Language of document : ECLI:EU:C:2008:283

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

DÁMASO RUIZ‑JARABO COLOMER

apresentadas em 15 de Maio de 2008 1(1)

Processo C‑298/07

Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände

contra

deutsche internet versicherung AG

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha)]

«Directiva 2000/31/CE – Comércio electrónico – Prestador de serviços através da Internet – Correio electrónico»





I –    Introdução

1.        A Secção Cível do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal alemão) submete ao Tribunal de Justiça as suas dúvidas sobre a interpretação do artigo 5.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2000/31/CE (2). Pretende saber se esta disposição comunitária obriga uma companhia de seguros, que actua exclusivamente pela Internet, a indicar na sua página web um número de telefone para que os potenciais clientes acedam sem restrições aos seus funcionários. Subsidiariamente, pergunta se basta indicar um endereço de correio electrónico ou se é necessário disponibilizar outra via de comunicação e, nesse caso, se pode ser aceite um formulário electrónico de pedido de informações.

2.        A dúvida explica‑se pelo facto de a referida disposição exigir que o prestador disponibilize os elementos de informação que permitem contactá‑lo rapidamente, estabelecendo uma comunicação directa e efectiva, mas só referir especificamente o endereço de correio electrónico.

II – Quadro normativo

A –    A regulamentação comunitária

3.        As questões prejudiciais suscitadas centram‑se, portanto, no artigo 5.°, n.° 1, alínea c), da referida directiva sobre o comércio electrónico.

4.        De acordo com os terceiro a sexto considerandos, a directiva tem por objecto estabelecer um efectivo espaço sem fronteiras internas para os serviços da sociedade da informação, bem como abolir os obstáculos legais ao seu desenvolvimento e ao bom funcionamento do mercado interno, tornando menos atractivo o exercício da liberdade de estabelecimento e da livre circulação.

5.        Além disso, o nono considerando acrescenta que esta directiva, juntamente com outras, garante o desempenho desta actividade ao abrigo da liberdade de expressão, consagrado no n.° 1 do artigo 10.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Também o décimo considerando especifica que, de acordo com o princípio da proporcionalidade, as medidas previstas na presente directiva se limitam ao mínimo estritamente necessário para alcançar o objectivo do correcto funcionamento do mercado interno, e o décimo primeiro considerando compromete‑se a não prejudicar o nível de protecção da Directiva 97/7/CE (3).

6.        O referido artigo 5.°, n.° 1, regula as informações que o prestador de serviços da sociedade da informação deve facultar aos destinatários do serviço e às autoridades competentes, dos quais fazem parte os elementos de informação que permitam contactá‑lo rapidamente, «incluindo o seu endereço electrónico» [alínea c)].

B –    A legislação alemã

7.        O § 5, n.° 1, pontos 1 e 2, da Telemediengesetz (lei alemã sobre os serviços de telecomunicações) reproduz quase literalmente esse texto da directiva, exigindo aos prestadores destes serviços um acesso fácil, directo e permanente, facultando os respectivos elementos de informação e endereço electrónico.

III – O processo principal e as questões prejudiciais

8.        A deutsche internet versicherung (a seguir «DIV») é uma empresa que vende seguros no ramo automóvel exclusivamente pela Internet. Na sua página web, a empresa indica o endereço postal e o correio electrónico, mas não um número de telefone, que só é comunicado aos clientes com os quais celebra um contrato. Não obstante, os interessados podem enviar perguntas através de um formulário electrónico, recebendo as respostas por e‑mail.

9.        A Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände (federação alemã de associações de consumidores, a seguir «Bundesverband») intentou uma acção contra a DIV no Landgericht (tribunal regional) de Dortmund, na qual pediu que esta seja obrigada a indicar na sua página de Internet um número de telefone que permita uma comunicação directa com os potenciais clientes. Concretamente, pediu que fosse condenada a cessar a sua actividade principal, tendo o pedido sido acolhido pelo Landgericht.

10.      Esta decisão judicial foi objecto de recurso para o Oberlandesgericht (tribunal de recurso) de Hamm, que deu provimento ao recurso, entendendo que a comunicação directa com o prestador dos serviços imposta pela lei é estabelecida pela via electrónica utilizada pela DIV, sem ser através de contacto telefónico. Recordou que a empresa respondia às questões, sem interferência de um terceiro, e que a resposta chegava rapidamente ao endereço electrónico do cliente (entre trinta e sessenta minutos depois, segundo demonstraram os peritos judiciais).

11.      A Bundesverband interpôs recurso de «Revision» para o Bundesgerichtshof, que, por considerar que a decisão da causa dependia da interpretação da directiva sobre o comércio electrónico, submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, as seguintes questões prejudiciais:

1)      Um prestador de serviços, antes da celebração do contrato com o destinatário do serviço, é obrigado, por força do artigo 5.°, n.° 1, alínea c), da directiva sobre o comércio electrónico, a indicar um número de telefone para possibilitar um contacto célere e uma comunicação directa e eficaz?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão:

a)      Um prestador de serviços, antes de celebrar o contrato com um destinatário do serviço, deve, além de indicar o seu correio electrónico, oferecer outra via de comunicação por força do artigo 5.°, n.° 1, alínea c), da directiva?

b)      Em caso de resposta afirmativa: Constitui uma segunda via de comunicação o serviço que consiste em o prestador de serviços criar um formulário de pedido de informações, através do qual o destinatário do serviço pode dirigir‑se ao prestador de serviços pela Internet e a resposta deste ao pedido de informações do destinatário do serviço é dada por correio electrónico?

IV – O processo no Tribunal de Justiça

12.      O pedido prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de Junho de 2007.

13.      As partes no processo principal, a Comissão e os Governos polaco, sueco e italiano apresentaram observações escritas.

14.      Não tendo sido requerida a realização de audiência, após a reunião geral de 1 de Abril de 2008, o processo ficou pronto para a preparação das presentes conclusões.

V –    Análise das questões prejudiciais

15.      O Bundesgerichtshof pretende que o Tribunal clarifique o âmbito do artigo 5.°, n.° 1, alínea c), da directiva sobre o comércio electrónico.

16.      Trata‑se, assim, de determinar se cumpre os requisitos previstos nessa disposição e na própria legislação nacional a página web de uma empresa alemã que contém apenas um endereço electrónico e um formulário a que se responde por correio electrónico, mas não um número de telefone.

17.      Segundo a disposição comunitária, o prestador de um serviço deve assegurar que os destinatários tenham um acesso directo e permanente aos elementos de informação, incluindo o seu endereço electrónico, que permitam contactá‑lo rapidamente e comunicar directa e efectivamente com ele.

18.      Com uma interpretação estritamente gramatical, não se vislumbra uma resposta satisfatória e unívoca às questões submetidas, sobretudo se se compararem as várias versões linguísticas do preceito. É, pois, indispensável recorrer também a uma análise teleológica e sistemática, pois só a ponderação conjunta de todos estes factores hermenêuticos (a redacção, os objectivos e o contexto da directiva) pode ajudar a resolver as incertezas deste processo.

A –    O sentido literal do artigo 5.°, n.° 1, alínea c), da directiva

19.      Uma primeira abordagem do teor sintáctico da disposição gera algumas hesitações, decorrentes da utilização das expressões «incluindo» e «elementos de informação».

20.      A utilização do gerúndio «incluindo» antes da referência específica ao correio electrónico («y compris» na versão francesa; «including» na inglesa; «einschließlich» na alemã) parece sugerir a ideia de que a empresa tem que propor algum modo de contacto que não seja por e‑mail, que, por si só, não bastaria para cumprir o disposto na directiva. De acordo com esta leitura, o prestador deveria assegurar aos destinatários, pelo menos, duas vias de comunicação, uma das quais terá que ser o correio electrónico. Segundo se deduz na questão prejudicial, esta interpretação foi mantida pelo Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo) austríaco em relação à disposição nacional de transposição, ou seja, o § 5, n.° 1, ponto 3, da E‑Commerce‑Gesetz.

21.      No entanto, o texto da directiva não explica os dados adicionais de contacto que deveriam ser disponibilizados ao interessado. De facto, uma análise de algumas versões do artigo sugere deduções divergentes. Assim, a palavra «señas» da versão espanhola costuma referir‑se, na linguagem habitual, ao endereço de alguém (4), enquanto nas «coordonnées» da francesa também se inclui o número de telefone (5). Pelo contrário, as expressões em inglês ou em alemão são muito mais neutras e genéricas (com «details» e «angaben», respectivamente, designa‑se qualquer tipo de informação).

22.      Cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante, todas as versões linguísticas têm o mesmo valor e que a necessidade de uma interpretação uniforme das disposições de direito comunitário «impede que, em caso de dúvida, o texto de uma disposição seja considerado isoladamente», exigindo que seja interpretado e aplicado à luz das versões redigidas nas restantes línguas oficiais; em caso de divergência, recorre‑se à sistemática e à finalidade da norma (6).

23.      Pois bem, se há que extrair algum corolário desta pequena análise comparativa é que o legislador comunitário procurou uma redacção genérica para o preceito, aceitando qualquer indicação válida para um contacto directo e eficaz com o prestador do serviço, impondo unicamente como condição indispensável a indicação de um endereço electrónico.

B –    Significado de «comunicar directa e efectivamente» na perspectiva do contexto e dos objectivos da directiva

24.      O problema consiste, pois, em determinar no que implica «comunicar directa e efectivamente» no referido artigo 5.°

25.      A demandante no processo principal e o Governo italiano sustentam que um contacto com estas características só é obtido por via telefónica, já que a comunicação directa tem que ser «de pessoa para pessoa» e a eficaz exige que se assegure uma resposta quase imediata, não bastando um tratamento diferido das informações transmitidas. Também entendem que o teor literal da disposição impõe que se articule algum instrumento de contacto para além do e‑mail.

26.      Todavia, esta posição é excessivamente limitada e, o que é mais importante, não pondera o contexto específico em que a directiva é aplicada nem os objectivos que prossegue.

27.      Considero, pois, que uma análise completa e geral do artigo controvertido abrange os seguintes aspectos: primeiro, se o telefone constitui o único meio para comunicar «directa e efectivamente»; segundo, se o correio electrónico representa um instrumento eficaz no contexto da directiva; terceiro, se exigir exclusivamente um endereço de correio electrónico é coerente com os objectivos da própria directiva, e quarto, se, neste caso, existe alguma violação dos direitos dos consumidores.

1.      O telefone não constitui o único meio para assegurar que se comunica «directa e efectivamente»

28.      Não partilho a ideia de que a comunicação directa só é gerada quando há troca de informação «de pessoa para pessoa», pois o adjectivo «directa» nada indica sobre o carácter verbal ou escrito do contacto, mas que seja efectuado sem intermediários (neste caso, entre o cliente e um representante da empresa), requisito que tanto é preenchido com o telefone como com o correio electrónico.

29.      Discordo igualmente que se negue a qualificação de efectivo a um meio de comunicação que se ocupa «em diferido» (na expressão da demandante) das informações transmitidas, pois isso equivaleria a afirmar que uma resposta por escrito não tem eficácia.

30.      Se o prazo de resposta não for demasiado alargado, a forma escrita oferece maiores garantias, por se presumir habitualmente mais pausada e reflectida e por ficar registada, com uma inegável vantagem probatória. A eficácia só é conseguida quando o cliente obtém uma resposta rápida: não imediata, mas rápida. A disposição controvertida refere a possibilidade de «comunicar directa e efectivamente» com o prestador do serviço, mas também de contactá‑lo «rapidamente».

31.      Finalmente, considero importante matizar que a comunicação «efectiva» promove um verdadeiro diálogo entre as partes implicadas, de modo que cada pergunta receba uma resposta ágil, com reacções adicionais, o que nem sempre ocorre com os serviços de atendimento telefónico, pois, frequentemente, as chamadas não são atendidas por uma pessoa e o interessado encontra um menu gravado, no qual tem que escolher as opções mais adequadas ao que pretende consultar.

32.      Do exposto infere‑se que o telefone não é o único meio para estabelecer uma comunicação directa e eficaz entre o prestador do serviço e o potencial cliente. Um contacto por escrito através da Internet (7) preenche essas condições, desde que seja realizado sem intermediários e com certa fluidez. É o que acontece com a empresa demandada no processo principal: segundo a prova pericial efectuada no processo, as respostas aos pedidos de esclarecimento dos interessados chegavam ao seu correio electrónico entre trinta e sessenta minutos depois.

33.      Esta solução, que admite outros instrumentos além do telefone para que exista uma comunicação directa e efectiva, parece mais conforme e respeitadora dos objectivos e do contexto da directiva sobre o comércio electrónico, factores hermenêuticos que, segundo jurisprudência constante, completam a interpretação estritamente literal de uma disposição de direito comunitário (8).

2.      O correio electrónico como instrumento de comunicação eficaz no contexto da directiva

34.      Antes de mais, a directiva é aplicável num âmbito muito concreto, o das relações comerciais através da Internet, em que a informação sobre os serviços oferecidos, os contactos preliminares e a própria contratação são efectuados na rede. O artigo 5.°, n.° 1, alínea c), só se refere expressamente ao correio electrónico, por ser o instrumento de comunicação que melhor se adapta a esse meio.

35.      Quando um utilizador decide recorrer a um comerciante que apenas actua por via telemática, aceita tacitamente que a correspondência com a empresa seja efectuada exclusivamente por via electrónica, excluindo (pelo menos na fase preliminar, anterior à assinatura do contrato) qualquer contacto pessoal ou telefónico. Além disso, quem se dirige a uma empresa que apenas vende os seus serviços na Internet, normalmente tem um endereço de correio electrónico (ou tem capacidade para o criar com certa facilidade).

36.      As transacções na rede provocam algum receio, pelo que exigem especiais garantias sobre a identidade e a fiabilidade do prestador do serviço. No entanto, hoje não é exequível agregar a essas garantias a de disponibilizar um meio de comunicação alheio ao próprio âmbito em que decorre a actividade comercial, por considerá‑lo mais tradicional e conhecido, em suma, mais seguro. A hesitação e o cepticismo sobre os novos negócios sempre existiu na história da Humanidade, e o próprio telefone, agora tão básico e fiável, despertou grande desconfiança quando começou a expandir‑se nas relações humanas (9).

37.      A Internet sofreu uma evolução semelhante: as reservas iniciais (que influenciaram, ainda que anedoticamente, a «explosão» das empresas «ponto.com» no início deste século (10)) deram lugar a um panorama muito distinto, caracterizado por uma extraordinária generalização do acesso à rede e por uma maior confiança dos consumidores no meio (11), graças à melhoria dos mecanismos de encriptação para a segurança das transacções e à ampliação dos instrumentos de protecção de dados pessoais (12).

38.      Em resumo, a comunicação telemática revela‑se consubstancial ao comércio electrónico, ao qual está indissoluvelmente ligada, pelo que se compreende perfeitamente que os contactos entre a empresa que opera na rede e um cliente potencial sejam efectuados por esta via, eliminando qualquer outra.

3.      Exigir exclusivamente um endereço electrónico é mais coerente com os objectivos da directiva

39.      Assim, exigir unicamente um endereço electrónico parece mais coerente tanto com os objectivos gerais da directiva como com a finalidade prosseguida pelo seu artigo 5.°

40.      De acordo com os terceiro, quarto, quinto, sexto e oitavo considerandos, a directiva visa o desenvolvimento da sociedade da informação e o aproveitamento das oportunidades do mercado interno com o comércio electrónico.

41.      Por conseguinte, concordo com os Governos sueco e polaco que a necessidade de uma linha telefónica poderia implicar um entrave importante para este tipo de negócio e, em qualquer caso, para o bom funcionamento do mercado interno no mesmo âmbito.

42.      Além disso, a mera indicação de um número de telefone na página web não garantia essa comunicação directa e eficaz a que alude a directiva, a qual só seria obtida com uma central telefónica («call center» na gíria empresarial). Estes sistemas de atendimento telefónico do cliente têm um elevado custo económico para a empresa (13), o que se repercutiria negativamente nos preços e comprometeria a viabilidade do comércio através da Internet para as empresas de pequena dimensão, frequentemente as mais inovadoras e dinamizadoras da economia.

43.      É, pois, inconcebível pensar que a directiva obriga as entidades que operam na rede a facultar sempre aos interessados a possibilidade de um atendimento telefónico, como também não o fazem a directiva de protecção dos consumidores em matéria de contratos à distância ou a directiva de comercialização à distância de produtos financeiros destinados aos consumidores (14). Mais, estas duas directivas, ao estabelecerem as informações de que devem dispor todos os utilizadores antes da celebração do contrato, permitem que as referidas informações sejam prestadas por qualquer forma adaptada ao meio de comunicação à distância utilizado (artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 97/7 e artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 2002/65).

44.      Entra também aqui em jogo o princípio da proporcionalidade, pois o décimo considerando da directiva limita as medidas que prevê ao mínimo necessário para permitir o correcto funcionamento do mercado interno. Uma interpretação literal da disposição controvertida, além de prejudicar o desenvolvimento do comércio electrónico, excederia o estritamente indispensável para assegurar tanto um adequado mercado interno como para permitir «comunicar directa e efectivamente» com o prestador do serviço.

4.      Não existe, neste caso, violação dos direitos dos consumidores

45.      Não há que esgrimir uma ideia genérica de protecção dos consumidores, pois, neste caso, trata‑se de se dirigir a uma empresa para pedir esclarecimentos sobre os serviços que esta vende na Internet. Não existe, porém, qualquer vínculo contratual entre ambas as partes nem, por isso, qualquer possibilidade de infligir um prejuízo grave aos interesses do consumidor. A empresa opta por operar exclusivamente na Internet e o comprador potencial escolhe um prestador com essas características.

46.      O meio utilizado pelo prestador constitui mais um elemento da sua oferta; se um cliente não quer apresentar as suas questões por escrito ou prefere uma relação mais pessoal, pode sempre recorrer a outra empresa que lhe responda telefonicamente (ou mesmo ao balcão). Renuncia assim a uma proposta em benefício de outra mais adaptada às suas exigências, tal como compara os preços ou as condições do seguro, do mesmo modo que há quem goste de ir pessoalmente ao banco e não confie as suas poupanças a uma entidade financeira que não tenha sucursais.

C –    Recapitulação

47.      Tendo em conta tudo o anteriormente exposto, parece necessário matizar a interpretação literal do artigo 5.°, n.° 1, alínea c), da directiva sobre o comércio electrónico com vista a uma melhor realização dos seus objectivos, atento o contexto em que é aplicado, fazendo prevalecer sobre qualquer outro o objectivo de assegurar ao consumidor uma comunicação inicial rápida, directa e efectiva com o prestador do serviço.

48.      Há que responder à primeira questão do Bundesgerichtshof que o referido artigo 5.°, n.° 1, alínea c), não exige, expressa ou implicitamente, a publicação de um número de telefone na página web do prestador do serviço, mas refere expressamente o fornecimento de um contacto por meio de endereço electrónico.

49.      A segunda questão leva‑me a concordar com a Comissão, pois uma comunicação electrónica rápida, eficaz e directa basta para permitir o acesso qualificado que exige a directiva, sem necessidade de articular outro meio adicional de contacto com o prestador. Há, pois, que compreender a disposição analisada no sentido de que refere que a página de Internet deve conter, no mínimo, o endereço electrónico. De acordo com esta interpretação, só se o correio electrónico não garantir esse tipo de contacto, é que se terá que acrescentar um mecanismo adicional, avaliando se o telefone pode cumprir o objectivo do artigo 5.°, n.° 1, alínea c).

50.      Este entendimento da directiva dispensa‑nos de analisar a terceira questão do órgão jurisdicional alemão. Porém, se o Tribunal de Justiça acolher uma exegese literal da mesma directiva, obrigando a incorporar um segundo meio de comunicação, um formulário electrónico seria pertinente, apesar da proximidade deste instrumento com a simples indicação do endereço electrónico.

VI – Conclusão

51.      Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais apresentadas pelo Bundesgerichtshof, declarando que:

«1)      Um prestador de serviços não é obrigado, por força do artigo 5.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno, a indicar um número de telefone para informação aos consumidores antes da celebração de um contrato.

2)      O prestador do serviço também não é obrigado, por força da mesma disposição, a oferecer um segundo meio para atender o utente, além do seu endereço electrónico, desde que este último seja adequado e suficiente para obter um contacto rápido e estabelecer uma comunicação directa e efectiva.»


1 – Língua original: espanhol.


2 – Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno (JO L 178, p. 1).


3 – Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 1997, relativa à protecção dos consumidores em matéria de contratos à distância (JO L 144, p. 19).


4 – O Dicionário da Real Academia Espanhola não inclui esse significado (apenas refere as «señas personales», definindo‑as como os «traços característicos de uma pessoa», que a distinguem das outras; e a expressão «dar señas de algo», para «manifestar as suas circunstâncias individuais»; descrevê‑lo de forma que se distinga de outra coisa). Refere‑o, no entanto, o Diccionario de Uso del Español, de Maria Moliner, que indica, como terceira acepção da palavra (no plural), a «indicação exacta do sítio onde mora uma pessoa».


5 – Curiosamente, o Dicionário da Academia Francesa inclui a frase, de sentido familiar e figurado «donnez‑moi vos coordonnées», como sinónimo do endereço e do número de telefone, mas desaconselha a sua utilização.


6 – Acórdãos de 12 de Novembro de 1969, Stauder (29/69, Colect. 1969‑1970, p. 157); de 27 de Outubro de 1977, Bouchereau (C‑30/77, Colect., p. 715); de 12 de Julho de 1979, Koschniske (9/79, Recueil, p. 2717); de 7 de Julho de 1988, Alexander Moksel Import und Export (C‑55/87, Colect., p. 3845); de 2 de Abril de 1998, EMU Tabac e o. (C‑296/95, Colect., p. I‑1605); de 7 de Dezembro de 2000, Itália/Comissão (C‑482/98, Colect., p. I‑10861); de 1 de Abril de 2004, Borgmann (C‑1/02, Colect., p. I‑3219); de 19 de Abril de 2007, Profisa (C‑63/07, Colect., p. I‑3239), e de 4 de Outubro de 2007, Schutzverband der Spirituosen (C‑457/05, Colect., p. I‑0000).


7 – Quer seja síncrona (como nos chamados «chats») ou assíncrona (como no correio electrónico), para empregar uma terminologia muito difundida no mundo da informática.


8 – Acórdãos de 23 de Novembro de 2006, ZVK (C‑300/05, Colect., p. I‑11169); de 6 de Julho de 2006, Comissão/Portugal (C‑53/05, Colect., p. I‑6215), de 18 de Maio de 2000, KVS Internacional (C‑301/98, Colect., p. I‑3583); de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão (C‑156/98, Colect., p. I‑6857), e de 17 de Novembro de 1983, Merck (292/82, Recueil, p. 3781).


9 – Marcel Proust, em À la recherche du temps perdu, À l’ombre des jeunes filles en fleur, Ed. Gallimard, La Plêiade, Paris, 1987, Tomo I, p. 596, conta que Madame Bontemps, a propósito de Madame Verdurin estar a instalar a electricidade na sua nova casa, comenta com Madame Swann a história de uma cunhada de uma conhecida sua que instalou o telefone no seu domicílio, podendo, inclusivamente, encomendar o que quiser sem sair do seu quarto! Madame Bontemps reconhece que sente uma certa curiosidade pelo aparelho e uma irresistível tentação para ensaiar o seu funcionamento, mas prefere fazê‑lo em casa de outra pessoa porque, na sua opinião, uma vez vencida a curiosidade, deve ser um verdadeiro quebra‑cabeças.


10 – Castells, M., La Galáxia Internet, Plaza y Janés Editores, S.A., Barcelona, 2001.


11 – Segundo o Eurostat, a percentagem de famílias com acesso de banda larga na sua residência cresceu, na União Europeia, de 14% em 2004 para 42% em 2007; na Alemanha, essa percentagem passou de 9% em 2003 para 50% em 2007. Revelador é também (igualmente do Eurostat) o volume de negócios das empresas europeias proveniente do comércio electrónico, que passou de 2,1% em 2004 para 4,2% em 2007 (números totais para a União Europeia).


12 – O estudo Realities of the European on line marketplace, do European Consumer Centre’s Network, fala de uma segunda vaga de e‑commerce, tributária do aumento da segurança dos consumidores quanto ao meio digital; não obstante, admite que falta um longo percurso até que as previsões de saída do mercado se realizem (http://ec.europe.eu/consumers/redress/ecc_network/european_online_marketplace2003.pdf). Segundo Luc Grynbaum, «pode imaginar‑se que amanhã a mão invisível do mercado, tão querida por alguns economistas, não constitua apenas uma realidade financeira, mas também uma realidade comercial na forma do grande mercado imaterial e permanente criado pela web» (Grynbaum, L., La Directive «commerce électronique» ou l’inquietant retour de l’individualisme juridique, La semaine Juridique Edition Générale n.° 12, 21 de Março de 2001, I 307).


13 – O custo deste serviço reflecte‑se comparando‑o com outros de resposta por escrito, já que se demonstrou que as chamadas telefónicas costumam concentrar‑se em certas faixas horárias (Empirical Análisis of a Call Center, de Avishai Mandelbaum, Anat Sakov e Sergey Zeltyn, do Israel Institute of Technology, 2001).


14 – Directiva 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores e que altera as Directivas 90/619/CEE do Conselho, 97/7/CE e 98/27/CE (JO L 271, p. 16).