Language of document : ECLI:EU:C:2011:66

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

10 de Fevereiro de 2011 (*)

«Reenvio prejudicial – Directiva 80/987/CEE – Artigo 10.°, alínea c) – Disposição nacional – Garantia de pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados – Exclusão das pessoas que, nos seis meses anteriores à apresentação à insolvência da sociedade que as emprega, detinham uma parte essencial desta e exerciam uma influência considerável sobre a mesma»

No processo C‑30/10,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Linköpings tingsrätt (Suécia), por decisão de 28 de Outubro de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 19 de Janeiro de 2010, no processo

Lotta Andersson

contra

Staten genom Kronofogdemyndigheten i Jönköping, Tillsynsmyndigheten,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: K. Schiemann (relator), presidente de secção, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado-geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Staten genom Kronofogdemyndigheten i Jönköping, Tillsynsmyndigheten, por S. Granath, advokat,

–        em representação do Governo sueco, por A. Falk e A. Engman, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo espanhol, por M. Muñoz Pérez, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Enegren, na qualidade de agente,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 10.°, alínea c), da Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 23; EE 05 F2 p. 201), conforme alterada pela Directiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002 (JO L 270, p. 10, a seguir «Directiva 80/987»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe L. Andersson ao Staten genom Kronofogdemyndigheten i Jönköping, Tillsynsmyndigheten (autoridade de controlo em matéria de processos de insolvência), a respeito do direito de L. Andersson ao pagamento de um crédito em dívida emergente de uma relação de trabalho no seio de uma empresa declarada insolvente e da qual L. Andersson era uma das duas accionistas.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

 Directiva 80/987

3        Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, a Directiva 80/987 aplica-se aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação aos empregadores que se encontrem em estado de insolvência na acepção do artigo 2.°, n.° 1, desta directiva.

4        O artigo 10.°, alínea c), da Directiva 80/987 dispõe que esta directiva não prejudicará a faculdade de os Estados-Membros recusarem ou reduzirem a obrigação de pagamento a que se refere o artigo 3.° da referida directiva ou a obrigação de garantia a que se refere o artigo 7.° da mesma directiva nos casos em que o trabalhador assalariado possuísse, individual ou conjuntamente com os seus familiares próximos, uma parte essencial da empresa ou do estabelecimento do empregador e exercesse uma influência considerável sobre as suas actividades.

 Directiva 2008/94/CE

5        Tendo a Directiva 80/987 sido por várias vezes alterada de modo substancial, procedeu-se, por razões de clareza e racionalidade, à codificação da dita directiva com a Directiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008, relativa à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (Versão codificada) (JO L 283, p. 36).

6        Nos termos do sétimo considerando da Directiva 2008/94:

«Os Estados-Membros podem estabelecer limites à responsabilidade das instituições de garantia, que devem ser compatíveis com o objectivo social da directiva e podem tomar em consideração os diferentes valores dos créditos.»

7        O artigo 3.° desta directiva dispõe:

«Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem, sob reserva do artigo 4.°, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho.

Os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados‑Membros.»

8        Nos termos do artigo 7.° da referida directiva:

«Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para assegurar que o não pagamento, às suas instituições de segurança, de cotizações obrigatórias devidas pelo empregador antes da superveniência da insolvência, a título de regimes legais nacionais de segurança social, não prejudicará o direito do trabalhador assalariado a prestações dessas instituições, na medida em que as cotizações tenham sido descontadas dos salários pagos.»

9        O artigo 12.° da Directiva 2008/94 enuncia:

«A presente directiva não prejudicará a faculdade de os Estados‑Membros:

a)      Tomarem as medidas necessárias para evitar abusos;

b)      Recusarem ou reduzirem a obrigação de pagamento prevista no artigo 3.° ou a obrigação de garantia prevista no artigo 7.° no caso da execução da obrigação não se justificar por força de existência de laços particulares entre o trabalhador assalariado e a entidade patronal e de interesses comuns concretizados por conluio entre eles;

c)      Recusarem ou reduzirem a obrigação de pagamento a que se refere o artigo 3.° ou a obrigação de garantia a que se refere o artigo 7.° nos casos em que o trabalhador assalariado possuísse, individual ou conjuntamente com os seus familiares próximos, uma parte essencial da empresa ou do estabelecimento do empregador e exercesse uma influência considerável sobre as suas actividades.»

 Legislação nacional

10      O § 1, n.° 1, da Lei de garantia salarial (lönegarantilagen 1992:497, SFS 1992, n.° 497) dispõe que o Estado é responsável pelo pagamento dos créditos de salários dos trabalhadores assalariados sobre os empregadores cuja insolvência tenha sido declarada na Suécia ou noutro país nórdico.

11      Nos termos do § 7, n.° 1, desta mesma lei, em caso de insolvência, aplica‑se a garantia de pagamento devida pelo Estado em relação a créditos de salários ou outras compensações e pensões de créditos privilegiados previstos nos §§ 12 ou 13 da Lei dos créditos privilegiados (förmånsrättslagen 1970:979, SFS 1970, n.° 979).

12      De acordo com o disposto no § 7 a da Lei de garantia salarial, o pagamento nos termos da dita garantia não se aplica contudo aos trabalhadores assalariados referidos no § 12, sexto parágrafo, da Lei dos créditos privilegiados.

13      Nos termos do § 12, primeiro parágrafo, da Lei dos créditos privilegiados, o crédito privilegiado geral surge como consequência do crédito do trabalhador assalariado por salários ou outras compensações relacionadas com o emprego.

14      O § 12, sexto parágrafo, da mesma lei dispõe que, se o devedor na insolvência for uma empresa, o trabalhador assalariado que, individual ou conjuntamente com familiares próximos, nos seis meses anteriores à apresentação à insolvência, possuir uma parte essencial da empresa e exercer uma influência considerável sobre as suas actividades não goza do direito ao crédito privilegiado nos termos desse artigo relativamente a salários ou aos seus direitos de pensão.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

15      A Linköpings Ridskola AB (a seguir «Linköpings Ridskola») foi declarada insolvente em 23 de Dezembro de 2008. L. Andersson, demandante no processo principal, que viveu em união de facto com M. Andersson de 1996 a 2008, detinha, tal como este, 50% das acções desta sociedade.

16      L. Andersson recebeu as suas acções por doação em 2006 e trabalhava para a Linköpings Ridskola desde meados dos anos 90. Foi membro suplente do seu conselho de administração e tinha direito a assinar sozinha em nome da sociedade até que M. Andersson, membro efectivo único do conselho de administração, decidiu, em 20 de Novembro de 2008, retirar‑lhe o seu direito de assinar em nome da sociedade.

17      Em 12 de Janeiro de 2009, o direito de L. Andersson à garantia dos seus créditos salariais ao abrigo da Lei de garantia salarial foi‑lhe recusado pelo administrador da insolvência, pelo facto de ter possuído uma parte essencial da sociedade em causa e de ter exercido uma influência considerável na sua actividade nos seis meses anteriores à apresentação à insolvência da referida sociedade, pelo que, nos termos do § 12, sexto parágrafo, da Lei dos créditos privilegiados, não tinha direito ao crédito privilegiado previsto nesse § 12.

18      No âmbito da sua acção perante o Linköpings tingsrätt, L. Andersson reclamou o pagamento do salário correspondente ao mês de Dezembro de 2008 e uma parte do mês de Janeiro de 2009, juntamente com a indemnização por despedimento e o subsídio de férias, no montante total de 138 240 SEK acrescido de juros. Alegou que tem um crédito privilegiado nos termos do § 12 da Lei dos créditos privilegiados e que a sua situação não está abrangida pelo referido § 12, sexto parágrafo, porque, embora fosse verdade que detinha uma parte importante da Linköpings Ridskola, na altura da apresentação à insolvência desta já não exercia uma influência considerável sobre esta sociedade nem podia administrá‑la.

19      Foi nestas circunstâncias que o Linköpings tingsrätt decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Uma disposição nacional que exclui do direito ao crédito privilegiado um trabalhador com [o fundamento de que] este, individual ou conjuntamente com familiares próximos, nos seis meses anteriores à apresentação à insolvência, detinha uma parte essencial da empresa e exercia uma influência considerável sobre a actividade desta é compatível com o artigo 10.°, alínea c), da Directiva [...] 80/987 [...]?»

 Quanto à questão prejudicial

20      Importa, a título preliminar, observar que a questão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 10.°, alínea c), da Directiva 80/987 enquanto, como observaram correctamente nas suas observações escritas o demandado no processo principal, o Governo espanhol e a Comissão Europeia, a regulamentação da União pertinente para a análise do processo principal, atendendo ao facto de a sociedade em causa ter sido declarada insolvente em 23 de Dezembro de 2008, é a Directiva 2008/94, que entrou em vigor em 17 de Novembro de 2008. Esta directiva procede à codificação da Directiva 80/987 e contém, no essencial, as mesmas disposições que esta última. Assim, o artigo 12.°, alínea c), da Directiva 2008/94 reproduz o conteúdo, em termos idênticos, do artigo 10.°, alínea c), da Directiva 80/987.

21      Por conseguinte, há que reformular a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que pretende determinar se o artigo 12.°, alínea c), da Directiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional que exclui um trabalhador assalariado do direito à garantia de pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados com o fundamento de que este, individual ou conjuntamente com familiares próximos, detinha uma parte essencial da empresa em causa e exercia uma influência considerável sobre as actividades desta nos seis meses anteriores à apresentação à insolvência dessa empresa.

22      Importa referir, a este respeito, que a Directiva 2008/94 estabelece, no artigo 3.°, uma obrigação de pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados, enquanto o artigo 12.°, alínea c), desta mesma directiva permite aos Estados-Membros recusarem ou reduzirem essa obrigação nos casos em que o trabalhador assalariado possuísse, individual ou conjuntamente com os seus familiares próximos, uma parte essencial da empresa ou do estabelecimento do empregador e exercesse uma influência considerável sobre as suas actividades.

23      O artigo 12.°, alínea c), da Directiva 2008/94 não menciona nenhum prazo durante o qual a posse de uma parte essencial da empresa em causa e uma influência considerável sobre as actividades desta devam ter sido efectivas para que se recuse ou reduza a mencionada obrigação de pagamento. Para determinar se essa disposição se opõe à fixação de um prazo de seis meses, conforme previsto na legislação nacional em causa no processo principal, cabe examinar a economia da referida disposição e os objectivos que prossegue.

24      A este respeito, decorre do sétimo considerando e do artigo 12.°, alíneas a) a c), da Directiva 2008/94 que o legislador não desejava prejudicar a faculdade de os Estados-Membros estabelecerem limites à responsabilidade das instituições de garantia em determinados casos, incluindo nos descritos no referido artigo 12.°, alínea c). Este último baseia­‑se, entre outras coisas, na presunção tácita de que um trabalhador assalariado que, simultaneamente, detinha uma participação essencial na empresa em causa e exercia uma influência considerável sobre as actividades desta pode, consequentemente, ser em parte responsável pela insolvência desta empresa.

25      Todavia, esta faculdade deve ser apreciada à luz da finalidade social da Directiva 2008/94 que consiste em assegurar a todos os trabalhadores assalariados uma protecção mínima na União Europeia em caso de insolvência do empregador, através do pagamento dos créditos em dívida resultantes de contratos ou de relações de trabalho, respeitantes à remuneração de um determinado período (v., neste sentido, acórdão de 11 de Setembro de 2003, Walcher, C‑201/01, Colect., p. I‑8827, n.° 38 e jurisprudência aí referida).

26      Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que a aplicação duma norma nacional que se destina a evitar abusos não pode pôr em causa o pleno efeito e a aplicação uniforme das disposições da União nos Estados-Membros (acórdão Walcher, já referido, n.° 37).

27      Ora, nem o objectivo do artigo 12.°, alínea c), da Directiva 2008/94 nem a finalidade social desta directiva ficam comprometidos por uma disposição nacional que, como é o caso no processo principal, limita a categoria de trabalhadores excluídos do direito à garantia de pagamento dos créditos em dívida à dos trabalhadores que detinham uma parte essencial da empresa em causa e exerciam uma influência considerável sobre as actividades desta durante o período de seis meses anteriores à apresentação à insolvência dessa empresa. Com efeito, nestas circunstâncias, não se pode excluir que o trabalhador, ao qual se recusa o direito à garantia, possa ser responsável pela insolvência da empresa em causa.

28      À luz do exposto, deve responder‑se à questão submetida que o artigo 12.°, alínea c), da Directiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição de direito nacional que exclui um trabalhador assalariado do direito à garantia de pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados com o fundamento de que este, individual ou conjuntamente com familiares próximos, detinha uma parte essencial da empresa em causa e exercia uma influência considerável sobre as actividades desta nos seis meses anteriores à apresentação à insolvência dessa empresa.

 Quanto às despesas

29      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

O artigo 12.°, alínea c), da Directiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008, relativa à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (Versão codificada), deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição de direito nacional que exclui um trabalhador assalariado do direito à garantia de pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados com o fundamento de que este, individual ou conjuntamente com familiares próximos, detinha uma parte essencial da empresa em causa e exercia uma influência considerável sobre as actividades desta nos seis meses anteriores à apresentação à insolvência dessa empresa.

Assinaturas


* Língua do processo: sueco.