Language of document : ECLI:EU:C:2016:485

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 29 de junho de 2016 (1)

Processo C‑429/15

Evelyn Danqua

contra

The Minister for Justice and Equality,

Ireland,

Attorney General

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda)]

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Diretiva 2004/83/CE — Normas mínimas relativas às condições de concessão do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária — Diretiva 2005/85/CE — Normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros — Regra processual nacional que limita a quinze dias úteis o prazo de apresentação de um pedido de proteção subsidiária após a recusa do pedido de concessão do estatuto de refugiado — Admissibilidade — Autonomia processual dos Estados‑Membros — Princípios da equivalência e da efetividade»





1.        O presente pedido de decisão prejudicial inscreve‑se no âmbito de um litígio que opõe Evelyn Danqua, uma cidadã ganesa, ao Minister for Justice and Equality (Ministro da Justiça e da Igualdade) (2), à Irlanda e ao Attorney General, a respeito da legalidade do procedimento seguido pelas autoridades irlandesas para efeitos de instrução do seu pedido de proteção subsidiária.

2.        A proteção subsidiária é uma proteção internacional que, nos termos do artigo 2.°, alínea e), da Diretiva 2004/83/CE (3), se destina aos nacionais de um país terceiro que não possam ser considerados refugiados, mas em relação aos quais há motivos significativos para acreditar que, se regressassem para o seu país de origem, correriam um risco real de sofrer ofensa grave. No âmbito do sistema europeu comum de asilo, a proteção subsidiária completa as regras relativas ao estatuto de refugiado estabelecidas pela Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 28 de julho de 1951 (4).

3.        O presente processo oferece ao Tribunal de Justiça a oportunidade de se pronunciar, uma vez mais, sobre as modalidades processuais aplicáveis aos pedidos de proteção subsidiária apresentados na Irlanda com fundamento na Diretiva 2004/83.Nos seus acórdãos de 22 de novembro de 2012, M. (C‑277/11, EU:C:2012:744) (5), de 31 de janeiro de 2013, D. e A. (C‑175/11, EU:C:2013:45) (6), e de 8 de maio de 2014, N. (C‑604/12, EU:C:2014:302) (7), o Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre as múltiplas facetas desse procedimento à luz dos princípios fundamentais do direito da União como o direito de ser ouvido, o direito de beneficiar de uma ação judicial efetiva ou ainda o direito de beneficiar de uma boa administração. A multiplicidade desses reenvios prejudiciais explica‑se pelas particularidades que, ainda recentemente, caracterizavam o procedimento de concessão de uma proteção internacional na Irlanda (8). Com efeito, enquanto a maioria dos Estados‑Membros adotou um procedimento único durante o qual analisam o pedido de asilo apresentado pelo interessado à luz das duas formas de proteção internacional, a Irlanda instituiu, no início, dois procedimentos distintos para efeitos da análise, respetivamente, do pedido de asilo e do pedido de proteção subsidiária, só podendo o segundo ser apresentado na sequência do indeferimento do primeiro.

4.        Assim, em aplicação do artigo 4.°, n.° 1, das European Communities (Eligibility for Protection) Regulations 2006 [Regulamento de 2006 relativo às Comunidades Europeias (condições que permitem beneficiar de uma proteção)] (9), a carta pela qual o Ministro notifica, na sequência do indeferimento do pedido de asilo do interessado, a sua intenção de proferir um despacho de condução à fronteira (10) deve ser acompanhada de um aviso que informe este último de que pode pedir, no prazo de quinze dias úteis a contar dessa notificação, o benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária e uma autorização temporária de permanência no território («application for leave to remain»).

5.        Foi ao abrigo dessa disposição que o pedido de proteção subsidiária de E. Danqua foi indeferido e, por conseguinte, é a compatibilidade desta regra processual nacional, que exige que o pedido do benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária seja apresentado no prazo de 15 dias úteis a contar da notificação do indeferimento do pedido do benefício do estatuto de refugiado, que é no caso em apreço debatida pelas partes, tendo em conta tanto o princípio da equivalência como o princípio da efetividade consagrados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

6.        Nas presentes conclusões, numa primeira parte, exporemos as razões pelas quais uma aplicação do princípio da equivalência não é, na nossa opinião, pertinente numa situação como a que está em causa no processo principal, que se refere a dois tipos de pedidos baseados, tanto um como o outro, no direito da União e cujo objeto e critérios constitutivos são distintos.

7.        Numa segunda parte, analisaremos a regra processual nacional em causa no processo principal à luz do princípio da efetividade. Embora a Court of appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda) não tenha questionado expressamente o Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade da disposição nacional em causa à luz deste princípio, explicaremos porque é que este exame se impõe a título da cooperação que deve prevalecer, no quadro do processo de reenvio prejudicial, entre o órgão jurisdicional nacional e o Tribunal de Justiça. Em seguida, exporemos as razões pelas quais essa regra processual não é, na nossa opinião, suscetível de garantir um acesso efetivo das pessoas que requerem uma proteção subsidiária aos direitos que lhe são conferidos pela Diretiva 2004/83.

8.        Consequentemente, convidaremos o juiz nacional competente a apreciar se o prazo em que o pedido do benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária foi introduzido é razoável tendo em conta todas as circunstâncias humanas e materiais que rodeiam o exame do pedido de proteção internacional. Para o efeito, referiremos que este deveria, no nosso entendimento, examinar se o interessado foi colocado numa situação que lhe permita exercer efetivamente os seus direitos, tomando nomeadamente em consideração as condições em que este último foi assistido no cumprimento das suas diligências, bem como as condições em que o indeferimento do pedido do benefício do estatuto de refugiado lhe foi notificado.

I –    Factos, tramitação do processo nacional e questões prejudiciais

9.        E. Danqua apresentou, em 13 de abril de 2010, um pedido de asilo no Office of the Refugee Applications Commissionner (Serviço do Comissário responsável pelos pedidos de asilo). Alegou que corria o risco de ser submetida, em caso de regresso ao seu país de origem, à prática trokosi, uma forma de escravidão ritual que atinge as mulheres.

10.      No seu relatório de 16 de junho de 2010, este serviço formulou uma recomendação negativa quanto ao pedido da interessada por causa das dúvidas que impendiam dobre a credibilidade das suas alegações. Esta recomendação foi confirmada em sede de recurso pelo Refugee Appeals Tribunal (Tribunal de Recurso para os Refugiados), por decisão de 13 de janeiro de 2011.

11.      Em 9 de fevereiro de 2011, o Ministro notificou E. Danqua, por um lado, do indeferimento do seu pedido de asilo, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento de 2006 e, por outro, da sua intenção de ordenar a sua condução à fronteira, em conformidade com o artigo 3.° da Lei de 1999 relativa à imigração. Essa notificação era acompanhada de um aviso que informava a interessada da possibilidade de apresentar, no prazo de quinze dias úteis a contar da referida notificação, um pedido de proteção subsidiária.

12.      Após o indeferimento do seu pedido de asilo, o Refugee Legal Service (Serviço Jurídico para os Refugiados, a seguir «RLS») informou a interessada de que não a representaria no âmbito das suas diligências com vista a obter a proteção subsidiária. No entanto, esse serviço apresentou em nome desta um pedido de autorização de residência por razões humanitárias.

13.      Resulta da decisão de reenvio que este pedido foi indeferido em 23 de setembro de 2013 e o Ministro proferiu um despacho de condução à fronteira contra E. Danqua.

14.      Em seguida, esta assegurou os serviços de um advogado a título privado, o qual apresentou um pedido com vista ao benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária em 8 de outubro de 2013. Por correspondência de 5 de novembro de 2013, o Ministro informou a interessada de que o seu pedido não podia ser aceite pelo facto de não ter sido apresentado no prazo de quinze dias úteis, conforme referido na notificação de 9 de fevereiro de 2011.

15.      A interessada impugnou então essa decisão na High Court (Alto Tribunal, Irlanda), invocando, nomeadamente, uma violação do princípio da equivalência, uma vez que não estava previsto um prazo semelhante no âmbito da apresentação de um pedido de asilo.

16.      Por acórdão de 16 de outubro de 2014, a High Court (Alto Tribunal) negou provimento ao recurso da interessada, declarando que o princípio da equivalência não era aplicável no caso em apreço na medida em que tendia a comparar duas regras processuais baseadas no direito da União. E. Danqua interpôs então recurso desse acórdão na Court of appeal (Tribunal de Recurso).

17.      A Court of appeal (Tribunal de Recurso), interrogando‑se quanto à pertinência do princípio da equivalência no presente processo, considera que um pedido de asilo pode constituir um parâmetro de comparação adequado com vista a assegurar o respeito deste princípio.

18.      A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio adianta que, embora a maioria dos pedidos de asilo seja tratado de acordo com o regime implementado pela Diretiva 2004/83, os Estados‑Membros podem sempre, pelo menos em teoria, conceder o asilo em conformidade com o respetivo direito nacional. Nessa medida, os pedidos de asilo podem enquadrar‑se, em parte, no direito da União e, em parte, no direito nacional.

19.      Relativamente à imposição de um prazo como o que está em causa no processo principal para a apresentação de um pedido de proteção subsidiária, o órgão jurisdicional de reenvio considera que esse prazo é justificado por considerações objetivas, que têm em conta particularidades do regime irlandês caracterizado, à época dos factos do litígio no processo principal, por dois procedimentos distintos e sucessivos. Essa imposição permitia, em especial, assegurar que os pedidos de proteção internacional fossem tratados num prazo razoável.

20.      Foi neste contexto que a Court of appeal (Tribunal de Recurso) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)      Para efeitos do princípio da equivalência, pode considerar‑se que um pedido de asilo, regulado pela legislação nacional que reflete as obrigações dos Estados‑Membros nos termos da Diretiva 2004/83[...], é um parâmetro de comparação adequado com um pedido de proteção subsidiária?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, é relevante para este efeito que o prazo fixado para a apresentação dos pedidos de proteção subsidiária sirva o propósito importante de assegurar que os pedidos de proteção internacional sejam tratados dentro de um prazo razoável?»

II – Observações preliminares relativas à admissibilidade do reenvio prejudicial

21.      A decisão de reenvio não contém uma exposição do quadro jurídico nacional aplicável ao presente processo, o que pode suscitar uma questão relativa à admissibilidade do presente pedido de decisão prejudicial.

22.      Segundo jurisprudência constante, o artigo 267.° TFUE institui um processo de cooperação estreita e direta entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução do litígio que lhes cabe decidir (11).

23.       No âmbito deste diálogo de juiz para juiz e no respeito mútuo das suas competências respetivas, cada um assume responsabilidades próprias. Embora o Tribunal de Justiça deva fazer tudo para ajudar o órgão jurisdicional de reenvio a interpretar e a aplicar o direito da União corretamente (12), o órgão jurisdicional de reenvio deve por seu turno, atender à função própria que o Tribunal de Justiça cumpre na matéria e esforçar‑se assim por lhe fornecer todas as informações e todos os elementos de prova para que possa exercer a sua função em conformidade com o objetivo previsto no artigo 267.° TFUE.

24.      Para o efeito, a exposição do quadro factual e jurídico do processo principal é um elemento constitutivo, se não essencial do pedido de decisão prejudicial e a sua inexistência é suscetível de constituir um motivo de inadmissibilidade manifesta do pedido de decisão prejudicial (13).

25.      Quanto ao contexto factual e jurídico do processo, o Tribunal de Justiça exige ainda que o órgão jurisdicional de reenvio exponha, pelo menos sumariamente, os factos pertinentes e mencione o teor das disposições nacionais suscetíveis de se aplicar e, se for caso disso, a jurisprudência nacional pertinente (14).

26.      Há que constatar que o presente pedido de decisão prejudicial não contém uma exposição do quadro jurídico nacional e que, por outro lado, a Court of appeal (Tribunal de Recurso) se absteve de mencionar expressamente as referências da disposição nacional em causa.

27.      Dito isto, não pensamos, tendo em conta o contexto em que se inscreve o presente reenvio prejudicial e o seu objeto, que esta lacuna possa justificar a declaração da inadmissibilidade do pedido.

28.      Primeiro, os motivos da decisão de reenvio permitem compreender o teor da disposição nacional.

29.      Segundo, o Tribunal de Justiça declarou que «as exigências [relativas ao conteúdo de um pedido de decisão prejudicial] podem ser mais facilmente satisfeitas quando [esse] pedido […] se inscreve num contexto já amplamente conhecido em razão de reenvio prejudicial anterior» (15).

30.      Ora, como já referimos, o Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre as múltiplas facetas do processo de concessão da proteção subsidiária na Irlanda nos seus acórdãos de 22 de novembro de 2012, M. (C‑277/11, EU:C:2012:744), de 31 de janeiro de 2013, D. e A. (C‑175/11, EU:C:2013:45), e de 8 de maio de 2014, N. (C‑604/12, EU:C:2014:302), e pronunciar‑se‑á proximamente no âmbito do processo M (C‑560/14), atualmente pendente neste Tribunal. O presente pedido de decisão prejudicial é, por conseguinte, o quinto reenvio apresentado por um órgão jurisdicional irlandês a respeito das modalidades processuais aplicáveis aos pedidos de proteção subsidiária apresentados antes das reformas realizadas em 2013 e 2015 (16).

31.      Como resulta dos acórdãos anteriormente proferidos pelo Tribunal de Justiça, o quadro jurídico aplicável, na Irlanda, a um pedido de proteção subsidiária é, portanto, conhecido, estando, aliás, a disposição nacional em causa expressamente referida no n.° 15 do acórdão de 8 de maio de 2014, N. (C‑604/12, EU:C:2014:302).

32.      Terceiro, sabemos que o Tribunal de Justiça é mais exigente quando o pedido de decisão prejudicial se inscreve no âmbito de litígios caracterizados por situações de facto e de direito complexas, como litígios em matéria de concorrência ou de contratos públicos (17).

33.      Ora, no presente processo, embora o procedimento de concessão de proteção internacional se caracterize, neste caso, por uma multiplicidade de etapas processuais, a questão de direito dirigida ao Tribunal de Justiça é simples, uma vez que se apresenta sob um ângulo muito preciso, respeitando a interpretação solicitada a uma disposição cujo objeto é a fixação de um prazo.

34.      Quarto, constatamos que as informações contidas no pedido de decisão prejudicial permitiram às partes no processo principal e à Comissão Europeia apresentarem as suas observações.

35.      Por conseguinte, atendendo a estes elementos, estamos convencidos de que o Tribunal de Justiça dispõe de todas as informações para poder exercer a sua função em conformidade com o objetivo previsto no artigo 267.° TFUE, e isso apesar das lacunas da decisão de reenvio.

III – A nossa análise

36.      O direito da União não estabelece regras precisas que determinem as modalidades do pedido de proteção subsidiária, e em especial o prazo no qual esse pedido deve ser apresentado à autoridade nacional competente.

37.      Com efeito, a Diretiva 2004/83 não pretende, pelo seu conteúdo e pela sua finalidade, estabelecer as regras processuais aplicáveis à análise de um pedido de proteção internacional nem, portanto, determinar as garantias processuais que devem ser concedidas ao requerente de asilo, a este título (18). Esta diretiva tem por único objetivo fixar, por um lado, critérios comuns a todos os Estados‑Membros, no que se refere aos requisitos materiais que devem ser preenchidos pelos nacionais de países terceiros para poderem beneficiar de uma proteção internacional (19) e, por outro, o conteúdo material dessa proteção (20). É neste contexto que a Diretiva 2004/83 determina, no seu artigo 2.°, alíneas c) e e), quais as pessoas que podem beneficiar do estatuto de refugiado e do estatuto conferido pela proteção subsidiária, bem como, no seu capítulo VII, os direitos inerentes a cada um destes estatutos.

38.      As regras processuais relativas à análise de um pedido de proteção internacional são, por sua vez, fixadas pela Diretiva 2005/85/CE (21). De acordo com o seu artigo 1.°, esta diretiva tem por objetivo definir normas mínimas comuns a todos os Estados‑Membros no que respeita ao procedimento de concessão e de retirada do estatuto de refugiado e estabelece, nos seus capítulos II e III, os direitos e as obrigações processuais que se impõem ao requerente e ao Estado‑Membro relativamente à avaliação de um pedido de proteção internacional.

39.      Ora, por força do artigo 3.° desta diretiva, a mesma só é aplicável quando o Estado‑Membro analisa um pedido para obtenção do estatuto de refugiado ou quando esse Estado tiver estabelecido um procedimento único no âmbito do qual analisa um pedido à luz das duas formas de proteção internacional, a saber, a relativa ao estatuto de refugiado e a respeitante à proteção subsidiária.

40.      Por conseguinte, a Diretiva 2005/85 confere aos Estados‑Membros a liberdade de regular as condições e as modalidades processuais relativas à análise de um pedido de proteção subsidiária quando estes optaram por analisar esse pedido no âmbito de um procedimento distinto do destinado à obtenção do estatuto de refugiado, como era o caso da Irlanda à época dos factos do litígio no processo principal.

41.      Não obstante, esse reenvio para a autonomia processual dos Estados‑Membros é tradicionalmente compensado pela obrigação de respeitar, por um lado, os direitos fundamentais e, por outro, os princípios da equivalência e da efetividade (22).

42.      O respeito do princípio da equivalência exige, segundo jurisprudência constante, a aplicação indiferenciada de uma regra nacional às ações fundadas numa violação do direito da União e às ações fundadas numa violação do direito nacional. Por outras palavras, as regras processuais adotadas pelos Estados‑Membros para uma ação fundada no direito da União não devem ser menos favoráveis do que as previstas para uma ação semelhante fundada no direito interno (23).

43.      Relativamente ao princípio da efetividade, o seu respeito exige que essas modalidades processuais não tornem impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos ao interessado pelo direito da União.

44.      Nas presentes conclusões e porque se trata do próprio objeto das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, analisaremos, antes de mais, a medida em que a regra de processual em causa pode ser analisada sob o ângulo do princípio da equivalência.

45.      Em seguida, examinaremos em que medida é que essa regra processual é suscetível de garantir a plena efetividade das disposições do direito da União relativas à proteção subsidiária.

46.      Embora a Court of appeal (Tribunal de Recurso) não tenha pedido expressamente ao Tribunal de Justiça para analisar a regra processual em causa à luz do princípio da efetividade, consideramos, como a Comissão Europeia, que essa análise se impõe para dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil para a solução do litígio que lhe foi submetido. Na audiência, o Ministro considerou o referido exame inoportuno na medida em que, por um lado, este princípio não foi invocado no âmbito do processo principal e, por outro, tal diligência seria contrária à abordagem do Tribunal de Justiça.

47.      Como referimos, o processo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.° TFUE tem por objetivo instituir um processo de cooperação estreita e direta entre o Tribunal de Justiça e o órgão jurisdicional nacional, graças ao qual o primeiro fornece ao segundo os elementos de interpretação do direito da União que lhe são necessário para a resolução do litígio que lhe cabe decidir (24). Além disso, em conformidade com jurisprudência assente, incumbe ao Tribunal de Justiça interpretar todas as disposições do direito da União de que o órgão jurisdicional de reenvio necessite para esse fim, mesmo que essas disposições não sejam referidas nas questões que lhe são submetidas por esse órgão jurisdicional, desde que este lhe forneça os elementos de facto e de direito que permitam essa interpretação (25), o que nos parece ser o caso neste processo.

48.      Por conseguinte, somos de opinião que há que dar ao órgão jurisdicional de reenvio os elementos úteis para a solução do litígio no processo principal, no que concerne não só ao alcance do princípio da equivalência mas também ao do princípio da efetividade.

A –    Quanto ao princípio da equivalência

49.      Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se o princípio da equivalência deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regra processual nacional que exige que o pedido do benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária seja apresentado no prazo de quinze dias úteis a contar da notificação do indeferimento do pedido do benefício do estatuto de refugiado.

50.      Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que tal prazo não está previsto no âmbito da apresentação de um pedido do benefício do estatuto de refugiado, apesar de este pedido constituir um parâmetro de comparação adequado com vista a assegurar o respeito do princípio da equivalência.

51.      Contrariamente à opinião expressa pelo órgão jurisdicional de reenvio, consideramos que uma aplicação do princípio da equivalência não é pertinente numa situação como a que está em causa no processo principal.

52.      Com efeito, uma aplicação do princípio da equivalência pressupõe que estejamos em condições de comparar, por um lado, as modalidades processuais aplicáveis a uma ação baseada no direito da União e, por outro, as modalidades processuais aplicáveis a uma ação semelhante baseada no direito interno.

53.      Ora, estas condições não estão preenchidas.

54.      Primeiro, a situação em causa no processo principal diz respeito a duas ações fundadas no direito da União, a saber, o pedido do benefício do estatuto de refugiado e o pedido do benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária.

55.      As Diretivas 2004/83 e 2005/85 (26) contribuem para o estabelecimento de um sistema europeu comum de asilo que, nos termos do artigo 78.°, n.° 1, TFUE, deve permitir à União desenvolver uma política comum em matéria de asilo e de proteção subsidiária, em conformidade com a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 28 de julho de 1951. Em especial, nos termos do artigo 78.°, n.° 2, alíneas a), b), d) e f), TFUE, as medidas adotadas nesse âmbito comportam não só um estatuto uniforme de asilo e de proteção subsidiária para os nacionais de países terceiros mas também procedimentos comuns em matéria de concessão e retirada desse estatuto, bem como normas relativas às condições de acolhimento dessas nacionais.

56.      Assim, conforme resulta do seu considerando 1, as Diretivas 2004/83 e 2005/85 procedem a uma harmonização não só das regras relativas ao reconhecimento e ao conteúdo do estatuto de refugiado e do estatuto conferido pela proteção subsidiária (27) mas também das regras processuais aplicáveis para esse fim.

57.      Embora os Estados‑Membros mantenham a liberdade de adotar ou manter normas mais favoráveis para decidir, por um lado, acerca das pessoas que preenchem as condições de concessão de uma proteção internacional e, por outro, acerca das regras processuais aplicáveis para esse fim, essas normas devem, contudo, ser compatíveis com essas diretivas.

58.      Por conseguinte, no âmbito do sistema europeu comum de asilo, as condições de concessão de uma proteção internacional por um Estado‑Membro são hoje regulamentadas pelas disposições do direito da União, quer se trate do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária.

59.      Assim, não podemos aplicar o princípio da equivalência, tal como definido na jurisprudência do Tribunal de Justiça, dado que seriamos levados a comparar, por um lado, as modalidades processuais aplicáveis a um pedido de asilo baseado no direito da União e, por outro, as modalidades processuais aplicáveis a um pedido de proteção subsidiária fundado também no direito da União.

60.      Segundo, um pedido do benefício do estatuto de refugiado e um pedido do benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária não constituem «ações semelhantes», conforme exigido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

61.      Em primeiro lugar, foi em complemento do estatuto de refugiado que o legislador da União quis introduzir, em conformidade com o artigo 78.°, n.° 2, alínea b), TFUE, uma outra forma de proteção internacional, qualificada de «subsidiária» e que responde às condições de concessão específicas referidas no artigo 2.°, alínea e), da Diretiva 2004/83 (28).

62.      Assim, o emprego do termo «subsidiária» e a redação do artigo 2.°, alínea e), desta diretiva indicam claramente que o estatuto conferido pela proteção subsidiária visa os nacionais de países terceiros que não cumprem as condições específicas exigidas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado (29). Por conseguinte, ao introduzir uma forma subsidiária de proteção no sistema europeu comum de asilo, o legislador da União não pretendeu disponibilizar duas formas semelhantes de proteção internacional. Aliás, o legislador irlandês instituiu dois procedimentos distintos para a apreciação, respetivamente, do pedido de asilo e do pedido de proteção subsidiária, só podendo o segundo ser apresentado na sequência do indeferimento do primeiro. Quanto aos Estados‑Membros que optaram por um procedimento único, fazem, antes de mais, uma apreciação do pedido de proteção internacional sob o ângulo das condições estabelecidas para obter o estatuto de refugiado (30).

63.      Em segundo lugar, o estatuto de refugiado assegura direitos e vantagens económicas e sociais mais amplas que as que resultam da concessão de proteção subsidiária (31).

64.      Conforme o Tribunal de Justiça salientou no seu acórdão de 22 de novembro de 2012, M. (C‑277/11, EU:C:2012:744), a natureza dos direitos inerentes ao estatuto de refugiado e a natureza dos direitos inerentes ao estatuto conferido pela proteção subsidiária são, com efeito, diferentes (32). No seu capítulo VII, intitulado «Conteúdo da proteção internacional», a Diretiva 2004/83 estabelece uma distinção consoante a pessoa considerada é um refugiado ou beneficia da proteção subsidiária (33). Relativamente aos beneficiários de proteção subsidiária, a diretiva autoriza os Estados‑Membros a adotarem condições mais restritivas na emissão de autorizações de residência ou de documentos de viagem (34). Assim, embora os Estados‑Membros devam conceder aos refugiados uma autorização de residência com uma validade mínima de três anos, podem limitar a validade mínima dessa autorização a um ano quando a mesma é concedida a beneficiários da proteção subsidiária. A referida diretiva também autoriza os Estados‑Membros a limitarem o acesso a certos direitos económicos e sociais, como sejam o acesso ao mercado de trabalho ou à segurança social (35). Deste modo, não obstante os beneficiários do estatuto de refugiado devam ser elegíveis para formação relacionada com o emprego em condições equivalentes às aplicáveis aos cidadãos nacionais, em contrapartida, as condições em que os beneficiários do estatuto conferido pela proteção subsidiária podem aceder a essas ações são determinadas pelos Estados‑Membros. Do mesmo modo, embora os Estados‑Membros devam conceder aos beneficiários de proteção internacional a mesma assistência social necessária que a prevista para os nacionais desse Estado‑Membro, podem, não obstante, limitar essa assistência às prestações de base em relação aos beneficiários da proteção subsidiária.

65.      Por conseguinte, tendo em conta estes elementos, o princípio da equivalência, tal como interpretado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, não é pertinente numa situação que diz respeito a dois tipos de ações fundadas, uma e outra, no direito da União e cujo objeto e critérios constitutivos são distintos (36).

B –    Quanto ao princípio da efetividade

66.      A fim de fornecer uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, propomos analisar a regra processual nacional em causa no processo principal sob o ângulo do princípio da efetividade.

67.      Por conseguinte, a questão está em saber se uma regra processual nacional como a que está em causa no processo principal, que exige que o pedido do benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária seja apresentado no prazo de quinze dias úteis a contar da notificação da recusa do pedido do benefício do estatuto de refugiado, é suscetível de garantir um acesso efetivo das pessoas que requerem uma proteção internacional aos direitos que lhes são conferidos pela Diretiva 2004/83.

68.      Recordamos que, em aplicação do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento de 2006, a carta pela qual o Ministro notifica, na sequência do indeferimento do pedido de asilo do interessado, a sua intenção de proferir um despacho de condução à fronteira deve ser acompanhada de um aviso que informe este último de que pode pedir, no prazo de quinze dias úteis a contar dessa notificação, o benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária e uma autorização temporária de permanência no território. Para este efeito, são juntos à referida carta um documento informativo sobre a proteção subsidiária e o formulário para apresentar o pedido. Além dos dados pessoais, o requerente é instado a apresentar todos os documentos suplementares e a expor com detalhe as razões relacionadas especificamente com as circunstâncias invocadas em apoio do seu pedido de proteção subsidiária, precisando, designadamente, a ofensa grave que poderia sofrer em caso de regresso ao seu país de origem.

69.      Nas suas observações, a Comissão considera que o prazo fixado no artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento de 2006 assegura a efetividade dos direitos do requerente «sempre que o pedido não seja indeferido pelo único motivo de que foi apresentado fora do prazo, quando a autoridade nacional competente […] não possa ignorar o risco real de ofensas em caso de condução à fronteira haja motivos significativos para acreditar que, se regressassem para o seu país de origem, correriam um risco real de sofrer uma ofensa grave na aceção do artigo 15.° da Diretiva [2004/83]».

70.      Embora partilhemos do ponto de vista segundo o qual, num litígio como o que está em causa, a deve ser dada prioridade à preservação dos direitos mais essenciais do requerente de proteção internacional, não pensamos que a avaliação a que deve proceder a autoridade nacional competente quanto à existência, na aceção do artigo 2.°, alínea e), e do artigo 15.° da Diretiva 2004/83, de um risco de ofensa grave em caso volte para o seu país de origem tenha lugar nesta fase do procedimento. A interpretação proposta pela Comissão tende a exigir que a autoridade nacional competente examine o pedido quanto ao mérito antes mesmo de apreciar a sua admissibilidade, tornando assim o respeito do prazo legal puramente acessório. Ora, se é fixado um prazo e este constitui uma condição de admissibilidade do pedido, o mesmo deve ser aplicado de forma objetiva, a fim de garantir a segurança jurídica e a igualdade de tratamento.

71.      É por esta razão que não partilhamos da apreciação da Comissão.

72.      Na verdade, consideramos que esse prazo de quinze dias úteis é insuficiente para garantir a efetividade dos direitos conferidos pela Diretiva 2004/83 às pessoas que requerem uma proteção subsidiária.

73.      Na verdade, o Tribunal de Justiça declarou, no seu acórdão de 8 de maio de 2014, N. (C‑604/12, EU:C:2014:302), que, no âmbito de um regime como o que está em causa caracterizado por duas etapas processuais distintas, a efetividade do acesso ao estatuto conferido pela proteção subsidiária exige que «o exame do pedido de proteção subsidiária ocorra no termo de um prazo razoável» (37).

74.      Embora a imposição de um prazo como o que está em causa no processo principal contribua manifestamente para que o procedimento de análise do pedido de proteção internacional atinja o seu termo, não deixa de ser verdade que esse prazo é extremamente curto.

75.      Antes de mais, importa ter em mente que a decisão aguardada se reveste de importância vital para a pessoa que procura legitimamente uma proteção internacional. Esta encontra‑se numa situação humana e material extremamente difícil e, portando, não se pode perder de vista que o procedimento que enceta junto das autoridades nacionais competentes deve permitir‑lhe assegurar a preservação dos seus direitos mais essenciais pela concessão de uma proteção internacional.

76.      Em seguida, é preciso ter em conta dificuldades que o requerente pode encontrar, em razão da sua língua, por exemplo, para não só compreender as regras processuais mas também conhecer os seus direitos e as suas obrigações. Embora haja um apoio jurídico, há que constatar, no presente processo, que o RLS se recusou a representar E. Danqua no âmbito das suas diligências para obter a proteção subsidiária, preferindo apresentar em nome desta um pedido de autorização de residência por razões humanitárias.

77.      Por último, também é preciso ter em conta as dificuldades materiais que podem atrasar a boa receção da notificação. Com efeito, não podemos comparar a situação do requerente de proteção internacional, que não é mais do que uma pessoa em busca de um refúgio, à de qualquer outro cidadão com domicílio no território do Estado‑Membro de acolhimento. O requerente de proteção internacional não dispõe de uma residência fixa nesse território e pode acontecer que se desloque enquanto o seu pedido para obter o benefício do direito de asilo é analisado. No caso em apreço, a análise do pedido apresentado por E. Danqua para obter o estatuto de refugiado demorou dez meses. Resulta das informações transmitidas na audiência que esta vive, atualmente, num albergue. Por conseguinte, não é de excluir que durante esse espaço de tempo, esta tenha mudado de residência sem disso informar as autoridades nacionais competentes.

78.      Se a isso acrescentarmos a privação psicológica em que o requerente se pode encontrar, então não podemos correr o risco de que essa pessoa, em busca de proteção internacional, seja impedida, por causa de um prazo demasiado curto, de apresentar um pedido para obter o benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária a que teria direito.

79.      Por conseguinte, tendo em conta estes elementos, relativos, por um lado, ao caráter fundamental da proteção que se deve conceder às pessoas expostas, no seu país de origem, a ofensas graves e, por outro, à situação humana e material difícil que essas pessoas enfrentam no Estado‑Membro de acolhimento, um prazo como o previsto no artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento de 2006 não permite, na nossa opinião, assegurar a efetividade do acesso ao estatuto conferido pela proteção subsidiária.

80.      Deve, por essa razão, fixar‑se um prazo em substituição do fixado pelo legislador nacional?

81.      Consideramos que não.

82.      Por um lado, o estabelecimento da regra processual nacional em causa no processo principal enquadra‑se, vimo‑lo nos n.os 39 a 41 das presentes conclusões, na autonomia processual da Irlanda.

83.      Por outro, isso não teria nenhum sentido na medida em que essa regra processual, prevista no artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento de 2006, já não está atualmente em vigor. Com efeito, recordamos que, na sequência da reforma que realizou em 2015, a Irlanda suprimiu o sistema dualista que anteriormente caracterizava o procedimento de concessão de uma proteção internacional, substituindo‑o por um procedimento único no qual as autoridades competentes analisam o pedido de asilo apresentado pelo interessado à luz das duas formas de proteção internacional. Por conseguinte, uma regra processual nacional como a que está em causa no processo principal, que fixa o prazo em que o pedido de concessão do estatuto conferido pela proteção subsidiária deve ser apresentado após o indeferimento do pedido de concessão do estatuto de refugiado, deixa de ter razão de ser.

84.      Nestas condições, no que se refere aos pedidos de concessão de uma proteção internacional apresentados no âmbito da antiga regulamentação, consideramos que é ao órgão jurisdicional nacional competente que cabe verificar se o prazo em que o pedido de proteção subsidiária foi apresentado é razoável.

85.      A este propósito, consideramos que este deve ter em conta todas as circunstâncias humanas e materiais que rodeiam o pedido de proteção internacional.

86.      Deve, em especial, examinar se o interessado foi colocado numa situação que lhe permita efetivamente exercer os seus direitos, tomando designadamente em consideração o acompanhamento de que este pôde beneficiar no cumprimento das suas diligências, em especial, a assistência judiciária de que pôde usufruir ou de que foi privado.

87.      O órgão jurisdicional nacional competente deve também ter em conta a data em que o interessado tomou conhecimento da notificação que o informou do indeferimento do seu pedido de concessão do estatuto de refugiado e do despacho de condução à fronteira adotado pelo Ministro.

88.      No presente processo, consideramos que E. Danqua não foi manifestamente colocada numa situação que lhe permitisse apresentar o seu pedido para obter o benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária no prazo fixado pela legislação nacional em causa e, por conseguinte, exercer efetivamente os direitos que lhe são reconhecidos pela Diretiva 2004/83.

89.      Primeiro, o representante de E. Danqua referiu, na audiência, que esta era iletrada e que nunca foi informada das modalidades processuais, designadamente das normas que regem a prorrogação do prazo relativo à introdução de um pedido para obter o benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária.

90.      Segundo, como resulta da decisão de reenvio, o RLS recusou assistir E. Danqua no âmbito do seu pedido, preferindo introduzir, em nome desta, um pedido de autorização de residência por razões humanitárias. Só depois do indeferimento deste pedido e da adoção, contra E. Danqua, de uma ordem de expulsão e que esta assegurou os serviços de um advogado a título privado, o qual apresentou um pedido para obter o benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária.

91.      Terceiro, há que admitir que o procedimento a que E. Danqua foi sujeita, caracterizado por uma multiplicidade de etapas e de estatutos distintos, é suscetível de induzir em erro quem que não esteja familiarizado com o procedimento. Com efeito, quando o seu pedido para obter a concessão do «estatuto de refugiado» foi indeferido, o RLS, recusando‑se a assisti‑la no âmbito de um pedido para obter o benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária, apresentou em seu nome um «pedido de autorização de residência por razões humanitária». Só a partir do indeferimento deste pedido e do «despacho de condução à fronteira» é que o novo conselheiro jurídico da interessada introduziu um «pedido para obter o benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária». Tantos estatutos diferentes como normas processuais aplicáveis.

92.      Quarto, Embora seja ponto assente que E. Danqua apresentou efetivamente o seu pedido para obter o benefício conferido pela proteção subsidiária em 8 de outubro de 2013, ou seja dois anos e oito meses após a notificação do indeferimento do seu pedido de asilo, importa, não obstante, ter em conta o facto de que a interessada apresentou esse pedido dez dias úteis após o indeferimento, em 23 de setembro de 2013, do seu pedido de autorização de residência por razões humanitárias.

93.      Atendendo a estes elementos, pensamos que o pedido apresentado pela interessada deve ser devidamente analisado.

94.      Por conseguinte, tendo em conta todas estas considerações, propomos ao Tribunal de Justiça que declare que o princípio da efetividade deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regra processual nacional, como a que está em causa no processo principal, que exige que o pedido do benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária seja apresentado no prazo de quinze dias úteis a contar da notificação do indeferimento do pedido do benefício do estatuto de refugiado.

95.      Cabe ao órgão jurisdicional nacional competente, apreciar se o prazo em que o pedido do benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária foi introduzido é razoável, tendo em conta todas as circunstâncias humanas e materiais que rodeiam o exame do pedido de proteção internacional. Para o efeito, este deveria examinar se o interessado foi colocado numa situação que lhe permita exercer efetivamente os seus direitos, tomando, nomeadamente, em consideração as condições em que este último foi assistido no cumprimento das suas diligências, bem como as condições em que o indeferimento do pedido do benefício do estatuto de refugiado lhe foi notificado.

IV – Conclusão

96.      À luz das considerações precedentes, propomos ao Tribunal de Justiça que responda à Court of appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda), nos seguintes termos:

O princípio da efetividade deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regra processual nacional, como a que está em causa no processo principal, que exige que o pedido do benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária seja apresentado no prazo de quinze dias úteis a contar da notificação do indeferimento do pedido do benefício do estatuto de refugiado.

Cabe ao órgão jurisdicional nacional competente apreciar se o prazo em que o pedido do benefício do estatuto conferido pela proteção subsidiária foi introduzido é razoável, tendo em conta todas as circunstâncias humanas e materiais que rodeiam o exame do pedido de proteção internacional. Para o efeito, este deveria examinar se o interessado foi colocado numa situação que lhe permita exercer efetivamente os seus direitos, tomando, nomeadamente, em consideração as condições em que este último foi assistido no cumprimento das suas diligências, bem como as condições em que o indeferimento do pedido do benefício do estatuto de refugiado lhe foi notificado.


1  Língua original: francês.


2 —      A seguir «Ministro».


3 —      Diretiva do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO 2004, L 304, p. 12, e retificação no JO 2005, L 204, p. 24).


4 —      Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.° 2545 (1954), Convenção que entrou em vigor em 22 de abril de 1954.


5 —      Acórdão no qual o Tribunal de Justiça se pronunciou quanto ao alcance do direito de ser ouvido no âmbito da análise de um pedido de proteção subsidiária. Na sequência desse acórdão, a Supreme Court (Tribunal Supremo, Irlanda) submeteu um novo reenvio prejudicial com o qual pede ao Tribunal de Justiça para precisar o que implica concretamente o respeito do direito de ser ouvido nesse procedimento. As conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi nesse processo M (C‑560/14, EU:C:2016:320) foram apresentadas em 3 de maio de 2016, estando o referido processo ainda pendente no Tribunal de Justiça.


6 —      Acórdão no qual o Tribunal de Justiça se pronunciou quanto ao alcance do direito a uma ação judicial efetiva no âmbito de um procedimento como o instaurado na Irlanda, bem como quanto às modalidades aplicáveis aos procedimentos acelerados ou prioritários.


7 —      Acórdão no qual o Tribunal de Justiça se pronunciou quanto à compatibilidade, à luz do respeito do princípio da efetividade e do direito a uma boa administração, da regra processual instituída na Irlanda que sujeita a análise do pedido de proteção subsidiária ao indeferimento prévia do pedido de obtenção do estatuto de refugiado.


8 —      No n.° 11 das suas conclusões no processo M (C‑560/14, EU:C:2016:320), o advogado‑geral P. Mengozzi salientou que o procedimento de análise de um pedido de proteção internacional foi objeto de duas reformas na Irlanda. Enquanto a primeira reforma, adotada em 2013, manteve o sistema dualista, a segunda reforma, adotada em 2015, substituiu esse procedimento por um procedimento único para efeitos da análise das duas formas de proteção internacional, e isso em conformidade com os requisitos estabelecidos pela Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60).


9 —      Adotadas pelo Minister for Justice, Equality and Law Reform (Ministro da Justiça, da Igualdade e da Reforma legislativa), em 9 de outubro de 2006, e que têm, designadamente, por objeto a transposição da Diretiva 2004/83 (a seguir «Regulamento de 2006»).


10 —      Artigo 3.°, n.° 3, do Immigration Act 1999 (Lei de 1999 relativa à imigração).


11 —      Despacho de 8 de setembro de 2011, Abdallah (C‑144/11, EU:C:2011:565, n.° 9 e jurisprudência referida), e acórdão de 13 de março de 2014, FIRIN (C‑107/13, EU:C:2014:151, n.° 29 e jurisprudência referida).


12 —      Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.° 26 e jurisprudência referida).


13 —      V., designadamente, despacho de 15 de abril de 2011, Debiasi (C‑613/10, EU:C:2011:266), e acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400, n.° 25).


14 —      Despacho de 13 de dezembro de 2012, Debiasi (C‑560/11, EU:C:2012:802, n.° 24 e jurisprudência referida), e acórdão de 9 de outubro de 2014, Petru (C‑268/13, EU:C:2014:2271, n.° 22). V., também, despacho de 8 de setembro de 2011, Abdallah (C‑144/11, EU:C:2011:565, n.° 10 e jurisprudência referida). V. artigo 94.°, alínea b), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e ponto 22 das Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2012, C 338, p. 1).


15 —      Despacho de 17 de julho de 2014, 3D I (C‑107/14, EU:C:2014:2117, n.° 12).


16 —      V. nota 8 das presentes conclusões.


17 —      V., em matéria de direito da concorrência, despacho de 21 de novembro de 2012, Fontaine (C‑603/11, EU:C:2012:731, n.° 15), e, em matéria de contratos públicos, acórdão de 11 de dezembro de 2014, Azienda sanitaria locale n.° 5 «Spezzino» e o. (C‑113/13, EU:C:2014:2440, n.os 47 e 48).


18 —      V. acórdão de 22 de novembro de 2012, M. (C‑277/11, EU:C:2012:744, n.° 73), bem como as nossas conclusões no processo M. (C‑277/11, EU:C:2012:253, n.° 19), e acórdão de 8 de maio de 2014, N. (C‑604/12, EU:C:2014:302, n.° 38), bem como as nossas conclusões no processo N. (C‑604/12, EU:C:2013:714, n.° 27).


19 —      V. artigo 1.° de referida diretiva.


20 —      V. acórdão de 22 de novembro de 2012, M. (C‑277/11, EU:C:2012:744, n.° 72), e n.° 19 das nossas conclusões no processo M. (C‑277/11, EU:C:2012:253).


21 —      Diretiva do Conselho, de 1 de dezembro de 2005, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros (JO 2005, L 326, p. 13).


22 —      V., nomeadamente, acórdãos de 15 de janeiro de 2013, Križan e o. (C‑416/10, EU:C:2013:8, n.° 85 e jurisprudência referida), e de 10 de setembro de 2013, G. e R. (C‑383/13 PPU, EU:C:2013:533, n.° 35 e jurisprudência referida). V., também, acórdão de 8 de maio de 2014, N. (C‑604/12, EU:C:2014:302, n.° 41 e jurisprudência referida).


23 —      Acórdãos de 28 de janeiro de 2015, ÖBB Personenverkehr (C‑417/13, EU:C:2015:38, n.° 74), e de 6 de outubro de 2015, Târșia (C‑69/14, EU:C:2015:662, n.° 32).


24 —      Despacho de 8 de setembro de 2011, Abdallah (C‑144/11, EU:C:2011:565, n.° 9 e jurisprudência referida), e acórdão de 13 de março de 2014, FIRIN (C‑107/13, EU:C:2014:151, n.° 29 e jurisprudência referida).


25 —      Acórdão de 21 de fevereiro de 2006, Ritter‑Coulais (C‑152/03, EU:C:2006:123, n.° 29 e jurisprudência referida).


26 —      Recordamos que estas diretivas foram adotadas com base no artigo 63.°, primeiro parágrafo, ponto 1, CE (atual artigo 78.° TFUE).


27 —      V., nomeadamente, considerandos 6 e 7 da Diretiva 2004/83; considerandos 3 a 6 da Diretiva 2005/85; considerandos 8 a 10 e 12 e 13 da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9), bem como considerando 13 da Diretiva 2013/32.


28 —      V., a este propósito, acórdão de 8 de maio de 2014, N. (C 604/12, EU:C:2014:302, n.os 32 e 33).


29 —      V. considerandos 5 e 24 da referida diretiva.


30 —      Recordamos que o estabelecimento de um procedimento único, embora fosse uma possibilidade prevista no âmbito na Diretiva 2005/85, constitui, atualmente, uma obrigação nos termos do artigo 10.°, n.° 2, da Diretiva 2013/32. Esta disposição prevê, atualmente, sem ambiguidade, que, «[a]o apreciar os pedidos de proteção internacional, o órgão de decisão deve determinar em primeiro lugar se os requerentes preenchem as condições necessárias para beneficiar do estatuto de refugiados e, caso contrário, determinar se os requerentes são elegíveis para proteção subsidiária».


31 —      A Diretiva 2013/32 elimina as diferenças que existem quanto ao nível dos direitos conferidos aos refugidos e aos beneficiários de uma proteção subsidiária que já não podem ser consideradas justificadas. As alterações têm por objeto a duração das autorizações de residência e o acesso à segurança social, aos cuidados de saúde e ao mercado de trabalho.


32 —      V. n.° 92 desse acórdão.


33 —      Este capítulo especifica, nomeadamente, as condições em que os beneficiários de proteção internacional podem obter uma autorização de residência e documentos de viagem, ou podem ter acesso ao emprego, à educação, à segurança social, aos cuidados de saúde e a um alojamento.


34 —      V., respetivamente, artigos 24.° e 25.° desta diretiva.


35 —      V., respetivamente, artigos 26.° e 28.° da Diretiva 2004/83.


36 —      V., por analogia, acórdão de 28 de janeiro de 2015, ÖBB Personenverkehr (C‑417/13, EU:C:2015:38, n.os 73 e 74), relativo a uma disposição processual nacional que regula as ações para pagamento de créditos salariais.


37 —      N.os 44 e 45 desse acórdão.