Language of document : ECLI:EU:T:2003:351

Arrêt du Tribunal

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)
18 de Dezembro de 2003 (1)

«Medicamento – Autorização de colocação no mercado – Parecer da Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos – Admissibilidade – Interesse em agir – Saúde pública – Verificação das informações comunicadas – Controlo das avaliações científicas – Reputação profissional»

No processo T-326/99,

Nancy Fern Olivieri, residente em Toronto (Canadá), representada por N. Green, QC, J. Marks, barrister, e R. Stein, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias,

e

Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos,

representadas por R. Wainwright e H. Støvlbæk, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorridas,

apoiadas por

Apotex Europe Ltd, com sede em Leeds (Reino Unido), representada por P. Bogaert, G. Berrisch, advogados, e G. Castle, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão da Comissão de 25 de Agosto de 1999 que concedeu autorização de colocação no mercado do medicamento para uso humano Ferriprox-Défériprone [C(1999) 2820] e do parecer revisto da Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos de 23 de Junho de 1999,



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),



composto por: R. García-Valdecasas, presidente, P. Lindh e J. D. Cooke, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 10 de Abril de 2003,

profere o presente



Acórdão




Quadro jurídico

A – Disposições pertinentes do Regulamento (CEE) n.° 2309/93

1
O artigo 11.° do Regulamento (CEE) n.° 2309/93 do Conselho, de 22 de Julho de 1993, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos de uso humano e veterinário e institui uma Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (JO L 214, p. 1), dispõe:

«Sem prejuízo da aplicação de outras disposições do direito comunitário, a autorização prevista no artigo 3.° deve ser recusada se, após verificação da informação e dos documentos apresentados em conformidade com o artigo 6.°, se constatar que a eficácia, a qualidade ou a segurança do medicamento não foram comprovadas pelo requerente de forma adequada ou suficiente.

A autorização deve igualmente ser recusada se a informação e os documentos fornecidos pelo requerente em conformidade com o artigo 6.° forem incorrectos [...]»

2
Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do referido regulamento:

«Os pedidos de autorização de medicamentos de uso humano devem ser acompanhados da informação e dos documentos referidos nos artigos 4.° e 4.°‑A da Directiva 65/65/CEE, no anexo da Directiva 75/318/CEE e no artigo 2.° da Directiva 75/319/CEE.»

3
Nos termos do artigo 7.°, alínea a), do Regulamento n.° 2309/93, o Comité das especialidades farmacêuticas, que é responsável, designadamente – nos termos do artigo 5.° do mesmo regulamento – pela formulação do parecer da Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos relativo a quaisquer questões referentes à autorização de colocação no mercado de um medicamento de uso humano referida no mesmo regulamento, deve, para efeitos de elaboração do referido parecer, por um lado, verificar «que as informações e os documentos apresentados em conformidade com o artigo 6.° correspondem aos requisitos das Directivas 65/65/CEE, 75/318/CEE e 75/319/CEE» e, por outro, examinar «se estão preenchidas as condições especificadas no [...] regulamento para a emissão da autorização de introdução no mercado».

4
O artigo 13.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2309/93 prevê:

«Em circunstâncias excepcionais, e após consulta do requerente, uma autorização pode ser submetida a determinadas obrigações específicas, reavaliadas anualmente pela agência.

Estas decisões excepcionais apenas poderão ser tomadas por motivos objectivos e comprováveis, devendo basear‑se num dos motivos enumerados na parte IV G do anexo à Directiva 75/318/CEE.»

B – Disposições pertinentes do anexo da Directiva 75/318/CEE

5
O texto do anexo da Directiva 75/318/CEE do Conselho, de 20 de Maio de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes às normas e protocolos analíticos, tóxico‑farmacológicos e clínicos em matéria de ensaios de especialidades farmacêuticas (JO L 147, p. 1; EE 13 F4 p. 80), para o qual remetem várias disposições do Regulamento n.° 2309/93, foi substituído pelo do anexo da Directiva 91/507/CEE da Comissão, de 19 de Julho de 1991 (JO L 270, p. 32, a seguir «anexo da directiva»).

6
Nos termos do terceiro parágrafo da introdução do anexo da directiva:

«Dos pedidos devem constar todas as informações relevantes para a avaliação do medicamento em questão, independentemente de lhe serem ou não favoráveis. Devem nomeadamente ser fornecidos todos os elementos pertinentes respeitantes a qualquer teste ou ensaio fármaco‑toxicológico ou clínico do medicamento incompleto ou interrompido [...]»

7
A quarta parte do referido anexo determina os requisitos a que devem obedecer os elementos e documentos a juntar ao pedido de autorização de colocação de um medicamento no mercado.

8
A este respeito, o terceiro parágrafo da quarta parte do anexo da directiva, relativa à documentação clínica, dispõe:

«A avaliação do pedido de autorização de comercialização deve ser feita com base em ensaios clínicos, incluindo ensaios de farmacologia clínica, destinados a determinar a eficácia e segurança terapêutica do produto em condições normais de utilização, atendendo às suas indicações terapêuticas no homem. As vantagens terapêuticas devem sobrelevar os riscos potenciais.»

9
O ponto A da quarta parte do mesmo anexo prevê além disso:

«Os elementos de ordem clínica a apresentar, por força do ponto 8 do segundo parágrafo do artigo 4.° da Directiva 65/65/CEE [ou do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2309/93, o qual remete para o artigo 4.° da Directiva 65/65], devem permitir a elaboração de um parecer cientificamente válido e suficientemente fundamentado sobre se o medicamento satisfaz os critérios que regem a concessão das autorizações de comercialização. Por conseguinte, o facto de deverem ser notificados os resultados de todos os ensaios clínicos, quer os favoráveis quer os desfavoráveis, constitui um requisito essencial.»

10
O ponto C da quarta parte do anexo da directiva refere os elementos e documentos relativos à apresentação dos resultados dos ensaios clínicos e as normas que lhes são aplicáveis. O n.° 1 deste ponto C indica:

«1. As informações relativas a cada ensaio clínico devem ser suficientemente pormenorizadas para que permitam um julgamento objectivo relativamente:

[...]

ao relatório final assinado pelo investigador e, para os ensaios multicêntricos, por todos os investigadores ou pelo investigador coordenador principal.»

11
O ponto G da quarta parte do mesmo anexo trata da documentação a apresentar relativamente a pedidos de autorização de comercialização em circunstâncias excepcionais. Tem a seguinte redacção:

«Caso, no que respeita a indicações terapêuticas específicas, o requerente possa demonstrar ser incapaz de fornecer dados completos sobre a eficácia e segurança terapêuticas em condições normais de utilização, em virtude de:

o produto em questão estar indicado em situações tão raras que se não pode esperar que o requerente forneça dados completos

ou de

não ser possível apresentar informações completas no actual estado dos conhecimentos científicos

ou de

a recolha de tal informação se não coadunar com princípios geralmente aceites de deontologia médica,

poderá ser concedida uma autorização de comercialização caso se verifiquem as seguintes condições:

a)
O requerente proceda, no prazo especificado pelas autoridades competentes, a um programa de estudos bem determinado, cujos resultados irão estar na base de uma reavaliação da relação benefício‑risco;

b)
O medicamento em questão seja de receita obrigatória e apenas possa ser administrado em certos casos sob controlo médico estrito, possivelmente num hospital [...];

c)
A bula e quaisquer outras informações médicas chamem a atenção do clínico para o facto de as informações existentes sobre o medicamento em questão serem ainda inadequadas em certos aspectos específicos.»


Matéria de facto na origem do litígio

A – A talassemia major e tratamento com deferroxamina ou deferiprona

12
A talassemia major (igualmente designada síndrome de Cooley) é uma doença genética caracterizada por uma anemia grave que afecta, segundo as estimativas, entre 10 000 e 20 000 pessoas na União Europeia. Para tratar esta doença, são indispensáveis transfusões sanguíneas frequentes. Estas conduzem, no entanto, a uma acumulação de ferro nos órgãos do doente. Não tendo o corpo qualquer meio natural de eliminar o excedente de ferro, esse aumento progressivo da taxa de ferro no organismo causa lesões, em particular no coração e no fígado, que reduzem a esperança de vida do doente.

13
O principal tratamento farmacológico disponível para lutar contra a sobrecarga de ferro é a deferroxamina, que existe desde há 30 anos. Este tratamento é inconfortável, pois deve ser administrado por via de perfusões subcutâneas, que devem ser praticadas várias vezes por semana e podem durar até doze horas por dia. Pode também gerar uma hipersensibilidade à substância.

14
Posteriormente, foi desenvolvido um outro tratamento farmacológico para lutar contra a sobrecarga de ferro. Trata‑se da deferiprona, um produto que apresenta a vantagem de ser administrado por via oral.

B – Os trabalhos da Dr. a Olivieri sobre a deferiprona

15
A recorrente, Dr.a Nancy Fern Olivieri, é uma especialista mundialmente reconhecida da talassemia major e goza de uma reputação significativa no domínio do tratamento desta doença através da deferiprona.

16
A fim de avaliar a eficácia e segurança da deferiprona, a recorrente iniciou, em 1989, um estudo‑piloto sobre 27 doentes que não pretendiam, ou não podiam, seguir o tratamento normal com a deferroxamina. Com base nos resultados deste estudo, a recorrente pretendeu obter a aprovação do produto referido nos Estados Unidos e contactou a Food and Drug Administration (organismo americano de controlo dos alimentos e medicamentos, a seguir «FDA») a fim de saber qual o procedimento a adoptar. Em resposta, a FDA indicou‑lhe que deviam ser levados a cabo três ensaios clínicos para avaliar diferentes aspectos da deferiprona e ser obtido o patrocínio de uma entidade privada para financiamento dessas investigações.

17
Com base nestas instruções, a recorrente participou na elaboração dos protocolos relativos a cada um dos três ensaios requeridos pela FDA, ou seja, um ensaio destinado a comparar a eficácia e a segurança da deferiprona com a da deferroxamina (ensaio LA‑01), um ensaio de curta duração, destinado a avaliar os efeitos indesejáveis da deferiprona conforme eram previstos nessa época, ou seja, perturbações do funcionamento da medula óssea e das articulações (ensaio LA‑02), e um ensaio sobre a eficácia e a segurança a longo prazo da deferiprona, que constituía a sequência do estudo‑piloto (ensaio LA‑03). A Dr.a Olivieri intervinha como investigadora principal no que diz respeito aos ensaios LA‑01 e LA‑03 e como co‑presidente do comité director relativamente ao ensaio LA‑02.

18
Estes três ensaios clínicos eram financiados pela sociedade Apotex Research Inc., com sede em Weston (Canadá), a qual decidiu participar, a partir de Abril de 1993, no financiamento dos trabalhos realizados pela Dr.a Olivieri sobre a deferiprona.

19
No âmbito dos referidos ensaios, a recorrente chegou à conclusão preliminar de que a deferiprona não era eficaz em cerca de metade dos pacientes tratados. Comunicou as suas preocupações ao comité de controlo do hospital infantil de Toronto, onde trabalha, que a aconselhou a informar os organismos competentes sobre esse assunto. O comité concluiu igualmente que era necessário um novo protocolo clínico para avaliar a eficácia contínua da deferiprona e recomendou‑lhe, mais em especial, que alterasse os impressos fornecidos aos doentes participantes nos ensaios, a fim de registar as incertezas quanto ao efeito a longo prazo da deferiprona.

20
Em 24 de Maio de 1996, a Apotex Research decidiu pôr termo à participação da recorrente nos ensaios LA‑01, LA‑02 e LA‑03 e interromper, antes do tempo, os ensaios LA‑01 e LA‑03, conforme lhe permitiam os protocolos correspondentes a estes ensaios clínicos. Segundo o relatório elaborado pelo comité independente de inquérito criado pela associação canadiana dos professores universitários (Thompson, J., Baird, P., Downie, J., The Olivieri Report, James Lorimer & Company Ltd, Toronto, 2001), a Apotex Research tomou esta decisão porque a Dr.a Olivieri se preparava para revelar aos seus doentes – em cumprimento dos seus deveres deontológicos – o risco ligado à escassa eficácia da deferiprona que acabava de descobrir no âmbito do ensaio LA‑01. Resulta igualmente das averiguações levadas a cabo pelo comité de reclamações do College of Physicians and Surgeons of Ontario (colégio dos médicos e cirurgiões de Ontário) e pelo decano da Faculdade de Medicina da Universidade de Toronto que, ao informar desta forma os seus doentes, a Dr.a Olivieri não violou os seus deveres deontológicos.

21
No quadro de um estudo posterior realizado sem apoio financeiro da Apotex Research, a recorrente chegou à conclusão de que, para além das dúvidas resultantes dos ensaios LA‑01 e LA‑03 quanto à eficácia da deferiprona, existiam provas suplementares de que este produto era tóxico para o coração e para o fígado e que a sua utilização apresentava riscos consideráveis de desenvolvimento de doenças cardíacas e de fibrose hepática, expondo assim os doentes a um risco acrescido de morte prematura. Consequentemente, a recorrente interrompeu os ensaios do produto em seres humanos. Estas conclusões foram apresentadas num artigo, publicado em 13 de Agosto de 1998, no New England Journal of Medicine (Olivieri e outros, «Long‑Term Safety and Effectiveness of Iron‑Chelation Therapy with Deferiprone for Thalassemia Major», New England Journal of Medicine, volume 339, n.° 7, pp. 417‑423).

C – Procedimento comunitário de concessão de autorização de colocação da deferiprona no mercado

22
Em 6 de Fevereiro de 1998, a sociedade Apotex Europe Ltd (a seguir «Apotex») apresentou à Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (a seguir «AEAM»), nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2309/93, um pedido de autorização de colocação no mercado (a seguir «ACM») do medicamento finalmente designado «Ferriprox», cuja substância activa é a deferiprona. Este medicamento foi objecto do procedimento de autorização centralizada previsto no Regulamento n.° 2309/93.

23
Os três relatórios relativos aos ensaios LA‑01, LA‑02 e LA‑03 foram transmitidos pela Apotex com o pedido de ACM, sem, todavia, conterem a assinatura da recorrente.

24
Durante o procedimento de avaliação, a Apotex forneceu explicações escritas e orais. O Comité das especialidades farmacêuticas (a seguir «CEF»), que está encarregado, nos termos do artigo 5.° do Regulamento n.° 2309/93, de formular o parecer da AEAM, proferiu, em 27 de Janeiro de 1999, um parecer favorável à emissão da ACM do medicamento, tendo em conta circunstâncias excepcionais visadas pelo artigo 13.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2309/93 e pelo ponto G da quarta parte do anexo da directiva (a seguir «parecer inicial»).

25
Este parecer está acompanhado de um relatório de avaliação, de 27 de Janeiro de 1999 (a seguir «primeiro relatório de avaliação»), elaborado pelo CEF a fim de expor os diferentes elementos tidos em conta no quadro do procedimento de avaliação.

26
Por falta de contestação da parte da Apotex, o parecer inicial foi considerado definitivo e transmitido pela AEAM à Comissão em 4 de Março de 1999, nos termos do artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2309/93. Esta informação foi tornada pública em Abril de 1999. A Comissão deu início ao procedimento previsto nos artigos 10.° e 73.° do Regulamento n.° 2309/93 e o Comité permanente dos medicamentos de uso humano proferiu, em 9 de Maio de 1999, um parecer unanimemente favorável sobre o projecto de decisão apresentado pela Comissão.

27
Após ter tido conhecimento de que o CEF se pronunciara favoravelmente, em 27 de Janeiro de 1999, sobre o pedido de ACM da deferiprona, a recorrente, assistida pelos seus advogados, enviou várias cartas à AEAM e aos membros do CEF a fim de lhes transmitir as suas observações no que respeita à escassa eficácia e aos riscos cardíaco e hepático ligados ao produto em questão. Em especial, a carta da recorrente de 28 de Abril de 1999 à AEAM e aos membros do CEF referia as razões científicas pelas quais a recorrente entendia que a autorização da deferiprona iria provocar o aumento do risco de morte prematura das pessoas tratadas com esse produto, designadamente devido à progressão da fibrose hepática e ao desenvolvimento e progressão de doenças cardíacas. Do mesmo modo, a carta do advogado da recorrente de 16 de Maio de 1999 ao professor Garattini, membro do CEF, comunicava informações complementares relativas à toxicidade cardíaca e hepática da deferiprona. No âmbito desta correspondência, que foi acompanhada de vários documentos relativos à avaliação científica da deferiprona que não tinham sido comunicados pela Apotex no quadro do procedimento de avaliação inicial, a recorrente teve igualmente ocasião de expor a sua versão dos factos relativos ao litígio com a Apotex a respeito, designadamente, da condução e termo prematuro do ensaio LA‑01, no qual era a investigadora principal.

28
Na sequência desta intervenção, o presidente do CEF, por carta de 20 de Maio de 1999, indicou à Comissão ter recebido novas informações potencialmente importantes em relação à segurança da deferiprona, no que respeita, essencialmente, ao «risco de haver uma progressão da fibrose hepática mesmo num curto período de tempo». A carta esclarecia igualmente que estas informações iam ser rapidamente analisadas à luz dos dados anteriores, a fim de determinar se a relação benefício/risco se tinha alterado, e interrogava a Comissão sobre o procedimento a seguir para lhe permitir tomar em consideração os resultados eventuais dessa análise. Paralelamente, por carta do mesmo dia, o CEF convidou a Apotex a completar o seu pedido de ACM com quaisquer informações suplementares disponíveis ou a confirmar que todos os dados então disponíveis respeitantes ao risco de fibrose hepática tinham sido transmitidos à AEAM.

29
Por cartas de 26 de Maio e 1 de Junho de 1999, a Apotex apresentou observações sobre os documentos enviados ao CEF pela recorrente, remeteu três documentos apresentados aquando da nona conferência internacional sobre a quelação oral com medicamentos contendo ferro realizada em Hamburgo, de 25 a 28 de Março de 1999 (ou seja, o documento redigido pelo Sr. Galanello e outros intitulado «Sequential Liver Fibrosis Grading During Deferiprone Treatment in Patients with Thalassemia Major», o redigido pelo Sr. Piga e outros intitulado «The Assessment of Liver Fibrosis in Thalassemia Major During Chelation Therapy» e o redigido pelo Sr. Cappellini e outros intitulado «Liver Iron Overload in Adult Thalassemia Major Patients under Regular Chelation Therapy with Desferrioxamine»), bem como outros documentos complementares e esclareceu que tinha comunicado todas as informações relevantes ao CEF.

30
Por carta de 15 de Junho de 1999, a Comissão informou o CEF de que o procedimento da ACM estava suspenso até serem apresentados esclarecimentos científicos suplementares sobre as informações enviadas pela recorrente ao CEF, as quais se afiguravam susceptíveis de pôr em causa a segurança do medicamento e necessitavam de uma análise complementar. Esta carta salientava, em especial, que «[n]ão seria razoável e iria contra as finalidades e objectivos do Regulamento (CEE) n.° 2309/93 conceder a autorização de colocação no mercado nestas circunstâncias sem esclarecimentos científicos suplementares».

31
Em 21 de Junho de 1999, um grupo de trabalho de peritos ad hoc (a seguir «grupo de peritos»), convocado a pedido do CEF, reuniu‑se para examinar as novas informações relativas à segurança do produto comunicadas pela Dr.a Olivieri e pela Apotex.

32
Na acta desta reunião, redigida em 23 de Junho de 1999 (a seguir «conclusões do grupo de peritos»), o grupo de peritos entendeu que os novos dados não eram conclusivos no que se refere à relação entre a deferiprona e a fibrose hepática. Com base nisto, o grupo de peritos considerou que não havia que reapreciar o parecer favorável que recomendava a concessão da ACM em circunstâncias excepcionais. Propôs, assim, manter as restrições das indicações, informar o médico assistente da inexistência de conclusões definitivas quanto à relação entre a fibrose hepática e a deferiprona e recomendar a vigilância de um estrato da população específico afectada pela hepatite C, solicitar à Apotex que confirmasse por escrito que apresentaria os números das vendas em cada Estado‑Membro, para garantir que a deferiprona não seja receitada fora das indicações aprovadas e obter as mais amplas informações da parte da Apotex e de outras fontes logo que essas informações estejam disponíveis.

33
Por carta de 23 de Junho de 1999, a Apotex aceitou assumir os compromissos suplementares, em especial quanto à apresentação dos números das vendas do Ferriprox em cada Estado‑Membro.

34
Em consideração das recomendações do grupo de peritos, o CEF concluiu pela manutenção do parecer favorável à emissão da ACM do Ferriprox tendo em conta circunstâncias excepcionais. No entanto, preconizou uma revisão dos projectos de resumo das características técnicas do produto e da bula, a fim de enriquecer as informações relativas ao risco de fibrose hepática. O CEF adoptou um parecer revisto em 23 de Junho de 1999 (a seguir «parecer revisto»), do qual a AEAM informou a Comissão em 7 de Julho de 1999.

35
O referido parecer é acompanhado de uma adenda ao relatório de avaliação, igualmente com data de 23 de Junho de 1999 (a seguir «relatório de avaliação complementar»), que foi elaborado pelo CEF para expor os diferentes elementos que tomou em conta no âmbito do procedimento de avaliação.

36
O parecer revisto do CEF foi integrado pela Comissão num novo projecto de decisão e, após o Comité permanente dos medicamentos de uso humano, referido no artigo 73.° do Regulamento n.° 2309/93, ter emitido um parecer positivo sobre este projecto, em 13 de Agosto de 1999, a Comissão adoptou, em 25 de Agosto seguinte, a decisão que autoriza a colocação no mercado do medicamento de uso humano Ferriprox (a seguir «decisão impugnada»), a qual foi notificada à Apotex em 2 de Setembro de 1999. Em conformidade com o disposto no artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2309/93, a notificação da ACM foi publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 24 de Setembro de 1999 (JO C 270, p. 2).

37
Nos termos do artigo 12.°, n.° 4, do Regulamento n.° 2309/93, a AEAM divulgou, também em 25 de Agosto de 1999, o relatório público europeu de avaliação (European Public Assessment Report ou «EPAR», a seguir «relatório público de avaliação»), a fim de expor os motivos do seu parecer favorável à emissão da ACM. O referido relatório constitui a versão pública dos relatórios anteriormente elaborados pelo CEF no âmbito da avaliação científica do pedido de ACM, ou seja, o primeiro relatório de avaliação e o relatório de avaliação complementar.


Tramitação processual e pedidos das partes

38
Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Novembro de 1999, a recorrente interpôs o presente recurso com vista à anulação, por um lado, do parecer revisto e, por outro, da decisão impugnada.

39
Por requerimento separado, apresentado no mesmo dia, a recorrente pediu a suspensão da execução da decisão impugnada.

40
Por despacho de 7 de Abril de 2000, Fern Olivieri/Comissão (T‑326/99 R, Colect., p. II‑1985), o presidente do Tribunal de Primeira Instância indeferiu o pedido de suspensão da execução da decisão impugnada (a seguir «despacho de medidas provisórias»).

41
Em 8 de Fevereiro de 2000, a Apotex requereu que fosse admitida a sua intervenção em apoio dos pedidos da Comissão e da AEAM no processo principal. Este pedido de intervenção foi notificado às partes, as quais apresentaram as suas observações no prazo fixado. Por despacho de 14 de Março de 2000, o Tribunal (Quinta Secção) admitiu a intervenção da Apotex.

42
Por requerimento apresentado em 22 de Março de 2000, a Comissão e a AEAM levantaram uma questão prévia de admissibilidade nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Em 10 de Maio de 2000, a recorrente e a Apotex apresentaram as suas observações relativamente à questão prévia de admissibilidade. Por despacho de 15 de Junho de 2000, o Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) remeteu o conhecimento da questão prévia de admissibilidade para a decisão sobre o mérito da causa.

43
Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo, as partes foram convidadas, em 26 de Novembro de 2002, a apresentar vários documentos e/ou a responder por escrito a uma série de perguntas.

44
Por cartas da recorrente, de 3 de Fevereiro de 2003, da Comissão, de 31 de Janeiro de 2003, e da Apotex, de 3 de Fevereiro de 2003, as partes deram cumprimento às medidas de organização do processo determinadas pelo Tribunal.

45
Foram ouvidas alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal na audiência de 10 de Abril de 2003.

46
A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular a Decisão da Comissão de 25 de Agosto de 1999 [C(1999) 2820];

anular o parecer revisto do CEF de 23 de Junho de 1999;

condenar a Comissão nas despesas.

47
A Comissão e a AEAM concluem pedindo que o Tribunal se digne:

julgar o recurso inadmissível ou, se assim não entender, negar‑lhe provimento;

condenar a recorrente nas despesas.

48
A Apotex conclui pedindo que o Tribunal se digne:

julgar o recurso inadmissível ou, se assim não entender, negar‑lhe provimento;

condenar a recorrente nas despesas.


Questão de direito

A – Quanto à admissibilidade do pedido de anulação do parecer revisto

Argumentos das partes

49
A recorrente alega que o artigo 230.° CE não contém uma lista exaustiva das instituições cujos actos são passíveis de recurso (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 1986, Os Verdes/Parlamento, 294/83, Colect., p. 1339, n.os 21 e 23) e que a AEAM constitui um «órgão auxiliar dotado de prerrogativas específicas de natureza administrativa» cujos actos devem poder ser objecto de recurso de anulação (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Maio de 1989, Maurissen e União Sindical/Tribunal de Contas, 193/87 e 194/87, Colect., p. 1045, e conclusões do advogado‑geral M. Darmon no referido processo, Colect., p. 1055, n.° 54). Afirma igualmente que é necessário analisar os efeitos do parecer do CEF para saber se a legalidade do mesmo pode ser objecto de fiscalização (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1971, Comissão/Conselho, 22/70, Colect., p. 69). A este respeito, a recorrente considera que o parecer do CEF constitui o ponto culminante de um procedimento específico (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Março de 1967, Cimenteries e o./Comissão, 8/66 a 11/66, Colect. 1965‑1968, p. 555) e salienta que, embora o artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2309/93 esclareça que a Comissão não está vinculada ao referido parecer, é raro que esteja em posição de contradizer o CEF e, na maior parte dos casos, decide segui‑lo.

50
A Comissão e a AEAM, apoiadas pela Apotex, afirmam que o parecer revisto não é um acto recorrível na acepção do artigo 230.° CE, o qual refere que os pareceres não podem ser objecto de recurso de anulação e que não menciona a AEAM entre as instâncias cujos actos são susceptíveis de recurso. Afirmam igualmente que o parecer revisto constitui apenas um acto preparatório da decisão da Comissão sobre o pedido de ACM, que corresponde a uma etapa do processo de decisão que não vincula a Comissão e não confere qualquer direito nem impõe qualquer obrigação à recorrente, não lhe dizendo directa e individualmente respeito.

Apreciação do Tribunal

51
A fim de apreciar a admissibilidade do pedido de anulação do parecer revisto, formulado pela recorrente, há que averiguar se este parecer constitui um acto preparatório, ou seja, uma «medida interlocutória cujo objectivo é preparar a decisão final», a qual não constitui um acto susceptível de recurso no âmbito do artigo 230.° CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 10).

52
No caso presente, o artigo 10.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2309/93 prevê que, «[n]o prazo de 30 dias após a recepção do parecer, a Comissão deve elaborar um projecto de decisão a tomar quanto ao pedido, tendo em conta o direito comunitário». O artigo 10.°, n.° 1, terceiro parágrafo, esclarece que o projecto de decisão pode afastar‑se do conteúdo do parecer, desde que a Comissão fundamente pormenorizadamente os motivos de quaisquer divergências.

53
Assim, o parecer revisto constitui uma medida interlocutória cujo objectivo é preparar a decisão da AEAM. Trata‑se de um acto preparatório que não fixa definitivamente a posição da Comissão e que não é, por isso, passível de recurso na acepção da jurisprudência acima referida.

54
Consequentemente, deve ser julgado inadmissível o pedido de anulação do parecer revisto.

55
Assim sendo, na medida em que, no presente processo, a decisão impugnada confirma pura e simplesmente o parecer revisto, que é referido no seu quarto considerando, é de entender que o conteúdo do mesmo parecer como, aliás, o dos relatórios de avaliação que lhe servem de base fazem parte integrante da fundamentação da decisão impugnada, no que respeita, designadamente, à avaliação científica da deferiprona realizada pelo CEF e pelos seus relatores. O conteúdo do parecer revisto deve, assim, ser examinado no âmbito do pedido de anulação da decisão impugnada.

B – Quanto à admissibilidade do pedido de anulação da decisão impugnada

Argumentos das partes

56
A recorrente afirma que a decisão impugnada lhe diz directa e individualmente respeito, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE. No essencial, afirma que tem legitimidade para estar envolvida no processo administrativo, por ter chamado a atenção da AEAM para a existência de sérias dúvidas quanto à avaliação científica da deferiprona e por ser a única pessoa que pode garantir a autenticidade de certos relatórios de ensaios clínicos, nos quais se baseia a decisão impugnada e que foram apresentados de modo incorrecto pelo requerente da ACM.

57
Além disso, a recorrente realça que o seu interesse em agir no presente processo provém do facto de procurar proteger a saúde pública e a dos doentes que sofrem de talassemia e que, devido à sua participação nos ensaios LA‑01 e LA‑03, é a única pessoa que pode proteger esse interesse. A este respeito, sublinha que nenhum dos três relatórios relativos aos referidos ensaios, que foram transmitidos pela Apotex com o pedido de ACM, contém a sua assinatura, mesmo quando tal representa uma garantia essencial para a saúde pública (v. despacho de medidas provisórias, n.os 65 e 66). Por outro lado, a recorrente refere que, ao contrário dos recorrentes em causa no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Fevereiro de 2000, Micheli e o./Comissão (T‑183/97, Colect., p. II‑287), as suas capacidades clínicas foram devidamente tidas em conta e a sua interpretação dos resultados dos ensaios LA‑01 e LA‑03 foi criticada na decisão impugnada através das pretensas violações do protocolo que aí são referidas, o que serve igualmente de base ao seu interesse em agir para salvaguardar a sua reputação profissional.

58
A Comissão e a AEAM, apoiadas pela Apotex, afirmam que o recurso é inadmissível por falta de interesse em agir, uma vez que a reputação profissional da recorrente não pode constituir um verdadeiro interesse jurídico para efeitos do presente processo (acórdão Micheli e o./Comissão, já referido, n.° 40).

59
Quanto à questão de saber se a decisão impugnada diz individualmente respeito à recorrente, a Comissão e a AEAM, apoiadas pela Apotex, lembram que, uma vez que a recorrente não é destinatária da presente decisão, só pode afirmar que esta lhe diz individualmente respeito se tiver o direito de participar no processo de adopção dessa decisão, a fim de que os seus interesses sejam tomados em conta pela instituição (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão, 169/84, Colect., p. 391, n.os 23 a 25). Na falta desse direito, o Tribunal de Primeira Instância não reconhece a legitimidade do recorrente (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Agosto de 1995, Greenpeace e o./Comissão, T‑585/93, Colect., p. II‑2205).

60
No presente processo, a Comissão e a AEAM salientam que o Regulamento n.° 2309/93 só obriga a intervir o requerente da ACM, a AEAM e o seu órgão científico, o CEF, bem como a Comissão e os Estados‑Membros, sem conferir a outras pessoas ou entidades o direito de participarem no procedimento. Consequentemente, o facto de a recorrente ter participado na qualidade de investigadora em determinados ensaios clínicos relativos à deferiprona e o facto de ter comunicado unilateralmente ao CEF a sua opinião sobre a eficácia e a segurança desse produto não bastam para caracterizar o seu interesse individual, na ausência do direito subjectivo a ser ouvida ou de que os seus interesses sejam tomados em conta (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Junho de 1997, Merck e o./Comissão, T‑60/96, Colect., p. II‑849).

61
Assim, a Comissão e a AEAM afirmam que a obrigação de assinar o relatório do ensaio clínico que realizou, imposta ao investigador nos termos do ponto C, n.° 1, da quarta parte do anexo da directiva, não constitui uma «garantia processual» susceptível de individualizar a recorrente na acepção do acórdão Cofaz e o./Comissão, já referido. A referida assinatura não tem por objectivo, com efeito, levar a tomar em conta os interesses do investigador mas apenas garantir a autenticidade do relatório.

62
Do mesmo modo, embora a Comissão e a AEAM reconheçam que o CEF considerou devidamente que as informações relativas à segurança do medicamento comunicadas pela recorrente eram potencialmente importantes (em especial as contidas na carta do CEF à Comissão, de 20 de Maio de 1999), o que motivou a convocação do grupo de peritos, salientam, contudo, que o intercâmbio com a Apotex na sequência da comunicação dessas informações (em especial a carta do CEF à Apotex, de 20 de Maio de 1999, e as respostas da Apotex, de 26 de Maio e 1 de Junho de 1999) não indicam que a recorrente possua qualquer garantia processual nos termos do Regulamento n.° 2309/93 que a possa individualizar em relação à decisão impugnada.

63
Por outro lado, a Comissão e a AEAM, apoiadas pela Apotex, afirmam, no essencial, que, mesmo pressupondo que exista um risco para a reputação da recorrente devido às apreciações negativas sobre a qualidade dos seus trabalhos feitas no âmbito da decisão impugnada, tal não lhe confere por isso a legitimidade exigida para contestar a referida decisão, uma vez que o artigo 68.° do Regulamento n.° 2309/93 não permite que a Comissão tome em conta este tipo de elementos nas decisões de ACM (acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 1984, Clin‑Midy e o., 301/82, Recueil, p. 251, n.os 10 e 11; de 7 de Dezembro de 1993, Pierrel e o., C‑83/92, Colect., p. I‑6419, n.° 21, e de 2 de Abril de 1998, Norbrook Laboratories, C‑127/95, Colect., p. I‑1531, n.° 108). Os riscos hipotéticos para a reputação ou para a situação profissional da recorrente não podem, assim, tornar o recurso admissível (acórdão Micheli e o./Comissão, já referido).

64
Quanto à questão de saber se a decisão impugnada diz directamente respeito à recorrente, a Comissão e a AEAM lembram que resulta da jurisprudência que uma decisão só diz directamente respeito a uma pessoa quando a sua aplicação não dependa do exercício de um poder discricionário por um terceiro (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 1988, Arposol/Conselho, 55/86, Colect., p. 13, n.° 13). No essencial, deve existir um nexo directo entre o acto comunitário e a pessoa que o contesta. Ora, no caso presente, não foi adiantada qualquer prova que demonstre que os trabalhos da recorrente serviram de base ao pedido de ACM nem que demonstre que a decisão impugnada tem uma incidência imediata na apreciação da qualidade dos seus trabalhos e, potencialmente, na sua capacidade de obter financiamento para as investigações que conduz. Em todo o caso, mesmo que essas provas fossem apresentadas, as mesmas não demonstrariam que a recorrente é directamente afectada, uma vez que o efeito sobre a sua reputação só pode resultar de uma interpretação dos restantes membros da comunidade científica, os quais apreciam pessoalmente os factos tendo em conta uma multiplicidade de factores.

65
Por seu turno, a Apotex afirma que a recorrente não pode interpor um recurso de anulação invocando o interesse dos doentes afectados pela talassemia major, uma vez que não é representante desses doentes nem de uma associação de doentes, mas sim médica, e que unicamente faz referência às suas actividades clínicas no Canadá, sem indicar de que forma a aprovação do Ferriprox na Comunidade pode ter o mínimo efeito sobre os seus doentes. A Apotex salienta igualmente que os interesses relativos à saúde dos doentes não podem ser directamente afectados por uma ACM, uma vez que o Ferriprox é distribuído mediante receita. Assim, a Apotex deve, em primeiro lugar, comercializar o produto e cada médico deve, em seguida, receitá‑lo ao doente.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

66
Deve‑se, desde logo, verificar se existe um interesse em agir da parte da recorrente, uma vez que, na falta de interesse em agir, não há que analisar se a decisão impugnada lhe diz directa e individualmente respeito, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE (acórdão Micheli e o./Comissão, já referido, n.° 34).

67
A recorrente invoca dois tipos de interesse em agir no presente recurso: o interesse que decorre da protecção da saúde pública e o interesse relativo à defesa da sua reputação profissional.

1. Quanto ao interesse da recorrente em agir para protecção da saúde pública

a) Considerações gerais

68
A título liminar, é de salientar que, por força do artigo 152.° CE (ex‑artigo 129.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Tratado CE), deve ser garantido um nível elevado de protecção da saúde humana na definição e aplicação de todas as políticas e acções da Comunidade. Esta disposição implica que as instituições comunitárias são obrigadas a garantir que as suas decisões sejam tomadas atendendo aos melhores dados científicos disponíveis e que assentem nos resultados mais recentes da investigação internacional (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Setembro de 2002, Pfizer Animal Health/Conselho, T‑13/99, Colect., p. II‑3305, n.° 158, e Alpharma/Conselho, T‑70/99, Colect., p. II‑3495, n.° 171).

69
A este respeito, deve recordar‑se que, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 2309/93, a Comissão, para autorizar a colocação de um medicamento no mercado, deve verificar se as informações e documentos apresentados pelo requerente da ACM estão efectivamente correctos e demonstram de modo adequado e bastante a qualidade, segurança e eficácia desse medicamento. A decisão da Comissão de emitir uma ACM deve ser tomada, nos termos do terceiro considerando do Regulamento n.° 2309/93, no interesse da saúde pública, com base em critérios científicos objectivos de eficácia, qualidade e segurança do medicamento em causa, independentemente de questões de carácter económico ou outro.

70
Para que a Comissão possa dar cumprimento a estas obrigações, o Regulamento n.° 2309/93 e os actos para os quais remete prevêem regras precisas quanto à apresentação dos pedidos de autorização de colocação no mercado, à respectiva instrução e às decisões que se lhes seguem. Em especial, o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2309/93 prevê que «[o]s pedidos de autorização de medicamentos de uso humano devem ser acompanhados da informação e dos documentos referidos nos artigos 4.° e 4.°‑A da Directiva 65/65/CEE, no anexo da Directiva 75/318/CEE e no artigo 2.° da Directiva 75/319/CEE». Nos termos desta disposição, o requerente da ACM deve juntar ao pedido todas as informações relativas à avaliação científica do medicamento em questão e, especialmente, as informações correspondentes aos resultados de todos os ensaios clínicos efectuados, quer sejam favoráveis ou desfavoráveis ao produto (v. terceiro parágrafo da introdução e ponto A da quarta parte do anexo da directiva). O respeito das disposições enunciadas no artigo 6.°, n.° 1, do referido regulamento é essencial para assegurar a realização do objectivo fundamental de salvaguarda da saúde pública (despacho de medidas provisórias, n.° 66; v. igualmente, por analogia, acórdão Norbrook Laboratories, já referido, n.os 40 e 41).

71
No que respeita, mais exactamente, à questão da assinatura dos relatórios relativos aos ensaios clínicos, é de salientar, como faz a Comissão, que a indicação constante do ponto C, n.° 1, da quarta parte do anexo da directiva – segundo a qual o relatório final de um ensaio deste tipo deve ser assinado pelo investigador e, para os ensaios multicêntricos, por todos os investigadores ou pelo investigador coordenador principal – permite garantir a autenticidade do referido relatório cuja transmissão à Comissão incumbe ao requerente da ACM.

72
A aplicação destas disposições deve, em princípio, permitir à Comissão dar cumprimento às obrigações que lhe incumbem nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 2309/93 sem que, em princípio, lhe seja necessário obter ou verificar as informações relativas à avaliação científica do medicamento em causa junto de outras entidades para além do requerente da ACM.

73
Contudo, deve observar‑se que nenhuma das disposições da regulamentação comunitária aplicável proíbe que a Comissão, antes de emitir a ACM, siga um procedimento durante o qual outras pessoas que não o requerente da ACM lhe possam transmitir as suas observações a fim de lhe permitir cumprir a sua obrigação de verificar, no interesse da saúde pública, se todas as informações relativas à avaliação científica do medicamento em causa, quer sejam favoráveis ou desfavoráveis ao produto, lhe foram efectivamente comunicadas. O facto de esta legislação não conter qualquer disposição para esse efeito não pode impedir a Comissão de obter informações junto de um terceiro, quando isso for indispensável para salvaguardar o interesse da saúde pública.

b) Quanto à análise das informações transmitidas pela recorrente ao CEF e à Comissão

74
Deve, desde logo, analisar‑se o papel desempenhado pela recorrente nas diferentes fases do procedimento de avaliação científica da deferiprona, a fim de determinar o seu eventual interesse em agir no presente processo.

75
Na fase inicial, ou seja, até à intervenção da recorrente no procedimento de avaliação científica, o papel da Dr.a Olivieri caracteriza‑se, principalmente, pelo facto de os seus trabalhos sobre a deferiprona constituírem uma parte essencial das informações relativas à avaliação científica deste produto (v. n.os 15 a 21, supra).

76
Na sequência do pedido de ACM, a Comissão considerou a possibilidade de autorização de colocação da deferiprona no mercado tendo em conta apenas as informações comunicadas pela Apotex e analisadas pelo CEF no âmbito do procedimento de avaliação inicial.

77
Foi nesse momento que a recorrente comunicou ao CEF informações que implicaram a reabertura do procedimento de avaliação científica (v. n.os 27 a 30, supra).

78
É de salientar que foi por sua própria iniciativa que a Comissão suspendeu o procedimento de ACM e solicitou ao CEF que obtivesse esclarecimentos científicos suplementares. Esta iniciativa justifica‑se em relação ao objectivo fundamental de salvaguarda da saúde pública que enquadra os trabalhos da Comissão. Como foi referido supra, a legislação comunitária impõe, efectivamente, à Comissão que verifique se as informações e documentos apresentados pelo requerente da ACM estão correctos, a fim de lhe permitir avaliar a qualidade, a segurança e a eficácia do medicamento em causa e autorizar a sua colocação no mercado.

79
Nesta fase do procedimento de avaliação, a recorrente podia, assim, invocar o interesse da saúde pública para comunicar ao CEF informações susceptíveis de pôr em causa a avaliação científica inicial, dado que as informações que a Apotex tinha comunicado no pedido de ACM ou aquando do procedimento de avaliação não estavam completas. A recorrente podia igualmente enviar a sua própria análise dos resultados do ensaio clínico LA‑01, na medida em que considerava que o respectivo resumo feito pelo requerente da ACM sem o seu acordo estava incorrecto.

80
Assim, numa situação como a do presente processo em que as informações que foram directamente comunicadas pela recorrente ao CEF são susceptíveis de pôr em causa a avaliação científica inicial do medicamento em causa, como foi expressamente reconhecido na carta da Comissão de 15 de Junho de 1999, e em que a pessoa responsável pela autenticidade dos relatórios finais relativos a determinados ensaios clínicos contesta a veracidade das informações comunicadas sem o seu acordo pelo requerente da ACM, a Comissão é obrigada, no interesse da saúde pública, a examinar o conteúdo dessas informações. Se assim não proceder, a Comissão deixará de estar em condições de cumprir as suas obrigações nos termos do Regulamento n.° 2309/93.

81
Há que concluir que a recorrente desempenhou um papel essencial nos trabalhos relativos ao aperfeiçoamento da deferiprona e que as informações que transmitiu ao CEF permitiram que a Comissão verificasse, no interesse da saúde pública, que as informações e documentação com base nas quais foi autorizada a colocação no mercado deste medicamento eram simultaneamente completas e correctas. Nestas circunstâncias particulares, diria respeito à recorrente, eventualmente, uma decisão da Comissão que lhe fosse dirigida e recusasse a análise das informações que aquela tinha comunicado no âmbito do procedimento de avaliação científica da deferiprona ou uma decisão tácita de indeferimento que tivesse lugar no caso de a Comissão adoptar a decisão de ACM sem analisar as referidas informações, e a recorrente teria legitimidade para impugnar a legalidade de uma ou outra destas decisões no Tribunal de Primeira Instância.

82
Contudo, após a intervenção da recorrente, a suspensão do procedimento de ACM e o pedido de análise complementar decididos pela Comissão, a avaliação científica inicial da deferiprona foi alterada e completada pelo CEF. Tendo em conta a decisão impugnada e os pareceres e relatórios em que se baseia, nenhum dos argumentos adiantados pela recorrente no âmbito do presente recurso serve de apoio à tese segundo a qual a Comissão não tomou em conta as informações directamente comunicadas pela recorrente no âmbito do procedimento de avaliação.

83
No termo da avaliação científica, o CEF, cuja posição neste ponto a Comissão subscreve, justifica a ACM da deferiprona pelas seguintes razões:

em primeiro lugar, a indicação da deferiprona limita‑se estritamente ao tratamento da sobrecarga de ferro nos doentes que sofram de talassemia major e para os quais o tratamento pela deferroxamina está contra‑indicado ou é acompanhado de uma toxicidade severa;

em segundo lugar, a deferiprona é relativamente eficaz, no sentido de que favorece a eliminação do ferro e pode prevenir a sua acumulação em determinados doentes tratados com este produto, como demonstram os resultados obtidos por referência à concentração de soro de ferritina no quadro, designadamente, dos ensaios LA‑01, LA‑02 e LA‑03;

em terceiro lugar, apesar das informações relativas à eficácia inferior da deferiprona comparada à deferroxamina e à falta de informações que demonstrem que, a longo prazo, se verifica um balanço negativo de ferro, a ACM da deferiprona explica‑se pela ausência de outra solução terapêutica capaz de preservar a vida dos doentes visados pela indicação médica;

em quarto lugar, para obter informações consideradas necessárias para completar a avaliação científica da deferiprona, a ACM é acompanhada de numerosas obrigações específicas que requerem que a Apotex forneça dados suplementares.

84
Quanto aos efeitos da deferiprona sobre o coração, a recorrente comunicou directamente ao CEF ou aos seus membros várias informações relativas a esta questão, designadamente a informação de que, em 32% dos doentes tratados com deferiprona no âmbito do ensaio LA‑01, o excesso de ferro aparecia como dado novo ou era agravado. Resulta do processo que estas informações foram tidas em conta aquando da avaliação científica da deferiprona. Efectivamente, o resumo das características do produto, que consta do anexo I da decisão impugnada, adverte o médico assistente indicando que os dados disponíveis são limitados quanto ao efeito da deferiprona sobre a função cardíaca. Do mesmo modo, a fim de obter esses dados, a decisão impugnada requer à Apotex que forneça, no âmbito das obrigações específicas a seu cargo, dados comparativos suplementares sobre a sobrevivência, as insuficiências cardíacas e os dados relativos às avaliações por IRM obtidas no âmbito do ensaio LA‑01. A este respeito, deve salientar‑se que a obrigação relativa aos dados IRM tem em vista remediar o facto – reconhecido pela recorrente na audiência – de estes dados não terem sido comunicados ao CEF pela recorrente, apesar de esta os deter e de se recusar a transmiti‑los à Apotex.

85
Quanto aos efeitos da deferiprona sobre o fígado, a recorrente comunicou directamente ao CEF várias informações relativas a este aspecto, designadamente no que respeita ao risco de morte prematura provocado pela progressão da fibrose hepática. Resulta do processo que estas informações foram alvo da atenção do CEF e do grupo de peritos, no âmbito do procedimento de avaliação complementar. Efectivamente, o resumo das características do produto, que consta do anexo I da decisão impugnada, foi alterado em relação ao projecto inicial, a fim de melhor tomar em consideração os efeitos da deferiprona sobre a função hepática e de advertir, designadamente, o médico assistente quanto à dúvida que existe ainda relativamente à possibilidade de agravamento da fibrose hepática pela deferiprona e ao nexo existente entre a fibrose hepática e a hepatite C nos doentes com talassemia. Por outro lado, a decisão impugnada requer que a Apotex forneça dados complementares quanto à fibrose hepática em cerca de 30 doentes tratados com deferiprona durante quatro anos.

86
Quanto à concentração hepática em ferro, a recorrente comunicou directamente ao CEF os resultados obtidos a este respeito no âmbito do ensaio LA‑01. Resulta do processo que estes resultados foram avaliados aquando da análise complementar realizada pelo relator e pelo co‑relator do CEF e homologada pela Comissão na decisão impugnada. Além disso, a decisão impugnada requer que a Apotex forneça dados complementares sobre a eficácia e a segurança após quatro anos de tratamento com deferiprona em cerca de 100 doentes que sofram de talassemia. Nestas circunstâncias, a existência ou não das violações do protocolo invocadas pela Apotex e a afirmação constante do relatório público de avaliação – com base numa constatação efectuada no âmbito da avaliação inicial –, segundo a qual o protocolo do ensaio LA‑01 não foi seguido de modo satisfatório, são irrelevantes para a avaliação científica do CEF, o qual se pronunciou sobre os factos relativos aos resultados fornecidos pela recorrente.

87
Por outro lado, a recorrente comunicou directamente ao CEF as suas dúvidas quanto ao risco ligado à colocação da deferiprona no mercado, a qual podia ser prescrita fora das suas indicações e dessa forma ameaçar o processo vital dos doentes. Resulta dos autos que este risco foi tido em consideração no âmbito do procedimento de avaliação. Efectivamente, as conclusões do grupo de peritos e o relatório de avaliação complementar permitem verificar que as preocupações relativas a este risco referidas pela recorrente, na sua carta de 28 de Abril de 1999, foram analisadas no âmbito da avaliação científica e implicaram a adopção de medidas de vigilância a fim de lhes dar resposta. Assim, o CEF pediu à Apotex que se comprometesse a transmitir os dados relativos às vendas totais realizadas em cada Estado‑Membro no ano seguinte à decisão da ACM, o que a Apotex aceitou fazer, em carta de 23 de Junho de 1999. A este respeito, é de referir que, em resposta às perguntas feitas no âmbito das medidas de organização do processo, a Comissão esclareceu – sem ser contrariada pela recorrente – que as vendas de Ferriprox efectuadas pela Apotex permitiam cobrir as necessidades de cerca de 1 400 doentes entre as 2 000 pessoas susceptíveis, segundo a Comissão, de serem tratadas com deferiprona.

88
Assim, resulta do que antecede que as informações directamente comunicadas pela recorrente ao CEF foram devidamente examinadas e tomadas em conta no procedimento de avaliação complementar: algumas destas informações implicaram a alteração da referida avaliação, enquanto outras tinham já sido tidas em consideração para limitar as indicações terapêuticas da deferiprona ou ser objecto de uma das obrigações específicas impostas à Apotex na decisão impugnada.

89
Quanto às informações fornecidas pela requerente no pedido de ACM, a recorrente não tem razões para afirmar que o CEF e a Comissão não verificaram a exactidão e o carácter completo destas informações. Esta argumentação carece de apoio de facto, dado justamente que, na sequência da intervenção da recorrente e do pedido da Comissão de reabertura do procedimento de avaliação, o CEF verificou junto da Apotex, por carta de 20 de Maio de 1999, o carácter completo das informações científicas fornecidas no pedido de ACM e aquando do procedimento de avaliação inicial e que o CEF e o grupo de peritos, após análise das informações comunicadas pela Apotex – em resposta à carta do CEF de 20 de Maio de 1999 – e pela recorrente, concluíram que não havia que reconsiderar o parecer inicial favorável à emissão da ACM, a não ser para esclarecer o risco relativo à fibrose hepática e tomar em conta o risco de prescrição da deferiprona fora da sua indicação.

90
Do mesmo modo, é de salientar que a recorrente não pode alegar a existência de vício de forma pelo simples facto de faltar a sua assinatura no relatório do ensaio clínico LA‑01 (ou no relatório do ensaio clínico LA‑03) comunicado no pedido de ACM apresentado pela Apotex. Efectivamente, embora a legislação aplicável disponha que o relatório final do ensaio clínico deve ser assinado pelos investigadores ou pelo investigador principal (v. ponto C, n.° 1, da quarta parte do anexo da directiva), resulta igualmente desta legislação que, no caso de ensaio incompleto ou de ensaio interrompido, todas as informações relevantes relativas a esse ensaio devem ser fornecidas no âmbito do pedido de ACM (v. introdução do anexo da directiva). Tendo em conta a interrupção dos ensaios LA‑01 e LA‑03, a assinatura da recorrente nos relatórios dos referidos ensaios, que eram acompanhados de explicações das razões pelas quais a Apotex decidiu pôr‑lhes termo, não era formalmente exigida pela legislação aplicável. Além disso, resulta dos dados do processo que a recorrente forneceu ao CEF as informações necessárias para garantir a autenticidade dos resultados obtidos no quadro do ensaio LA‑01.

91
Consequentemente, é de concluir que, embora a recorrente tivesse o direito de se assegurar que o CEF e a Comissão iriam analisar as informações que transmitiu directamente ao CEF a fim de contribuir para a avaliação científica da deferiprona e garantir a autenticidade dos resultados obtidos no âmbito do ensaio LA‑01, este direito extinguiu‑se a partir do momento em que as referidas informações foram analisadas e tomadas em conta no quadro do procedimento de avaliação.

92
Consequentemente, a recorrente deixou de ter interesse em agir para contestar a legalidade da decisão impugnada no que respeita à análise da exactidão e do carácter completo das informações científicas relativas à deferiprona.

c) Quanto à avaliação científica feita pelo CEF e homologada pela Comissão

93
Contrariamente à Apotex, requerente da ACM e, nessa medida, destinatária da decisão impugnada, a recorrente não pode contestar, no âmbito de um recurso de anulação, a avaliação científica feita pelo CEF e homologada pela Comissão. É certo que a recorrente estava particularmente bem qualificada para fornecer ao CEF informações importantes e relevantes, devido ao seu estatuto de especialista reconhecida da talassemia major e da sua importante contribuição para as investigações sobre as quais se baseia o pedido da Apotex. Além disso, a Comissão era obrigada, no interesse da saúde pública, a tomar em consideração e a avaliar cuidadosamente os dados científicos e as opiniões que a recorrente lhe comunicou. Contudo, no quadro da legislação aplicável às ACM, o papel da recorrente não pode ser equiparado ao do requerente da ACM, o qual intervém no procedimento administrativo ao abrigo de um direito que essa legislação lhe confere. A participação da recorrente no procedimento de avaliação limita‑se, por isso, apenas à apresentação de informações relevantes sobre a deferiprona e não à avaliação científica desses dados com vista a autorizar a colocação no mercado do referido produto, tarefa que cabe exclusivamente à Comissão no âmbito dos procedimentos instituídos pelo Regulamento n.° 2309/93.

94
Efectivamente, ao contrário de outros procedimentos administrativos comunitários, designadamente no domínio das regras de concorrência, no decurso dos quais terceiros, ou seja, as partes interessadas ou potencialmente afectadas pela decisão da instituição, têm o direito de ser ouvidos pela Comissão antes de ser adoptada a decisão, o Regulamento n.° 2309/93 institui um procedimento puramente bilateral. Trata‑se, com efeito, de um procedimento entre o requerente e a Administração, durante o qual esta deve tomar em conta o interesse do requerente em obter a ACM e o interesse público relativo à protecção da saúde humana. A recorrente, na sua qualidade de terceiro, não pode participar neste procedimento nem arrogar‑se a qualidade de interlocutor do CEF e da Comissão quanto à avaliação dos dados científicos relativos ao medicamento em causa.

95
Consequentemente, a recorrente não tem interesse em agir para contestar a legalidade da decisão impugnada em nome da protecção da saúde pública, no que respeita à avaliação científica da deferiprona.

2. Quanto ao interesse em agir da recorrente para defesa da sua reputação profissional

96
A recorrente afirma também ter interesse em agir para defesa da sua reputação profissional, a qual foi posta em causa na decisão impugnada, que pôs de parte determinados resultados obtidos no âmbito do ensaio LA‑01, pelo facto de terem dado lugar a violações do protocolo.

97
Contudo, resulta do processo que, ao contrário do que a recorrente pode crer, a sua reputação profissional desempenhou um papel importante no quadro do procedimento de avaliação científica levado a cabo pelo CEF, tal como foi acima descrito (v., designadamente, n.os 78 a 81). Assim, foi tendo em consideração o papel que a recorrente desempenhou nos trabalhos relativos à elaboração do produto em causa e a sua reputação profissional que as observações que aquela transmitiu directamente ao CEF implicaram a reabertura do procedimento de avaliação, a convocação de um grupo de peritos e a alteração do projecto de decisão. O simples facto de, no termo da avaliação científica, ter sido concedida a ACM à Apotex, apesar das observações críticas formuladas pela recorrente, de modo algum implica um julgamento negativo sobre a sua reputação profissional nem a rejeição da sua própria avaliação científica. Deve recordar‑se, a este respeito, que a decisão que a Comissão tinha de tomar não exigia que se pronunciasse sobre o correcto fundamento ou não das duas propostas contraditórias apresentadas pela requerente e pela recorrente. O CEF e a Comissão tinham de realizar uma análise que consistia em ponderar, por um lado, o interesse da requerente em proceder à comercialização do medicamento e os benefícios que este pode implicar para as pessoas afectadas pela talassemia major e, por outro, os riscos potenciais para a saúde humana identificados pela avaliação científica ao longo do procedimento. O facto de o CEF e, posteriormente, a Comissão se terem pronunciado a favor da requerente e, ao assim procederem, a favor dos doentes potencialmente beneficiários do medicamento não implica que tenham concluído que os riscos identificados pela recorrente não existiam nem que as reservas que esta manifestou tenham assim sido postas de parte.

98
Acresce que, em qualquer caso, mesmo pressupondo que a reputação profissional da recorrente seja posta em causa na decisão impugnada, tal não lhe confere por isso interesse em agir para contestar a referida decisão, uma vez que o artigo 68.° do Regulamento n.° 2309/93 não permite que a Comissão tome em conta este tipo de elementos nas decisões de ACM (v., por analogia, acórdão Norbrook Laboratories, já referido, n.os 40 e 41).

99
Consequentemente, a recorrente não pode afirmar que lhe assiste um interesse em agir em nome da defesa da sua reputação profissional no presente processo.

3. Conclusão

100
Resulta do que antecede que a recorrente não pode invocar um interesse em agir em nome da protecção da saúde pública ou em nome da defesa da sua reputação profissional. Assim, não existindo interesse em agir contra a decisão impugnada, deve o presente recurso ser julgado inadmissível.


Quanto às despesas

101
Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas suas próprias despesas e nas efectuadas pela Comissão e pela AEAM, incluindo as respeitantes ao processo de medidas provisórias.

102
Por força do artigo 87.°, n.° 4, terceiro parágrafo, do mesmo regulamento, o Tribunal pode determinar que um interveniente suporte as suas próprias despesas. Consequentemente, a Apotex suportará as suas próprias despesas, tanto no processo principal como no processo de medidas provisórias.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)
O recurso é julgado inadmissível.

2)
A recorrente suportará as suas próprias despesas e as despesas efectuadas pela Comissão e pela Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

3)
A interveniente suportará as suas próprias despesas, tanto no processo principal como no processo de medidas provisórias.

García-Valdecasas

Lindh

Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de Dezembro de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Lindh


1
Língua do processo: inglês.