Language of document : ECLI:EU:T:2011:365

Processo T‑151/07

Kone Oyj e o.

contra

Comissão Europeia

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado da instalação e manutenção de elevadores e escadas rolantes – Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE – Manipulação dos concursos públicos – Repartição dos mercados – Fixação dos preços»

Sumário do acórdão

1.      Concorrência – Coimas – Orientações para o cálculo das coimas – Natureza jurídica

(Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

2.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Coerência entre os montantes impostos a várias empresas

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A)

3.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Obrigação de ter em consideração o impacto concreto no mercado – Inexistência – Papel preponderante do critério relativo à natureza da infracção

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A)

4.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Aplicação da comunicação sobre a cooperação – Poder de apreciação da Comissão

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão)

5.      Concorrência – Procedimento administrativo – Poderes de inspecção da Comissão – Decisão que ordena diligências de instrução – Dever de fundamentação – Alcance

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 20.°, n.° 4)

6.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Comunicação da Comissão relativa à não aplicação ou à redução das coimas em contrapartida da cooperação das empresas acusadas – Carácter imperativo para a Comissão

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão)

7.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Violação do princípio da igualdade de tratamento – Requisitos – Comparabilidade das situações

(Regulamento n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão)

8.      Concorrência – Procedimento administrativo – Respeito dos direitos de defesa – Acesso ao processo – Alcance – Recusa da comunicação de um documento – Consequências – Necessidade de efectuar, ao nível do ónus da prova que incumbe à empresa em causa, uma distinção entre documentos incriminatórios e ilibatórios

9.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Atitude da empresa durante o procedimento administrativo

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigos 18.°, n.° 1, e 20.°, n.° 3)

10.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Não aplicação ou redução da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada – Aplicação da comunicação sobre a cooperação – Redução por não contestação à margem da referida comunicação

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicações da Comissão 96/C 207/04 e 2002/C 45/03)

11.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Não aplicação ou redução da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada – Redução por não contestação dos factos – Requisitos

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 96/C 207/04 da Comissão, título D, ponto 2)

12.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Atitude da empresa durante o procedimento administrativo – Ilegalidade das reduções da coima concedidas às empresas que não reconheceram expressamente as alegações de facto da Comissão

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°)

1.      Embora as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA não possam ser qualificadas de regra jurídica que, em qualquer caso, a Administração está obrigada a observar, enunciam, no entanto, uma regra de conduta indicativa da prática a seguir, da qual a Administração não se pode afastar, num caso específico, sem apresentar razões compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento. Ao adoptar essas regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode afastar‑se dessas regras sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação de princípios gerais do direito, como os da igualdade de tratamento ou da protecção da confiança legítima. Além disso, as referidas orientações determinam, de maneira geral e abstracta, a metodologia que a Comissão se impôs para efeitos da fixação do montante das coimas e garantem, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas.

(cf. n.os 34‑36)

2.      Mesmo supondo que a Comissão, quando declara várias infracções muito graves numa única e mesma decisão, deva respeitar uma relação proporcional entre os montantes iniciais gerais das coimas e as dimensões dos diferentes mercados afectados, nada indica que tal montante fixado para um cartel num Estado‑Membro seja desproporcionado em relação aos montantes iniciais gerais fixados para os cartéis noutros Estados-Membros, uma vez que a Comissão fixa montantes iniciais de uma forma razoável e coerente, sem todavia recorrer a uma fórmula matemática precisa, a que, em quaisquer circunstâncias, não está obrigada.

(cf. n.os 54‑55)

3.      A gravidade das infracções ao direito da concorrência da União deve ser estabelecida em função de um grande número de elementos, como, designadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração. A este respeito, a dimensão do mercado em causa não é, em princípio, um elemento obrigatório, mas apenas um elemento pertinente, entre outros, para apreciar a gravidade da infracção. Aliás, a Comissão não está obrigada a proceder a uma delimitação do mercado em causa ou a uma apreciação da sua dimensão quando a infracção em causa tem um objectivo anticoncorrencial.

Com efeito, as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA não prevêem que o montante das coimas seja calculado em função do volume de negócios global ou do volume de negócios realizado pelas empresas no mercado em causa. Contudo, também não se opõem a que tais volumes de negócios sejam tomados em consideração para a determinação do montante da coima a fim de serem respeitados os princípios gerais de direito da União e quando as circunstâncias o exijam.

Neste contexto, dado que a Comissão não fixou montante inicial geral de uma coima por uma infracção relativa a um Estado‑Membro baseando‑se na dimensão do mercado afectado, mas fundou a sua decisão na natureza dessa infracção e na sua dimensão geográfica, a consideração segunda a qual o montante inicial geral da coima fixado para o cartel nesse Estado-Membro deveria reflectir a dimensão alegadamente limitada do mercado em causa baseia‑se, portanto, numa premissa errada e a decisão da Comissão não viola o princípio da proporcionalidade.

O mesmo se diga na falta de tomada em consideração do impacto da infracção no mercado. Com efeito, em conformidade com o ponto 1 A, primeiro parágrafo, das referidas orientações, a Comissão deve, no âmbito da avaliação da gravidade da infracção, proceder a uma análise do impacto concreto no mercado apenas quando se verificar que esse impacto é quantificável. Para apreciar esse impacto, compete à Comissão referir‑se ao jogo da concorrência que teria normalmente existido se não tivesse existido infracção. Todavia, quando a Comissão considera que era impossível medir os efeitos precisos de uma infracção no mercado, sem que as empresas envolvidas demonstrem o contrário, pode basear a sua decisão na natureza grave da infracção bem como na dimensão geográfica desta.

O efeito de uma prática anticoncorrencial não constitui, na verdade, um critério determinante para a apreciação da gravidade de uma infracção. Elementos atinentes ao aspecto intencional podem ter mais importância do que os que dizem respeito aos referidos efeitos, sobretudo quando estão em causa infracções intrinsecamente graves como a repartição dos mercados. Deste modo, a natureza da infracção desempenha um papel primordial, nomeadamente, para caracterizar as infracções de «muito graves». Resulta da descrição das infracções muito graves nas referidas orientações que os acordos e práticas concertadas que visam, nomeadamente a repartição dos mercados podem ser, apenas com base na sua natureza, qualificados de «muito graves», sem que seja necessário caracterizar estes comportamentos por um impacto ou um âmbito geográfico em particular. Esta conclusão é confirmada pelo facto de que, embora a descrição das infracções graves mencione expressamente o impacto no mercado e os efeitos em amplas zonas do mercado comum, a descrição das infracções muito graves, em contrapartida, não menciona nenhuma exigência de impacto concreto no mercado, nem de produção de efeitos numa zona geográfica particular.

Nestas condições, pela sua própria natureza, as infracções às regras da concorrência da União declaradas numa decisão da Comissão figuram entre as violações mais graves ao artigo 81.° CE quando têm por objecto uma concertação secreta entre concorrentes para repartirem os mercados ou bloquearem partes de mercado, repartindo os projectos de venda e de instalação de elevadores e/ou escadas rolantes novas, e para não concorrerem entre si quanto à manutenção e modernização de elevadores e escadas rolantes. Para além da grave alteração que provocam no jogo da concorrência, esses acordos, na medida em que obrigam as partes a respeitar mercados distintos, frequentemente delimitados pelas fronteiras nacionais, provocam o isolamento desses mercados, contrariando assim o objectivo principal do Tratado de integração do mercado comunitário. Consequentemente, as infracções deste tipo, em especial quando se trata de acordos horizontais, são qualificadas de particularmente graves ou de infracções manifestas.

(cf. n.os 32, 46‑47, 56, 61‑62, 64, 67‑69)

4.      A comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis constitui um instrumento destinado a especificar, no respeito do direito de nível superior, os critérios que pretende aplicar no âmbito do exercício do seu poder de apreciação na fixação das coimas em caso de infracção às regras da concorrência da União. Daí resulta uma autolimitação deste poder, que não é, porém, incompatível com a manutenção de uma margem de apreciação substancial pela Comissão.

Assim, a Comissão dispõe de uma ampla margem de apreciação quando é chamada a avaliar se elementos de prova fornecidos por uma empresa que tenha manifestado a sua vontade de beneficiar da comunicação sobre a cooperação apresentam um valor acrescentado significativo na acepção do ponto 21 da referida comunicação.

Do mesmo modo, depois de ter verificado existirem elementos de prova com um valor acrescentado significativo na acepção do ponto 21 da comunicação sobre a cooperação de 2002, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação quando é chamada a determinar o nível exacto da redução do montante da coima a atribuir à empresa em causa. Com efeito, o ponto 23, alínea b), primeiro parágrafo, da comunicação sobre a cooperação prevê margens para a redução do montante da coima para as diferentes categorias de empresas abrangidas. Tendo em conta a referida margem de apreciação, só o facto de esta margem ser manifestamente excedida pode ser censurado pelo Tribunal.

Para obter a imunidade das coimas ao abrigo do ponto 8, alínea b), da comunicação sobre a cooperação, a empresa deve ser a primeira a fornecer elementos de prova que, na opinião da Comissão, lhe permitam verificar a existência de uma infracção ao artigo 81.° CE.

Por outro lado, é a qualidade da cooperação de uma empresa que determina se a mesma pode beneficiar de imunidade de coimas ao abrigo desta disposição. Com efeito, não é suficiente que essa empresa tenha apresentado uma informação e elementos que permitiam a perseguição efectiva da infracção. Ainda que não seja necessário que os elementos de prova comunicados sejam suficientes para provar a infracção na sua totalidade ou nos seus mais ínfimos pormenores, estes devem, não obstante, ser de uma natureza, de uma precisão e de uma força probatória suficientes que permitam à Comissão declarar uma infracção ao artigo 81.° CE.

A este respeito, declarações redigidas de memória pelos seus dirigentes, que não se pode, portanto, excluir que contenham inexactidões, e declarações unilaterais não são suficientes para declarar uma infracção se não forem sustentadas por provas documentais precisas e concordantes. Com efeito, é necessário que a Comissão apresente, na sua decisão, provas precisas e concordantes para basear a firme convicção de que a infracção foi praticada.

Nestas condições, a Comissão não excede manifestamente a sua margem de apreciação quando recusa a imunidade de coima a uma empresa que forneceu elementos de prova de valor probatório limitado, não contemporâneos da infracção e uma parte dos quais não estava datado. A circunstância de essa empresa ter obtido essa imunidade para uma infracção do mesmo tipo cometida noutros Estados‑Membros não é pertinente a este respeito, uma vez que a natureza e a precisão das informações fornecidas em cada caso eram diferentes.

A Comissão também não excede manifestamente a margem de apreciação de que dispõe para avaliar a cooperação de uma empresa a fim de reduzir o montante da coima aplicada quando considera que elementos não contemporâneos, que negam o objecto anticoncorrencial de um cartel e são ambíguos, carecem de precisão suficiente para que se lhes possa atribuir um valor acrescentado significativo na acepção do ponto 21 da referida comunicação sobre a cooperação. Com efeito, quando uma empresa que não transmite, no âmbito do seu pedido de clemência, elementos de prova contemporâneos à Comissão comunica à mesma determinados elementos que lhe eram antes desconhecidos, só pode considerar‑se que estes reforçam de forma significativa a capacidade de a Comissão determinar a existência de um cartel se a empresa em causa demonstrar a relação entre essas informações e a existência do referido cartel, devendo a contribuição da empresa reforçar efectivamente a capacidade de a Comissão provar a existência da infracção. Assim, qualquer redução do montante da coima aplicada pela Comissão deve reflectir a contribuição efectiva da empresa para a determinação da existência da infracção pela Comissão.

(cf. n.os 80‑81, 83‑84, 91, 94, 97‑99, 100, 102‑103, 108, 111‑113, 117‑119, 122‑124, 162, 165, 169, 174‑176, 179)

5.      A Comissão deve, nas suas decisões que ordenam verificações, indicar claramente as presunções que são objecto da verificação. Contudo, não é necessário que a delimitação precisa do mercado em causa, a qualificação jurídica exacta das pretensas infracções e a indicação do período durante o qual essas infracções teriam sido cometidas constem de uma decisão de proceder a inspecções.

(cf. n.° 116)

6.      A Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis cria expectativas legítimas em que se baseiam as empresas que pretendam informar a Comissão da existência de um cartel. Em face da confiança legítima que as empresas que pretendam cooperar com a Comissão podem deduzir desta comunicação, a Comissão está, portanto, obrigada a com ela se conformar na apreciação, no âmbito da determinação do montante da coima aplicada a uma empresa, da cooperação desta. A este respeito, um operador económico não pode, em princípio, basear no mero silêncio da Comissão uma confiança legítima na concessão de uma imunidade de coimas.

(cf. n.os 127, 130, 186)

7.      A Comissão não pode, no âmbito da sua apreciação da cooperação prestada pelos membros de um cartel, desrespeitar o princípio da igualdade de tratamento. Não há violação do referido princípio, dado que as duas situações não são comparáveis, quando a Comissão, por um lado, concede a imunidade de comia a uma empresa cujas informações permitiram desencadear as primeiras verificações e, por outro, a recusa a outra empresa que forneceu informações depois de a Comissão ter efectuado essas primeiras verificações.

(cf. n.os 135, 137‑138, 140)

8.      O respeito dos direitos de defesa em qualquer procedimento susceptível de ter como resultado a aplicação de sanções, designadamente coimas ou sanções pecuniárias, constitui um princípio fundamental do direito da União que deve ser observado, mesmo tratando‑se de um processo que tenha natureza administrativa.

O acesso ao processo nos casos de concorrência tem designadamente por objecto permitir aos destinatários de uma comunicação de acusações tomar conhecimento dos elementos de prova que constam do dossier da Comissão, a fim de que se possam pronunciar de forma útil, com base nesses elementos, sobre as conclusões a que a Comissão chegou na comunicação de acusações. O acesso ao processo faz, assim, parte das garantias processuais que visam proteger os direitos de defesa e assegurar, em particular, o exercício efectivo do direito de ser ouvido.

A Comissão tem, pois, a obrigação de tornar acessível às empresas implicadas num processo de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE o conjunto dos documentos incriminatórios ou a favor das mesmas que tenha recolhido durante o inquérito, com ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, dos documentos internos da instituição e de outras informações confidenciais.

Por outro lado, a mera não comunicação de um documento incriminatório só constitui violação dos direitos de defesa se a empresa em causa demonstrar que a Comissão se baseou neste documento para sustentar a sua acusação relativa à existência de uma infracção e que essa acusação só podia ter sido provada através de uma referência ao referido documento.

Em contrapartida, quanto à não comunicação de um documento de defesa a empresa em causa deve demonstrar unicamente que a sua não divulgação pôde influir, em seu prejuízo, no desenrolar do processo e no conteúdo da decisão da Comissão. Basta assim que a empresa demonstre que poderia ter feito uso dos referidos documentos para a sua defesa, no sentido de que, se os pudesse ter invocado durante o procedimento administrativo, teria podido invocar elementos que não concordavam com as deduções feitas nessa fase pela Comissão e, consequentemente, teria podido influir, de uma maneira ou de outra, nas apreciações feitas por esta instituição na eventual decisão, pelo menos no que respeita à gravidade e à duração do comportamento que lhe era censurado, e, portanto, no nível da coima.

(cf. n.os 143‑147,151)

9.      Ao determinar o montante da coima a aplicar por uma infracção às regras da concorrência da União, uma redução do montante de uma coima com base na cooperação durante o procedimento administrativo só se justifica se o comportamento da empresa tiver permitido à Comissão declarar uma infracção com menos dificuldade e, sendo esse o caso, pôr‑lhe termo. Além disso, pode considerar‑se que uma empresa que declara expressamente que não contesta as alegações de facto sobre as quais a Comissão baseia as suas acusações contribuiu para facilitar a tarefa da Comissão que consiste na detecção e repressão das infracções às regras da concorrência da União.

Por outro lado, em conformidade com o artigo 18.°, n.° 1, e o artigo 20.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, as empresas são obrigadas a responder aos pedidos de informações e a submeterem‑se a investigações. Ora, uma cooperação no inquérito que não ultrapasse o que resulta das obrigações que incumbem às empresas por força destas disposições não justifica uma redução da coima.

Além disso, uma posição pretensamente flexível por parte de uma empresa no que diz respeito aos pedidos de tratamento confidencial das informações que a mesma comunica à Comissão não pode ser considerada como tendo facilitado a tarefa da Comissão. A este respeito, uma investigação não é entravada por pedidos de confidencialidade razoáveis e, de qualquer modo, compete à empresa em causa solicitar o tratamento confidencial dos dados que, segundo a mesma, não deviam ser divulgados a terceiros.

Daqui resulta que uma cooperação dentro de tais limites não pode suscitar uma confiança legítima quanto à redução do montante da coima.

(cf. n.os 204, 222)

10.    O direito de invocar a protecção da confiança legítima é extensivo a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a administração da União, ao fornecer‑lhe garantias precisas, lhe suscitou esperanças fundadas. Em contrapartida, uma pessoa não pode invocar uma violação do princípio da protecção da confiança legítima na falta de garantias precisas fornecidas pela administração. Constituem garantias desse tipo as informações precisas, incondicionais e concordantes que emanem de fontes autorizadas e fiáveis.

No âmbito da determinação do montante da coima a aplicar por uma infracção às regras da concorrência da União, anúncio, na comunicação de acusações, de que a Comissão prevê conceder uma redução do montante da coima pela cooperação não abrangida pela comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis não pode constituir uma garantia precisa quanto à dimensão ou à taxa de redução que seria eventualmente concedida às empresas em causa. Por conseguinte, tal afirmação em caso algum pode suscitar uma confiança legítima a este respeito.

Uma prática decisória anterior da Comissão também não pode suscitar uma confiança legítima das empresas quanto ao nível da redução da coima.

De qualquer modo, os operadores económicos não podem depositar uma confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada pelas instituições no âmbito do seu poder de apreciação. Deste modo, a aplicação eficaz das regras de concorrência da União exige que a Comissão possa em qualquer altura adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política.

(cf. n.os 206‑208, 210, 212)

11.    Para beneficiar de uma redução do montante da coima a título de não contestação dos factos, em conformidade com o Título D, ponto 2, segundo travessão, da comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis, uma empresa deve expressamente informar a Comissão de que não pretende contestar a materialidade dos factos após ter tomado conhecimento da comunicação de acusações. A este respeito, não se pode considerar que uma declaração de ordem geral segundo a qual a empresa em causa não contesta que a concertação, na medida em que é sustentada pelos factos constantes do processo da Comissão, dizia respeito a uma infracção única e continuada, tenha facilitado a tarefa da Comissão que consiste na detecção e na repressão das infracções às regras da concorrência da União. O mesmo se diga quando a não contestação foi meramente formal e ambígua e não teve qualquer efeito positivo sobre a determinação dos factos, tendo‑se a empresa em causa limitado a descrever a sua participação em termos puramente hipotéticos ou minimizando os efeitos anticoncorrenciais dos acordos que constituem infracção.

(cf. n.os 227, 230‑231)

12.    Ao determinar o montante da coima a aplicar por infracção às regras da concorrência da União no âmbito da apreciação da cooperação prestada pelos membros de um cartel, a Comissão não pode desrespeitar o princípio da igualdade de tratamento. Contudo, o respeito do princípio da igualdade de tratamento deve ser conciliado com o respeito do princípio da legalidade segundo o qual ninguém pode invocar, em seu benefício, uma ilegalidade cometida a favor de terceiro.

A este respeito, pode considerar‑se que uma empresa que declara expressamente que não contesta as alegações de facto em que a Comissão baseia as suas acusações contribui para facilitar a tarefa da Comissão que consiste em detectar e reprimir as infracções às regras da concorrência da União. Nas decisões em que declara uma infracção a estas regras, a Comissão pode considerar um comportamento desse tipo constitutivo de um reconhecimento das alegações de facto e portanto como um elemento de prova da exactidão das alegações em causa. Deste modo, tal comportamento pode justificar uma redução do montante da coima.

Tal não se verifica quando uma empresa contesta na sua resposta o essencial dessas alegações. Com efeito, ao adoptar esta atitude durante o procedimento administrativo, a empresa não contribui para facilitar a tarefa da Comissão.

(cf. n.os 234‑235)