Language of document : ECLI:EU:C:2009:118

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

3 de Março de 2009 (*)

«Incumprimento de Estado – Violação do artigo 307.°, segundo parágrafo, CE – Não adopção das medidas adequadas para eliminar as incompatibilidades entre os acordos bilaterais celebrados com países terceiros antes da adesão do Estado‑Membro à União Europeia e o Tratado CE – Acordos celebrados pela República da Áustria com a República da Coreia, a República de Cabo Verde, a República Popular da China, a Malásia, a Federação da Rússia e a República da Turquia em matéria de investimentos»

No processo C‑205/06,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 5 de Maio de 2006,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por H. Støvlbæk, B. Martenczuk e C. Tufvesson, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República da Áustria, representada por C. Pesendorfer e G. Thallinger, na qualidade de agentes,

demandada,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada por M. Lumma e C. Blaschke, na qualidade de agentes,

República da Lituânia, representada por D. Kriaučiūnas, na qualidade de agente,

República da Hungria, representada por J. Fazekas, K. Szíjjártó e M. Fehér, na qualidade de agentes,

República da Finlândia, representada por A. Guimaraes‑Purokoski e J. Heliskoski, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, K. Lenaerts, M. Ilešič, A. Ó Caoimh e J.‑C. Bonichot (relator), presidentes de secção, G. Arestis, A. Borg Barthet, J. Malenovský, U. Lõhmus e E. Levits, juízes,

advogado‑geral: M. Poiares Maduro,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de Maio de 2008,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 10 de Julho de 2008,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, não tendo recorrido aos meios adequados para eliminar incompatibilidades relativas às disposições em matéria de transferência de capitais constantes dos acordos de investimento celebrados com a República da Coreia, a República de Cabo Verde, a República Popular da China, a Malásia, a Federação da Rússia e a República da Turquia, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 307.°, segundo parágrafo, CE.

 Quadro jurídico

2        A República da Áustria celebrou, antes da sua adesão à União Europeia, acordos de investimento bilaterais com a República Popular da China [que entrou em vigor em 11 de Outubro de 1986 (BGBl. 537/1986)], com a Malásia [que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1987 (BGBl. 601/1986)], com a Federação da Rússia [que entrou em vigor em 1 de Setembro de 1991 (BGBl. 387/1991), inicialmente celebrado com a ex‑União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e que passou a ser aplicável entre a República da Áustria e a Federação da Rússia através de uma troca de notas (BGBl. 257/1994)], com a República da Coreia [que entrou em vigor em 1 de Novembro de 1991 (BGBl. 523/1991)], com a República da Turquia [que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1992 (BGBl. 612/1991)] e com a República de Cabo Verde [que entrou em vigor em 1 de Abril de 1993 (BGBl. 83/1993)].

3        Estes acordos contêm uma cláusula segundo a qual cada parte garante aos investidores da outra parte, sem atrasos injustificados, a livre transferência em moeda livremente convertível dos pagamentos relacionados com um investimento.

 Procedimento pré‑contencioso

4        Considerando que os referidos acordos bilaterais podiam pôr em causa a aplicação das restrições aos movimentos de capitais e aos pagamentos que o Conselho da União Europeia pode adoptar ao abrigo dos artigos 57.°, n.° 2, CE, 59.° CE e 60.°, n.° 1, CE, a Comissão enviou à República da Áustria, em 12 de Maio de 2004, uma notificação para cumprir.

5        Por carta de 14 de Julho de 2004, este Estado‑Membro transmitiu à Comissão as suas observações sobre a referida notificação para cumprir. Alegou que as cláusulas controvertidas dos referidos acordos de investimento, por um lado, não afectavam negativamente as medidas de restrição aos movimentos de capitais e aos pagamentos previstas pelo Tratado CE e, por outro, não prejudicavam o voto, pelo referido Estado‑Membro, de medidas restritivas, não pondo em causa, por conseguinte, os poderes do Conselho no caso de este pretender adoptar essas medidas.

6        Considerando que os argumentos apresentados pela República da Áustria eram insuficientes e que este Estado‑Membro não tinha, contrariamente às exigências do artigo 307.°, segundo parágrafo, CE, recorrido aos meios adequados para eliminar as incompatibilidades relativas às disposições em matéria de transferência constantes dos diferentes acordos de investimento em causa, a Comissão enviou‑lhe, em 21 de Março de 2005, um parecer fundamentado.

7        Por carta de 19 de Maio de 2005, a República da Áustria transmitiu à Comissão as suas observações em resposta ao referido parecer fundamentado. Manteve os argumentos invocados nas suas observações sobre a notificação para cumprir e referiu‑se, além disso, à existência de uma possibilidade, no caso de a Comunidade Europeia desejar tomar medidas, de chegar a uma solução de consenso em conformidade com o mecanismo de resolução de conflitos constante dos acordos controvertidos. Afirmou igualmente que se encontrava previsto, no âmbito da revisão em curso do modelo austríaco de acordo de investimento bilateral, a adopção de uma cláusula de tipo «organizações internacionais de integração económica regional» (OIIER), tendo em consideração as eventuais restrições à livre circulação de capitais que poderiam ser decididas pela União ou pela Comunidade, na qual se baseariam todas as futuras negociações de convenções internacionais.

8        Considerando que estes argumentos não permitiam refutar as acusações formuladas no parecer fundamentado, a Comissão decidiu intentar a presente acção.

 Quanto à acção

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

9        Por carta de 30 de Julho de 2008, a República da Áustria pediu ao Tribunal de Justiça que ordenasse a reabertura da fase oral do processo em aplicação do artigo 61.° do Regulamento de Processo, com o fundamento de que a Comissão tinha formulado irregularmente uma nova acusação durante a fase oral, o que teve como consequência que as conclusões do advogado‑geral se basearam em factos e argumentos que não puderam ser utilmente debatidos entre as partes.

10      Com efeito, a Comissão sustentou, pela primeira vez e de modo sucinto, que a manutenção em vigor dos acordos de investimento bilaterais em causa era incompatível com o artigo 10.° CE.

11      Ora, segundo afirma a República da Áustria, o advogado‑geral, nos n.os 33 a 43 e 71 das suas conclusões, propôs ao Tribunal de Justiça que fundamentasse o incumprimento censurado no artigo 10.° CE, assim como nos artigos 57.°, n.° 2, CE, 59.° CE e 60.°, n.° 1, CE.

12      Além disso, conforme foi sublinhado por vários Estados‑Membros, a Comissão apresentou a sua argumentação, que subsequentemente evoluiu, muito tardiamente e de forma pouco clara.

13      A este respeito, há que recordar, por um lado, que o Tribunal de Justiça pode oficiosamente ou sob proposta do advogado‑geral, ou ainda a pedido das partes, ordenar a reabertura da fase oral do processo, ao abrigo do artigo 61.° do seu Regulamento de Processo, se considerar que não está suficientemente esclarecido ou que o processo deve ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre as partes (v. acórdãos de 14 de Dezembro de 2004, Swedish Match, C‑210/03, Colect., p. I‑11893, n.° 25, e de 14 de Setembro de 2006, Stichting Zuid‑Hollandse Milieufederatie, C‑138/05, Colect., p. I‑8339, n.° 23; despacho de 4 de Fevereiro de 2000, Emesa Sugar, C‑17/98, Colect., p. I‑665, n.° 18).

14      Por outro lado, nos termos do artigo 222.°, segundo parágrafo, CE, ao advogado‑geral cabe apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça, requeiram a sua intervenção. Uma vez que o Tribunal de Justiça não está vinculado pelas conclusões do advogado‑geral nem pela fundamentação em que estas se baseiam, não é indispensável reabrir a fase oral do processo, em conformidade com o disposto no artigo 61.° do Regulamento de Processo, sempre que o advogado‑geral suscite uma questão de direito que não foi objecto de debate entre as partes.

15      No caso em apreço, dado que o Tribunal de Justiça considera estar suficientemente esclarecido para se pronunciar e que não é necessário decidir o processo com base em argumentos não debatidos entre as partes, nomeadamente na audiência, o pedido de reabertura da fase oral do processo não deve ser deferido.

 Quanto à incompatibilidade dos acordos de investimento com o Tratado

 Argumentação das partes

16      A Comissão considera que o facto de não existir, nos acordos em causa, nenhuma cláusula que reserve expressamente à República da Áustria a possibilidade de aplicar as medidas que poderiam, eventualmente, ser decididas pelo Conselho com base nos artigos 57.° CE, 59.° CE e 60.° CE pode tornar mais difícil, ou mesmo impossível, o cumprimento por este Estado‑Membro das suas obrigações comunitárias e que, não tendo recorrido aos meios adequados para eliminar tal incompatibilidade, este Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 307.°, segundo parágrafo, CE.

17      A Comissão alega que, em caso de adopção pelo Conselho de restrições aos movimentos de capitais e aos pagamentos, o prazo necessário para a denúncia ou a renegociação dos acordos em causa teria por consequência obrigar a República da Áustria, por força do direito internacional, a continuar a aplicar, enquanto isso não acontecesse, os acordos em questão, incluindo a sua cláusula de transferência, em conformidade, aliás, com o previsto no artigo 307.°, primeiro parágrafo, CE. Donde resultaria que as medidas adoptadas pelo Conselho não seriam aplicadas uniformemente na Comunidade Europeia.

18      A República da Áustria considera que, não existindo restrições aos movimentos de capitais e aos pagamentos decididas pelo Conselho, é livre de regular a circulação de capitais com países terceiros com base no artigo 56.° CE. Sustenta que, enquanto o Conselho não decidir adoptar uma restrição, não se coloca a questão da compatibilidade das convenções em causa com uma disposição do Tratado que não foi objecto de aplicação.

19      A República Federal da Alemanha, a República da Lituânia, a República da Hungria e a República da Finlândia subscrevem os argumentos apresentados pela República da Áustria e consideram que os acordos de investimento em causa não são incompatíveis com as medidas comunitárias existentes em matéria de livre circulação de capitais, uma vez que estas medidas não os afectam. Segundo estes Estados‑Membros, o incumprimento invocado pela Comissão é meramente hipotético.

20      Os referidos Estados‑Membros alegam que o objectivo da acção por incumprimento prevista no artigo 226.° CE não é fiscalizar situações em que o incumprimento alegado tem carácter hipotético, mas sim pôr cobro aos incumprimentos efectivamente cometidos pelos Estados‑Membros.

21      A República Federal da Alemanha e a República da Hungria sublinham que uma incompatibilidade futura e eventual, com o direito comunitário derivado, de uma convenção concluída com um país terceiro não é abrangida pelo artigo 307.° CE e só pode eventualmente ser declarada se o Conselho fizer efectivamente uso da sua competência no domínio regulado por esse artigo.

22      A República da Finlândia refere que a Comissão não demonstra a existência do incumprimento alegado e não pode, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, basear‑se em presunções.

23      A República da Lituânia acrescenta que o objectivo do artigo 307.°, segundo parágrafo, CE não é assegurar a conformidade formal das disposições dos acordos internacionais celebrados pelos Estados‑Membros com o direito comunitário, mas sim velar pela aplicação das disposições de direito comunitário de modo eficaz, nomeadamente quando os Estados‑Membros tenham, anteriormente à data da respectiva adesão, concluído com Estados terceiros convenções internacionais sobre as mesmas matérias.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

24      Os diferentes acordos de investimento em causa, celebrados pela República da Áustria, contêm cláusulas equivalentes que garantem a liberdade de transferência, sem atrasos injustificados, dos pagamentos relacionados com um investimento em moeda livremente convertível.

25      São assim garantidas, em particular, a liberdade de transferir fundos com vista à realização de um investimento, à gestão e ao alargamento deste último, a liberdade de repatriar as receitas resultantes desse investimento, bem como a liberdade de transferir os fundos necessários para reembolsar empréstimos e os fundos provenientes da liquidação ou da cessão do referido investimento.

26      Esses acordos estão, nesta perspectiva, em conformidade com o teor do artigo 56.°, n.° 1, CE, nos termos do qual «[…] são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados‑Membros e entre Estados‑Membros e países terceiros», e do artigo 56.°, n.° 2, CE, nos termos do qual «[…] são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados‑Membros e entre Estados‑Membros e países terceiros», e vão no sentido do objectivo que esse artigo prossegue.

27      É verdade que as disposições do Tratado referidas na presente acção da Comissão conferem ao Conselho o poder de restringir, em determinadas circunstâncias, os movimentos de capitais e os pagamentos entre os Estados‑Membros e países terceiros, incluindo os movimentos visados pelas cláusulas de transferência em causa.

28      As disposições em questão, que figuram nos artigos 57.°, n.° 2, CE, 59.° CE e 60.°, n.° 1, CE, introduzem, a fim de proteger o interesse geral da Comunidade e para permitir a esta cumprir, se necessário, as suas obrigações internacionais e as dos Estados‑Membros, excepções ao princípio da livre circulação de capitais e de pagamentos entre os Estados‑Membros e entre estes e países terceiros.

29      O artigo 57.°, n.° 2, CE permite ao Conselho, deliberando por maioria qualificada sob proposta da Comissão, adoptar determinadas medidas restritivas relativas aos movimentos de capitais em relação, nomeadamente, a investimentos directos provenientes ou com destino a países terceiros. Quando essas medidas constituam «um retrocesso» da legislação comunitária em relação à liberalização dos movimentos de capitais provenientes ou com destino a países terceiros, é exigida a unanimidade.

30      O artigo 59.° CE autoriza o Conselho, sob proposta da Comissão e após consulta do Banco Central Europeu, a tomar medidas de salvaguarda sempre que os movimentos de capitais provenientes ou com destino a países terceiros «causem ou ameacem causar graves dificuldades ao funcionamento da União Económica e Monetária», desde que essas medidas sejam estritamente necessárias e sejam adoptadas por um período «não superior a seis meses».

31      O artigo 60.°, n.° 1, CE permite ao Conselho, sob proposta da Comissão, a fim de executar uma posição ou uma acção comuns no domínio da política externa e de segurança comum, tomar as «medidas urgentes necessárias» em matéria de movimentos de capitais e de pagamentos. Esta acção pode revelar­‑se necessária, por exemplo, para executar uma resolução do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.

32      É ponto assente que os acordos em causa não contêm nenhuma disposição que reserve estas possibilidades de limitação, pela Comunidade, dos movimentos de fundos relacionados com investimentos. Importa, por isso, verificar se a República da Áustria tinha, por esta razão, a obrigação de recorrer aos meios adequados a que o artigo 307.°, segundo parágrafo, CE se refere.

33      Nos termos do artigo 307.°, primeiro parágrafo, CE, as disposições do Tratado não prejudicam os direitos e obrigações decorrentes de uma convenção concluída anteriormente à data de adesão de um Estado‑Membro entre este e um Estado terceiro. Esta disposição tem por objecto precisar, de acordo com os princípios do direito internacional, que a aplicação do Tratado não afecta o compromisso de o Estado‑Membro interessado respeitar os direitos de Estados terceiros emergentes duma convenção anterior e observar as suas obrigações (v. acórdãos de 14 de Outubro de 1980, Burgoa, 812/79, Recueil, p. 2787, n.° 8; de 4 de Julho de 2000, Comissão/Portugal, C‑84/98, Colect., p. I‑5215, n.° 53, e de 18 de Novembro de 2003, Budĕjovický Budvar, C‑216/01, Colect., p. I‑13617, n.os 144 e 145).

34      O artigo 307.°, segundo parágrafo, CE obriga os Estados‑Membros a recorrer a todos os meios adequados para eliminar as incompatibilidades verificadas entre as convenções concluídas antes da sua adesão e o direito comunitário. De acordo com esta disposição, caso seja necessário, os Estados‑Membros auxiliar‑se‑ão mutuamente para atingir essa finalidade, adoptando, se for caso disso, uma atitude comum.

35      As disposições dos artigos 57.°, n.° 2, CE 59.° CE e 60.°, n.° 1, CE conferem ao Conselho uma competência para restringir, em determinadas hipóteses concretas, os movimentos de capitais e os pagamentos entre os Estados‑Membros e Estados terceiros.

36      Para assegurar o efeito útil das referidas disposições, é necessário que as medidas que restringem a livre circulação de capitais possam ser, no caso de serem adoptadas pelo Conselho, imediatamente aplicadas em relação aos Estados aos quais dizem respeito, que podem ser alguns dos Estados que tenham assinado um dos acordos em causa com a República da Áustria.

37      Por consequência, estas competências do Conselho, que consistem em adoptar unilateralmente medidas restritivas em relação a Estados terceiros numa matéria que é idêntica ou conexa com a regulada por um acordo anterior celebrado entre um Estado‑Membro e um Estado terceiro, revelam uma incompatibilidade com o referido acordo quando, por um lado, este não prevê uma disposição que permita ao Estado‑Membro em causa exercer os seus direitos e cumprir as suas obrigações como membro da Comunidade e quando, por outro, também não exista nenhum mecanismo de direito internacional que o permita.

38      Ora, contrariamente ao que sustenta a República da Áustria, as medidas por ela adoptadas e que, em sua opinião, lhe permitem cumprir as suas obrigações comunitárias não parecem garantir que assim seja.

39      Em primeiro lugar, os prazos inerentes a qualquer negociação internacional necessários para renegociar os acordos em causa são, por natureza, incompatíveis com o efeito útil dessas medidas.

40      Em segundo lugar, a possibilidade de recorrer a outros meios oferecidos pelo direito internacional, como a suspensão do acordo, ou mesmo a denúncia dos acordos em causa ou de algumas das suas cláusulas, produz efeitos demasiado incertos para garantir que as medidas tomadas pelo Conselho possam ser utilmente aplicadas.

41      Além disso, como indicou novamente na audiência, a República da Áustria prevê introduzir, nos acordos de investimento em negociação ou no momento da renovação dos acordos existentes, uma cláusula susceptível de reservar certas competências das organizações regionais e que permita, assim, aplicar as medidas restritivas dos movimentos de capitais e dos pagamentos adoptadas pelo Conselho.

42      Mesmo admitindo que essa cláusula possa, em princípio, conforme reconheceu a Comissão na audiência, ser considerada adequada para remover a incompatibilidade constatada, é ponto assente que, nos casos referidos pela Comissão, a República da Áustria não tomou, no prazo fixado por esta última no seu parecer fundamentado, nenhuma iniciativa em relação aos Estados terceiros em causa a fim de eliminar o risco de conflito com as medidas que o Conselho pode adoptar ao abrigo dos artigos 57.°, n.° 2, CE, 59.° CE e 60.°, n.° 1, CE que pode surgir da aplicação dos acordos de investimentos celebrados com esses Estados terceiros.

43      Acrescente-se que, como decorre do acórdão proferido neste mesmo dia no processo Comissão/Suécia (C‑249/06, ainda não publicado na Colectânea), as incompatibilidades com o Tratado resultantes dos acordos de investimento com Estados terceiros e que se opõem à aplicação das restrições aos movimentos de capitais e aos pagamentos que o Conselho pode adoptar ao abrigo dos artigos 57.°, n.° 2, CE, 59.° CE e 60.°, n.° 1, CE não se limitam ao Estado‑Membro demandado no presente processo.

44      Por conseguinte, cabe indicar que, de acordo com o artigo 307.°, segundo parágrafo, CE, caso seja necessário, os Estados‑Membros se auxiliarão mutuamente para eliminar as incompatibilidades constatadas, adoptando, se for caso disso, uma atitude comum. No âmbito da responsabilidade, que incumbe à Comissão por força do artigo 211.° CE, de velar pela aplicação das disposições do Tratado, compete a esta tomar qualquer iniciativa que possa facilitar a assistência mútua entre os Estados‑Membros em causa bem como a adopção pelos referidos Estados‑Membros de uma atitude comum.

45      Tendo em conta as considerações que precedem, há que declarar que, não tendo recorrido aos meios adequados para eliminar incompatibilidades relativas às disposições em matéria de transferência de capitais constantes dos acordos de investimento celebrados com a República da Coreia, a República de Cabo Verde, a República Popular da China, a Malásia, a Federação da Rússia e a República da Turquia, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 307.°, segundo parágrafo, CE.

 Quanto às despesas

46      Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República da Áustria e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas. Nos termos do n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo artigo, a República Federal da Alemanha, a República da Lituânia, a República da Hungria e a República da Finlândia, que intervieram no processo, suportarão as respectivas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      Não tendo recorrido aos meios adequados para eliminar as incompatibilidades relativas às disposições em matéria de transferência de capitais constantes dos acordos de investimento celebrados com a República da Coreia, a República de Cabo Verde, a República Popular da China, a Malásia, a Federação da Rússia e a República da Turquia, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 307.°, segundo parágrafo, CE.

2)      A República da Áustria é condenada nas despesas.

3)      A República Federal da Alemanha, a República da Lituânia, a República da Hungria e a República da Finlândia suportarão as respectivas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.