Language of document : ECLI:EU:T:2012:98

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

2 de março de 2012 (*)

«Auxílios de Estado ― Setor financeiro ― Auxílio destinado a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro ― Injeção de capital com opção conferida ao beneficiário do auxílio entre o reembolso ou a conversão dos títulos ― Alteração das condições de reembolso durante o procedimento administrativo ― Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado comum ― Conceito de auxílio de Estado ― Vantagem ― Critério do investidor privado ― Relação necessária e proporcionada entre o montante do auxílio e a amplitude das medidas destinadas a permitir a compatibilidade do auxílio»

Nos processos T‑29/10 e T‑33/10,

Reino dos Países Baixos, representado por C. Wissels, Y. de Vries e M. de Ree, na qualidade de agentes, assistidos por P. Glazener, advogado,

recorrente no processo T‑29/10,

ING Groep NV, com sede em Amesterdão (Países Baixos), representada inicialmente por O. Brouwer, M. Knapen e J. Blockx, advogados, e em seguida por O. Brouwer, J. Blockx e M. O’Regan, solicitor,

recorrente no processo T‑33/10,

apoiada por:

De Nederlandsche Bank NV, com sede em Amesterdão (Países Baixos), representada inicialmente por B. Nijs e G. van der Klis, e em seguida por G. van der Klis, M. Petite e S. Verschuur, e por último por M. Petite e S. Verschuur, advogados,

contra

Comissão Europeia, representada por H. van Vliet, L. Flynn e S. Noë, na qualidade de agentes,

recorrida,

que têm por objeto pedidos de anulação parcial da Decisão 2010/608/CE da Comissão, de 18 de novembro de 2009, relativa ao auxílio estatal C 10/09 (ex N 138/09) aplicado pelos Países Baixos em relação ao mecanismo subsidiário de cobertura de ativos ilíquidos e plano de reestruturação do ING (JO 2010, L 274, p. 139),

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, S. Frimodt Nielsen (relator) e H. Kanninen, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 12 de julho de 2011,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

1        A recorrente no processo T‑33/10, ING Groep NV (a seguir «ING»), é uma instituição financeira com sede social em Amesterdão (Países Baixos) e que oferece serviços de banca, de investimentos, de seguros de vida e de planos de pensões a particulares, a sociedades e a clientes institucionais em mais de 40 países. O ING é composto por duas entidades jurídicas principais, a saber, ING Bank NV (a seguir «ING Bank») e ING Verzekeringen NV (a seguir «ING Insurance»). No final de 2008, o balanço consolidado do ING era de 1 332 mil milhões de euros, dos quais mais de 75% eram imputáveis às suas atividades bancárias [considerando 12 da Decisão 2010/608/CE da Comissão, de 18 de novembro de 2009, relativa ao auxílio estatal C 10/09 (ex N 138/09) aplicado pelos Países Baixos em relação ao mecanismo subsidiário de cobertura de ativos ilíquidos e plano de reestruturação do ING (JO 2010, L 274, p. 139, a seguir «decisão impugnada»].

2        Para a boa compreensão do litígio, cumpre, em primeiro lugar, apresentar sucintamente as diferentes medidas de auxílio concedidas ao ING pelo Reino dos Países Baixos com vista a solucionar uma perturbação grave da economia desse país devido à crise financeira mundial, em segundo lugar, indicar as principais etapas cronológicas dos procedimentos administrativos instaurados pela Comissão Europeia a respeito dessas medidas e, em terceiro lugar, expor o conteúdo da decisão impugnada, muito particularmente no que respeita aos elementos mais relevantes para o exame dos presentes recursos.

1.     Medidas de auxílio concedidas ao ING

3        Resulta do ponto 2.3 da decisão impugnada que o ING beneficiou de três medidas de auxílio por parte do Reino dos Países Baixos, a saber, uma injeção de capital (a seguir «primeira medida de auxílio» ou «injeção de capital»), uma medida relativa aos ativos depreciados (a seguir «segunda medida de auxílio» ou «medida relativa aos ativos depreciados), também chamada dispositivo de apoio aos «ativos ilíquidos», e diversas garantias concedidas para dívida de médio prazo (a seguir «terceira medida de auxílio»).

4        A primeira medida de auxílio consistia num aumento de capital realizado em 11 de novembro de 2008, mediante a criação de mil milhões de títulos ING sem direito de voto nem direito a dividendo, integralmente assumidos pelo Reino dos Países Baixos a um preço de emissão de 10 euros por título. Esta operação permitiu ao ING aumentar o seu capital de base dito «Core Tier 1» (nível 1) em 10 mil milhões de euros. Com base nas condições de reembolso contidas no acordo de subscrição de capital a este respeito celebrado entre o Reino dos Países Baixos e o ING, os títulos deviam ser comprados a 15 euros por título (o que representava um prémio de reembolso de 50% relativamente ao preço de emissão), ou, no final de três anos, ser convertidos em ações ordinárias. Se o ING mantivesse a opção de conversão, as autoridades neerlandesas tinham, no entanto, a possibilidade de obter por parte do ING a aquisição de títulos ao preço unitário de 10 euros, acrescido de juros vencidos. Só devia ser pago um cupão sobre os títulos ao Reino dos Países Baixos se o ING pusesse em pagamento um dividendo sobre as ações ordinárias.

5        Subsequentemente, o Reino dos Países Baixos e o ING alteraram as condições de reembolso de uma parte da injeção de capital. As novas normas previam que o ING podia recomprar até 50% dos títulos ao seu preço de emissão, acrescido dos juros vencidos em relação ao cupão anual de 8,5% e de um prémio de reembolso antecipado (também designado «penalização por reembolso antecipado») quando a cotação das ações do ING se situasse acima de 10 euros. Esse prémio podia ascender a um montante máximo de 705 milhões de euros e incluía um montante mínimo de 340 milhões de euros, o que garantia uma taxa de rentabilidade interna mínima de 15%.

6        Em 21 de dezembro de 2009, o ING readquiriu 50% dos seus títulos criados no âmbito do aumento de capital realizado em 11 de novembro de 2008, num montante correspondente ao preço de emissão desses títulos, acrescido do cupão de 8,5% e de um prémio de reembolso antecipado próximo do limite mínimo, de modo que o rendimento total obtido pelo Reino dos Países Baixos a partir da data da sua emissão atingiu a taxa de rentabilidade interna mínima de 15%. As opções de reembolso e de conversão dos outros títulos criados no quadro do referido aumento de capital permaneceram inalteradas.

7        A segunda medida de auxílio consistia numa medida de troca dos fluxos de tesouraria relativas aos ativos depreciados relativamente a uma carteira dita «Alt‑A» de títulos cobertos por créditos hipotecários residenciais concedidos nos Estados Unidos, cujo valor tinha caído consideravelmente.

8        A terceira medida de auxílio consistia em prestar garantias sobre os compromissos assumidos pelo ING no valor de 9 mil milhões de dólares dos Estados Unidos (dos quais 8,25 mil milhões já tinham sido emitidos) e de 5 mil milhões de euros (dos quais 4,15 mil milhões já tinham sido emitidos). Estas garantias foram concedidas pelo Reino dos Países Baixos em contrapartida de uma comissão.

2.     Procedimentos administrativos relativos a estas medidas de auxílio

9        Em 22 de outubro de 2008, o Reino dos Países Baixos notificou a Comissão da primeira medida de auxílio (processo N  528/08).

10      Em 12 de novembro de 2008, a Comissão adotou a decisão C (2008) 6936, no processo N 528/08, relativa ao auxílio concedido pelo Reino dos Países Baixos ao ING (a seguir «decisão inicial»). Nesta decisão, considerou, no termo de uma análise que tomava em conta «as considerações de política pública e as necessidades do ING», que motivariam a intervenção do Estado neerlandês, e «outras considerações que um investidor privado de modo nenhum teria em conta», que a compra dos títulos ING pelo Estado neerlandês continha um elemento de auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE (considerandos 36 a 51 da decisão inicial). Contudo, a Comissão referiu que essa medida era conforme com o mercado comum na aceção do artigo 87.°, n.° 3, alínea b), CE, na medida em que visava corrigir uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro devido à crise financeira mundial (considerandos 52 a 70 da decisão inicial). Consequentemente, decidiu não levantar objeções contra a referida medida e aprovou‑a, a título de medida urgente em face da crise financeira, por um período de seis meses. A Comissão também referiu que essa medida seria reexaminada no termo do referido período de seis meses para, nomeadamente, examinar se era suscetível de garantir a viabilidade do ING a longo prazo. Por fim, precisou que, se as autoridades neerlandesas introduzissem um plano de reestruturação credível a esse respeito nesse período de seis meses (a seguir «plano de reestruturação»), a validade da decisão inicial seria automaticamente prorrogada até que adotasse uma decisão sobre esse plano (considerandos 71 a 74 da decisão inicial).

11      Em 4 de março de 2009, o Reino dos Países Baixos notificou a Comissão da segunda medida de auxílio (processo C 10/09, ex N 138/09).

12      Em 17 de março de 2009, realizou‑se uma reunião entre a Comissão, o Reino dos Países Baixos, o ING e a De Nederlandsche Bank NV (a seguir «DNB»), banco central dos Países Baixos, que é igualmente a autoridade de supervisão dos bancos e das companhias de seguros neerlandesas. Nessa reunião, a Comissão indicou que considerava que era necessário um plano de reestruturação de alcance considerável para poder autorizar definitivamente a medida de injeção de capital e a medida relativa aos ativos depreciados.

13      Por carta de 31 de março de 2009, a Comissão notificou o Reino dos Países Baixos da sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE (JO C 158, p. 13, a seguir «decisão de início do procedimento»), devido a dúvidas quanto à conformidade de determinados aspetos da medida relativa aos ativos depreciados com a Comunicação da Comissão relativa ao tratamento dos ativos depreciados no setor bancário da Comunidade (JO 2009, C 72, p. 1). Essa medida foi, no entanto, autorizada por um período de seis meses (ponto VI da decisão de início do procedimento). Na decisão de início do procedimento, é igualmente referido que o Estado neerlandês se tinha comprometido a apresentar até 12 de maio de 2009 um plano de reestruturação que abrangesse tanto a medida de injeção de capital como a medida relativa aos ativos depreciados (considerando 83 da decisão de início do procedimento).

14      Em 24 de abril de 2009, realizou‑se uma reunião entre a Comissão, o Reino dos Países Baixos, o ING e o DNB. Nessa reunião, a Comissão indicou que as medidas de auxílio acima referidas no n.° 3 não seriam aprovadas se o ING não estivesse disposto a aceitar importantes medidas em matéria de reestruturação para restaurar a sua viabilidade e reduzir as distorções de concorrência geradas (a seguir «medidas compensatórias»). Em especial, a Comissão considerava que o ING devia ser sujeito a uma proibição de aquisições, aceitar um compromisso em matéria de liderança de preços e a alienação de ativos para além dos previstos pelo ING, designadamente as suas participações em três entidades: um banco com intervenção nos Países Baixos, uma entidade com intervenção nos Estados Unidos e uma entidade com intervenção na Europa.

15      Em 12 de maio de 2009, o Reino dos Países Baixos notificou a Comissão de um plano de reestruturação relativo ao ING. Esse plano era estruturado em conformidade com o plano comunicado pela Comissão em 2 de abril de 2009 e incluía uma proposta do ING de reduzir o valor do seu balanço num montante considerado significativo com referência ao valor do balanço apurado em 30 de setembro de 2008. O ING considerava que não eram necessárias medidas compensatórias adicionais, dado que as medidas de auxílio acima referidas no n.° 3 não levavam a distorções de concorrência identificáveis. Esse plano de reestruturação foi completado por informações suplementares apresentadas em 7 de julho de 2009. Nessa ocasião, o ING apresentou uma argumentação pormenorizada para sustentar a sua afirmação de que não havia distorções de concorrência.

16      Em 14 de julho de 2009, realizou‑se uma primeira reunião entre a Comissão, o Reino dos Países Baixos, o ING e o DNB para discutir o plano de reestruturação apresentado em 12 de maio de 2009. A Comissão iniciou essa reunião por uma apresentação dos elementos que considerava necessários para aprovar esse plano. Durante essa apresentação, intitulada «Enquadramento de reestruturação do ING ― Apresentação de arranque», indicou nomeadamente, em primeiro lugar, que esse plano não era um plano de reestruturação credível, em segundo lugar, que, no caso de não aprovação desse plano pelos seus serviços, a medida de injeção de capital e a medida relativa aos ativos depreciados deveriam ser consideradas auxílios ilegais que era necessário recuperar e, em terceiro lugar, que essa aprovação devia ocorrer até meados de agosto de 2009, de modo a permitir uma decisão no fim de setembro de 2009. Aproveitou ainda essa apresentação para prestar, sob o título «As pedras angulares do quadro da reestruturação estão fixadas», uma visão geral pormenorizada das medidas compensatórias que considerava necessárias. Do número das medidas compensatórias solicitadas pela Comissão, faziam parte uma proibição completa de qualquer aquisição, uma proibição de exercer uma influência decisiva nos preços no setor da banca retalhista nos Países Baixos e significativas cessões de ativos nos Países Baixos, na Bélgica e ao nível do grupo.

17      Em 31 de julho de 2009, o DNB enviou uma carta à Comissão para a informar das suas obrigações legais no direito neerlandês em matéria de regulação e supervisão das instituições financeiras nos Países Baixos. Nessa carta, evocou igualmente o direito da União Europeia, na medida em que contribuía, através do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC), para a boa condução das políticas desenvolvidas no que se refere à supervisão prudencial das instituições de crédito e à estabilidade do sistema financeiro (na aceção do artigo 105.°, n.° 5, CE. Neste contexto, observava que, nos termos do direito neerlandês, devia emitir uma «declaração de não objeção» (Verklaring van geen bezwaar) a qualquer medida de reestruturação financeira relativa ao ING, tendo em conta, nomeadamente, a importância desse estabelecimento para a economia neerlandesa e a necessidade de este dispor de suficiente capital para cumprir as suas obrigações. Finalmente, o DNB comunicava à Comissão a sua intenção de evitar qualquer situação em que tivessem de impor medidas contraditórias ao ING no âmbito da reestruturação projetada.

18      Em 5 de agosto de 2009, realizou‑se uma segunda reunião entre a Comissão, o Reino dos Países Baixos, o ING e o DNB para discutir o plano de reestruturação apresentado pelo ING. Nessa reunião, o ING indicou os motivos pelos quais o plano de reestruturação proposto em 12 de maio de 2009 devia ser aceite pela Comissão. Em resposta, a Comissão voltou a indicar que considerava que o referido plano era insuficiente.

19      Em 10 de agosto de 2009, o ING, por um lado, e o DNB, por outro, apresentaram formalmente à Comissão as suas observações sobre a medida relativa aos ativos depreciados que era objeto do procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE (processo C 10/09, ex N 138/09). O DNB observou que a Comissão não tinha solicitado observações quanto à medida relativa à injeção de capital e precisou que, se se verificasse que a Comissão investigava essa medida de uma forma mais aprofundada, teria observações a apresentar, devido ao seu papel de autoridade de supervisão. Chamou ainda a atenção da Comissão para o facto de, em seu entender, a análise preliminar de uma medida de auxílio não se prestar à imposição de medidas compensatórias, pois não permitia a terceiros interessados apresentarem observações adequadas. No que respeita à medida relativa aos ativos depreciados propriamente dita, indicou, no essencial, que o ING era uma empresa viável que só necessitava de uma ajuda do Estado neerlandês devido à crise financeira mundial, que os elementos relativos ao valor da carteira de títulos adquiridos e à remuneração do Estado neerlandês estavam corretamente apreciados, que não havia que atribuir um prémio de garantia e que o plano de reestruturação que tinha sido apresentado estava em conformidade com o que estava previsto na situação presente.

20      Em 13 de agosto de 2009, o ING apresentou à Comissão, por intermédio do Reino dos Países Baixos, um novo plano de reestruturação. O ING indicou, a este respeito, que essa proposta era ditada pela vontade de evitar que a Comissão apresentasse a ação de recuperação da injeção de capital que tinha anunciado se não lhe fosse apresentado antes de meados de 2009 um plano de reestruturação credível e pelo facto de a Comissão lhe poder impor unilateralmente todas as exigências em matéria de reestruturação que entendesse. Este novo plano era baseado nos pedidos da Comissão e previa várias cessões de ativos que conduziam a uma redução do seu balanço que representava mais do dobro do valor proposto antes. Como alternativa à alienação das suas participações nas três entidades referidas pela Comissão, o ING previa ceder uma dessas entidades, a interveniente nos Estados Unidos, e uma outra entidade que constituía a sua principal atividade de seguros nos Países Baixos.

21      Em 15 de agosto de 2009, o DNB informou a Comissão de que as consequências prudenciais para o ING da cessão do banco interveniente nos Países Baixos, que tinha sido sugerida pela Comissão, eram tais que era altamente improvável que o ING obtivesse do DNB uma declaração que indicasse que não tinha qualquer objeção a esse respeito.

22      Em 18 de agosto de 2009, o Estado neerlandês transmitiu ao ING uma cópia de um correio eletrónico que lhe tinha sido enviado por N. Kroes, membro da Comissão responsável pela concorrência, que indicava como seria possível chegar a um resultado satisfatório do seu ponto de vista. Primeiro, o membro da Comissão responsável pela concorrência era da opinião de que «o ING não podia ser considerado um banco fundamentalmente são no respeitante aos procedimentos de exame dos auxílios de Estado», dado que tinha recebido auxílios sob a forma de recapitalização e de medida relativa aos ativos depreciados que representavam mais de 2% dos seus ativos ponderados pelo risco (risk weighted assets, a seguir «RWA»). Segundo, essa pessoa referia a diferença que existia ainda entre as partes no respeitante à avaliação do valor da carteira dita «Alt‑A», bem como o nível da remuneração que devia ser atribuído ao Estado neerlandês. Em terceiro lugar, afirmou que ainda eram necessários progressos no respeitante ao plano de reestruturação. A este respeito, sublinhava que a proposta de cessão da principal atividade de seguros do ING nos Países Baixos ia no bom caminho, mas que era necessário fazer mais. Em seu entender, o essencial respeitava, nomeadamente, à necessidade de corrigir as distorções de concorrência no mercado do banco de retalho nos Países Baixos. A este respeito, assinalava que, tendo em conta a forte posição do ING nesse mercado, que estava concentrado, não havia outra solução se não proceder a cessões de ativos de dimensão crítica para tornar viável a entrada de um novo agente. Por último, referia que, «a menos que [fossem] alcançados progressos seguros esta semana, não ser[ia] possível ter uma decisão positiva, no final de setembro».

23      Em 21 de agosto de 2009, o membro da Comissão responsável pela concorrência enviou uma carta ao DNB para lhe indicar, em resposta à carta de 31 de julho de 2009, que a necessidade de garantir a estabilidade financeira era particularmente importante para a Comissão e que as opiniões expressas nesse ponto pelas autoridades de supervisão seriam tomadas em consideração. Quanto à avaliação das medidas de reestruturação, recordou, porém, que a Comissão dispõe de competência exclusiva para apreciar os efeitos no mercado comum. Por fim, indicou ter registado as observações enviadas pelo DNB no que respeita ao processo C 10/09 (ex N 138/09).

24      Em 1 de setembro de 2009, o Reino dos Países Baixos apresentou à Comissão um relatório de peritagem económica sobre a competitividade do mercado neerlandês da banca retalhista e dos seguros, realizado com base em dados recentes e que confirmam, segundo os seus autores, a afirmação de que o mercado da banca retalhista, embora relativamente concentrado, era concorrencial e eficaz.

25      Em 8 de setembro de 2009, após discussões com a Comissão, o Reino dos Países Baixos apresentou uma proposta de cessão diferente no respeitante ao mercado da banca retalhista nos Países Baixos. Em vez do banco interveniente nos Países Baixos, o ING cederia um banco hipotecário, concretamente, o Westland Utrecht Hypotheekbank (a seguir «WUH»), e todas as atividades da Interadvies, uma das suas entidades apoiada pela Nationale Nederlanden. Por correio eletrónico de 14 de setembro de 2009, a Comissão indicou ao Reino dos Países Baixos que essa proposta era claramente insuficiente.

26      Em 15 de setembro de 2009, a Comissão prorrogou a autorização da medida relativa aos ativos depreciados (considerando 4 da decisão impugnada).

27      Em 25 de setembro de 2009, o DNB enviou uma carta à Comissão a fim de lhe apresentar todas as razões que o levaram a concluir, enquanto autoridade de supervisão das atividades financeiras do ING, que essa empresa era viável no plano financeiro, tanto antes como depois da obtenção do auxílio concedido pelo Reino dos Países Baixos. Esta precisão parecia‑lhe necessária porquanto o DNB pretendia evitar que a Comissão se pronunciasse de forma errada sobre esta questão no âmbito de um exame relativo às regras de concorrência.

28      Em 6 de outubro de 2009, o membro da Comissão responsável pela concorrência enviou um correio eletrónico ao ING, nomeadamente a fim de fazer o ponto da situação das discussões relativas ao plano de reestruturação. A este respeito, sugeria várias opções para se chegar a uma solução, incluindo o aumento da remuneração do Estado neerlandês em contrapartida da medida relativa aos ativos depreciados ou a cessão de uma entidade do ING interveniente na Alemanha além do WUH/Interadvies. Por último, referia que se o ING não tomasse a sério o procedimento, a Comissão não teria tido outra opção que não fosse iniciar um procedimento de investigação aprofundada e que, assim, o ING «perderia a oportunidade».

29      Em 12 de outubro de 2009, o ING apresentou à Comissão, por intermédio do Reino dos Países Baixos, um plano de reestruturação. Fazendo referência à opinião divergente do ING em vários aspetos e pondo em evidência a sua intenção de não apresentar outras medidas de desinvestimento, especialmente no seu mercado doméstico, esse plano referia‑se várias vezes às propostas feitas pelo membro da Comissão responsável pela concorrência no correio eletrónico de 6 de outubro de 2009. Em especial, o plano previa várias cessões que conduzissem a uma redução do balanço do ING em 45%, ou seja, cerca de três vezes o que tinha sido proposto no plano de reestruturação apresentado em 12 de maio de 2009, uma proibição de toda e qualquer aquisição e compromissos de atuação, como exigidos pela Comissão.

30      Em 16 de outubro de 2009, a Comissão pediu para o ING e o DNB retirarem as observações que tinham sido apresentadas em 10 de agosto de 2009 no âmbito do procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE (processo C 10/09, ex N 138/09).

31      Em 21 de outubro de 2009, o ING enviou uma carta à Comissão a fim de lhe indicar que aceitava, a pedido da Comissão, retirar essas observações para lhe permitir adotar, até 18 de novembro de 2009, uma decisão definitiva relativa às medidas de auxílio acima referidas no n.° 3. Nessa carta, o ING referiu, no entanto, que essa sociedade considerava que o custo da medida relativa aos ativos depreciados tinha sido corretamente avaliado. Em resposta, a Comissão indicou, por correio eletrónico, que não podia aceitar uma carta do ING que indicava que era ela quem tinha pedido a retirada das suas observações. A Comissão esclareceu que tinha necessidade de uma carta que indicasse apenas que o ING retirava as suas observações, uma vez que essas observações tinham perdido a relevância à luz do acordo e da decisão prevista («We need a letter that simply states that ING is withdrawing its observations because they are [no] longer valid in view of the settlement and the expected decision»). Para acabar, a Comissão salientou que nenhuma diligência seria levada a cabo no respeitante a esse processo decisório enquanto não recebesse essa carta («Once again, I will not start the decision process before I have not [sic] received such a letter»). Na sequência desta mensagem de correio eletrónico, o ING enviou uma nova carta, datada de 21 de outubro de 2009, para responder às expectativas da Comissão.

32      No mesmo dia, o DNB enviou igualmente uma carta à Comissão para lhe indicar que aceitava revogar as suas observações, a pedido da Comissão, na medida em que esta considerava que essa retirada era necessária para lhe permitir chegar a uma solução em tempo útil no respeitante à injeção de capital e ao dispositivo de apoio aos «ativos ilíquidos». O DNB salientou que, mesmo embora continuasse a apoiar os argumentos apresentados nas suas observações, estava pronto para os retirar, uma vez que isso permitiria pôr termo à incerteza que o ING enfrentava, e era, portanto, no interesse da estabilidade financeira. No dia seguinte, na sequência dos pedidos da Comissão nesse sentido, o DNB enviou‑lhe de novo uma carta indicando, dessa vez, que desistia das suas observações, sem que fosse feita referência, nessa ocasião, ao facto de essa retirada ter sido pedida pela Comissão e sem se referir ao «interesse da estabilidade financeira».

33      Em 22 de outubro de 2009, o Reino dos Países Baixos apresentou o plano de reestruturação revisto do ING. Nessa data, foi igualmente comunicada à Comissão uma alteração das condições de reembolso acima evocadas no n.° 4 (a seguir «alteração das condições de reembolso»).

34      Em seguida, houve várias trocas entre a Comissão e o ING a respeito, designadamente, por um lado, dos elementos tidos em conta no âmbito das novas condições de reembolso e, por outro, da natureza material e do alcance geográfico da proibição de liderança de preços pretendida pela Comissão.

35      Em 6 de novembro de 2009, às 4 h 12 m, a Comissão enviou ao Reino dos Países Baixos e ao ING um projeto relativo à primeira parte da decisão que tencionava adotar pedindo‑lhes que verificassem os dados nele mencionados antes das 10 horas. Esse projeto incluía 92 considerandos e referia os n.os 1 a 4 do que iria ser a decisão impugnada, a saber, os pontos relativos ao procedimento, à descrição dos factos, à apresentação do plano de reestruturação e às razões da instauração de um inquérito. No considerando 30 do referido projeto, que viria a ser o considerando 34 da decisão impugnada, após a menção da alteração do acordo do reembolso comunicada pelo Reino dos Países Baixos, era indicado que, por um lado, «[p]or outras palavras, tendo em conta que o ING teria normalmente de pagar um prémio de reembolso no valor de 2,5 mil milhões de EUR, esta alteração traduz‑se numa vantagem adicional para o ING avaliada entre 1,79 e 2,2 mil milhões de EUR, consoante a cotação das ações do ING», e, por outro lado, que «[o] Estado neerlandês explicou que a alteração se destinava a proporcionar ao ING condições de reembolso semelhantes às que tinham sido concedidas à SNS [...] e à Aegon [...] relativamente às injeções de capital que receberam do Estado neerlandês».

36      Por correio eletrónico de 6 de novembro de 2009, enviado à 8 h 45 m, o ING indicou à Comissão que o prazo indicado para responder era muito difícil de respeitar para rever um documento de 23 páginas e perguntou se era possível um pouco de flexibilidade quanto à hora em que as observações deviam ser formuladas. Por mensagem de correio eletrónico do mesmo dia, enviada às 11 h 02 m, o ING indicou à Comissão que já tinha quase terminado de preparar os seus comentários e que seriam enviados em breve. O ING, referia, porém, que uma proposta feita pela Comissão no respeitante ao compromisso em matéria de liderança de preços não tinha ainda sido aceite pelas pessoas responsáveis e era ainda objeto de discussão interna. Por mensagem de correio eletrónico do mesmo dia, enviada às 11 h 15 m, a Comissão respondeu que estava à espera dos comentários do ING, precisando que o que tinha pedido era saber se o projeto transmitido continha erros factuais e não ter comentários sobre o texto proposto, mesmo embora lesse esses comentários.

37      O ING enviou nesse dia os seus comentários à Comissão, que respondeu que a maior parte deles não eram erros factuais, mas propostas destinadas à aprovação de outra redação. A Comissão também pediu alguns esclarecimentos sobre determinados comentários feitos pelo ING, que respondeu no correio eletrónico enviado em 6 de novembro de 2009 às 19 h 37 m.

38      Em 18 de novembro de 2009, a Comissão adotou a decisão impugnada.

3.     Conteúdo da decisão impugnada

39      Apesar do título da decisão impugnada, no qual apenas se refere a segunda medida de auxílio (processo N 138/09), a Comissão pronuncia‑se igualmente na referida decisão sobre o auxílio concedido ao abrigo da injeção de capital (processo N 528/08) (v., designadamente, considerandos 1, 32 a 35, 97 a 100, 133, 156, e artigo 2.°, primeiro e segundo parágrafos, da decisão impugnada) e sobre o auxílio concedido ao abrigo das garantias sobre as dívidas a médio prazo aprovadas pelas decisões da Comissão relativas ao regime neerlandês de garantias (processos N 524/08 e N 379/09).

40      Quanto às garantias concedidas pelo Reino dos Países Baixos nos termos da terceira medida de auxílio, a decisão impugnada indica que estas são abrangidas pelo regime neerlandês de garantias autorizado inicialmente pela decisão da Comissão de 30 de outubro de 2008 (processo N 524/08), e em seguida novamente pela decisão da Comissão de 7 de julho de 2009 (processo N 379/09) (considerando 5 da decisão impugnada).

41      Na parte introdutória da decisão impugnada, a Comissão indica que deu aos Estados‑Membros e às outras partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações em conformidade com o que é exigido pelo Tratado CE. Quanto a este ponto, refere‑se à decisão de início do procedimento (v. n.° 13 supra) e salienta que não recebeu nenhuma observação das partes interessadas.

42      No ponto 2 «Descrição dos factos», a Comissão apresenta a injeção de capital e a alteração das condições de reembolso nos considerandos 33 a 35 da decisão impugnada do seguinte modo:

«(33) O preço por valor mobiliário da emissão foi fixado em 10 EUR para uma injeção total de 10 mil milhões de EUR nos fundos próprios do nível 1. Por iniciativa do ING, os valores mobiliários podem ser recomprados ao preço de 15 EUR por título (que corresponde a um prémio de reembolso de 50% face ao preço de emissão), ou, findo um período de três anos, podem ser convertidos em ações ordinárias na proporção de uma ação por cada valor mobiliário. Caso o ING acione a opção de conversão, o Estado neerlandês pode optar pelo reembolso alternativo dos valores mobiliários ao preço de 10 EUR por título, acrescido dos juros vencidos. O Estado neerlandês apenas terá direito a receber um cupão, se for pago um dividendo relativo às ações ordinárias.

(34) No quadro do plano de reestruturação, o Estado neerlandês apresentou uma alteração ao acordo de reembolso dos valores mobiliários do nível 1 por parte do ING. Nos termos das condições alteradas, o ING poderá recomprar até 50% dos valores mobiliários do nível 1 ao preço de emissão (10 EUR), acrescido dos juros vencidos em relação ao cupão anual de 8,5% (cerca de 253 milhões de EUR) e de uma penalização por reembolso antecipado quando a cotação das ações do ING se situar acima de 10 EUR. A penalização por reembolso antecipado aumenta em função da cotação das ações do ING. Para efeitos de cálculo do prémio de reembolso antecipado, o aumento da cotação das ações está limitado a 12,45 EUR [...]. A esse nível, a penalização é igual a 13% anualizados. A penalização por reembolso antecipado poderia atingir o valor máximo de 705 milhões de EUR, caso os 5 mil milhões de EUR fossem reembolsados no prazo de 400 dias a contar da data de emissão. Além disso, o prémio da penalização tem um limite mínimo de 340 milhões de EUR, o que garante uma taxa interna de rentabilidade de 15% para os Países Baixos. Por outras palavras, tendo em conta que o ING teria normalmente de pagar um prémio de reembolso no valor de 2,5 mil milhões de EUR, esta alteração traduz‑se numa vantagem adicional para o ING avaliada entre 1,79 e 2,2 mil milhões de EUR, consoante a cotação das ações do ING. O Estado neerlandês explicou que a alteração se destinava a proporcionar ao ING condições de reembolso semelhantes às que tinham sido concedidas à SNS [...] e à Aegon [...] relativamente às injeções de capital que receberam do Estado neerlandês. As condições de reembolso antecipado apenas podem ser aplicadas ao reembolso de 5 mil milhões de EUR (ou seja, 50% da injeção de capital inicial).

(35) O ING pode optar por exercer a opção de recompra antes de 31 de janeiro de 2010, podendo essa data ser prorrogada até 1 de abril de 2010 mediante acordo com o Estado neerlandês e em virtude de circunstâncias excecionais de mercado, caso o ING consiga demonstrar que não havia condições económicas para angariar fundos próprios de base do nível 1 suficientes para reembolsar cinco mil milhões de EUR antes dessa data. Tal prorrogação estaria sujeita à aprovação da Comissão. O ING tenciona exercer a opção de recompra antes de 1 de janeiro de 2010. As opções de reembolso e conversão sobre os restantes 50% permanecem inalteradas.»

43      No âmbito da sua apreciação do auxílio à luz do artigo 87.°, n.° 1, CE, a Comissão indica o seguinte, no ponto 5.1 «Existência de auxílios», nos considerandos 97 a 99 da decisão impugnada:

«(97) A Comissão já determinou na decisão de início do procedimento que a recapitalização do ING constitui um auxílio estatal no montante do capital injetado, ou seja, 10 mil milhões de EUR.

(98) A alteração do prémio de reembolso também constitui um auxílio estatal na medida em que o Estado abdica do seu direito a obter receitas. Visto que o ING já aceitou um prémio de reembolso de 150%, qualquer redução equivale a receitas não recebidas. A modificação das condições de reembolso da injeção de capital do Estado neerlandês traduz‑se num benefício adicional para o ING. Este benefício representa um auxílio suplementar no valor aproximado de 2 mil milhões de EUR, conforme indicado no considerando 34.

(99) No que respeita [à medida relativa aos ativos depreciados], a Comissão considerou na decisão de início do procedimento que essa medida constitui um auxílio estatal. O montante do auxílio resultante [dessa medida] corresponde à diferença entre o preço de transferência (baseado no valor económico real) e o preço de mercado da carteira transferida [...] A diferença entre o preço de transferência e o preço de mercado da carteira transferida cifra‑se em 6,5 mil milhões de dólares, o que equivale a cerca de cinco mil milhões de EUR [29]. Por conseguinte, considera‑se que o auxílio resultante [da medida relativa aos ativos depreciados] se cifra em cinco mil milhões de EUR.»

44      Em seguida, a Comissão examinou o modo como os auxílios em causa tinham sido distribuídos no seio do ING, a fim de avaliar o respetivo montante em consideração dos RWA do ING:

«(100) A injeção de capital no valor de 10 mil milhões de EUR foi inicialmente afetada no interior do grupo da seguinte forma: cinco mil milhões de EUR para o ING Bank, quatro mil milhões de EUR para a ING Insurance e mil milhões de EUR a nível da holding. O ING pode, em qualquer altura, transferir verbas da injeção de capital entre o ING Bank, a ING Insurance e a nível da holding.

(101) Além disso, 85% dos fluxos de tesouraria transferidos para o Estado neerlandês ao abrigo [da medida relativa aos ativos depreciados] cobrem ativos detidos pelo ING Bank e 15% cobrem ativos detidos pela ING Insurance. Por conseguinte, do montante total do auxílio resultante do auxílio AD (5 mil milhões de EUR), 4,25 mil milhões são imputáveis ao ING Bank e 0,75 mil milhões de EUR à ING Insurance.

(102) Assim, o montante total do auxílio para o ING Bank ascende a 9,25 mil milhões de EUR [que representam 2,7% dos [RWA] do ING Bank [...], o montante total do auxílio para a ING Insurance ascende a 4,75 mil milhões de EUR (que representam 50% dos requisitos da margem de solvência da ING Insurance [...]) e mil milhões de EUR permanecem a nível da holding.

(103) Para efeitos de simplificação e coerência com os termos utilizados na Comunicação relativa aos ativos depreciados, o montante total do auxílio pode também ser expresso apenas em [RWA] do ING Bank. Nesse caso, somando ambos os auxílios e o auxílio suplementar resultante da redução do prémio de reembolso de dois mil milhões de EUR, obtém‑se um elemento de auxílio de aproximadamente 17 mil milhões de EUR, que equivale a cerca de 5% dos ativos ponderados pelo risco do ING Bank.»

45      Para concluir a apreciação da existência do auxílio, a Comissão indica, no considerando 106, tendo em conta todas as medidas de auxílio concedidas ao ING:

«(106) No total, o ING irá, portanto, receber auxílios à reestruturação até ao valor de [12‑22] mil milhões de EUR em garantias de liquidez e cerca de 17 mil milhões de EUR em auxílios de outra natureza, que equivalem a cerca de 5% dos [RWA] do banco.»

46      Em conclusão da sua análise das medidas concedidas ao ING, a Comissão refere, nos considerandos 155 a 157 da decisão impugnada:

«(155) Conclui‑se, em primeiro lugar, com base nas alterações apresentadas pelo Estado neerlandês em 20 de outubro de 2009, que [a medida relativa aos ativos depreciados] está em conformidade com a Comunicação relativa aos ativos depreciados, devendo, por conseguinte, ser declarad[a] compatível com o mercado comum nos termos do artigo 87.°, n.° 3, alínea b), [CE].

(156) Conclui‑se, em segundo lugar, que as medidas de reestruturação com vista a permitir que o ING restabeleça a sua viabilidade a longo prazo são suficientes no que respeita à repartição dos encargos, bem como apropriadas e proporcionais para compensarem os efeitos de distorção da concorrência das medidas de auxílio em questão. O plano de reestruturação apresentado cumpre os critérios da Comunicação relativa à reestruturação e deve, por conseguinte, ser considerado compatível com o mercado comum nos termos do artigo 87.°, n.° 3, alínea b), [CE]. As medidas de injeção de capital e as garantias que já foram concedidas podem, por isso, ser prolongadas em conformidade com o plano de reestruturação. No entanto, devem ser levantadas as restrições temporárias ao crescimento do balanço impostas na decisão relativa ao processo N 528/08.

(157) Conclui‑se, em terceiro lugar, que as medidas de auxílio suplementares apresentadas no quadro do plano de reestruturação, ou seja, a modificação das condições de recompra dos ativos do nível 1 ao Estado neerlandês e as garantias previstas no que se refere à dívida, devem igualmente ser declaradas compatíveis com o mercado comum nos termos do artigo 87.°, n.° 3, alínea b), [CE], dado o alcance das medidas para evitar distorções do mercado contempladas no plano de reestruturação e o facto de o auxílio contribuir para que o beneficiário reforce a sua viabilidade. Esta conclusão também é aplicável ao auxílio resultante da alteração das condições de reembolso do capital concedido pelo Estado neerlandês.»

47      Consequentemente, no artigo 2.° da decisão impugnada, a Comissão indica, no primeiro parágrafo, que «[o] auxílio à reestruturação concedido pelo Estado neerlandês ao ING constitui um auxílio estatal na aceção do artigo 87.°, n.° 1, [CE]» e, no segundo parágrafo, que esse «auxílio é compatível com o mercado comum, sob reserva dos compromissos enumerados no anexo II».

48      Resulta do anexo II que devem ser respeitados diversos compromissos, designadamente:

–        O balanço do ING deverá, antes do fim de 2013, ser reduzido em 45% relativamente ao balanço em 30 de setembro de 2008 [ou seja, uma redução de 616 mil milhões de euros em relação aos 1 376 mil milhões de euros (v. considerando 54 da decisão impugnada)]. Para esse efeito, o ING terá de ceder o seu ramo dos seguros, o ING Direct US e outras entidades (v. considerando 57 da decisão impugnada), de acordo com um calendário de previsão de etapas no final de 2011, de 2012 e, finalmente, de 2013: 20% da redução de balanço total antes do fim de 2011; 30% até ao fim de 2012 e 45% até ao fim de 2013. A Comissão pode conceder uma prorrogação do prazo final em resposta a um pedido formulado pelos Países Baixos.

–        O Reino dos Países Baixos obriga‑se a que o ING respeite a proibição de proceder a aquisições durante três anos a contar da data da decisão, ou até integral reembolso dos valores mobiliários. A Comissão pode aprovar uma aquisição se isso se revelar essencial para salvaguardar a estabilidade financeira ou a concorrência nos mercados em causa.

–        O Reino dos Países Baixos obriga‑se a proibir o ING de assumir qualquer liderança em matéria de preços. Sem autorização prévia da Comissão, o ING não oferecerá preços mais favoráveis em certos produtos e em certos mercados que os praticados pelos seus três concorrentes diretos que oferecerem melhores preços. O ING Direct deixará igualmente, sem prévia autorização da Comissão, de exercer uma influência predominante sobre certos preços e certos mercados. Esses compromissos valem para três anos a contar da data da decisão, ou até integral reembolso dos valores mobiliários.

–        O Reino dos Países Baixos obriga‑se a aprovar várias disposições pormenorizadas sobre o ING, nomeadamente, a cessão da atividade dita WUH/Interadvies, a restauração da viabilidade, o diferimento dos cupões e a compra dos valores mobiliários de nível 1 e 2, e as restrições sobre a política de remuneração e de comercialização.

–        As autoridades neerlandesas obrigam‑se a que a reestruturação do ING seja executada integralmente até finais de 2013.

49      Por outro lado, no artigo 1.° da decisão impugnada, a Comissão indica, no primeiro parágrafo, que «[a medida] relativ[a] a ativos depreciados concedid[a] pelo Estado neerlandês para a carteira [dita ‘Alt‑A’] do ING constitui um auxílio estatal na aceção do artigo 87.°, n.° 1, [CE]» e, no segundo parágrafo, que este «auxílio é compatível com o mercado comum, tendo em conta os compromissos enumerados no anexo I».

 Tramitação do processo e pedidos das partes

50      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de janeiro de 2010, o Reino dos Países Baixos interpôs o recurso no processo T‑29/10.

51      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral na mesma data, o ING interpôs o recurso no processo T‑33/10.

52      Por requerimentos separados apresentados simultaneamente com essas petições, o Reino dos Países Baixos e o ING pediram, no que lhes diz respeito, que o processo fosse julgado com tramitação acelerada e que fossem apensados os processos no interesse dessa tramitação.

53      Em 16 de fevereiro de 2010, a Comissão apresentou as suas observações sobre esses pedidos, indicando que se opunha ao pedido de tramitação acelerada e de apensação.

54      Por decisão de 5 de março de 2010, o Tribunal Geral (Terceira Secção) indeferiu os pedidos de decisão da causa com tramitação acelerada. Por decisão do mesmo dia, o presidente do Tribunal Geral decidiu, a pedido da Terceira Secção, que esses processos fossem decididos prioritariamente nos termos do artigo 55.°, n.° 2, primeiro período, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

55      Por despacho de 15 de março de 2010 do presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral, os dois processos foram apensados para efeitos da fase escrita e da fase oral.

56      Em 23 de abril de 2010, o DNB pediu para intervir no processo T‑33/10 em apoio dos pedidos apresentados pelo ING.

57      Por despacho de 14 de julho de 2010, o Tribunal Geral (Terceira Secção) admitiu a intervenção do DNB e este apresentou as suas observações em 30 de agosto de 2010.

58      Na sequência de alteração da composição das Secções do Tribunal Geral, o juiz‑relator inicialmente designado foi afetado à Primeira Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, distribuído. Por impedimento de um membro da Primeira Secção, o presidente do Tribunal Geral, nos termos do artigo 32.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, nomeou outro juiz para completar a Secção.

59      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Primeira Secção) deu início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo, convidou as partes a responder a uma série de questões relativas, por um lado, ao conceito de «auxílio à reestruturação» utilizado no artigo 2.°, primeiro parágrafo, da decisão impugnada e, por outro, ao alcance dos pedidos do Reino dos Países Baixos e do ING (a seguir «questões escritas»).

60      As partes responderam a essas questões escritas em 18 de maio de 2011.

61      No âmbito das medidas de organização do processo, o Tribunal Geral chamou a atenção das partes para o facto de que dispunham da possibilidade de apresentarem na audiência observações sobre essas respostas e mais especialmente sobre determinados pontos assinalados específica e respetivamente, por um lado, à Comissão e, por outro, ao Reino dos Países Baixos, ao ING e ao DNB.

62      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 12 de julho de 2011.

63      À luz das observações das partes (v. n.os 52 e 53 supra), o Tribunal Geral apensou os presentes processos para efeitos de acórdão, nos termos do artigo 50.° do Regulamento de Processo.

64      No processo T‑29/10, o Reino dos Países Baixos conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o artigo 2.°, primeiro parágrafo, da decisão impugnada, baseado nomeadamente na consideração, exposta no considerando 98 da referida decisão, de que a alteração das condições de reembolso da injeção de capital aplicada pelas autoridades neerlandesas representa um auxílio suplementar ao ING no valor aproximado de 2 mil milhões de euros;

–        condenar a Comissão nas despesas.

65      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o Reino dos Países Baixos nas despesas.

66      No processo T‑33/10, o ING, apoiado pelo DNB, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada, na medida em que considera que a alteração das condições de reembolso da injeção de capital constitui um auxílio suplementar no montante de 2 mil milhões de euros;

–        anular a decisão impugnada, na medida em que a Comissão sujeitou a aprovação do auxílio à aceitação das proibições de liderança de preços, como é referido na decisão e no seu anexo II;

–        anular a decisão impugnada, na medida em que a Comissão sujeitou a aprovação do auxílio a condições de reestruturação que ultrapassam o que é necessário e proporcionado ao abrigo da comunicação da Comissão relativa à reestruturação;

–        condenar a Comissão nas despesas.

67      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso por ser parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente;

–        a título subsidiário, julgar o recurso improcedente;

–        condenar o ING nas despesas.

68      No que respeita aos argumentos relativos à admissibilidade, a Comissão não contesta a admissibilidade do primeiro pedido do ING, que visa a anulação da decisão impugnada, pois considera que a alteração das condições de reembolso da injeção de capital constitui um auxílio suplementar no montante de 2 mil milhões de euros. Em contrapartida, a Comissão alega que não é certo que o ING possa contestar, no seu segundo e terceiro pedidos, por um lado, as proibições de o ING exercer influência predominante nos preços e, por outro, as exigências que o ING deve respeitar em matéria de reestruturação (v. n.° 48 supra). Segundo a Comissão, a decisão impugnada autoriza o ING a receber um auxílio de Estado pela qual o Reino dos Países Baixos pediu uma autorização que lhe foi concedida com base nos compromissos assumidos por esse Estado. Por conseguinte, pressupondo que a definição dos auxílios esteja correta, a decisão impugnada não produz nenhum efeito jurídico suscetível de prejudicar os interesses do ING. Por seu turno, este observa que a sua situação jurídica é afetada pela decisão impugnada, uma vez que o auxílio de Estado é declarado compatível com o mercado comum à luz dos compromissos indicados no anexo II da decisão impugnada e o conteúdo desses compromissos foi imposto pela Comissão, designadamente no que respeita à obrigação de vender certos ativos ou de aceitar determinadas restrições.

 Questão de direito

69      No processo T‑29/10, o Reino dos Países Baixos invoca três fundamentos de anulação (v. n.° 64 supra). O primeiro é relativo à violação do artigo 87.° CE, na medida em que, no considerando 98 da decisão impugnada, se menciona que a alteração das condições de reembolso da injeção de capital constitui um auxílio suplementar a favor do ING de cerca de 2 mil milhões de euros. O segundo é relativo à violação do princípio da boa administração. O terceiro é relativo à violação do dever de fundamentação, na medida em que a Comissão não expôs suficientes fundamentos da sua condenação da alteração das condições de reembolso da injeção de capital.

70      No processo T‑33/10, o ING também invoca três fundamentos, correspondendo cada um desses fundamentos a um dos seus três pedidos de anulação (v. n.° 66 supra). O primeiro, dividido em duas partes, é relativo, por um lado, à violação do artigo 87.° CE, na medida em que, na decisão impugnada, se considera que a alteração das condições de reembolso da injeção de capital constitui um auxílio suplementar, e, por outro, à violação do princípio da boa administração e do dever de fundamentação. O segundo é relativo à violação das disposições aplicáveis à possibilidade de impedir que uma empresa atue como líder nos preços. O terceiro é relativo à violação do princípio da proporcionalidade, no que diz respeito aos requisitos exigidos em matéria de reestruturação.

71      Os argumentos apresentados pelo Reino dos Países Baixos nos seus três fundamentos de anulação podem ser agrupados com os argumentos apresentados pelo ING nas duas partes do seu primeiro fundamento em apoio do seu primeiro pedido. Todos esses argumentos visam, no essencial, a qualificação de auxílio suplementar dada pela Comissão na decisão impugnada na sequência da alteração das condições de reembolso da injeção de capital que lhe foi comunicada pelo Reino dos Países Baixos no âmbito do procedimento administrativo.

72      Consequentemente, num primeiro momento, é conveniente reunir e examinar o conjunto dos argumentos acima evocados no n.° 71. Com efeito, esses argumentos distinguem‑se dos argumentos invocados pelo ING no seu segundo e terceiro fundamentos, que dizem respeito a um aspeto posterior da análise, ou seja, já não a qualificação de auxílio nos termos do artigo 87.°, n.° 1, CE, mas a natureza e o alcance dos compromissos a respeitar para que o auxílio seja compatível com o mercado comum com base no artigo 87.°, n.° 3, alínea b), CE.

A –  Quanto à qualificação de auxílio suplementar

1.     Argumentos das partes

73      No essencial, os recorrentes alegam dois tipos de argumentos para criticar a qualificação de auxílio de Estado suplementar dada na sequência da alteração das condições de reembolso da injeção de capital comunicada durante o processo. Alguns destes argumentos são relativos à legalidade de mérito e às normas substantivas consagradas no artigo 87.°, n.° 1, CE, em especial no que se refere ao conceito de vantagem, ao passo que outros, por vezes idênticos, incidem na legalidade processual e assentam nos deveres de diligência e de fundamentação, o que inclui o direito de audiência ou de ser simplesmente informado.

a)     Quanto aos argumentos relativos ao artigo 87.°, n.° 1, CE

74      O Reino dos Países Baixos e o ING sustentam que a Comissão considerou erradamente que a alteração das condições de reembolso constituía um auxílio de Estado suplementar à luz do artigo 87.°, n.° 1, CE. Em primeiro lugar, os recorrentes alegam que, se uma injeção de capital contém um auxílio no montante total de capital injetado, a alteração das suas condições de reembolso não pode ser considerada um auxílio de Estado suplementar. Em segundo lugar, o Reino dos Países Baixos observa que a Comissão devia ter tomado em consideração a alteração das condições de reembolso na sua apreciação do auxílio concedido ao abrigo da injeção de capital, pois essa alteração foi‑lhe comunicada antes da adoção da decisão impugnada. Em terceiro lugar, os recorrentes alegam que, mesmo pressupondo que a Comissão estivesse em condições de analisar separadamente a alteração das condições de reembolso, cometeu então vários erros na sua apreciação: antes de mais, considerou erradamente que, na falta de tal alteração, o ING também reembolsou antecipadamente 5 mil milhões de euros; em seguida, a Comissão não teve em conta que, graças a essa alteração, o pagamento dos juros vencidos no momento do reembolso já não dependia do pagamento de um dividendo sobre as ações ordinárias; por último, a Comissão não comparou o comportamento das autoridades neerlandesas ao de um investidor privado. Em quarto lugar, os recorrentes observam que a Comissão não incluiu no seu raciocínio o facto de a alteração das condições de reembolso ter por objetivo pôr essas condições em conformidade com as que tinham sido acordadas com outras instituições financeiras neerlandesas.

 Quanto à incidência da apreciação efetuada na decisão impugnada no respeitante ao montante do auxílio concedido a título de injeção de capital

75      Em primeiro lugar, o Reino dos Países Baixos e o ING, apoiado pelo DNB, recordam que uma medida estatal constitui um auxílio se o seu beneficiário receber uma vantagem que não teria obtido em condições normais de mercado. Nos casos de injeção de capital, o critério para determinar a vantagem atribuída é, em princípio, a diferença entre as condições em que o Estado atribuiu a injeção e as condições em que um investidor privado o teria feito. Só quando, a título excecional, nenhuma injeção de capital pudesse ter sido obtida no mercado pode o elemento de auxílio ser igual à totalidade da injeção. Neste caso, a alteração das condições da concessão dessa injeção deixa de ser relevante para apreciar a extensão do auxílio e não pode ser considerada um auxílio de Estado suplementar. Ora, no caso, a Comissão indicou na decisão impugnada que a injeção de capital constituía um auxílio de Estado, de um montante igual à totalidade do capital injetado. Este é considerado, portanto, uma liberalidade. Por conseguinte, a Comissão não podia considerar que a alteração das condições de reembolso da injeção, que equipara a uma liberalidade, constitui um «auxílio suplementar». Logicamente, o facto de o capital concedido poder ser reembolsado deveria levar a concluir que o montante do auxílio concedido é inferior ao montante dessa injeção. No que respeita à decisão inicial, os recorrentes observam que esta se limita à aprovação da medida de recapitalização a título provisório e que, nessa fase, a Comissão não se pronunciou sobre o montante do auxílio representado pela medida relativa à injeção de capital.

76      Para a Comissão, a questão de saber se uma injeção de capital confere uma vantagem que não poderia ter sido obtida no mercado implica uma apreciação económica complexa, cuja fiscalização é limitada. A este respeito, sublinha que resulta da decisão inicial que a totalidade da injeção de capital constitui um auxílio estatal. Como referido nessa decisão, o ING beneficia de uma vantagem, porquanto, sem a intervenção do Estado neerlandês, não teria podido obter esse financiamento dentro do prazo e em condições comparáveis tendo nomeadamente em conta a situação volátil do mercado. Essa afirmação não foi posta em causa pelos recorrentes, que não interpuseram recurso da decisão inicial, e não tinha, portanto, de ser aprofundada na decisão impugnada. A Comissão refere também que se deve atender ao momento em que as medidas foram tomadas para avaliar a racionalidade económica do comportamento do Estado. As novas condições de reembolso da injeção de capital devem, portanto, ser comparadas com as condições de reembolso inicialmente acordadas em outubro de 2008 entre o Estado neerlandês e o ING, e não com as condições do mercado. Uma vez que o Estado neerlandês renunciou a cobrar uma parte da remuneração prevista inicialmente, o ING beneficiou, portanto, de uma nova vantagem.

 Quanto à necessidade de analisar todos os aspetos da injeção de capital

77      Em segundo lugar, o Reino dos Países Baixos alega que, para apreciar a medida relativa à injeção de capital, a Comissão deveria ter tido em consideração a alteração das condições de reembolso que lhe tinha sido transmitida antes de adotar uma decisão definitiva sobre esse ponto. Entende que o critério seguido pela Comissão, segundo o qual é possível apreciar uma medida alterada não na sua forma definitiva, mas sim com base numa comparação entre as condições iniciais de reembolso e as condições alteradas posteriormente, é incompatível com o artigo 87.°, n.° 1, CE. Por outro lado, se a Comissão considerava que a alteração das condições de reembolso constituía um auxílio suplementar, eventualmente ilegal, deveria então ter aberto um procedimento formal de investigação para apreciar essa medida. Ora, em vez disso, a Comissão tratou a alteração das condições de reembolso no quadro do processo correspondente à injeção de capital.

78      A Comissão recorda que a existência e a importância de um auxílio são apreciadas à luz das circunstâncias prevalecentes no momento da sua concessão e não à data da adoção da decisão. Assim, em outubro de 2008, o Reino dos Países Baixos concedeu ao ING um benefício de 10 mil milhões de euros, ou seja, a totalidade da injeção de capital efetuada nesse momento. Do mesmo modo, em outubro de 2009, o Estado neerlandês beneficiou novamente o ING, alterando as condições de reembolso previstas no ano anterior. A Comissão era obrigada a apreciar separadamente cada uma dessas medidas, que conferiram uma vantagem num momento diferente. Quanto à primeira dessas medidas, a Comissão reconhece que a aprovou a título provisório na decisão inicial. Esse caráter provisório apenas incide, porém, na aprovação dessa medida e não na qualificação da injeção de capital como auxílio, a qual é definitiva desde esse momento. A decisão inicial não podia aliás ser invocada para sustentar que qualquer medida posterior tomada a favor do ING no respeitante à injeção de capital não poderia ser considerada um auxílio suplementar. Por outro lado, o facto de ter tratado a alteração das condições de reembolso no procedimento iniciado para examinar a injeção de capital (processo N 525/08), sem insistir para obter uma notificação formal, não tem incidência na existência de duas medidas de auxílio. Embora seja provável que o auxílio concedido no âmbito dessa alteração possa ser qualificado de auxílio ilegal, não é necessário para resolver esta questão. No caso, a Comissão não considerou necessário dar início a um procedimento formal de investigação, uma vez que considerava que a alteração das condições de reembolso estava ligada ao acordo de subscrição celebrado entre o Reino dos Países Baixos e o ING no que respeita à injeção de capital. Quanto a este ponto, a decisão impugnada deve ser considerada uma decisão de não levantar objeções na aceção do artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 93.° [CE] (JO L 83, p. 1).

 Quanto à comparação das condições de reembolso à luz do princípio do investidor privado

79      Em terceiro lugar, mesmo admitindo que a Comissão pudesse apreciar separadamente a alteração das condições de reembolso da injeção de capital, o Reino dos Países Baixos alega que a apreciação da Comissão a este propósito é errada em vários aspetos e o ING, apoiado pelo DNB, observa que a referida alteração era conforme com o princípio do investidor privado.

–       Quanto à premissa do raciocínio da Comissão

80      Primeiro, os recorrentes criticam a premissa do raciocínio da Comissão, segundo a qual, na falta de alteração das condições de reembolso, o ING teria ainda assim reembolsado antecipadamente 5 mil milhões de euros. Com efeito, nos considerandos 34 e 98 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que a referida alteração conferiu ao ING um auxílio suplementar de cerca de 2 mil milhões de euros, resultante da comparação das condições alteradas com as condições iniciais. Com base nas condições iniciais, o ING podia recomprar os valores mobiliários ao preço de 15 euros a unidade ou, a partir de novembro de 2011, convertê‑los em ações, caso em que o Estado podia optar pelo reembolso do preço de compra, acrescido do cupão vencido. O Estado poderia assim ter recebido um prémio de 2,5 mil milhões de euros em caso de reembolso antecipado. No entanto, atendendo ao montante considerável desse prémio e tendo em conta a evolução das cotações da ação, é muito improvável que o ING tivesse reembolsado por antecipação a injeção de capital no caso de o Estado não ter alterado as condições iniciais. O ING tinha o direito de esperar por novembro de 2011 para converter os valores mobiliários em ações e, se o Estado tivesse então querido impedir a conversão, a única solução possível era exigir o reembolso do preço de emissão inicial de 10 euros, acrescido do cupão vencido. O Estado corria, portanto, o risco de ver a sua participação perdurar a longo prazo, sem obter qualquer rendimento, visto que o cupão depende do pagamento de um dividendo. O ponto de partida do raciocínio da Comissão para chegar à conclusão de que, com base nas condições iniciais, o Estado teria recebido cerca de 2 mil milhões de euros mais do que receberá com as novas condições é irrealista. A Comissão enganou‑se ao indicar que o Estado renunciava ao seu «direito de beneficiar de rendimentos». O prémio de reembolso de 50% previsto no acordo inicial de nenhuma forma constitui um «direito» do Estado, pois o ING podia optar ou não por essa solução. Em qualquer caso, o exame da cotação das ações do ING, que era largamente inferior a 15 euros, revela claramente que não era possível, nem sequer adequado, o ING reembolsar antecipadamente 5 mil milhões de euros com base nas condições iniciais.

81      Por outro lado, os recorrentes contestam o alcance das referências a diferentes documentos que apresentaram no procedimento administrativo. Assim, se o ING tinha indicado que a sua prioridade era encontrar um meio de reembolsar o Estado neerlandês o mais rapidamente possível, foi em resposta a uma pergunta da Comissão para saber se o ING pretendia proceder a aquisições nos próximos cinco anos. Do mesmo modo, o plano de reestruturação apresentado à Comissão não pode ser invocado para sustentar a ideia de que o ING teria reembolsado de qualquer forma nas condições iniciais. A hipótese de o auxílio ser restituído a 150% só é considerada para efeitos de planificação. Essa hipótese tomava aliás em consideração um reembolso de 150% do preço de emissão no final de 2013, ou seja, cinco anos após a emissão, o que é totalmente diferente de um reembolso em 2009. Um reembolso de 150% em 2013 proporcionaria um rendimento anual de 12,4%, muito inferior ao rendimento compreendido entre 15% e 21,5% que o Estado podia realizar com os 5 mil milhões de euros reembolsados antecipadamente com base nas condições alteradas. Reembolsar a 150% um ano após a emissão seria simplesmente proibitivo. Além disso, a resposta do ING a uma pergunta da Comissão, nos termos da qual o ING indica que um reembolso até ao final de 2010 «seria possível se a situação económica melhorasse mais rapidamente que no processo de referência», não implicaria sempre que viesse a ocorrer esse reembolso. O ING precisava ainda nessa resposta que um reembolso durante os três primeiros anos não era, de qualquer modo, muito provável devido às limitações por perda fiscal nos Estados Unidos que limitavam a possibilidade de proceder a uma grande emissão durante esse período ou de vender uma parte da empresa. De igual modo, importa referir que, na decisão inicial, a Comissão exigiu ao Reino dos Países Baixos que lhe indicasse se o rendimento da injeção de capital era inferior a 10% (v. considerandos 32 e 67 da decisão inicial), o que mostra claramente que a Comissão sabia que era possível que o prémio de reembolso de 50% não fosse pago. Por último, a Comissão não podia razoavelmente alegar ter‑se baseado na hipótese de o ING manter a sua política de dividendos e pagar, portanto, igualmente um cupão anual de 8,5%. Um dividendo só pode ser pago se os resultados o permitirem. Um dividendo pago no passado não permite pensar que será assim no futuro e não certamente na situação particularmente incerta que a crise financeira tinha criado.

82      A Comissão observa que a probabilidade de reembolso da injeção de capital nas condições iniciais não entra em linha de conta para avaliar a existência de um auxílio de Estado. Com efeito, para avaliar a existência de um tal auxílio, há que determinar se o Estado concedeu uma vantagem ao ING e, no caso, se a alteração das condições de reembolso em outubro de 2009 deu ao ING a possibilidade de restituir 5 mil milhões de euros em condições mais favoráveis que as acordadas inicialmente. A Comissão reconhece que é exato que o ING tinha o direito de converter os valores mobiliários em ações a partir de novembro de 2011. Contudo, o ING sempre insistiu no facto de que pretendia reembolsar o Estado o mais depressa possível. Às questões colocadas pela Comissão a propósito do plano de reestruturação, os recorrentes responderam da seguinte forma em 7 de julho de 2009: «[a] primeira prioridade do ING é saber como reembolsar o Governo neerlandês no mais curto prazo», «[o] reembolso é uma prioridade da direção do ING e tudo fará para proceder o mais cedo possível a esses pagamentos» e, «para efeitos de planificação, os pagamentos foram modelizados para ser integralmente reembolsados de uma só vez no final de 2013 segundo as formas contratuais da opção de recompra». O ING partiu, assim, do ponto de vista de que a recompra se devia fazer nas condições iniciais. O ING também indicou que tal recompra parcial antecipada era possível quando afirmou: «Uma recompra antecipada ou uma recompra parcial antecipada dos valores mobiliários será possível se a situação económica melhorar mais depressa do que no processo de referência». A Comissão refere também que é exato que ING não era obrigado a reembolsar ou converter os valores mobiliários e que o Estado corria assim o risco de a sua participação não gerar qualquer rendimento durante um longo período, pois o cupão pago ao Estado dependia do pagamento de um dividendo. No considerando 31 da decisão inicial, a Comissão indica, contudo, que o ING tinha declarado que manteria a sua política em matéria de dividendos. Ora, segundo essa política e antes da crise financeira, o ING tinha pagado dividendos de, pelo menos, 0,74 euro por ação em cada ano a partir de 1999. A Comissão afirma que, no considerando 67 dessa mesma decisão, também indicou que, para calcular o rendimento provável gerado ao Estado pelos valores mobiliários, de qualquer forma seria pago anualmente um dividendo e que, portanto, também o cupão anual de 8,5% seria pago em conformidade. O ING nunca contestou esta afirmação anteriormente.

–       Quanto à vantagem conferida ao Estado pelas novas condições

83      Segundo, o Reino dos Países Baixos alega que a Comissão não tomou em consideração na sua apreciação do auxílio suplementar o facto de, na sequência da alteração das condições de reembolso, o pagamento dos juros vencidos no momento do reembolso não depender do pagamento de um dividendo. No caso, o cupão devido sobre os 5 mil milhões de euros reembolsados em 21 de dezembro de 2009 originou o pagamento de 258,5 milhões de euros ao Estado, montante que não era devido em caso de reembolso nos termos das condições iniciais. Ao não ter em conta esta vantagem, a Comissão sobrestimou, em qualquer caso, o alegado auxílio, que não se situa entre 1,79 e 2,2 mil milhões, como indicado na decisão impugnada, mas entre 1,9 e 1,5 mil milhões de euros. Por outro lado, o Reino dos Países Baixos observa que, embora não tenha reagido a esse respeito no projeto de exposição dos factos da decisão apresentado pela Comissão em 6 de novembro de 2009, foi devido ao prazo muito breve dado pela Comissão para responder e porque não surgiam as consequências relacionadas com essa apresentação inexata dos factos. Independentemente disso, a falta de reação das autoridades neerlandesas e do ING não pode sanar o erro cometido pela Comissão na decisão impugnada. Por último, é incorreto afirmar que o Estado podia pretender o pagamento do cupão em 2009 com base nas condições iniciais pelo facto de o ING ter pago dividendos em 2008. Com efeito, os cupões são pagos em 12 de maio, com efeito retroativo. Assim, embora, em 12 de maio de 2009, o Estado tenha efetivamente cobrado um cupão para o período compreendido entre 12 de novembro de 2008 e 12 de maio de 2009, visto que o ING tinha pagado dividendos no exercício de 2008, no caso, porém, de reembolso de 150% em 21 de dezembro de 2009, o Estado não teria recebido nenhum cupão para o período compreendido entre 12 de maio e de 21 de dezembro de 2009 com base nas condições iniciais, uma vez que o ING não tinha pagado nenhum dividendo pelo exercício de 2009.

84      A Comissão observa que o Estado não referiu esta alegada vantagem quando comunicou a alteração das condições de reembolso. De igual modo, nem o Estado neerlandês nem o ING formularam objeções contra o alegado erro quando a Comissão lhes enviou um projeto de exposição dos factos da decisão mencionando uma vantagem suplementar para o ING compreendida entre 1,79 e 2,5 mil milhões de euros. Por outro lado, mesmo pressupondo que o erro invocado tenha sido cometido, seria irrelevante, uma vez que a vantagem resultante da alteração das condições de reembolso oscilaria, após retificação, entre 1,5 e 1,9 mil milhões de euros e não, como indicado na decisão impugnada, entre 1,79 e 2,2 mil milhões de euros. Assim, os cálculos contidos na decisão impugnada e os que constam da petição coincidem em grande medida. Não tendo qualquer consequência quanto ao mérito, esse alegado erro de cálculo não pode levar à anulação pedida. Por último, como o ING tinha pagado dividendos pelo exercício de 2008, o Estado poderia solicitar o pagamento do bónus em caso de reembolso dos valores mobiliários de 2009 com base nas condições iniciais.

–       Quanto ao comportamento de um investidor privado

85      Terceiro, o Reino dos Países Baixos e o ING, apoiado pelo DNB, alegam que a Comissão deveria ter analisado a alteração das condições de reembolso e a remuneração proposta à luz do princípio do investidor privado. Os recorrentes recordam assim que as condições iniciais permitiam ao Estado exigir um prémio de reembolso de 50% em caso de reembolso antecipado. Ora, em face da evolução da cotação das ações durante o período compreendido entre a data de emissão e finais de outubro de 2009, cotação que sempre foi significativamente inferior a 15 euros, nada teria incitado o ING a reembolsar a injeção de capital antes do seu vencimento. Em tais circunstâncias, os recorrentes salientam que um investidor privado teria considerado atrativo optar entre as condições alteradas por garantirem um rendimento mínimo de 15% por ano por metade do investimento. O Estado trocou um rendimento especulativo de 50% repartido por um número desconhecido de anos por um rendimento determinado compreendido entre 15% e 21,5% por ano por metade do seu investimento. Trata‑se de uma decisão economicamente racional, designadamente visto que a eventualidade de o ING reembolsar os valores mobiliários em 150% num prazo previsível era ténue. Por último, os recorrentes salientam que a Comissão tinha indicado na decisão inicial que a taxa de rendimento previsível nos termos do acordo inicial era superior a 10%, mas inferior a 15%. Na sequência da alteração das condições de reembolso, essa taxa foi aumentada a favor do Estado. De qualquer forma, se o ING tivesse optado por reembolsar os títulos com base no acordo inicial, seria pouco provável que tivesse pagado qualquer dividendo aos seus acionistas. O ING teria tido necessidade de conservar os seus lucros para poder honrar os valores mobiliários. O DNB indica igualmente que as condições alteradas são preferíveis no plano regulamentar, pois facilitam a saída do Estado e permitem um reembolso rápido da injeção de capital a uma taxa superior à que a Comissão considerava adequada.

86      Quanto ao argumento relativo ao facto de os valores mobiliários emitidos na injeção de capital custarem mais caro ao ING do que ações ordinárias, em razão do cupão mais elevado e dos direitos conferidos ao Estado, o que incitaria o ING a reembolsar o mais rapidamente possível, as recorrentes alegam que é, afinal, a cotação das ações do ING que determina se existe uma possibilidade real de reembolso antecipado da injeção de capital nas condições iniciais. A uma cotação muito inferior a 15 euros, o ING não estava em condições de realizar a emissão de capital necessário para reunir a quantia exigida para reembolsar. O facto de o ING ter adquirido os valores mobiliários a 11,21 euros a unidade quando a taxa média das ações do ING no período anterior era inferior a 10 euros nada muda e explica‑se pela diferença que existe necessariamente entre o momento em que a operação é anunciada e aquele em que é autorizada e realizada. Quanto às dúvidas das Comissão sobre a evolução da cotação das ações do ING, que poderia permitir o reembolso antecipado nas condições iniciais, os recorrentes alegam ainda que é necessário questionar se, confrontado, no outono de 2009, com a escolha entre um reembolso antecipado nas condições alteradas e a manutenção das condições iniciais, um investidor privado podia, de forma realista, prever que a cotação das ações do ING subisse num prazo previsível a um nível tal que reembolsar a 150% nas condições iniciais se tornasse atrativo para o ING. No outono de 2009, nada permitia tal expectativa à luz da evolução da cotação das ações nessa época e da perceção geral de que a crise estava longe de estar ultrapassada. A evolução que a cotação das ações sofreu posteriormente confirma, aliás, a exatidão dessa pressuposição. A Comissão não pode, portanto, alegar, sem mais, que era perfeitamente possível que a cotação das ações subisse a 15 euros «nos próximos anos». Quanto ao argumento de que existiriam outros cenários de rentabilidade, a Comissão continua a cometer o erro de considerar que a aquisição dos valores mobiliários a 15 euros ao longo dos três primeiros anos era uma opção realista, o que não seria o caso do ponto de vista de um investidor privado no outono de 2009. Em resposta ao argumento relativo ao curto espaço de tempo e à relação entre o acordo inicial e a sua alteração, que impediriam de recorrer ao princípio do investidor privado, o Reino dos Países Baixos salienta que a Comissão defende uma tese contrária quando se trata de saber se a alteração das condições de reembolso podia ser considerada um auxílio independentemente da injeção de capital. No caso em apreço, trata‑se de uma única e mesma injeção de capital, concedida para sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro e da qual só as condições de reembolso foram alteradas.

87      A Comissão sustenta que o comportamento do Estado não pode ser comparado com o de um investidor privado. Com efeito, seria improvável que um investidor privado tivesse aprovado a alteração das condições de reembolso aceite pelo Estado neerlandês. De uma forma geral, a Comissão considera que o princípio do investidor privado não se aplica a uma medida suplementar a favor do beneficiário de um auxílio de Estado em reestruturação. Segundo a Comissão, quando um auxílio à reestruturação já foi dado a uma empresa em dificuldade, os restantes auxílios financeiros deixam de ser apreciados segundo o princípio do investidor privado. Ora, como o acordo inicial e o acordo de alteração foram celebrados num muito curto espaço de tempo, respetivamente, em 11 de novembro de 2008 e 24 de outubro de 2009, no âmbito da reestruturação do ING num contexto de crise financeira, a alteração das condições de reembolso não pode ser dissociada do acordo inicial para poder ser apreciada à luz do critério do investidor privado. Em qualquer caso, a alteração controvertida não é conforme com este critério. A questão era a de saber se, tendo em conta o facto de que pretendia eventualmente readquirir em 2009 metade dos valores mobiliários, a alteração das condições de reembolso lhe conferiu uma vantagem em relação ao acordo inicial, o que se verifica efetivamente. Por outro lado, não só os recorrentes afirmaram várias vezes no procedimento administrativo que o ING pretendia reembolsar rapidamente a injeção de capital mas também que esses valores mobiliários tinham consequências negativas para o ING e para os seus acionistas. Os factos demonstram mesmo que o argumento de que seria improvável que o ING recomprasse valores mobiliários a um preço superior ao valor de mercado das ações ordinárias (ou seja, 15 euros com o prémio de reembolso) é inexato, dado que o ING adquiriu efetivamente metade desses valores mobiliários na sequência da alteração das condições de reembolso ao preço de 11,21 euros por título, quando a cotação média de uma ação comum era inferior a 10 euros no período de cinco dias que antecederam essa operação. A Comissão duvida também que o reembolso antecipado dos valores mobiliários não fosse evidente, tendo em conta a evolução da cotação das ações no período compreendido entre a data de emissão no final de outubro de 2009, em que a cotação das ações do ING tinha sido significativamente inferior a 15 euros. É certo que a Comissão reconhece que as ações do ING tinham atingido um mínimo durante a primeira metade de 2009, tendo caído até cerca de 2,5 euros, mas essas ações tiveram uma forte recuperação em alta. Na véspera do anúncio da alteração das condições de reembolso e da emissão de ações necessária para esse efeito, as ações foram trocadas a 11,66 euros, ou seja, mais de quatro vezes o nível atingido cerca de seis meses antes. Não seria, portanto, impossível que esta evolução se mantivesse. As ações do ING tinham mesmo sido trocadas, por volta de 2001, a 43 euros. É, por isso, perfeitamente possível que a cotação das ações pudesse recuperar para os 15 euros, cotação a partir da qual o ING, nas suas próprias palavras, teria adquirido os títulos nas condições inicialmente previstas. Por último, a Comissão matiza o argumento de que seria atrativo para um investidor privado optar pelas condições de reembolso alteradas, pois garantiam um rendimento mínimo de 15% numa base anual por metade do seu investimento. Com efeito, mesmo na sequência desta alteração, o Estado não tinha a certeza absoluta de ser reembolsado. Permanecia o risco de o ING não recolher nenhuns ou os suficientes fundos nos mercados para realizar essa operação. A Comissão reconhece que esse risco era limitado, na medida em que a situação no mercado a partir do terceiro trimestre de 2009 era muito propícia à recolha de capitais devido ao excesso de liquidez disponível.

88      Quanto aos quadros apresentados pelo Reino dos Países Baixos para apresentar as perspetivas de rendimento do Estado nas condições de reembolso iniciais e alteradas, a Comissão sublinha que eram possíveis outros rendimentos. Assim, na decisão inicial, a Comissão apresentara várias opções, algumas das quais revelavam um rendimento esperado entre os 16% e os 21% por ano. Mesmo sem o pagamento do cupão, essas opções proporcionavam ainda um rendimento anual entre 9,3% e 15%. No caso de o reembolso se realizar no final do segundo ano e de ser pago um cupão por ano, o rendimento era de cerca de 31%, isto é, o dobro do rendimento mínimo obtido nas condições alteradas. Assim, é incorreto afirmar que, ao aceitar as condições alteradas, o Estado neerlandês teria, por definição, sempre obtido um maior rendimento do que se o ING tivesse sido obrigado a sujeitar‑se às condições iniciais. Além disso, a Comissão observa que, em qualquer caso, o Estado tinha a garantia de recuperar um dia o montante injetado inicialmente.

–       Quanto aos dados apresentados pelo Reino dos Países Baixos

89      Quarto, em apoio da sua argumentação, o Reino dos Países Baixos apresenta dois documentos preparados pelo Banco Rothschild, um banco de investimento. O primeiro documento é um relatório, no qual o Banco Rothschild indica que, tendo em conta a evolução da cotação das ações do ING, teria sido mais atrativo para um investidor privado obter um reembolso antecipado de metade do seu investimento com um rendimento interessante do que esperar um rendimento teórico suscetível de ser superior no caso de ser exercida a opção de recompra ao preço de 15 euros por título (a seguir «relatório Rothschild»). O segundo documento reproduz análises preparadas por esse mesmo banco a partir de quadros que pormenorizam diversos cenários e permite igualmente ao Banco Rothschild concluir que as novas condições seriam mais vantajosas para o Estado do que as condições iniciais (a seguir «análises Rothschild»). Em resposta às críticas feitas quanto a esses documentos, o Reino dos Países Baixos salienta que o seu autor é qualificado para dar o seu parecer sobre a questão de saber se o Estado se comportou como um investidor privado. Além disso, esses documentos mais não fazem do que apreciar os factos disponíveis e, portanto, já conhecidos no momento em que a decisão impugnada foi adotada. No que respeita à probabilidade estimada em 50% de o ING pagar um dividendo, essa possibilidade é cientificamente plausível e, de qualquer forma, razoável em face da dificuldade de prever se o ING pagaria ou não um dividendo.

90      A Comissão alega que o relatório e as análises Rothschild são posteriores à alteração das condições de reembolso e que foram redigidos na fase contenciosa. São, pois, irrelevantes para saber se o Estado neerlandês agiu como um investidor privado. Além disso, a Comissão não dispunha desses documentos no momento em que adotou a decisão impugnada. Os elementos de facto contidos nesses relatórios não podem ser invocados. Por outro lado, o Banco Rothschild afirma unicamente nesses documentos que o montante de 15 euros não deve ser considerado um «preço de saída», mas como um «teto sobre os rendimentos positivos». Isso nada retira ao facto de, caso o ING pretendesse recomprar valores mobiliários, ser obrigado a pagar esse montante por força do acordo inicial. Por outro lado, a afirmação do Banco Rothschild de que «seria irracional o ING exercer esta opção, a menos que o preço da ação comum excedesse 15 euros» deve ser analisada com um determinado ceticismo. Com efeito, o Banco Rothschild afirma que não teria nenhum sentido o ING recomprar metade dos valores mobiliários em finais de dezembro de 2009 ao preço de 11,21 euros, pois, nesse momento, as ações ordinárias eram muito mais baratas. Todavia, isso não impediu o ING de efetuar essa operação. A afirmação do Banco Rothschild não teve suficientemente em conta o facto de os valores mobiliários serem vinculativos para o ING e de não serem comparáveis às ações ordinárias. Além disso, o relatório Rothschild não está suficientemente fundamentado nem se baseia numa metodologia clara.

 Quanto ao alinhamento com as condições concedidas à AEGON e à SNS Reaal

91      Em quarto lugar, o Reino dos Países Baixos e o ING observam que, de forma errada, a Comissão não incluiu no seu raciocínio o facto de a adaptação das condições de reembolso ter igualmente por objetivo pôr essas condições em conformidade com as que tinham sido acordadas entre o Estado neerlandês e outras instituições financeiras neerlandesas, a saber, a AEGON e a SNS Reaal. Admitindo que a alteração das condições de reembolso pudesse ser apreciada separadamente da injeção de capital e não de acordo com o princípio do investidor privado, a Comissão deveria ter concluído que uma medida destinada a retirar uma desvantagem a uma empresa privada, relativamente a outras empresas, não constitui um auxílio de Estado. A referida alteração tem simplesmente por efeito suprimir a desvantagem do ING causada pelo acordo inicial, ou seja, o facto de o ING não poder recomprar os valores mobiliários a uma taxa financeiramente razoável.

92      A Comissão sustenta que a diferença entre as condições acordadas com o ING e as acordadas com a AEGON e a SNS Reaal se justifica por uma clara diferença de perfil de risco. No caso do ING, impunha‑se um plano de reestruturação no momento da injeção de capital e o prémio de reembolso inicialmente acordado constituía um encargo normal do ING. Por outro lado, a alteração das condições de reembolso relativas ao ING vai mais longe do que um simples alinhamento dessas condições com as fixadas para os outros bancos e permitiria ao ING beneficiar de condições mais vantajosas. Com efeito, as condições de reembolso mais favoráveis só se aplicam, no caso da AEGON e da SNS Reaal, a um terço da injeção de capital, quando é de metade no caso do ING. De igual modo, as condições mais favoráveis para a AEGON e a SNS Reaal só valiam por um ano, ao passo que o reembolso pelo ING veio a ser efetuado um ano e um mês após a injeção de capital.

b)     Quanto aos argumentos relativos às obrigações de diligência e de fundamentação

93      O Reino dos Países Baixos e o ING, apoiado pelo DNB, alegam que a Comissão violou o seu dever de diligência e o dever de fundamentação em vários aspetos. Em primeiro lugar, a Comissão não examinou de que forma a alteração das condições de reembolso podia aumentar o montante do auxílio para além do montante total da injeção de capital. A Comissão também não examinou se essa alteração era conforme com o princípio do investidor privado. Em segundo lugar, a Comissão não ouviu nem mesmo informou o Estado neerlandês ou o ING no respeitante à qualificação da alteração das condições de reembolso de auxílio de Estado suplementar de 2 mil milhões de euros. Não pediu utilmente ao Estado neerlandês ou ao ING que dessem a conhecer o seu ponto de vista sobre essa qualificação nem lhes deu a oportunidade de a contestarem. Só com a decisão impugnada puderam os recorrentes, pela primeira vez, deduzir que a Comissão considerava que prever uma possibilidade adicional de reembolso era um auxílio suplementar. A apresentação de um projeto relativo aos factos e dar algumas horas para apresentar observações a esse respeito não é suficiente. Em terceiro lugar, a Comissão não fundamentou a decisão impugnada de forma adequada relativamente à sua tese de que a alteração das condições de reembolso constitui um auxílio estatal suplementar. A Comissão não explica por que razão a medida de auxílio não foi avaliada como era à data da decisão, nem como pode uma injeção de capital de 10 mil milhões de euros constituir um auxílio de 12 mil milhões de euros, nem de que modo, admitindo que a alteração das condições de reembolso constitui uma medida distinta, não estava em conformidade com o princípio do investidor privado. Em especial, a Comissão considera que indicou, nos considerandos 34 e 98 da decisão impugnada, de maneira sucinta, mas clara e inequívoca, que considerava que a possibilidade adicional de reembolso constituía um auxílio suplementar. Esses considerandos não contêm, no entanto, mais do que a conclusão de que se trata de uma vantagem adicional, conclusão a que a Comissão chegou com base na premissa incorreta de que o ING tinha aceitado reembolsar contra um «prémio de reembolso do [50]%». Nada revela com que base a Comissão chegou a essa conclusão.

94      A Comissão sustenta que expôs várias vezes às autoridades neerlandesas as suas reservas relativamente à alteração das condições de reembolso, designadamente pelo facto de a alteração inicialmente prevista não ter em conta o efeito de diluição que teria a mobilização dos capitais necessários ao reembolso antecipado. A Comissão salienta que também deu ao Reino dos Países Baixos a possibilidade de apresentar observações sobre o projeto de exposição dos factos da decisão impugnada, o qual indicava que a alteração proporcionava ao ING «uma vantagem suplementar de cerca de 1,79 a 2,5 mil milhões de euros». Ao fazê‑lo, a Comissão contesta ter agido em violação do seu dever de diligência. Com efeito, é evidente que a atribuição de uma vantagem suplementar equivaleria a conceder um auxílio de Estado suplementar. Por outro lado, a Comissão considera que a decisão impugnada está suficientemente fundamentada. Não afirmou aí que o ING reembolsaria os 5 mil milhões de euros no limite de 150%, mas não é obrigada a fazê‑lo. O elemento importante é que a alteração dava ao ING a possibilidade de restituir em condições mais favoráveis do que as inicialmente acordadas. A fundamentação será sucinta, mas suficiente. No que respeita ao alinhamento da posição do ING com as de outras instituições financeiras, a Comissão alega que é evidente que a eliminação de um encargo normal para uma empresa gera uma vantagem e que, portanto, não era necessário tomar expressamente posição sobre a questão do tratamento dado à AEGON e à SNS Reaal.

2.     Apreciação do Tribunal

a)     Observações sobre o conceito de auxílio e sobre o alcance da fiscalização jurisdicional

95      Em primeiro lugar, no que respeita à apreciação dos argumentos relativos à legalidade de mérito, há que recordar que o artigo 87.°, n.° 1, CE dispõe que, «[s]alvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções».

96      Segundo jurisprudência assente, a qualificação de auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE requer que todas as condições mencionadas nessa disposição estejam preenchidas. Assim, para que uma medida possa ser qualificada de auxílio de Estado, deve, em primeiro lugar, tratar‑se de uma intervenção do Estado ou ser realizada mediante recursos estatais, em segundo lugar, deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem ao seu beneficiário e, em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de setembro de 2010, Comissão/Deutsche Post, C‑399/08 P, Colet., p. I‑7831, n.os 38, 39 e jurisprudência aí referida). No que diz respeito à terceira destas condições, decorre de jurisprudência assente que são consideradas auxílios de Estado as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer empresas direta ou indiretamente, ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (v. acórdão Comissão/Deutsche Post, já referido, n.° 40 e jurisprudência aí referida).

97      Para determinar essa «vantagem» no caso de uma injeção de capital, há que apreciar se, em circunstâncias similares, um investidor privado de dimensão comparável à de uma autoridade pública poderia ter sido levado a proceder a injeções de capital da mesma importância, atendendo, nomeadamente, às informações disponíveis e às evoluções previsíveis na data dessas participações (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de maio de 2002, França/Comissão, dito «Stardust Marine», C‑482/99, Colet., p. I‑4397, n.° 70, e de 8 de maio de 2003, Itália e SIM 2 Multimedia/Comissão, C‑328/99 e C‑399/00, Colet., p. I‑4035, n.° 38). No processo que deu origem ao acórdão Stardust Marine, já referido, o Tribunal de Justiça referiu assim que, para averiguar se o Estado adotou ou não o comportamento de um investidor prudente numa economia de mercado, há que tomar como referência o contexto da época em que as medidas de apoio financeiro foram tomadas a fim de avaliar a racionalidade económica do comportamento do Estado e, portanto, não basear a apreciação numa situação posterior (acórdão Stardust Marine, já referido, n.° 71).

98      Esses princípios devem ser aplicados no caso de, como no caso vertente, depois de ter decidido subscrever uma injeção de capital emitido por uma empresa sujeita a determinadas condições de reembolso, o Estado aceitar alterar as referidas condições. Em tais circunstâncias, um auxílio de Estado pode ter sido concedido tanto no momento da injeção de capital, que inclui necessariamente as informações relativas às condições de um eventual reembolso posterior ou de uma eventual remuneração dos capitais, como no momento da alteração das condições de reembolso, caso se verifique que o Estado não agiu em cada uma dessas situações como teria feito um investidor privado colocado numa situação semelhante. A comparação do comportamento do Estado com o de um investidor privado deve ser feita tendo em conta as informações disponíveis e as evoluções previsíveis na data dessas medidas. Assim, no presente caso, para avaliar a análise da racionalidade económica do comportamento do Estado pela Comissão, devemos voltar a colocar‑nos no contexto da época em que foram adotadas essas medidas, a saber, no caso, respetivamente, no outono de 2008, para a injeção de capital e a definição das condições de reembolso iniciais, e no outono de 2009, para a alteração das condições de reembolso. A este propósito, importa referir que é jurisprudência assente que a legalidade de uma decisão em matéria de auxílios de Estado deve ser apreciada em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, Colet., p. I‑2577, n.° 54 e jurisprudência aí referida).

99      Consequentemente, há que rejeitar a afirmação da Comissão de que a alteração das condições de reembolso não podia ou não devia ser apreciada à luz do critério do investidor privado, visto que, sendo concedida pouco depois da injeção de capital, constitui «uma medida suplementar a favor do beneficiário de um auxílio de Estado em reestruturação» (v. n.° 87 supra). Tendo em conta as considerações expostas no n.° 98, a Comissão não se pode subtrair como propõe à sua obrigação de examinar a racionalidade económica da alteração das condições de reembolso à luz do critério do investidor privado com o simples fundamento de que a injeção de capital objeto de reembolso constitui já em si mesma um auxílio de Estado. Com efeito, seria apenas no fim desse exame que a Comissão podia concluir, ou não, pela concessão de uma vantagem suplementar na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

100    Em segundo lugar, no que respeita ao alcance da fiscalização jurisdicional da decisão impugnada à luz do artigo 87.°, n.° 1, CE, resulta da jurisprudência que o conceito de auxílio de Estado, tal como definido nessa disposição, tem caráter jurídico e deve ser interpretado com base em elementos objetivos. Por esta razão, o juiz da União deve, em princípio e tendo em conta tanto os elementos concretos do litígio submetido à sua apreciação como o caráter técnico ou complexo das apreciações feitas pela Comissão, exercer uma fiscalização exaustiva no que diz respeito à questão de saber se uma medida cai no âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de maio de 2000, França/Ladbroke Racing e Comissão, C‑83/98 P, Colet., p. I‑3271, n.° 25, e de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, Colet., p. I‑10505, n.° 111).

101    É certo que o Tribunal de Justiça considerou também que a fiscalização jurisdicional é limitada no que respeita à questão de saber se uma medida entra no âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE quando as apreciações levadas a cabo pela Comissão apresentam um caráter técnico ou complexo (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão, C‑56/93, Colet., p. I‑723, n.os 10 e 11, e British Aggregates/Comissão, referido no n.° 66 supra, n.° 114). Compete, porém, ao Tribunal Geral apreciar se é esse o caso (v., neste sentido, acórdão British Aggregates/Comissão, referido no n.° 100 supra, n.° 114).

102    A este respeito, refira‑se ainda que, no domínio dos auxílios de Estado, embora a Comissão goze de um amplo poder de apreciação cujo exercício implica apreciações de ordem económica a efetuar no contexto da União, isso não implica que o juiz da União se deva abster de fiscalizar a interpretação de dados de natureza económica feita pela Comissão. Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o juiz da União deve, designadamente, verificar não só a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência mas também fiscalizar se esses elementos constituem todos os dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são capazes de sustentar as conclusões que deles se retiram (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, Colet., p. I‑7763, n.os 64 e 65).

103    Todavia, não cabe ao juiz da União, no âmbito dessa fiscalização, substituir a apreciação económica da Comissão pela sua. Com efeito, a fiscalização que os órgãos jurisdicionais da União exercem sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão é uma fiscalização restrita, que se limita necessariamente à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, da exatidão material dos factos, bem como da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (v. acórdão Comissão/Scott, referido no n.° 232 supra, n.° 66 e jurisprudência aí referida).

104    Neste contexto, a título de exemplo, o Tribunal de Justiça considerou que, para verificar se a venda de um terreno por uma autoridade pública a uma entidade privada constituía um auxílio de Estado, a Comissão devia aplicar o critério do investidor privado, a fim de verificar se o preço pago pelo alegado beneficiário do auxílio corresponde ao preço que um investidor privado, atuando em condições de concorrência normais, poderia ter fixado. Em geral, a utilização deste critério implica, por parte da Comissão, uma apreciação económica complexa (v. acórdão Comissão/Scott, já referido no n.° 102 supra, n.° 68 e jurisprudência aí referida).

105    No caso em apreço, a questão de saber se a alteração das condições de reembolso constitui um auxílio de Estado, uma vez que concede uma vantagem ao seu beneficiário à luz da definição acima apresentada no n.° 96, integra‑se, portanto, em princípio, numa fiscalização plena por parte do Tribunal Geral. Na hipótese, todavia, de o Tribunal Geral ser de opinião de que a identificação do auxílio põe em causa uma apreciação económica complexa efetuada pela Comissão, nomeadamente quanto a saber se, ao aceitar a alteração das condições de reembolso, o Estado neerlandês não agiu como teria feito um investidor privado avisado de dimensão comparável, essa questão constitui uma fiscalização limitada segundo as regras acima definidas no n.° 102.

106    Assim, para apreciar a legalidade da decisão impugnada à luz dos princípios supramencionados, há que ter em conta os elementos de informação de que a Comissão dispunha ou podia dispor em 18 de novembro de 2009, data em que adotou a decisão impugnada. A este respeito, caso se verifique que a apreciação da Comissão é desmentida ou posta em causa por elementos de informação de que não tenha tido conhecimento ao longo do procedimento administrativo, haverá que verificar se tais elementos podiam ser conhecidos e tomados em consideração por ela em tempo útil e, se for esse o caso, se esses elementos de informação deveriam normalmente ter sido tomados em consideração pela Comissão, pelo menos como dados pertinentes para aplicar o critério do investidor privado (v. n.os 102 a 104 supra).

107    Em terceiro lugar, no que respeita à apreciação dos argumentos relativos à legalidade da decisão impugnada no plano processual, há que salientar que o Reino dos Países Baixos e o ING invocam, de um modo geral, diversas garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos procedimentos administrativos, especialmente quando podem chegar a uma decisão que produz efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses das partes visadas pelo seu resultado. De entre essas garantias constam, nomeadamente, a obrigação de a Comissão examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso, o direito de o interessado dar a conhecer o seu ponto de vista antes da adoção da decisão, bem como o direito a uma fundamentação suficiente da decisão. O respeito destas garantias processuais assume uma importância fundamental quando a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação [acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, Colet., p. I‑5469, n.os 13 e 14; acórdão do Tribunal Geral de 18 de setembro de 1995, Nölle/Conselho e Comissão, T‑167/94, Colet., p. II‑2589, n.° 73; v., igualmente, artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (JO 2007, C 303, p. 1) e, em matéria de auxílios de Estado, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de novembro de 2007, Espanha/Lenzing, C‑525/04 P, Colet., p. I‑9947, n.° 58].

108    Em particular, há que recordar que a Comissão é obrigada, no interesse de uma boa administração das regras relativas aos auxílios de Estado, a proceder a um exame diligente e imparcial dos elementos de que dispõe (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., p. I‑1719, n.° 62).

109    É à luz destes princípios que se deve averiguar se a Comissão demonstrou corretamente, no considerando 98 da decisão impugnada, que a alteração das condições do reembolso da injeção de capital implicava uma vantagem suplementar para o ING, a saber, um auxílio suplementar no valor aproximado de 2 mil milhões de euros.

b)     Apreciação do raciocínio exposto na decisão impugnada no que respeita à alteração das condições de reembolso

110    Decorre dos n.os 97 a 99 supra que, no caso vertente, a Comissão não se podia limitar a considerar que a alteração das condições de reembolso da injeção de capital constituía um auxílio de Estado sem proceder previamente ao exame da questão de saber se a alteração efetuada conferia ao ING uma vantagem que um investidor privado colocado na mesma situação do Estado neerlandês não teria aceitado, análise que pressupõe em particular que se compare as condições de reembolso iniciais com as condições alteradas.

111    Para efeitos deste exame, a Comissão era obrigada a tomar em consideração todos os elementos pertinentes, nomeadamente os que resultam das condições de reembolso iniciais e das condições alteradas. Entre esses elementos figuram, em primeiro lugar, o facto de as condições iniciais não preverem uma obrigação, mas unicamente a faculdade de o ING readquirir os valores mobiliários subscritos pelo Estado neerlandês no prazo de três anos previsto para esse efeito, em segundo lugar, o facto de as condições iniciais apenas garantirem ao Estado um rendimento anual igual aos juros suportados e, em terceiro lugar, o facto de, pelas condições alteradas, o Estado ter assegurado o recebimento de um rendimento anual de 15%.

112    Contudo, não resulta da decisão impugnada que a Comissão tenha procedido à comparação acima referida no n.° 110. A Comissão antes se limitou a indicar que a alteração das condições de reembolso implicava receitas não recebidas pelo Estado neerlandês.

113    Com efeito, no considerando 98 da decisão impugnada, a Comissão caracterizou a existência do auxílio suplementar, apreciação cuja legalidade o Reino dos Países Baixos e o ING contestam, indicando, por um lado, que «[a] alteração do prémio de reembolso também constitui um auxílio estatal na medida em que o Estado abdica do seu direito a obter receitas» e, por outro, que essa alteração se «traduz[…] num benefício adicional para o ING[, no caso,] um auxílio suplementar no valor aproximado de 2 mil milhões de euros». Esta caracterização do auxílio suplementar pela Comissão baseia‑se, no essencial, na alegada necessidade de o ING respeitar as condições iniciais em caso de reembolso antecipado para determinar a remuneração devida ao Estado. Ora, em virtude das condições iniciais, a aquisição antecipada de 500 milhões de valores mobiliários ING comportaria necessariamente a cobrança pelo Reino dos Países Baixos de um prémio de 2,5 mil milhões de euros, sendo esse prémio superior ao que seria pago com base nas condições alteradas. Esta ideia é enunciada no considerando 34 da decisão impugnada, onde vem indicado que, «[p]or outras palavras, tendo em conta que o ING teria normalmente de pagar um prémio de reembolso no valor de 2,5 mil milhões de EUR, [a] alteração [das condições de reembolso] traduz‑se numa vantagem adicional para o ING avaliada entre 1,79 e 2,2 mil milhões de EUR, consoante a cotação das ações do ING», e reproduzida no considerando 98 da referida decisão, no qual é indicado que, «[v]isto que o ING já aceitou um prémio de reembolso de [50% (em vez de 150%, v. considerando 33),] qualquer redução equivale a receitas não recebidas».

114    Consequentemente, a alteração das condições de reembolso tem como consequência, segundo a Comissão, receitas não recebidas pelo Estado neerlandês, equivalentes a um auxílio suplementar de montante igual à diferença entre o montante inicialmente previsto nos termos das condições iniciais e o montante a pagar com base nas condições alteradas. Para apreciar a compatibilidade do auxílio à luz do artigo 87.°, n.° 3, alínea b), CE, em especial do auxílio à reestruturação previsto no artigo 2.° da decisão impugnada, a Comissão teve em conta a existência de um auxílio suplementar de cerca de 2 mil milhões de euros.

 Quanto à análise de jure da alteração das condições de reembolso

115    No entanto, há que sublinhar que a modificação das condições de reembolso não levou de jure a receitas não recebidas pelo Estado neerlandês, na medida em que o Estado não renunciou a um rendimento garantido, mas à mera possibilidade de cobrar, em relação a uma parte dos valores mobiliários subscritos, um rendimento anual máximo muito elevado (mais de 50% anual).

116    A este respeito, há que precisar que, para demonstrar a existência do auxílio suplementar, a Comissão se baseou necessariamente na premissa de que as condições iniciais eram as únicas que podem ser aplicadas em caso de reembolso (v. n.° 113 supra). As condições iniciais precisavam, a esse respeito, que, no caso de o ING recomprar os valores mobiliários emitidos por ocasião da injeção de capital, seriam recomprados a 15 euros por título. No entanto, resulta claramente do próprio texto do acordo inicial que o Reino dos Países Baixos não podia obrigar o ING a reembolsar‑lhe, a fortiori por antecipação, metade da injeção de capital integrando o prémio de reembolso de 50% relativamente ao preço de emissão de 10 euros aí definido (v. n.° 4 supra), como foi expressamente reconhecido pela Comissão nos seus articulados (v. n.° 82 supra) e na audiência, o que ficou exarado em ata. Com base nas condições iniciais, a possibilidade de reembolsar o montante do capital injetado durante os três primeiros anos era unicamente oferecida ao ING, que era livre ou não de exercer a opção correspondente em consideração do seu próprio interesse. Daqui decorre que só com base nas condições alteradas podia o Estado neerlandês dispor da certeza de ser reembolsado de uma parte da quantia paga a título de injeção de capital nos três anos previstos para esse efeito. Essa certeza não existia, porém, com base nas condições iniciais.

117    Por outro lado, não se pode deixar de observar que é só no âmbito dos seus articulados (v. n.os 87 e 88 supra) que a Comissão sustenta que não é contestado que as condições de reembolso iniciais podiam conduzir a um rendimento de 31%, por exemplo, no caso de um reembolso no final do segundo ano e no caso de pagamento de um bónus cada ano e que, por conseguinte, nenhum investidor teria aceitado ser reembolsado sem invocar os rendimentos previstos inicialmente. Além disso, a Comissão alega que é errado invocar a incerteza do reembolso, pois o ING tinha sempre indicado que reembolsaria o mais rapidamente possível. Estas explicações levam a Comissão a afirmar, nos seus articulados, que o ING era obrigado a reembolsar nas condições inicialmente previstas para esse efeito. No caso de o Reino dos Países Baixos e o ING chegarem a acordo para um reembolso antecipado de uma parte da injeção de capital em condições diferentes das inicialmente previstas, a Comissão não teria, portanto, outra escolha senão impor ao ING o pagamento do prémio inicialmente previsto pela via da qualificação de auxílio suplementar. Não se podia encarar qualquer hipótese de reembolso diferente da definida no acordo inicial. Segundo a Comissão, nenhum investidor privado teria renunciado ao que podia esperar de melhor.

118    Neste contexto, a seguir o raciocínio da Comissão, as modalidades de reembolso de um empréstimo celebrado entre duas partes num dado momento já não poderiam ser alteradas posteriormente, quer se trate, por exemplo, de ter em conta a evolução ou a estagnação da cotação em Bolsa, do retorno da liquidez nos mercados financeiros ou do final de um movimento de pânico. Tal abordagem, que se limita a invocar uma alteração relativamente a condições iniciais, não basta para caracterizar um auxílio à luz do artigo 87.°, n.° 1, CE, uma vez que abstrai totalmente quer da opção, e não do direito, do Estado neerlandês de ser reembolsado com base nas condições iniciais quer da racionalidade económica suscetível de explicar a alteração introduzida.

119    A este respeito, importa precisar, em primeiro lugar, que a falta de apreciação, na decisão impugnada, da racionalidade económica da alteração das condições de reembolso do ponto de vista de um investidor privado colocado numa situação comparável à do Estado neerlandês é ainda mais inaceitável quando, na decisão inicial, a Comissão tinha evocado vários elementos relevantes para esse exame no contexto da avaliação, à luz do artigo 87.° CE, do auxílio concedido a título de injeção de capital nessa fase do procedimento administrativo. Assim, verifica‑se que a taxa de rentabilidade interna mínima prevista e realizada com base nas condições alteradas (15%, estando o intervalo proposto compreendido entre 15% e cerca de 22%, v. n.° 85 supra) era superior à taxa evocada pela Comissão na decisão inicial quando encarava a remuneração devida pelo ING ao Estado neerlandês em contrapartida da injeção de capital, que fazia referência a um intervalo compreendido entre «mais de 10%», mas menos de «15% ou mais». Nos considerandos 63 a 67 da decisão inicial, a Comissão indicava, a este respeito:

«(63) Resulta de dados recentes que, refletindo o mercado em crise, o rendimento efetivo para o capital de nível 1 híbrido se situa em torno de 15% ou mais. A Comissão reconhece que[,] se a remuneração viesse a ser fixada no limite do nível de clearing atual, o banco não poderia beneficiar desta forma de medida. Além disso, a Comissão pretende acompanhar as condições de mercado a longo prazo e não impor aos bancos as condições desfavoráveis atuais. Por outro lado, a Comissão, nas recentes decisões sobre os níveis de recapitalização no Reino Unido e na Alemanha, aceitou níveis de remuneração de 12% e 10%, respetivamente, ainda com estritas restrições no domínio do comportamento.

(64) É por isso que a Comissão, tendo em conta as características específicas, nomeadamente o risco de perfil dos valores mobiliários, considera que, no caso, seria exigível um rendimento esperado [de] mais de 10%.

(65) As autoridades neerlandesas consideram que é altamente provável que esse rendimento seja atingido pela conjugação de cupões a 8,5% (ou mesmo mais, em função do nível do dividendo distribuído), a possibilidade de conversão em ações ordinárias ou a possibilidade de recompra pelo ING a 150% (15 euros por título). A Comissão considera que este nível [é] o mínimo necessário nas circunstâncias atuais. As autoridades neerlandesas apresentaram efetivamente diversos cenários dos quais resulta que o rendimento pode eventualmente ser muito significativo, o que depende em larga medida [dos] resultados da economia neerlandesa e da economia mundial e, assim, do desempenho futuro das ações do ING. No que se refere ao pagamento de cupões, é necessário prever que o ING, partindo da hipótese de os resultados financeiros da empresa melhorarem e de o preço de uma ação do ING ultrapassar em três anos os 15 euros, distribua algum dividendo nos três anos. No que respeita à possibilidade de recompra, o facto é que, quanto mais o preço de uma ação [do] ING ultrapassar o limite de 15 euros, mais interessante para os acionistas será recomprar o instrumento. Esse estímulo baseia‑se no facto de, [por um lado,] o instrumento, nesse cenário, ser ainda mais barato do que a ação comum e, por outro, se o preço de uma ação se situar materialmente acima de 15 euros, haver um incentivo suplementar para o ING garantir, em benefício dos acionistas, que [...] seja eliminado o risco de diluição por causa da conversão do instrumento em ações ordinárias.

(66) Neste cenário, no caso de a empresa proceder à recompra do instrumento após três anos (e partindo da suposição de que será pago anualmente um dividendo, mas que o Estado apenas receberá o cupão de 8,5%), o rendimento gerado no total pelo Estado seria de 22,1% por ano. Se a recompra ocorresse após cinco anos, o rendimento, menor, passaria a 16% por ano[...] e, no caso de, durante esse período, nenhum dividend[o] ser distribuído, o rendimento seria igualmente inferior, situando‑se em 15,9 e 9,3% respetivamente.

(67) Tendo em conta os n.os 65 e 66), a Comissão considera plausível que o retorno dos investimentos do Estado ultrapasse os 10%. A Comissão recorda que é uma característica própria do capital de nível 1 fortemente dependente existir uma certa incerteza quanto ao rendimento. É precisamente por essa razão e tendo em conta a natureza do instrumento[...] que o rendimento esperado deve ser superior a 10%. A Comissão tem ainda uma apreciação favorável relativamente aos compromissos referidos no ponto 31 pelo ING e pelas autoridades neerlandesas em relação ao pagamento de dividendos [no ponto 31 refere‑se que ‘as autoridades neerlandesas obrigaram‑se a tudo fazer para se atingir um rendimento dos valores mobiliários de, pelo menos, 10%[; a]s autoridades neerlandesas consideram que esse rendimento poderá ser muito provavelmente atingido por uma conjugação de cupões a 8,5% (eventualmente mais em função do nível dos dividendos distribuídos) e da opção de recompra[;] o ING declarou também que mantém a política existente em matéria de dividendos’]. A Comissão também toma nota do facto de as autoridades neerlandesas se terem obrigado a proceder a uma nova notificação, como exposto no ponto 32, no caso de o rendimento esperado não ser alcançado, mesmo embora a Comissão admita que não pode existir uma certeza quanto ao referido rendimento.»

120    Resulta das considerações expostas nos considerandos 63 a 67 da decisão inicial, é certo que no quadro da apreciação da compatibilidade do auxílio em causa e não da da aplicação do princípio do investidor privado, que a Comissão estava perfeitamente consciente, nessa fase do processo, das diferentes opções conferidas pelo acordo inicial, bem como das probabilidades evocadas a este propósito no que respeita aos diferentes cenários possíveis. Um rendimento de 31% evocado pela Comissão nos seus articulados constitui claramente um máximo e de modo algum uma cláusula intangível e irrevogável ou a única base de referência para avaliar o rendimento previsto.

121    Por outro lado, decorre igualmente da apreciação efetuada na decisão inicial pela Comissão que esta considerava, em novembro de 2008, que, «refletindo o mercado em crise», o rendimento previsto pelo mercado para valores mobiliários do tipo dos que tinham sido emitidos aquando da injeção de capital era de 15% ou mais». Esse rendimento era considerado demasiado alto pela Comissão, que, nessa fase, achava suficiente um rendimento de «mais de 10%». Daqui se conclui que a Comissão teve em conta que os investidores podiam estar interessados nesses valores mobiliários. A fortiori, não se pode excluir a possibilidade de esses investidores terem sempre estado interessados nesses valores mobiliários em novembro de 2009, num momento em que a crise financeira se fazia menos sentir e em que é legítimo pensar que o rendimento previsto pelo mercado teria podido ser menor, como é reconhecido pela Comissão.

122    Ora, a este respeito, a Comissão não efetuou, na decisão impugnada, uma análise para determinar em que medida um rendimento compreendido entre 15% e 22% concedido ao Estado neerlandês na sequência da alteração das condições de reembolso não correspondia ao que era razoavelmente de esperar de um investidor privado confrontado com uma situação semelhante, ou seja, titular dos valores mobiliários do tipo dos que tinham sido emitidos quando da injeção de capital suscetível de ser reembolsada pelo emissor.

123    Em segundo lugar, quanto aos dados relevantes apresentados pelos recorrentes na pendência da instância, designadamente no que respeita aos diferentes rendimentos esperados e ao comportamento de um investidor privado de referência, conforme expostos no relatório e nas análises Rothschild, importa referir que se trata de elementos de informação de que a Comissão já dispunha ou podia dispor no momento em que adotou a decisão impugnada. De facto, a Comissão recusou tomar em consideração esses elementos, mesmo hipoteticamente, uma vez que o seu raciocínio assenta no pressuposto factual errado de, em caso de reembolso, apenas serem aplicadas as condições iniciais, o que é ipso facto constitutivo de um «direito de o Estado neerlandês beneficiar de rendimentos», determinado em conformidade. Ora, no caso em apreço, a Comissão era obrigada a levar em conta e apreciar estes elementos de informação, no contexto da apreciação da existência de uma vantagem ligada à alteração das condições de reembolso da injeção de capital, em especial os que tornam credível a hipótese de um investidor privado ser levado a substituir uma incerteza por uma certeza e a obter um rendimento determinado e satisfatório em substituição de um rendimento aleatório. Assim, a Comissão não podia adotar a decisão impugnada sem tomar em consideração esses elementos e verificar a sua relevância para a sua apreciação do auxílio (v. n.° 99 supra).

124    A este respeito, a Comissão não pode alegar ter dado ao Reino dos Países Baixos e ao ING as condições para apresentarem esses dados no procedimento administrativo pelo facto de lhes ter permitido pronunciarem‑se sobre a parte relativa aos factos de um projeto de decisão. Com efeito, a Comissão não pode razoavelmente sustentar que o facto de lhes ter concedido algumas horas para se pronunciarem, em 6 de novembro de 2009, sobre a exposição dos factos que tencionava utilizar na decisão impugnada pode ser considerado suficiente para permitir a apresentação desses dados. Não só o tempo concedido para responder era demasiado curto como nem o Reino dos Países Baixos nem o ING podiam saber que, nessa fase, a Comissão não se pretendia basear no critério do investidor privado para apreciar a existência de um auxílio relativo à alteração das condições de reembolso. Em especial, a Comissão não indicava, nesse documento, qual era a sua posição no respeitante à questão de saber por que razões tinha o Estado neerlandês o «direito de cobrar» 2,5 mil milhões de euros ou por que razões tinha o ING a obrigação de pagar essa quantia em caso de reembolso antecipado nem à questão das consequências a extrair do rendimento esperado e conhecido da Comissão à luz das novas condições de reembolso. A Comissão também não responde ao argumento relativo à igualdade de tratamento invocado pelo Estado neerlandês na comunicação da alteração das condições de reembolso, em que o Reino dos Países Baixos tinha explicado que a alteração das condições de reembolso tinha por objetivo oferecer ao ING condições de saída semelhantes às concedidas à AEGON e à SNS Reaal.

125    Consequentemente, a Comissão não teve em conta o conceito de auxílio ao não apreciar se, ao aceitar a alteração das condições de reembolso, o Estado neerlandês agiu como teria feito um investidor privado colocado numa situação semelhante, designadamente em razão do facto de o Estado neerlandês poder ser reembolsado antecipadamente e beneficiar então de uma maior certeza de ser remunerado de forma satisfatória, tendo em conta as condições do mercado existentes nesse momento.

 Quanto à análise de facto da alteração das condições de reembolso

126    A Comissão também não pode justificar a existência de lucros cessantes alegando que ING era de facto obrigado a recomprar uma parte dos seus valores mobiliários nas condições de reembolso iniciais, mesmo embora não o estivesse de jure, argumento que não tem nenhum apoio na decisão impugnada.

127    Além disso, os fundamentos invocados pela Comissão, pela primeira vez, no Tribunal Geral para demonstrar que o ING era de facto obrigado a recomprar uma parte dos títulos criados no âmbito do aumento de capital realizado em 11 de novembro de 2008 segundo as condições de reembolso iniciais não são convincentes e são desmentidos pelas explicações, mais convincentes, apresentadas pelo Reino dos Países Baixos, pelo ING e pelo DNB.

128    A este respeito, há que referir que o Reino dos Países Baixos e o ING expõem, de forma convincente, as razões pelas quais o ING não utilizou a opção de reembolso que lhe foi proposta ao abrigo do acordo inicial, enquanto o preço das ações do ING não se aproximasse significativamente de 15 euros (v., designadamente, n.° 86 supra).

129    Com efeito, o essencial desses dados, a saber, todos os que se reportam à evolução da cotação das ações do ING em Bolsa até ao dia em que a decisão impugnada foi adotada, 18 de novembro de 2009, tal como as hipóteses de evolução dessa cotação em Bolsa a curto e médio prazo efetuadas nesse momento pelos analistas bolsistas, estavam disponíveis no momento em que a Comissão definiu o quadro factual a tomar em conta para apreciar o auxílio suplementar. A Comissão não podia ignorar estes elementos, uma vez que o preço das ações do ING e a sua evolução provável nessa época constituíam dados pertinentes para avaliar a importância que as condições iniciais podiam ter para apreciar a alegada existência do «direito de beneficiar de rendimentos» e de um auxílio suplementar concedido no momento da alteração das condições de reembolso.

130    Com base nestes dados, o Reino dos Países Baixos e o ING alegam que não era racional o ING adquirir os títulos emitidos na injeção de capital com o prémio de reembolso definido nas condições iniciais se o preço das ações do ING fosse inferior a 15 euros. Esta afirmação é designadamente fundamentada através de um memorando elaborado pelo banco de investimentos Goldman Sachs para o ING em 12 de maio de 2009, que apresenta os diferentes cenários possíveis e o seu interesse para o ING, nomeadamente quanto ao papel do limiar desempenhado pela cotação de 15 euros, que seria o fator de acionamento do reembolso nas condições iniciais. O quadro que reproduz as cotações das ações do ING em Bolsa entre setembro de 2008 e maio de 2010, transmitido pelo Reino dos Países Baixos em resposta à argumentação da Comissão, demonstra igualmente que a cotação das ações esteve sempre significativamente abaixo de 15 euros, em qualquer caso, até 18 de novembro de 2009, data em que a decisão impugnada foi adotada. Esses dados não são postos em causa pelo argumento invocado pela Comissão, baseado na necessidade de tomar em conta o efeito de diluição ligado à emissão de ações necessária para obter os fundos necessários ao reembolso antecipado sobre a cotação das ações do ING, tal como resulta do quadro apresentado a este respeito pelo Reino dos Países Baixos na audiência, que mostra que, em qualquer caso, o limiar exigido para obter esses fundos em condições economicamente racionais não tinha sido atingido.

131    Além disso, no tocante às evoluções prováveis da cotação das ações do ING no momento em que a Comissão adotou a decisão impugnada, o ING cita diferentes relatórios de analistas publicados no final de outubro de 2009, nos termos dos quais a cotação objetivo das ações do ING a doze meses se situava entre 9 euros para a Nomura e 12,90 euros para o Bank of America Merrill Lynch, prevendo todos os outros analistas, quer a Citi, o Deutsche Bank, a KBW, a Morgan Stanley e a UBS, uma cotação objectivo entre 10,60 euros e 11,50 euros, ou seja, muito abaixo do limite de 15 euros. A Comissão não contesta estes dados enquanto tais.

132    Por outro lado, o Reino dos Países Baixos e o ING alegam que o reembolso em 2009 dos títulos emitidos na injeção de capital com base nas condições iniciais exigia que o ING procedesse a uma emissão de ações, uma vez que não dispunha nessa época dos fundos disponíveis para reembolsar esses títulos. Assim, seria ilógico emitir ações a uma cotação inferior a 15 euros para reembolsar títulos no valor de 15 euros. Só bastante mais tarde poderia o ING reembolsar os valores mobiliários emitidos a partir dos lucros mantidos e ainda na condição de não pagamento de dividendos ou do produto das cessões realizadas.

133    Os argumentos da Comissão para refutar a pertinência destes elementos não podem ser acolhidos (v. n.os 82 e 87 supra). Assim, o facto de a cotação das ações do ING em Bolsa ter atingido 43 euros por volta de 2001 não basta para pôr em causa os argumentos relativos à evolução específica da cotação dessas ações em Bolsa no início da crise financeira de 2008 até à adoção da decisão impugnada, bem como à exposição das evoluções previstas nesse momento pelos analistas. Do mesmo modo, as observações relativas à intenção, manifestada pelo ING, de reembolsar se tal fosse possível não podem ter por efeito negar o alcance jurídico da opção conferida ao ING e o interesse dessa empresa no seu exercício, à luz da evolução real da cotação das ações em Bolsa, da qual dependia o custo e, portanto, a possibilidade de um reembolso realizado com base nas condições iniciais. Além disso, as declarações de intenção referidas pela Comissão apenas valem para o que dizem, a saber, que, se isso fosse possível, o ING reembolsaria. Tal decisão insere‑se, porém, num conjunto de dados objetivos e racionais invocados pelos recorrentes neste ponto, cuja veracidade não podia ser negada pela Comissão, como o faz na decisão impugnada baseando‑se numa premissa errada.

134    À luz das considerações expostas, há que declarar que o ING só teria exercido a opção que lhe permitia reembolsar o montante do capital injetado durante os três primeiros anos em presença de circunstâncias económicas determinadas e não verificadas, nem sequer prováveis à luz da cotação em Bolsa e da evolução previsível das ações do ING durante o outono de 2009. Não tendo a Comissão examinado todos os dados relevantes a ter em consideração para avaliar a existência de um «direito de beneficiar de rendimentos no valor de 2,5 mil milhões de euros» em caso de reembolso antecipado, a decisão impugnada está, portanto, igualmente viciada a este respeito.

135    Em todo o caso, mesmo que se considere que a Comissão podia concluir que o Estado tinha deixado de receber receitas, não determinou corretamente o montante dessas alegadas receitas não recebidas. Assim, analisando os argumentos do Reino dos Países Baixos e da Comissão a esse respeito (v. n.os  83 e 84 supra), verifica‑se que, na sua avaliação do montante do auxílio suplementar, a Comissão não teve em conta um outro dado relevante para a análise do conceito de auxílio. Com efeito, na sequência da alteração das condições de reembolso, uma vez que o pagamento de um cupão representava os juros vencidos à data do pagamento antecipado, já não dependia, como acontecia com base nas condições iniciais, do pagamento de um dividendo aos titulares de ações ordinárias. Foi assim reconhecido ao Estado neerlandês o direito a uma quantia em dinheiro a que não tinha necessariamente direito anteriormente, uma vez que a sua obtenção estava condicionada à decisão do ING de pagar ou não um dividendo.

136    No momento em que a Comissão adotou a decisão impugnada, ou seja, em 18 de novembro de 2009, tinha conhecimento desse dado, que emana das próprias condições alteradas. Além disso, a partir do momento em que a Comissão decidisse proceder por comparação entre as duas versões das condições de reembolso, incumbia‑lhe ter em conta as diferenças existentes entre essas versões para determinar a existência de um auxílio à luz do artigo 87.°, n.° 1, CE (v. n.° 111 supra). A diferença em questão, a saber, o pagamento de um cupão incondicional representativo dos juros vencidos no momento do reembolso antecipado, não podia ser ignorada pela Comissão, pois era determinante para a apreciação da questão de saber se a alteração das condições de reembolso implicava a concessão de uma vantagem suplementar para o ING. Além disso, a Comissão podia razoavelmente dispor em tempo útil de uma parte da informação relevante para apreciar a alteração das condições de reembolso, que foi comunicada pelo ING ao público no seu comunicado de imprensa de 12 de agosto de 2009 sobre os resultados obtidos no segundo trimestre do ano de 2009, segundo o qual «o ING tinha decidido o não pagamento do dividendo provisório sobre as ações ordinárias pelo ano de 2009».

137    A este respeito, não pode ser acolhido o argumento da Comissão de que a referida diferença não foi especificamente levada ao seu conhecimento pelo Estado neerlandês ou o de que o seu erro não foi identificado na leitura do projeto de exposição dos factos comunicado em 6 de novembro de 2009 (v. n.° 84 supra). Com efeito, como já foi acima referido no n.° 136, esta diferença constitui, segundo o próprio critério seguido pela Comissão, um elemento intrínseco do conceito de vantagem definido no artigo 87.°, n.° 1, CE, à luz do qual a Comissão é obrigada a qualificar os factos tendo em conta todos os dados relevantes para o efeito. Por outro lado, refira‑se ainda que, como alega o Reino dos Países Baixos, este não estava em condições de apreciar o alcance da apreciação da Comissão, visto que não tinha tido conhecimento da qualificação que esta queria dar à alteração das condições de reembolso nem da resposta que a Comissão tencionava dar aos argumentos que tinha apresentado no procedimento administrativo para explicar essa alteração.

138    Não tendo solicitado, contrariamente à sua obrigação acima referida no n.° 107, informações complementares a este respeito, o que tinha feito inicialmente para a medida relativa à injeção de capital, ou não tendo dado início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, se a alteração das condições de reembolso suscitasse dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, como tinha sido o caso da medida relativa aos ativos depreciados, a Comissão não pode acusar os recorrentes de não lhe terem fornecido todas as informações relevantes sobre a diferença supramencionada. Em todo caso, o erro cometido a este respeito só podia ser suscitado pelo Reino dos Países Baixos e pelo ING na sequência da adoção da decisão impugnada.

139    No caso, como nenhum dividendo foi pago pelo ING pelo ano de 2009, o Estado neerlandês teve direito, como vantagem conferida pelas condições alteradas, em comparação com as condições iniciais, à quantia de 258,5 milhões de euros por ocasião do reembolso antecipado efetuado em 21 de dezembro de 2009. Embora a Comissão não pudesse ter conhecimento desse montante quando adotou a decisão impugnada, deveria ter‑se necessariamente interrogado sobre a incidência que podia ter a possibilidade desse pagamento no montante do auxílio suplementar previsto na decisão impugnada. Do mesmo modo, pelas razões expostas com razão pelo Reino dos Países Baixos, o Estado neerlandês não podia pretender o pagamento do cupão em caso de reembolso antecipado em 2009 com base nas condições iniciais, pois o ING não pagou o dividendo desse exercício (v. n.° 83 supra).

140    Consequentemente, mesmo admitindo que a qualificação de auxílio suplementar efetuada pela Comissão estivesse correta, as «receitas não recebidas» pelo Estado neerlandês devido à alteração das condições de reembolso não podem ser iguais a cerca de 2 mil milhões de euros, ou seja, uma quantia compreendida entre 1,79 e 2,2 mil milhões de euros, como indicado na decisão impugnada, mas a uma quantia necessariamente inferior na proporção do montante dos juros vencidos no momento do reembolso.

141    Por último, contrariamente ao que alega a Comissão (v. n.° 84 supra), a diferença entre os dois montantes não pode ser irrelevante na presente lide, uma vez que a Comissão decidiu fixar por si própria o montante do auxílio na decisão impugnada. Com efeito, esta diferença pode representar um montante, enquanto tal, importante e significativo, que se pode quantificar em várias centenas de milhões de euros. Por conseguinte, não se pode excluir a hipótese de a ponderação dessa remuneração, prevista unicamente a título das condições alteradas, ter efeitos na apreciação da Comissão, tanto ao nível da qualificação de auxílio nos termos do artigo 87.°, n.° 1, CE como ao nível da apreciação da sua compatibilidade com o mercado comum à luz do artigo 87.°, n.° 3, alínea b), CE, nomeadamente no que respeita a avaliar a contribuição do ING ou o alcance das medidas destinadas a corrigir as distorções de concorrência.

142    Assim, a decisão impugnada está viciada de um erro de facto, o qual vicia a apreciação do conceito de auxílio pela Comissão. As consequências desse erro na apreciação da Comissão quanto à compatibilidade do auxílio em causa com o mercado comum serão adiante analisadas nos n.os 147 e seguintes.

 Conclusão sobre a qualificação de auxílio suplementar

143    Resulta do exposto que, não tendo a Comissão demonstrado na decisão impugnada que a alteração das condições de reembolso implicava uma vantagem para o ING que um investidor privado colocado na mesma situação que o Estado neerlandês não teria conferido e ao errar no montante da referida vantagem, a decisão impugnada está viciada na medida em que se baseia, pelas razões expostas no considerando 98 desta decisão, na consideração de que a alteração das condições de reembolso da injeção de capital constitui um auxílio suplementar no valor aproximado de 2 mil milhões de euros.

144    Por conseguinte, há que julgar procedente o fundamento relativo à violação do artigo 87.°, n.° 1, CE, sem que seja necessário responder aos restantes argumentos evocados pelo Reino dos Países Baixos e pelo ING nesse âmbito.

145    Importa agora examinar as consequências que esse vício que afeta os fundamentos do ato têm no seu dispositivo.

B –  Quanto às consequências do vício que afeta os fundamentos da decisão impugnada no que respeita ao seu dispositivo

146    A fim de medir o alcance do vício que afeta a decisão impugnada, na medida em que assenta, pelas razões expostas no considerando 98 desta decisão, na consideração de que a alteração das condições de reembolso da injeção de capital constituía um auxílio suplementar no valor aproximado de 2 mil milhões de euros, deve recordar‑se que o dispositivo de um ato é indissociável da sua fundamentação, de modo que deve ser interpretado, se necessário, tendo em conta os motivos que levaram à sua adoção (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de maio de 1997, TWD/Comissão, C‑355/95 P, Colet., p. I‑2549, n.° 21, e acórdão do Tribunal Geral de 13 de junho de 2000, Epac/Comissão, T‑204/97 e T‑270/97, Colet., p. II‑2267, n.° 39). Embora seja certo que apenas o dispositivo de uma decisão pode produzir efeitos jurídicos, não deixa de ser verdade que as apreciações formuladas nos fundamentos de uma decisão podem ser sujeitas à fiscalização da legalidade do juiz da União na medida em que, enquanto fundamentos de um ato desfavorável, constituam o suporte necessário do dispositivo desse ato ou se esses fundamentos forem suscetíveis de modificar a substância do que foi decidido no dispositivo do ato em causa (v. acórdão do Tribunal Geral de 1 de julho de 2009, KG Holding e o./Comissão, T‑81/07 a T‑83/07, Colet., p. II‑2411, n.° 46 e jurisprudência aí referida).

147    Neste contexto, refira‑se que, no caso, o Reino dos Países Baixos pede a anulação do artigo 2.°, primeiro parágrafo, da decisão impugnada, que é, entre outros, baseado na consideração, exposta no considerando 98 da referida decisão, de que a alteração das condições de reembolso constitui um auxílio suplementar no valor aproximado de 2 mil milhões de euros, ao passo que, na primeira parte do pedido, o ING, apoiado pelo DNB, pede, no essencial, a anulação do artigo 2.°, primeiro parágrafo, da decisão impugnada e do artigo 2.°, segundo parágrafo, da dita decisão, bem como do anexo II dessa decisão na medida em que a Comissão considerou que a alteração das condições de reembolso constitui um auxílio suplementar no montante de 2 mil milhões de euros.

148    A análise desses pedidos de anulação implica determinar o alcance dos erros cometidos pela Comissão no dispositivo quando considerou na decisão impugnada que a alteração das condições de reembolso constituía um auxílio suplementar no valor aproximado de 2 mil milhões de euros, o que leva a diferenciar a incidência desses erros, por um lado, no artigo 2.°, primeiro parágrafo, da decisão impugnada e, por outro, no artigo 2.°, segundo parágrafo, da dita decisão, bem como no anexo II desta decisão.

1.     Quanto à legalidade do artigo 2.°, primeiro parágrafo, da decisão impugnada

149    A este propósito, decorre claramente da fundamentação da decisão impugnada, designadamente do seu considerando 98, que a Comissão considerou que, na alteração das condições de reembolso comunicada pelo Reino dos Países Baixos no procedimento administrativo, o Estado neerlandês atribuiu ao ING um «um auxílio suplementar no valor aproximado de 2 mil milhões de EUR».

150    Em seguida, esse auxílio suplementar foi tomado em conta pela Comissão quando definiu o montante total do auxílio concedido pelo Reino dos Países Baixos no âmbito do dispositivo de apoio aos «ativos ilíquidos» e do plano de reestruturação do ING (a seguir «auxílio à reestruturação»). No considerando 106 da decisão impugnada, que conclui a apreciação da existência de um auxílio à luz do artigo 87.°, n.° 1, CE, a Comissão indicou que, «[n]o total, o ING irá, portanto, receber auxílios à reestruturação até ao valor de [12‑22] mil milhões de EUR em garantias de liquidez e cerca de 17 mil milhões de EUR em auxílios de outra natureza, que equivalem a cerca de 5% dos [RWA] do banco».

151    Em resposta às questões escritas do Tribunal, a Comissão esclareceu que eram só os 17 mil milhões de euros de auxílios diversos que representavam aproximadamente 5% dos RWA do ING Bank, não tendo as garantias concedidas ou futuras sido tomadas em consideração nessa fase do raciocínio. Essas respostas às questões escritas também permitiram demonstrar que esse montante de 17 mil milhões de euros se decompunha do seguinte modo: primeiro, o montante do auxílio relativo à injeção de capital, ou seja, 10 mil milhões de euros, como indicado no considerando 97 da decisão impugnada; segundo, o montante do auxílio relativo à alteração das condições de reembolso, ou seja, cerca de 2 mil milhões de euros, como indicado no considerando 98 da decisão impugnada, e, terceiro, o montante do auxílio ligado à medida relativa aos ativos depreciados, ou seja, 5 mil milhões de euros, como indicado no considerando 99 da decisão impugnada.

152    Estas precisões permitem interpretar o conceito de «auxílio à reestruturação» enunciado no artigo 2.°, primeiro parágrafo, do dispositivo da decisão impugnada, nos termos do qual «[o] auxílio à reestruturação concedido pelo Estado neerlandês ao ING constitui um auxílio estatal na aceção do artigo 87.°, n.° 1, [CE]». Com efeito, decorre claramente do exposto que o auxílio suplementar constitui um elemento constitutivo do auxílio à reestruturação mencionado nessa disposição, que não distingue os diferentes elementos desse auxílio.

153    Consequentemente, tendo em conta os erros que inquinam a qualificação de auxílio suplementar efetuada na decisão impugnada, o artigo 2.°, primeiro parágrafo, da decisão impugnada deve ser anulado no seu conjunto, uma vez que assenta, pelas razões expostas designadamente no considerando 98 da decisão impugnada, na consideração de que a alteração das condições de reembolso constitui um auxílio suplementar no valor aproximado de 2 mil milhões de euros.

2.     Quanto à legalidade do artigo 2.°, segundo parágrafo, e do anexo II da decisão impugnada

154    Há que observar que, na sequência do artigo 2.°, primeiro parágrafo, do dispositivo da decisão impugnada, que qualifica de auxílio de Estado na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE todo o auxílio à reestruturação concedido pelo Reino dos Países Baixos ao ING, o segundo parágrafo desta disposição indica que «[esse] auxílio é compatível com o mercado comum, sob reserva dos compromissos enumerados no anexo II», que salienta, antes de mais, que, «[n]o que respeita ao auxílio à reestruturação, devem ser respeitados os seguintes compromissos». O auxílio suplementar, que é um elemento constitutivo do auxílio à reestruturação, faz, assim, parte integrante da apreciação da Comissão quando se pronuncia sobre a compatibilidade desse auxílio com o mercado comum.

155    Esta conclusão é confirmada pelos fundamentos da decisão impugnada. Com efeito, no considerando 141, na parte dedicada à apreciação da compatibilidade do auxílio à reestruturação à luz do artigo 87.°, n.° 3, alínea b), CE, faz‑se referência ao «montante de auxílio significativo, correspondente a 5% dos [RWA], se for expresso em termos dos [RWA] do ING Bank[, uma vez que e]ste valor está bastante acima do ‘nível de acionamento’ de 2% dos [RWA]», para apreciar o montante do auxílio e as distorções de concorrência daí decorrentes. Esta referência ao limite mínimo de 5% dos RWA mostra que a Comissão tomou em consideração o valor de 17 mil milhões de euros anteriormente evocado no considerando 106 da decisão impugnada (v. n.os 150 e 151 supra). Do mesmo modo, a Comissão salientou, no considerando 157 da decisão impugnada, que «as medidas de auxílio suplementares apresentadas no quadro do plano de reestruturação, ou seja, a modificação das condições de recompra dos ativos do nível 1 ao Estado neerlandês e as garantias previstas no que se refere à dívida, dev[iam] igualmente ser declaradas compatíveis com o mercado comum nos termos do artigo 87.°, n.° 3, alínea b), [CE], dado o alcance das medidas para evitar distorções do mercado contempladas no plano de reestruturação e o facto de o auxílio contribuir para que o beneficiário refor[çasse] a sua viabilidade» e que «[e]sta conclusão também [era] aplicável ao auxílio resultante da alteração das condições de reembolso do capital concedido pelo Estado neerlandês».

156    Da leitura do dispositivo e dos fundamentos da decisão impugnada, é assim impossível dissociar o auxílio suplementar do dispositivo e dos fundamentos que lhe servem de base quando se examina a apreciação feita pela Comissão tanto no que se refere à compatibilidade do auxílio com o mercado comum como à determinação do nível de compromissos exigidos para permitir que o auxílio seja declarado compatível.

157    A este propósito, resulta das respostas às questões escritas e às questões colocadas na audiência que as partes se opõem no que respeita ao alcance que a anulação pedida poderá ter no anexo II da decisão impugnada, que inclui os compromissos a respeitar para que o auxílio à reestruturação a que se refere o artigo 2.° da referida decisão seja declarado compatível com o mercado comum. Há que referir, antes de mais, que o Reino dos Países Baixos indicou claramente que era de opinião de que a anulação que pede era realmente suscetível de provocar a caducidade das medidas compensatórias previstas no anexo II dessa decisão, uma vez que esta assenta, nomeadamente, no facto de se ter tomado em consideração o montante do auxílio suplementar. Em seguida, segundo o Reino dos Países Baixos, o ING e o DNB, existe uma relação necessária e proporcionada entre o montante do auxílio à reestruturação concedido pelo Estado e a amplitude das medidas apresentadas para pôr termo às distorções de concorrência geradas por esse auxílio. Em contrapartida, a Comissão considera que o facto de retirar 2 mil milhões de euros ao montante do auxílio à reestruturação ― que tomaria principalmente em conta para apreciar as medidas necessárias para pôr termo às distorções de concorrência geradas os 10 mil milhões de euros de auxílio concedidos a título de injeção de capital e os 5 mil milhões de euros de auxílio concedidos ao abrigo da medida relativa aos ativos depreciados ― não tem nenhuma incidência no alcance das medidas apresentadas para pôr termo às distorções de concorrência ocasionadas.

158    Esta última abordagem não pode ser aceite pelo Tribunal Geral para determinar o alcance da anulação pedida na decisão impugnada. Com efeito, embora a amplitude das medidas compensatórias dependa, em princípio, direta e proporcionalmente do auxílio concedido, cuja apreciação no caso vertente está viciada numa parte não negligenciável, resulta claramente da decisão impugnada que a Comissão examinou esta questão à luz dos efeitos do auxílio à reestruturação composto pelo auxílio relativo à injeção de capital, pelo auxílio relativo à alteração das condições de reembolso e pelo auxílio ligado à medida relativa aos ativos depreciados, isto é, à luz de um auxílio num montante total de 17 mil milhões de euros.

159    Devido aos erros cometidos pela Comissão, esta deixa de poder afirmar, como faz nos considerandos 106 e 141 da decisão impugnada, que o auxílio em causa constitui um «montante de auxílio significativo», «que equivale[...] a cerca de 5% dos [RWA]», com base no qual as medidas compensatórias foram apreciadas.

160    Em conclusão, uma vez que o artigo 2.°, primeiro parágrafo, da decisão impugnada é ilegal à luz do artigo 87.°, n.° 1, CE na medida em que qualifica de auxílio de Estado o auxílio à reestruturação que inclui o auxílio suplementar no valor aproximado de 2 mil milhões de euros referido no considerando 98 da decisão impugnada, essa ilegalidade implica também necessariamente a ilegalidade do artigo 2.°, segundo parágrafo, e do anexo II da referida decisão, que lhe está associada, na medida em que a compatibilidade do auxílio que é evocada nesse segundo parágrafo depende de uma análise e de compromissos cujo conteúdo é apreciado à luz do auxílio à reestruturação definido no artigo 2.°, primeiro parágrafo, da referida decisão, que abrange o auxílio suplementar.

161    Tendo em conta esta conclusão e no interesse da economia processual, não é necessário o Tribunal examinar os argumentos apresentados pelo ING e pela Comissão no que diz respeito ao segundo e terceiro fundamentos apresentados no processo T‑33/10, que incidem numa fase posterior da análise e pressupõem que o auxílio à reestruturação a que se refere o artigo 2.° da decisão impugnada tivesse sido corretamente caracterizado, o que não é o caso.

 Quanto às despesas

162    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida no presente litígio, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido do Reino dos Países Baixos, do ING e do DNB.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      Os processos T‑29/10 e T‑33/10 são apensados para efeitos do presente acórdão.

2)      O artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Decisão 2010/608/CE da Comissão, de 18 de novembro de 2009, relativa ao auxílio estatal C 10/09 (ex N 138/09) aplicado pelos Países Baixos em relação ao mecanismo subsidiário de cobertura de ativos ilíquidos e plano de reestruturação do ING, bem como o artigo 2.°, segundo parágrafo, e o anexo II desta decisão, são anulados.

3)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

Azizi

Frimodt Nielsen

Kanninen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 2 de março de 2012.

Assinaturas

Índice


Factos na origem do litígio

1.  Medidas de auxílio concedidas ao ING

2.  Procedimentos administrativos relativos a estas medidas de auxílio

3.  Conteúdo da decisão impugnada

Tramitação do processo e pedidos das partes

Questão de direito

A –  Quanto à qualificação de auxílio suplementar

1.  Argumentos das partes

a)  Quanto aos argumentos relativos ao artigo 87.°, n.° 1, CE

Quanto à incidência da apreciação efetuada na decisão impugnada no respeitante ao montante do auxílio concedido a título de injeção de capital

Quanto à necessidade de analisar todos os aspetos da injeção de capital

Quanto à comparação das condições de reembolso à luz do princípio do investidor privado

–  Quanto à premissa do raciocínio da Comissão

–  Quanto à vantagem conferida ao Estado pelas novas condições

–  Quanto ao comportamento de um investidor privado

–  Quanto aos dados apresentados pelo Reino dos Países Baixos

Quanto ao alinhamento com as condições concedidas à AEGON e à SNS Reaal

b)  Quanto aos argumentos relativos às obrigações de diligência e de fundamentação

2.  Apreciação do Tribunal

a)  Observações sobre o conceito de auxílio e sobre o alcance da fiscalização jurisdicional

b)  Apreciação do raciocínio exposto na decisão impugnada no que respeita à alteração das condições de reembolso

Quanto à análise de jure da alteração das condições de reembolso

Quanto à análise de facto da alteração das condições de reembolso

Conclusão sobre a qualificação de auxílio suplementar

B –  Quanto às consequências do vício que afeta os fundamentos da decisão impugnada no que respeita ao seu dispositivo

1.  Quanto à legalidade do artigo 2.°, primeiro parágrafo, da decisão impugnada

2.  Quanto à legalidade do artigo 2.°, segundo parágrafo, e do anexo II da decisão impugnada

Quanto às despesas


* Línguas de processo: inglês e neerlandês.