabalho a tempo parcial celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES (JO 1998, L 14, p. 9).


29 —      Diretiva do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO L 175, p. 43).


30 —      Diretiva do Conselho, de 25 de junho de 1991, que completa a aplicação de medidas tendentes a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores que têm uma relação de trabalho a termo ou uma relação de trabalho temporário (JO L 206, p. 19).


31 —      Acresce que a Comissão expôs, na sua proposta de diretiva mencionada na nota de pé de página 13, que uma restrição do âmbito de aplicação da proteção conferida pela Diretiva 80/987, que resulte de uma definição demasiado restritiva do conceito de trabalhador assalariado por um Estado‑Membro, «parece indesejável e, no caso de algumas categorias de trabalhadores, dificilmente conciliável com os objetivos da política social comunitária que procura encontrar um equilíbrio entre a flexibilidade do mercado do trabalho e a segurança dos trabalhadores» (n.° 4.1.2).


32 —      V., neste sentido, Barnard, C., EU Employment Law, 4e ed., Oxford University Press, 2012, p. 144. V., também, sobre a definição de trabalhador assalariado em direito da União, Coursier, P., «O conceito de trabalhador assalariado em direito social comunitário», Direito social n.° 3, 2003, p. 305.


33 —      V., nomeadamente, acórdão IBV & Cie (C‑195/12, EU:C:2013:598, n.° 48).


34 —      Idem (n.° 50 e jurisprudência referida).


35 —      Idem (n.° 52 e jurisprudência referida).


36 —      Idem (n.° 53).


37 —      V. Diretiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (JO L 180 p. 22); Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO L 303, p. 16), e Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44).


38 —      V. acórdão Walcher (C‑201/01, EU:C:2003:450, n.os 39 e 40).


39 —      JO L 168, p. 24. Embora a Diretiva 2009/52 não seja aplicável ratione temporis, tendo em conta a data dos factos do processo principal, permite, todavia, compreender os objetivos e a lógica da política da União, em matéria do combate ao emprego ilegal.


40 —      Artigo 3.°, n.° 3, daquela diretiva.


41 —      Artigo 6.°, n.° 1, da mesma diretiva.


42 —      Nos termos do último período deste considerando, caso os pagamentos em atraso não sejam efetuados pelo empregador, os Estados‑Membros não deverão ser obrigados a cumprir essa obrigação em nome do empregador.


43 —      Este Governo explicou, em especial, que o empregador de O. Tümer não tinha pedido a emissão de uma autorização de emprego para este, durante o período de análise do seu pedido de título de residência, quando tal autorização lhe teria conferido o direito de trabalhar legalmente durante esse período.